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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-/

E Múltiplos olhares para o ensino e aprendizagem:


.ed. práticas, diálogos e reflexões [livro eletrônico] /
organizador Cleber Bianchessi. – .ed. –
Curitiba-PR, Editora Bagai, . p.
PDF.

Bibliografia.
ISBN: ----

. Aprendizagem. . Didática. . Ensino – Educação.


. Interdisciplinaridade. I. Bianchessi, Cleber.

-/ CDD .


Índice para catálogo sistemático:
. Educação: Aprendizagem: Didática .

https://doi.org/./----...

ISBN 978-65-81368-67-8

9 786581 368678 >

Este livro foi composto pela Editora Bagai.

www.editorabagai.com.br /editorabagai
/editorabagai contato@editorabagai.com.br
ENCENAÇÃO EM CONTEXTOS
DIDÁTICOS: OLHARES E DESAFIOS
ATUAIS EM DIÁLOGOS COM
A LICENCIATURA EM ARTES
CÊNICAS UFGD

Ariane Guerra Barros33


Marcos Machado Chaves34

INTRODUÇÃO
A disciplina Encenação em Contextos Didáticos, componente cur-
ricular obrigatório à Licenciatura em Artes Cênicas da Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD), é ofertada, segundo projeto
político-pedagógico do curso (2017), no último ano de formação das
alunas e dos alunos em graduação. Pode-se arrogar, dentre várias aborda-
gens possíveis, que seu escopo permite atravessar experiências pensando
em uma encenação teatral inserida nos espaços escolares, destinada ao
público da infância e da juventude, em ambientes diversos – seja apre-
sentando em auditórios, palcos, ruas, pátios ou mesmo em salas de aula.
Também é possível propor performances e reflexões não necessariamente
vinculadas ao ensino formal. Da mesma forma, pensar em encenação e
em contextos didáticos suscita a relação de um processo teatral em si, no
que tange às aprendizagens necessárias de todo um coletivo de artistas
em uma montagem cênica. Todavia, em nossa condução, sentimos a
necessidade de ampliar olhares às possibilidades de articulação entre uma
obra teatral e seu espaço de apresentação em uma escola, pois sabemos
da importância de levar materiais artísticos às crianças e que o espaço
físico para a ação pode ser um desafio.

33
Doutora em Artes Cênicas (UFBA). Professora Adjunta (UFGD).
CV: http://lattes.cnpq.br/
34
Pós-doutorando em Artes Cênicas (UnB). Doutor em Teatro (UDESC). Professor
Adjunto (UFGD). CV: http://lattes.cnpq.br/

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Cleber Bianchessi (org.)

A autora e o autor ministraram a referida disciplina recentemente,


em duas distintas experiências: (1) em 2019.135 na última oferta regular e
presencial antes de vivenciarmos a pandemia; (2) em 2020.136 de forma
virtual com os percalços derivados do contexto pandêmico. Esta última
em dois momentos: um pequeno trecho iniciado em fevereiro de 2020
(ainda presencialmente), e, depois da suspensão das aulas no mês de
março pela propagação do coronavírus (COVID-19), com retorno na
modalidade denominada Regime Acadêmico Emergencial por Modalidades
e Fases (RAEMF) – proposto pela UFGD –, no mês de março de 2021.
Neste capítulo atravessaremos observações resultantes destas duas
vivências (ofertas do componente curricular), que trazem os cenários
anterior e durante a pandemia, em abordagens que cruzam o presencial
e o virtual e trazem novas problematizações. Salientamos que as expe-
riências partem de um local específico, a partir da Licenciatura em Artes
Cênicas da Universidade Federal da Grande Dourados, no estado de
Mato Grosso do Sul, porém potencializam-se os pontos de contato com
similares cursos de graduação no Brasil, porque todas e todos (discentes
e docentes) passamos por adaptações – derivadas da pandemia – nos
componentes curriculares, e tais alterações reverberarão por muitos anos.
Com quais impactos na formação das alunas e dos alunos?

DESAFIOS ANTERIORES
No primeiro semestre de 2019, o componente curricular Encena-
ção em Contextos Didáticos foi ofertado no sábado pela manhã37, com 34
alunos/as matriculados/as. Esta foi a última oferta da disciplina antes
da pandemia, e o olhar ao seu desenvolvimento nos serve como base
comparativa para a oferta do ano de 2020 – atravessada por contextos

35
Ministrada por Marcos Machado Chaves.
36
Ministrada pela professora Ariane Guerra Barros durante o Regime Acadêmico
Emergencial por Modalidades e Fases, seguindo aulas iniciadas pelo professor Marcos
Chaves no período presencial.
37
O curso de Artes Cênicas da UFGD é noturno (de segunda a sexta-feira), com
adendo de possibilidades de oferta dos componentes curriculares aos sábados (pela
manhã ou tarde).

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

complexos. As motivações iniciais, do plano de ensino, surgem da ementa:


“Práticas de montagem e compreensão de elementos de cenas a partir de
temas gerados pelo próprio grupo. A encenação em contextos didáticos.
Peças didáticas. Noções de produção e divulgação” (UFGD, 2017, p.
37 e 38). Estudamos textos teatrais para o público infantil como ponto
de partida, valorizando o teatro para crianças:
Abraçando as problematizações de Clóvis Garcia à
nomenclatura teatro infantil, compartilhada por diver-
sos/as artistas e pesquisadores/as brasileiros/as, rever-
bero a atualização do termo para que seu uso corrente
opte pela denominação teatro para crianças ao abordar
montagens teatrais profissionais destinadas ao público
da infância e juventude. (CHAVES, , p. ).

A turma experimentou algumas peças de teatro para discutir


propostas em diálogo com uma possível apresentação (projeto) em escola
de ensino fundamental: líamos as dramaturgias, praticávamos as cenas
e, após os exercícios, entrecruzávamos as vivências com os conteúdos do
plano de ensino da disciplina. No decorrer do semestre, pesquisamos
seis textos teatrais para eleger um – que o coletivo discente entendesse
interessante e/ou potente ao pensar em uma encenação – para seguir
experimentações e produção. Dos seis textos, duas peças estudadas
possibilitavam abordagem contemporânea e eram oriundas do livro Seis
peças infantis para adultos ou adultas para crianças (2016), da dramaturga
brasileira Claudia Valli: Política para Crianças38 e Um Conto para Rosa39.
Escolhemos a peça teatral da protagonista Rosa, por tratar de
um universo lúdico, fantástico, com “personagens de contos de fadas,
mas do meu jeito” (VALLI, 2016, p. 179), ou seja, despindo alguns
estereótipos – e alguns imaginários sociodiscursivos que podem dialo-
gar com o machismo, por exemplo – que podemos ler em tradicionais
38
“[...] só parei mesmo de escrevê-la em . [...] é uma peça sobre política. Mas
também é uma história sobre a relação de um pai com seu filho, sobre juntar forças,
sobre ter coragem e até – acredite se quiser – sobre ratos se aventurando no mundo da
música” (VALLI, , p. ).
39
“[...] estreou em , no Teatro Ziembinski, no Rio de Janeiro, com produção da
Tibicuera e Companhia. [...] Foi considerada pelo Jornal do Brasil como um dos dez
melhores espetáculos infantis do ano” (VALLI, , p. ).

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histórias infantis, tais como uma princesa esperar um príncipe para ser
salva. Temáticas relevantes de ter reverberações, pois “há a urgência,
na atualidade, de não esquecermos tais dispositivos de conhecimento
[conectados a imaginários] quando desenvolvemos/aprimoramos enten-
dimento sobre nossas próprias vozes” (CHAVES; BARROS; SOUZA
JUNIOR, 2020, p. 61).
As alunas e os alunos se dividiram nos papéis de atrizes e atores,
assim como nas equipes de produção, direção e criação de elementos
cênicos. O professor-mediador buscou assessorar as equipes e propor-
cionar as orientações necessárias para a montagem e sua apresentação. A
turma entendeu que seria interessante ter a possibilidade de apresentar
em uma escola pública, para crianças da rede municipal de Dourados.
Organizamos pontes com o subprojeto Arte do PIBID/UFGD (Pro-
grama Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da Universidade
Federal da Grande Dourados), encaminhamos a proposta e agendamos
a apresentação. Pontuamos que a obra seria exibida em um dia útil, em
turno de aula para as crianças, e por não ser o mesmo horário e dia da
semana da disciplina a turma se voluntariou para a apresentação. A
equipe de direção visitou a escola escolhida para conhecer seus espaços
físicos e eleger os locais onde apresentaríamos a peça teatral.
Os sábados seguiam com muitos ensaios e debates produtivos,
mas sofremos as dificuldades de mediar uma turma numerosa com ape-
nas um encontro semanal, frequentemente as faltas de algumas alunas
e de alguns alunos ralentavam a sequência da montagem teatral. Ao
chegar perto da data da apresentação, e com algumas cenas pontuais
pouco desenvolvidas, o grupo de discentes responsáveis pela direção, em
conjunto com o professor, optaram por sugerir o cancelamento desta
experiência com as espectadoras e os espectadores infantis, por entender
que entregar um espetáculo teatral frágil ou inacabado poderia preju-
dicar sua fruição ou não suprir sua expectativa/proposta – o que seria
injusto às crianças. Levantamos questões, tais como: se entendemos que

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

a peça de teatro não está em um nível mínimo pretendido40, de que forma


poderíamos apresentá-la? Tal feito, sua apresentação desta maneira, não
se configuraria como algo próximo a ludibriar um público que esperava
um espetáculo teatral? No campo artístico, estes levantamentos não
possuem uma única resposta, certo ou errado, possivelmente seguir com
a apresentação – como processo ou work in progress – geraria interessantes
reverberações, mas o coletivo não estava seguro a continuar. Foi uma
decisão difícil, mas madura. Lidamos com a frustração, e tal vivência
se configurou como um processo pedagógico relevante.
O componente curricular atingiu seus objetivos, concluímos com
apresentações internas das cenas, na universidade, para fechar o ciclo.
Estudamos e pensamos muito nas crianças e nas estruturas físicas de
uma escola que poderia receber a peça teatral, apenas não conseguimos
presentear a disciplina – e o público que projetamos compartilhar a obra
artística – como gostaríamos. Na arte, para as/os artistas, não apenas
um processo criativo finalizado serve como experiência promissora, a
própria trajetória de criação desde a sua concepção, com os altos e baixos
que surgem no decorrer de seu desenvolvimento, mostra muitos cami-
nhos que apontarão novas possibilidades; de tal modo que uma possível
frustração com um produto artístico inacabado é um saber adquirido
que servirá ao/à artista em outros projetos.
O professor relatou a experiência em reunião pedagógica no cole-
giado, no intuito de repensar a oferta deste componente curricular aos
sábados. No curso de Artes Cênicas da Universidade Federal da Grande
Dourados, lida-se muito com a ausência de alunas e alunos nos sábados
(manhã ou tarde), em diferente grau em relação às disciplinas noturnas
de segunda a sexta-feira. Parte desta questão está vinculada, também,
às poucas ofertas de transporte público que faz o translado ao campus
neste dia da semana – realidade local. Existiam questões socioculturais

40
Aqui entendendo um “nível mínimo pretendido” como uma série de organizações
da peça teatral que a configure como uma obra minimamente concluída pelas pessoas
envolvidas em sua produção, ou seja, com as cenas ou sequências estudadas, experi-
mentadas, “decoradas” ou aprimoradas, ensaiadas, com contribuições nos elementos
cênicos etc.

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Cleber Bianchessi (org.)

envolvidas que precisariam ser ampliadas para o ano letivo posterior,


mas 2020 trouxe outras adversidades que dilataram nossos desafios.

DESAFIOS EM CONTEXTO ADVERSO NA


PANDEMIA
Em 2020 o mundo se viu diante de uma avassaladora pandemia
que reverberou em setores sociais, culturais, econômicos, educacio-
nais e políticos – entre outros. A educação ficou a mercê de um vírus
que coibia encontros presenciais, gerando uma crise sem precedentes
para professores/as e alunos/as que tinham seus estudos pautados nesta
modalidade de ensino. Privados de sua função pedagógica de maneira
habitual, docentes tiveram que se adaptar a plataformas virtuais, inse-
ridos no contexto pandêmico em que a tela se tornaria mestre na/para
a sala de aula.
As universidades e seus cursos presenciais também tiveram que
se moldar a essa nova forma de ensino, adaptando-se a um formato
remoto, que assemelhava-se a Educação a Distância (EaD), mas que
trazia intrinsecamente diversos problemas e dificuldades, referentes
tanto à capacitação docente para esse tipo de ensino; quanto questões
como acessibilidade, conectividade e dinâmica concernente ao ensino
via plataformas virtuais.
Os cursos de Artes Cênicas se viram em um grande paradigma
educacional: como ensinar presença cênica sem presença física-emocional?
Como estimular a interação corpóreo-mental necessária à arte de ator/
atriz através de um enquadramento específico: o quadrado/retângulo
de celulares, tablets e computadores em que corpos não se tocam e se
encontram focados no busto e na cabeça? Como realizar uma montagem
teatral sem encontro presencial, sem espaço de ensaio, sem iluminação
adequada, em que câmera e microfones podem ser desligados a qual-
quer momento, com conexão de internet oscilante, oscilando também
a (muitas vezes deficiente) conexão virtual?
A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – assim
como outras universidades brasileiras – organizou-se para que se implan-

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

tasse uma modalidade de ensino temporária em caráter excepcional


durante a pandemia, neste ínterim fora ofertado o Regime Acadêmico
Emergencial (RAE): um ensino virtual, distanciado, realizado através de
plataformas on-line, inserido a partir de junho de 2020, como tentativa
de não atrasar ou prolongar ainda mais as atividades acadêmicas em
suspensão. Eximimo-nos de uma crítica detalhada a respeito do RAE,
basta registrar que, em nossa percepção, na universidade douradense
houve pouca conversação com a comunidade acadêmica e pouca prepa-
ração para a modalidade sugerida, potencializando desentendimentos
que prejudicaram algumas disciplinas. Ampliaremos informações deste
Regime no tópico posterior do presente capítulo.
Fora os problemas contextuais, o desafio da virtualização de uma
disciplina majoritariamente prática, como o caso de Encenação em Contex-
tos Didáticos, trouxe questões e problematizações referentes a uma prática
sem a presença física, por tal elegeu-se atividades em conexão com uma
encenação teatral já existente e disponível por vídeo como referência41.
Calcadas nas fábulas de La Fontaine, e desenvolvida entre os meses de
março e maio de 202142, a ideia principal do componente em questão
era a de preparar e contar uma história – no caso, a fábula – de forma
criativa e inovadora, sem necessidade de fidelidade total ao texto. Dessa
forma, o foco estava na maneira de contar a fábula, e não na fábula em
si, ou seja, a escolha do formato de encenação poderia ganhar destaque,
mesmo que de forma online.
A turma de 12 discentes foi instrumentalizada com fábulas de
La Fontaine, em que leituras em voz alta, durante encontros remotos,
foram feitas para escolha de fábula, bem como visualização de vídeos
para instigar imaginativamente formas de criação dessa fábula. Aca-

41
Espetáculo para crianças “Fábulas em  tempos ou o fabuloso La Fontaine” ()
do Grupo Farsa & Nossa Trupe, de Porto Alegre/RS. Obra que recebeu o Prêmio
Tibicuera de Melhor Espetáculo, Direção e Dramaturgia. Montagem a qual a autora
e o autor deste capítulo participaram como artistas.
42
Parte do semestre letivo de . fora ofertado em  no Regime Acadêmico
Emergencial por Modalidades e Fases (RAEMF), como o caso de Encenação em Con-
textos Didáticos. O RAEMF foi uma atualização do Regime Acadêmico Emergencial
(RAE) da UFGD.

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dêmicos/as tinham auxílio e liberdade para realizar sua encenação de


forma individual ou em grupo (respeitando-se o distanciamento social
e protocolos de biossegurança), em que 9 encenações foram produzidas:
desde podcasts, vídeos inteiramente em formato powerpoint, gravações com
trilha sonora, entrevistas e formatos de telejornais foram apresentados43.
A criatividade foi instigada com a tecnologia, a compreensão de
uma encenção remota, gravada, e virtual pode ampliar possiblidades
de fruição artística, desde o contato com a voz na forma de podcast, até
mesmo a ausência corporal em vídeos com apenas imagens retiradas da
internet, até o/a próprio/a estudante sendo filmado na cena. Não apenas
o formato, mas a própria concepção da fábula teve suas convergências
e divergências de uma encenação considerada tradicional, em que per-
sonagens, direção, cenário/ambientação e direção foram tranformados
para o formato online. Descobertas que geraram interessantes discussões
com a turma e registros nos relatórios finais, com potenciais sentimentos
antagônicos mesclados – de um alento às obras artísticas criadas, como
um respirar no caos, a uma persistente preocupação com a pandemia e
a frustração de ter interações perdidas na disciplina pelo contexto.

O REGIME ACADÊMICO EMERGENCIAL


No dia 29 de junho de 2020 a então reitoria pro tempore da Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (UFGD) publicou a resolução
número 106, indicando uma nova forma de atuação de ensino: o Regime
Acadêmico Emergencial (RAE). Pautada em formulário enviado pre-
viamente aos docentes, técnicos e discentes, e tendo apenas aproxi-
madamente 56% de resposta dos estudantes totais da universidade, a
resolução indicou que:
[...] entre os discentes respondentes, ,% indicaram
ter smartfone, ,% notebook, ,% computador de
mesa, ,% tablet, ,% indicaram não ter nenhum
equipamento. Considerando estes equipamentos, ,%
consideram ter capacidade de download de materiais, e

43
Os trabalhos podem ser visualizados através do link:
<https://youtu.be/eETqeamlE>.

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

,% não teria capacidade e que as principais dificul-


dades apontadas para participar de aulas remotas estão:
necessidade de interação com os docentes para escla-
recer dúvidas (,%); condições emocionais (,%);
conhecimento limitado sobre como usar a Plataforma
online de aprendizagem (,%); falta de equipamento
adequado (,%)[...]. (Resolução , de //,
UFGD, p. ).
Assim, a reitoria implantou o RAE, a serem aprovadas as ativi-
dades letivas a partir do dia 03 de agosto de 2020, independentemente
do curso. Além dessa definição implementada sem o diálogo com cursos
de graduação, o RAE deveria ser elaborado pelas Unidades acadêmicas
da seguinte forma: “[...] oferta excepcional e opcional de componentes
curriculares, de forma não presencial, divididos em 4 módulos com
duração de 25 dias letivos cada módulo, enquanto durar a suspensão do
calendário acadêmico 2020.1” (Resolução 106, de 29/06/2020, UFGD,
p. 05). Dividido em módulos, o RAE demandava que o/a docente minis-
trasse sua disciplina em 25 dias letivos consecutivos, disponibilizando
um turno para tal. Os turnos eram separados em matutino, vespertino
e noturno, e mesmo que o curso presencial fosse realizado em apenas
um turno, era solicitado que a disponibilidade de disciplinas abarcasse
os três turnos.
A programação da disciplina deveria ser preenchida em formulário
específico, principalmente aquelas que possuíam em seu escopo carga
horária prática, caso da maioria dos cursos de Artes Cênicas brasileiros.
O docente poderia ministrar a disciplina da seguinte forma:
as atividades pedagógicas poderão ou não ser mediadas
por tecnologias e/ou plataformas virtuais de ensino e
aprendizagem (Ambientes Virtuais de Aprendizagem -
AVA, Moodle, redes sociais, e-mail, blogs, WhatsApp,
Google Meet, etc). (Idem, p. , grifo nosso).

A frequência de cada turma ficava a cargo do/a professor/a, com


o agravante de: “O acesso e a visualização de vídeos ou a presença em
videoconferências são facultativos e não obrigatórios ao discente e não
devem ser exigidos para fins de cumprimento de carga horária ou desen-
volvimento de atividade.” (Resolução 106, de 29/06/2020, UFGD, p.
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07). Devendo ofertar pelo menos dois componentes curriculares durante


o RAE, o/a docente estava limitado/a a uma oferta por módulo, para “não
extrapolar a carga horária máxima semanal prevista em lei”. (Resolução
106, de 29/06/2020, UFGD, p. 08). Já o/a discente só poderia cursar no
máximo três disciplinas por módulo (uma no período matutino, outra
no vespertino e outra no noturno, além de Trabalho de Conclusão de
Curso e Atividades Complementares.
Dessa forma, acadêmicos/as e professores/as tiveram que se adaptar
a essa nova realidade, impelida pela reitoria e com prazos e ações a curto
prazo. Sem ter o respaldo técnico e tecnológico adequado, é possível
afirmar que o processo de ensino-aprendizagem foi bastante prejudicado
nessa nova forma acadêmica escolar. Assoberdados e atarefados, pro-
fessores/as e alunos/as muitas vezes solicitavam uma pausa, um respiro
em meio a esse trem desgovernado que tentávamos deixar nos trilhos. A
demanda de trabalho aumentou consideravalmente, principalmente por
reduzirmos um semestre letivo a 25 dias de docência quase ininterruptas.
Algumas questões foram percebidas a partir desse período: as
turmas iniciavam com determinado número de alunos/as matriculados/
as, mas finalizavam com um número que às vezes chegava a menos da
metade do número inicial44, acarretado pelo desestímulo e acumulação de
tarefas. A evasão foi observada de forma preocupante, pois se já acontecia
de forma presencial, a forma remota, com as dificuldades de conexão,
diálogo, comunicação e mesmo entendimento, aumentaram, e muito,
os números de desistentes, não apenas no curso de Artes Cênicas, mas
de forma geral e crescente em todos os outros cursos.

44
Por exemplo, a disciplina “Música e Cena II”, ofertada no RAE por Marcos Chaves,
iniciou com  alunos e terminou com  alunos matriculados (os outros solicitaram
cancelamento da matrícula por não conseguir acompanhar devido à modalidade), e,
destes, apenas  finalizaram,  alunas (uma delas indígena) não solicitaram cancelamento
e nunca participaram de nenhuma atividade, tampouco retornaram algum contato
por e-mail institucional – deflagrando dificuldades de comunicação ou problemas no
acesso à internet durante a pandemia.

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em conta o fator agravante de uma pandemia mundial
nos anos de 2020 e 2021, entender como o modelo de ensino presencial
passou para o ambiente virtual no ensino das Artes Cênicas nos leva
a refletir sobre alguns aspectos que são inerentes ao ensino em arte, e
ensino de forma mais ampla.
Dentro das artes da cena o aspecto corporal é extremamente
aprofundado e a interação entre corpos é meio e fim de um espetáculo
teatral. O teatro é inclusive entendido como a arte de corpos presentes,
sendo a representação uma re (partícula que significa repetição) aliada
à presentação, o estar presente. Estar presente no campo virtual pode
ser burlado de inúmeras formas, pois, ao desligarmos a câmera, de certa
forma, nos ausentamos de nossa imagem, presença e mesmo atenção ao
que está sendo proposto do outro lado da tela. Sabemos que a conectivi-
dade aumenta a interação virtual, porém a tecnologia ao mesmo tempo
que nos auxilia nos tempos pandêmicos e nos coloca em interação remota,
também nos permite estar presentes sem estarmos ali.
À ausência de um espaço físico compartilhado, em que corpos
presentes interagem entre si, nos resta um compartilhamento de tela,
de janelas, de enquadramentos, em que a atenção é redobrada e forçada
para que não nos desviemos daquilo que precisa estar em foco. Mesmo
tendo esse foco bastante especificado: a tela de um telefone, tablet ou
computador, as distrações são inúmeras, seja pelo ambiente mais fami-
liar – nossa própria residência –, seja por outras telas, sons e sensações
invadindo o ambiente de sala de aula remoto.
A disciplina Encenação em Contextos Didáticos aplicada durante o
RAEMF, mesmo produzindo material para ser apresentado de forma
remota, também teve uma frustração que a disciplina presencial relatou:
enquanto na presencial a ausência das pessoas e as faltas de alunos/as
acarretou o cancelamento do espetáculo na sala de aula; na disciplina
remota não houve interação para que se criasse um espetáculo, mas
esforços individualizados que geraram uma obra, com diferentes níveis
de apresentações. Aplaudimos a dedicação, todavia nos entristecemos

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por não termos aquilo que o teatro clama: um convívio para uma criação
coletiva. A tecnologia nos auxilia e nos puxa o tapete; assistir a obras em
formato televisivo não é o mesmo que estar em uma obra, participando
de sua construção, compartilhando experiência no aqui-agora da apre-
sentação. De acordo com Luís Otávio Burnier: “A particularidade de a
arte de ator exigir a presença física do artista diante de seus espectadores
no momento em que acontece [...]” (2001, p. 18) já instaura essa presença
física que não pode ser substituída, mesmo que gravada, pois “O fato
de o ator estar vivo diante dos espectador, executar, sentir, viver e fazer
sua arte, introduz questões de difícil captação, referentes a um universo
subjetivo, de sentimentos, sensações, emoções [...]” (BURNIER, 2001,
p. 18). Sabemos que as atualizações nas últimas décadas na história do
teatro, com o avanço tecnológico e o repensar a relação real x virtual,
fornecem diversos caminhos para distintas percepções, apenas rever-
beramos Burnier por entender que os elementos conectados à presença
física são caros às artes da cena.
O teatro nos permite con-viver com o espetáculo, sendo ele próprio,
mesmo que ensaiado, feito no exato instante em que se a/re/presenta.
Uma obra gravada ou feita para uma tela está no campo do passado, já
foi criado, não pode ser alterado – salvo exceções e ponderações à relação
com o/a espectador/a. A isso perde-se muito em uma pandemia, em que
um teatro gravado é um filme, mesmo sendo feito ao vivo pelo artista.
Pode-se clamar (mesmo que a afirmação possa ser transformada por
diferentes contextos): o que faz do teatro uma arte única (distinta a cada
apresentação) é exatamente o espaço físico compartilhado, a interação de
corpos presentes, entendendo-se e criando e co-criando a obra ao mesmo
tempo. É possível alcançar algum grau de contato, algum diálogo com
esta relação nos desafios atuais que enfrentamos... Com quais impactos
na formação das alunas e dos alunos?

REFERÊNCIAS
BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Uni-
camp, .

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Múltiplos Olhares para o Ensino e Aprendizagem

CHAVES, Marcos; BARROS, Ariane Guerra; SOUZA JUNIOR, José Manoel de.
Nos caminhos das intersecções cênicas entre voz e discurso: dispositivos de potência do
contar-se. Revista Voz e Cena, v. , n. , p. -, . Recuperado de https://periodicos.
unb.br/index.php/vozecena/article/view/
CHAVES, Marcos. Teatro para crianças: observações conceituais e atravessamentos
sonoros. O ensino e suas expressões: interdisciplinaridade, tecnologias, direitos humanos,
linguagens, artes, discursos e recursos / organizador Cleber Bianchessi. Curitiba-PR:
Editora Bagai, .
FONTAINE, La. Fábulas de La Fontaine.Tomos I, II e III. São Paulo: Gráfica e Editora
Edigraf Limitada, sem ano.
FONTAINE, La. As mais belas fábulas de La Fontaine –  Ed. São Paulo: Paulinas, . 
UFGD. Projeto político pedagógico do curso de graduação em Artes Cênicas – Licenciatura
e Bacharelado. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, Mato
Grosso do Sul: . Acesso em:  out. . Disponível em: <http://files.ufgd.edu.
br/arquivos/arquivos//COGRAD/PPC%ARTES%CENICAS%.pdf>.
UFGD. Resolução ad referendum CEPEC/UFGD n. , de  de junho de .
Aprova a retomada das atividades letivas a partir de  de agosto de , de forma
remota com o Regulamento do Regime Acadêmico Emergencial (RAE) e o Calendário
Acadêmico Emergencial (CAE), em caráter excepcional e temporário.
VALLI, Claudia. Seis peças infantis para adultos ou adultas para crianças. Rio de Janeiro:
Vieira & Lent, .

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