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Seropédica, RJ
Agosto, 2019
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Seropédica, RJ
Agosto, 2019
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APROVADO EM DE DE 2019.
Comissão Examinadora:
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Seropédica, RJ
Agosto, 2019
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Aos meus pais e irmãos, que me auxiliaram ao longo desta jornada, não me
permitindo esmorecer face aos obstáculos que surgiram.
Aos meus ancestrais, que me inspiram e os quais são motivos do meu mais profundo
orgulho.
5
RESUMO
Palavras-chave: IPES, think tanks, ditadura civil-militar, Guerra Fria, golpe de Estado,
Chile
ABSTRACT
This thesis has as main objective to reflect the influence force of a think tank
especially the Institute of Research and Social Studies (IPES), formed by businessmen
and military, with support from the US government, which had important participation in
the coup From April 1964, that overthrew the government of President João Belchior
Marques Goulart, whose associates and partners lead the new regime, developing public
policies and organizations promoted. The IPES, for its purpose, set up a structure with a
degree of complexity, ample and sophisticated for the strategic undertaking, campaigns
and studies antagonistic to the government of Goulart. At the same time, it drafted
governance projects and pre-projects for basic reforms, which is used by the government
of President Humberto de Alencar Castello Branco. Their expertise was passed on to the
chilean right wing fronts that were antagonistic to the Salvador Allende government.
Keywords: IPES, think tanks, civil-military dictatorship, Cold War; Coup d’État; Brazil,
Chile
7
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................ 5
ABSTRACT ........................................................................................................................ 6
SUMÁRIO .......................................................................................................................... 7
Introdução ......................................................................................................................... 10
Capítulo 1 .......................................................................................................................... 17
Os think tanks .................................................................................................................... 17
1.1 - A gênese dos think tanks: ..................................................................................... 17
1.2 – A Revisão da Literatura: ................................................................................... 19
1.3 – A Expansão do mecanismo: ............................................................................. 23
Capítulo 2 .......................................................................................................................... 26
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) ........................................................... 26
2.1 - A trajetória do IPES: ............................................................................................. 26
2.2 - A Estrutura do IPES .......................................................................................... 30
2.3 – A atuação do IPES: ........................................................................................... 36
Capítulo 3 .......................................................................................................................... 49
O IPES como agente das Relações Internacionais ............................................................ 49
3.1 - Os think tanks e as Relações Internacionais: ........................................................ 49
3.2 - O IPES como um think tank: ............................................................................. 53
3.3 - A relação entre o IPES e a queda do governo de Salvador Allende: ................ 56
Conclusão.......................................................................................................................... 63
Bibliografia ....................................................................................................................... 66
Páginas eletrônicas: ........................................................................................................... 67
Livros, capítulos, teses, dissertações e artigos: ................................................................. 67
Filmografia ........................................................................................................................ 72
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ABREVATURAS E SIGLAS
AEF - American Economic Foundation
AGO - Assembleia Geral Ordinária
AI – Anistia Internacional
AIFLD - American Institute for Free Labour Development
ALPRO - Aliança para o Progresso
BM – Banco Mundial
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAS - Corpo de Assistências Sociais
CD - Comitê Diretor
CE - Comitê Executivo
CED - Committee for Economic Development
CESEC - Centro de Estudios Socio-Económicos
CEOP - Centro para el Estudio de la Opinión Pública
CF - Conselho Fiscal
CIA – Central Intelligence Agency
CIEX - Centro de Informações do Exterior
CLMD - Cruzada Libertadora Militar Democrática
CLUSA - Liga Cooperativa dos Estados Unidos
CO - Conselho Orientador
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
DSN - Doutrina de Segurança Nacional
ESG - Escola Superior de Guerra
FIEL - Fundación de Investigaciones Económicas Latinoamericanas
FM - Fundación Mediterránea
FMI – Fundo Monetário Internacional
9
Introdução
2
O sistema internacional é o nível no qual se desenvolvem as relações entre os atores
internacionais, sendo eles Estados, organismos internacionais, organizações não governamentais ou
empresas privadas. O equilíbrio deste sistema está diretamente ligado à distribuição de poder entre os
atores, de forma que o relacionamento entre as partes oscila, genericamente, entre situações de cooperação
e conflito (PECEQUILO, 2004).
3
Abordagem científica que foca a criação da política pública. Busca integrar o estudo da teoria e da
prática política (FREY, 2000).
4
É uma prática política operada por indivíduo, organização ou grupo de pressão, no interior das
instituições do sistema político, com o intuito de influenciar a formulação de políticas e a alocação de
recursos públicos.
11
5
Optamos por esta categoria, elaborada por Alain Touraine (1989), pois permite incorporar regimes
que a noção de populismo dificilmente daria conta, como no caso do governo de Salvador Allende.
13
IPES/IBAD, o “IBAD agia como um centro tático e o IPES funcionava como centro
estratégico” (DREIFUSS, 2006 p. 176). Após a interrupção das atividades do IBAD, o
IPES assumiu o papel de protagonista na oposição ao governo de João Goulart.
No período que antecedeu ao golpe civil-militar de 1964, o IPES elaborou
diversos anteprojetos no intuito de desestabilizar o governo de João Goulart, bem como
suprimir a propagação dos ideais comunistas que foram difundidos nos diversos setores
da sociedade brasileira. Vários intelectuais renomados e militares de alta patente
compuseram o seu quadro, além de empresários e importantes figuras da sociedade civil,
que juntos atuaram de forma ampla, organizada e sistemática. O IPES apresentou
diversos projetos de políticas públicas que foram incorporados pelos governos militares.
Esse trabalho não possui o intuito de dar conta da totalidade das pesquisas
relacionadas à ditadura e sua relação simbiótica com o empresariado, embora serão
apontados alguns trabalhos de destaque que abordam estas temáticas.
Posto isso, o objetivo deste estudo monográfico é contribuir para a evolução do
debate sobre a força de influência de um mecanismo como os think tanks, sua relação
com o campo das Relações Internacionais, utilizando como exemplo a relação entre IPES
e as frentes direitistas que eram antagônicas ao governo de Salvador Allende, e
explicitando os aspectos da atuação do instituto no golpe civil militar de 1964, sua
atuação externa bem como sua relação com o regime autoritário chileno.
Para dar suporte teórico a essa monografia, no que se refere às principais
características das dinâmicas políticas e sociais que antecederam ao golpe de Estado,
foram utilizadas as obras de René Armand Dreifuss, 1964: a conquista do Estado - Ação
política, poder e golpe de classe e A internacional capitalista - Estratégias e táticas do
empresariado transnacional 1918-1986, consideradas as produções acadêmicas pioneiras
e mais consistentes acerca da atuação da sociedade civil ao abordar a participação da
chamada “elite orgânica”. Em suas obras, o cientista social René Armand Dreifuss
defende que a coalizão vitoriosa em 1964, articulada em torno do Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (IPES), organizou os interesses sócio-políticos do capital multinacional e
associado – implantado durante os anos da presidência de Juscelino Kubitschek (1956-
14
6
Estabelecemos aqui a diferenciação do nome da ciência do nome do objeto de estudo mediante o
uso de iniciais maiúsculas para a ciência – Relações Internacionais – e o uso de iniciais minúsculas para o
objeto do conhecimento – as relações internacionais.
15
suficientemente explorada, pois uma parcela significativa dos estudos sobre o tema não o
relacionam o instituto a esta compreensão, muitas vezes optando por evitar associar o
IPES a experiência brasileira do fenômeno, tendo em vista a atuação controversa do
instituto e sua relação com a experiência autoritária no Brasil. Além disso, ainda
permanecem obscuras as relações que este instituto estabeleceu com os agentes
responsáveis pela deflagração da experiência autoritária no Chile, que resultaram na
derrubada do governo de Allende e na interrupção dos projetos levados à cabo pela
Unidad Popular.
Os raros estudos formais disponíveis, bem como as diversas lacunas que ainda
precisam ser preenchidas, instigam a realização de uma investigação mais profunda que
aborde eficazmente a relação simbiótica entre o IPES e o panorama autoritário brasileiro,
bem como sua ligação com experiências autoritárias estrangeiras, especialmente as do
Cone Sul.
Para compreender o contexto histórico dos acontecimentos de abril de 1964 é
imprescindível abordar a forte relação que o evento e seus principais atores, tais como a
elite empresarial, possuíam com as tendências internacionais no campo político,
econômico e social no período posterior a Segunda Guerra Mundial. Neste período,
ocorre também a consolidação das Relações Internacionais como disciplina, haja vista a
complexidade da nova realidade internacional que sobrepôs com o fim do conflito.
No que concerne a este estudo monográfico, será dividido de maneira a facilitar a
compreensão do tema.
Deste modo, o primeiro capítulo abordará as definições mais recorrentes sobre o
fenômeno dos think tanks, sua gênese, a qual possui uma forte relação com o liberalismo,
o que configura este mecanismo como um instrumento de renovação do capitalismo e os
debates acadêmicos mais recorrentes com relação ao tema.
Visto isso, no segundo capítulo analisar-se-á a criação do IPES, sua estrutura e a
maneira sobre a qual o instituto atuou no contexto brasileiro no período antecedente a
abril de 1964, com o objetivo de expor de que maneira ocorreu a participação do IPES,
nos fatos transcorridos no período.
16
Capítulo 1
Os think tanks
Segundo Daniel Mato (2007, p. 27), “a Sociedade Mont Pèlerin conta atualmente com 500
7
membros, de 40 países, entre os quais políticos notáveis, prêmios Nobel de Economia, empresários,
jornalistas e acadêmicos”.
19
A atuação dos think tanks na escala global eclodiu de maneira mais sólida após a
Segunda Guerra, período este que corresponde à consolidação das Relações
Internacionais como disciplina acadêmica.
Os think tanks são cada vez mais importantes em um cenário global complexo em
que a tomada de decisão não é um papel exclusivo do poder governamental. De modo
geral, são caracterizados como instituições de pesquisa, análise e amparo de políticas
públicas que ajudam a direcionar a tomada de decisão e buscam sensibilizar a sociedade
quanto a temas de seus interesses, operando como uma ponte entre o mundo acadêmico e
o governo e este a outros corpos políticos, sendo as mesmas ligadas a uma realidade
concreta, não abstrata.
O termo “think tanks” têm sua origem nas salas nas quais se debatiam as
estratégias militares durante a Primeira Guerra Mundial, “no jargão militar eram como se
chamavam as salas seguras e secretas onde se discutiam planos e estratégias militares
durante a guerra” (TEIXEIRA, 2007 p. 106). O termo passou a ser usado para referir as
organizações que ofereciam consultoria militar ao governo devido aos novos desafios
estratégicos que surgiram após a Segunda Guerra Mundial (TEIXEIRA, 2007).
No propósito de situar o debate, iremos expor uma breve revisão literária acerca
do fenômeno de modo a possibilitar a identificação dos objetivos e do modus operandi
dessas instituições, levando em consideração a natureza multifacetada dos think tanks.
Serão apresentadas de maneira breve as teses vigentes acerca do conceito de think tanks
na bibliografia internacional8, a partir do levantamento apresentado por Júnia Rosa
Soares (2009), bem como outras definições encontradas pelo autor deste trabalho.
Na literatura tradicional anglo-saxônica, os think tanks são instituições
independentes, organizadas que realizam pesquisas e geram conhecimento político
8
Para um levantamento igualmente abrangente, consultar Teixeira 2007:105-164.
20
A verdade não existe fora do poder ou sem poder (...) A verdade é deste
mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos
regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “
política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona
uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a
obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que
funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1982, p.12)
É possível refletir sobre a ação dos think tanks e dos intelectuais que legitimam
esses mecanismos, conferindo-lhes credibilidade, pois o que faz com o que o poder seja
mantido e aceito é que ele não atua apenas como uma força que nega e coage, mas que
permeia, forma conhecimento e elabora discurso9, uma cadeia produtiva que transpassa
todo o corpo social muito além do que um dispositivo negativo que possui a função de
reprimir (Foucault, 1982). O discurso é, então, a reverberação de uma verdade (Foucault,
2004), verdade que “está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e a
apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem” (Foucault, 1982 p. 14).
Deste modo, a legitimação dos think tanks se baseia na importância que o
conhecimento possui no mundo contemporâneo. Posto isto, fica claro que o papel dos
think tanks e de seu núcleo intelectual é, sobretudo, dar sentido e legitimar políticas,
tornando, assim, opaco o caráter dominador do discurso e diminuindo a clareza de uma
determinada agenda, o que facilita sua aceitação e absorção (TEIXEIRA, 2007).
9
Compreende-se discurso como toda prática expressiva de linguagem, sendo parte integrante de um
contexto sócio-histórico, e que intencione à produção e circulação social de sentido (Rabaça e Barbosa,
2001), com a intenção de produzir efeito de significação, por meio de argumentos, cujo objetivo é “capturar
a aprovação do público pelo lado emocional, criando imagens simpáticas e empáticas do orador e seu
público” (Pinto, 1999:14)
23
Embora este trabalho não tenha como intuito se ater e prolongar o debate acerca
do conceito de think tanks e, porventura, sua aplicação ao caso do IPES, bem como a
contraposição sobre a utilização do termo10 para caracterizar o instituto, é imprescindível
expor algumas conceituações sobre o fenômeno e identificar a que mais se aplica ao caso
do IPES, a fim de identificar de que maneira o fenômeno incorporou-se à realidade
brasileira.
De acordo com Diane Stone (2005), é possível considerar quatro marcos na linha
do tempo dos think tanks. O primeiro marco surgiu antes da Segunda Guerra Mundial,
com a atuação de institutos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, com foco na
discussão de temas relacionados à urbanização, industrialização e crescimento econômico
no século XX, delimitando esses institutos como um fenômeno anglo-americano. A
segunda fase ocorreu com o fim da Segunda Guerra Mundial e com o crescimento de
think tanks pela Europa, que debatiam sobre segurança e política externa. O período foi
marcado pela proliferação de institutos de política externa, centros de estudo de institutos
de estudos de segurança e desenvolvimento, em uma era definida pela Guerra Fria, as
rivalidades das superpotências e o surgimento das questões do Terceiro Mundo. Após os
anos 70, a terceira fase é definida pelo surgimento de grupos de debate sobre a
instabilidade econômica e política dos países em desenvolvimento, predominando as
pautas sobre desregulamentação, privatização e liberalização financeira, que são
estruturas do consenso de Washington. Por fim, a quarta fase é caracterizada por novas
formas de comunicação e interação virtual e global (STONE, 2005).
O desafio de estudar um think thank brasileiro consiste em verificar a existência
dos mesmos, pensar em um modo de conceituar um modelo brasileiro e descobrir
especificações institucionais, para, a partir disso, poder traçar uma linha sobre o que seria
um modelo brasileiro (TEIXEIRA, 2007). No Brasil, tanto a atuação quanto a análise
10
Para maior aprofundamento sobre o debate, consultar: MORAES, 2016.
24
sobre a função dessas organizações ainda são incipientes, quando comparado aos Estados
Unidos, onde os think tanks amparam as decisões tomadas em Washington e direcionam
a política externa norte-americana de maneira abrangente e expressiva, cabendo ressaltar
que devido a este fato, a literatura e a produção intelectual sobre os think tanks é
predominantemente estadunidense.
Embora haja exemplos relevantes da atuação de think tanks brasileiros, tal como
será exposto mais adiante o caso do IPES, delimitar um modelo brasileiro ainda
representa uma tarefa árdua, devido ao fato dessas organizações apresentarem diferentes
formatos. Posto isso, é interessante buscar compreender a realidade múltipla dessas
organizações no Brasil, a sua moldura a realidade brasileira a fim de esclarecer quais são
ou foram os possíveis impactos dessas organizações no contexto nacional. A partir do
caso do IPES, será possível observar a potencialidade dessas organizações no arranjo
político e poder de influência na produção de pesquisas que amparam políticas públicas.
Como exemplo da dificuldade de identificar um modelo brasileiro desses mecanismos,
temos o caso das organizações híbridas que atuam tanto como think tanks quanto
empresas de consultoria que operam sob a abordagem do design thinking11, que visa a
inovação e, consequentemente, a geração de lucro e aumento de capital de grandes
empresas. O fortalecimento do conceito de think tanks nos Estados Unidos se
correlaciona com o advento da concepção de que o conhecimento técnico deve sobrepujar
os impulsos ideológicos e político partidários. No Brasil, o discurso tecnocrático passa a
ser incorporado e difundido de maneira ampla na década de 1950, seguindo as tendências
dos países centrais. Dessa maneira, o esforço pela aplicação do conhecimento técnico
especializado na administração pública e no aparelho do Estado se torna cada vez mais
encorpado no âmbito interno. Nesse sentido, pelo menos quatro ondas foram discernidas
por Diane Stone (2005) no padrão de crescimento dos think tanks em todo o mundo. A
primeira geração antes da Segunda Guerra Mundial; a segunda onda nos países da
11
Design thinking é um método prático-criativo de solução de problemas ou questões, com vistas a
um resultado futuro. Nesse sentido é uma forma de pensar baseada ou focada em soluções, com um
objetivo inicial, em vez de começar com um determinado problema. Então, concentrando no presente e no
futuro, os parâmetros do problema e suas soluções são exploradas simultaneamente. Cross, Nigel.
"Designerly Ways of Knowing." Design Studies 3.4 (1982): 221-27.
25
OCDE12, e inclusive no Brasil; o boom mundial de think tanks a partir do final década de
1970; e a transnacionalização dos think tanks no novo milênio (STONE, 2005).
Como podemos observar, estes mecanismos configuram-se como um instrumento
de renovação do capitalismo e possuem uma intrínseca relação com as correntes liberais.
Podemos observar também a multiplicidade da revisão literária e a dificuldade dos
estudiosos do assunto em estabelecer um marco teórico que dê conta de caracterizar o
fenômeno de maneira eficiente.
12
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE). É uma organização
internacional, composta por 34 países e com sede em Paris, França.
26
Capítulo 2
Neste capítulo, iremos elucidar como surgiu o IPES, de que maneira o instituto
organizou-se, quais foram as suas fontes financiadoras e de que forma ele atuou e
contribuiu para o processo que resultou na deflagração do golpe civil-militar de 64.
Abordaremos a trajetória do instituto, sua estrutura e como ele atuou frente aos fatos
ocorridos durante sua existência.
Embora a existência do IPES tenha sido relativamente curta (não mais que uma
década) as atividades desta entidade proporcionaram efeitos profundos na conjuntura e
nos acontecimentos na qual ela esteve inserida. Não é exagero conceder ao IPES a
importância de ter sido o propulsionador e centro ideológico por meio do qual os agentes
do golpe civil-militar foram motivados13.
Optou-se por utilizar a nomenclatura “civil-militar” neste trabalho em razão da
participação de parcelas da sociedade civil, através do IPES, no golpe de 1964 e pelo
predomínio de civis e tecnoempresários nos órgãos administrativos e ministérios no
governo, pós-64.
13
De acordo com a historiadora e jornalista Denise Assis, o IPES foi montado para servir como o
“ovo da serpente do golpe militar” - (Trecho do documentário “O dia que durou 21 anos”).
27
O autor Hernán Ramiro Ramírez (2005), que desenvolveu uma tese de doutorado
onde foi elaborada uma perspectiva comparada entre o IPES e outras organizações de
mesma finalidade na Argentina, como a Fundación de Investigaciones Económicas
Latinoamericanas (FIEL) e a Fundación Mediterránea (FM), delimita quatro períodos na
existência do IPES e, a partir deles, faz uma análise minuciosa das especificidades de
cada um desses momentos.
O primeiro momento é marcado pela estruturação organizativa, expansão,
lançamento do seu projeto político de desestabilização do governo Goulart e a
manifestação de numerosas marchas e contramarchas. (RAMÍREZ, 2005)
O segundo momento, que teve duração até dia 27 de maio de 1964, quando ocorre
a separação das duas seccionais que originaram, da filial carioca, o IPES Guanabara.
Neste momento, o amadurecimento do instituto, bem como sua atuação política se
consolida. Ainda neste período, ocorre um aumento substancial da participação do
empresariado nos embates políticos, assim como das grandes quantias e colaborações
financeiras oriundas deste empresariado, tornando esta etapa o auge das contribuições
arrecadadas pelo instituto. (RAMÍREZ, 2005) Além disso, a entidade passa a usufruir de
um poder expressivo, já que vários membros do instituto passam a fazer parte da nova
administração (BORTONE, 2016).
O terceiro período, que vai até 1967, o IPES se esforça para se posicionar dentro
do novo panorama político interno e externo. Passado o perigo que o populismo
representava, o instituto adota uma postura que busca novos objetivos, traçando novas
estratégias que fossem mais consonantes a ele, recebendo inicialmente o apoio dos
políticos que detinham poder que participavam de seus eventos, cenário este que se
estendeu até as mudanças ocorridas dentro do já estabelecido governo militar, quando a
presença de funcionários da administração nas atividades da entidade, diminuiu
consideravelmente, tornando clara a perda de poder e prestígio. (RAMÍREZ)
O quarto (último momento) se estende até 1971, quando as atividades do instituto
são encerradas. Esta última etapa é marcada por decisões conjunturais erráticas, que
evidenciaram a incapacidade do IPES Guanabara para recrutar sócios e patrocinadores,
28
que pudessem manter o manter, bem como definir um caminho às atividades da entidade,
explicitando a dificuldade do IPES Guanabara em resolver esses problemas. (RAMÍREZ,
2005). Tangenciada a trajetória do IPES, prosseguiremos com o restante dos fatos, bem
como dos aspectos que merecem ser ressaltados com relação ao instituto.
Após os fatos que sucederam a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em
agosto de 1961, e a tumultuada posse de seu vice, João Belchior Marques Goulart,
considerado nacionalmente como o maior herdeiro político de Getúlio Vargas naquele
período, no cargo de presidente, ocorre a fundação do Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (IPES)14. A organização surge por meio da fusão das concepções da Encíclica
Mater et Magistra15, acerca da evolução da questão social de acordo com a Doutrina
Cristã e da Aliança para o Progresso (Alpro). Membro importante da Escola Superior de
Guerra e um dos principais ideólogos da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), o
General Golbery do Couto e Silva assume a direção do Instituto. Dreifuss destaca que a
fundação do complexo IPES/IBAD no dia 29 de novembro de 1961 foi recepcionada
favoravelmente pelos grandes órgãos da imprensa, bem como pela cúpula eclesiástica,
intelectuais e políticos:
14
Relação dos sócios fundadores: Augusto Trajano de Azevedo Antunes, Harold Cecil Polland,
Glycon de Paiva Teixeira, Heitor Almeida Herrera, José Rubens Fonseca, Oswaldo Tavares Ferreira,
Antonio Gallotti, Cândido Guinle de Paula Machado, Gilbert Huber, Jorge Oscar de Mello Flores, Jorge
Franke Geyer, Guilherme Borghoff, Hélio Gomide, Jorge Bhering de Matos, José Luiz Moreira de Souza,
Maurício Vilela, Miguel Lins, Dênio Chagas Nogueira, José Garrido Torres, João Nicolau Mader
Gonçalves, José Duvivier Goulart, Joviano Rodrigues de Moraes Jardim, Eurico Castanheira, Oscar de
Oliveira, Abelardo Coimbra Bueno, Álvaro Americano, Bento Ribeiro Dantas, Nelson Parente Ribeiro,
Orlandy Rubem Corrêa, Odylo Costa Filho, Rubem da Fraga Rogério, Aurélio de Carvalho, Mauro Ribeiro
Viegas, Décio de Abreu, Carlos Henrique Schneider, Tony Bahia, Fernando Ihler, Joaquim Carneiro, Oscar
de Carvalho, Adalberto Bueno Neto, Fernando Machado Portella, José Inácio Caldeira Versiani, João
Baptista Leopoldo Figueiredo, Luiz Cássio dos Santos Werneck, Paulo Ayres Filho, Paulo Reis Magalhães,
Juan Missirlian, Jorge Duprat de Britto Pereira, Jorge Augusto Vidal, Fernando da Silva Sá, Ésio Alves
Ferreira, Liberato da Cunha Friedrich, Leopoldo Figueiredo Junior. - Estatuto IPES/GB - 1964. (MORAES,
2016)
Encíclica elaborada pelo papa João XXIII que condenava o comunismo como “ateu e
15
Essa concentração da elite ao redor deste complexo que possuía como objetivo resguardar
seus interesses, não foi um fenômeno observado somente no Brasil. Em toda América
Latina, no final da década de 50 já existiam grupos com características similares ao IPES,
esses diversos grupos possuíam um canal comum por onde passavam informações
concernentes às experiências. Organizações com formatos similares existiam também
pela Europa e nos Estados Unidos, alguns desses think tanks norte-americanos, como o
Latin American Information Committee (LAIC) e a American Economic Foundation
(AEF), apoiavam financeiramente colaboraram na coordenação do IPES bem como
outras organizações congêneres no Cone Sul (DREIFUSS, 1981). Foi intensa a relação do
IPES e segmentos anticomunistas e setores empresariais estadunidenses no início da
década de 60:
Sendo assim, competia aos think tanks das nações capitalistas desenvolvidas,
formar e patrocinar suas irmãs congêneres pelo mundo, com as quais manteve estreitos
laços ideológicos, vínculos e ligação organizacional, firmando uma conexão internacional
do empresariado. Em razão de crises e transformações sociais, políticas e econômicas
globais que afligiam as demandas da burguesia, era necessário o estabelecimento do
capitalismo moderno no mundo e a participação desta burguesia na arena política para
protegê-la seu interesse essencial, o capital.
troca da ajuda financeira norteamericana, a subordinação dos governos latino-americanos aos interesses da
potência. O intuito era oferecer recursos para viabilizar projetos de combate e erradicação das mazelas
sociais nas esferas da saúde, educação, habitação e trabalho. Visava-se, com isso, esvaziar os focos de
tensão e de degradação social existentes, estabilizando o domínio das elites locais e protegendo os
interesses dos EUA. Ver Padrós, 2005.
31
Dreifuss segue em certa medida esta vertente teórica, pois ambos compartilham
de determinada maneira que em qualquer sociedade há uma maioria comandada por uma
minoria (elite governante) que ocupam cargos políticos ou que influencia as decisões
políticas e, com base em Gramsci, elabora o conceito de elites orgânicas, a que chama de
“agente coletivos, político-ideológicos especializados no planejamento estratégico e na
implementação de ação política de classe” (DREIFUSS, 1986. p, 24) e que possui como
seu braço articulador e pensante as fundações, agências governamentais e os institutos de
pesquisa. Para Gramsci:
18
O autor é Uruguaio, com formação em Ciências Políticas e História, pela Universidade Haifa em
Israel.
38
O que ocorreu em abril de 1964 não foi um golpe militar conspirativo, mas
sim o resultado de uma campanha política, ideológica e militar travada pela
elite orgânica centrada no complexo IPES/IBAD. (DREIFUSS, 1981, p.
230).
O período entre 1962 e 1964 foi necessário para que a estratégia ideológica se
transformasse em política e que a estratégia política se convertesse em ação militar para
garantir a consolidação do poder.
Na obra de Dreifuss é relatado que a elite orgânica formulou dois grandes
movimentos doutrinários, são eles: doutrinação geral e a doutrinação específica. Na
doutrinação geral, a elite orgânica pretendia atingir o máximo possível da população
favorecendo valores e pontos de vistas tradicionais e ideológicos de vertente direitista e
estimularam determinadas percepções negativas sobre o bloco nacional reformista. Eles
desenvolviam não somente uma campanha estruturada para alcançar o poder, mas
também elaboraram um programa de governo. (DREIFUSS, 2006)
A elite orgânica produziu diversos conteúdos relacionados a sua doutrina bem
como divulgou variadas publicações (livros, panfletos, periódicos, jornais, revistas,
folhetos, cadernos e etc), além de promover palestras, simpósios, conferências com
personalidades famosas por meio da imprensa, debates públicos, filmes, peças teatrais,
desenhos animados, entrevistas, propagandas no rádio e televisão, manifestos e cartilhas.
cartoons e filmes19 eram direcionados a um público alfabetizado e considerado mais
intelectualizado pelo instituto (DREIFUSS, 2006).
No que diz respeito à doutrina específica, tencionava moldar a consciência e a
organização dos setores dominantes e envolvê-los na ação explicando que era necessária
a criação de uma “classe para si”. A consolidação política das frações multinacionais e
associadas dentro da classe dominante. Desse modo, consolidaria cada vez mais a
importância de que as multinacionais fossem inseridas no Brasil para modernizá-lo.
De acordo com o historiador Carlos Fico (2004), a relação simbiótica entre o
IPES e os militares foi o elemento que proporcionou sucesso ao golpe de 1964, embora o
19
Acerca das produções cinematográficas por Jean Manzon para o IPES, ver ASSIS, 2001;
CORRÊA, 2005.
40
igreja também foi bastante visada, buscando oferecer a “resposta cristã à crise” em
oposição às soluções socialistas (DREIFUSS, 2006).
Desta maneira, a ação política ipesiana objetivava formar um novo bloco
histórico, buscar a hegemonia dentro da classe dominante, conter as classes sociais
subordinadas e excluir os interesses tradicionais. A necessidade inicial do seu projeto
hegemônico era coordenar esforços e ajustar interesses dos mais diversificados
empresários de diferentes setores e ideologias, convencê-los de que tinham uma missão
política a cumprir para representar uma força em prol da sociedade (DREIFUSS, 1981).
A conjuntura política facilitava a adesão, pois as indústrias estabelecidas desde a década
de 30 começaram a enfraquecer e a perder sua eficácia no governo de Goulart, que
mantinha o Estado no controle das iniciativas privadas.
O IPES apoiava as ações por meio de dinheiro, apoio administrativo,
envolvimento nas eleições estudantis, fundos para publicações, subsídios para atividades
diversas, inclusive patrocínio de viagens aos EUA. Também infiltraram “elementos
democráticos” na população estudantil, fomentando uma forte ação política por meio de
professores.
A classe média pode ser considerada como um braço da ação política utilizada
pelo IPES, sendo ela caracterizada como uma “massa de manobra” além de ser
compreendida como um ponto de referência para a identificação da legítima expressão
popular. A classe média seria o local de referência que legitimaria o novo movimento que
estava sendo estimulado no período anterior a abril de 1964. A estratégia de dialogar com
esta classe foi crucial para conferir a aparência de um apelo popular às Forças Armadas
para uma intervenção militar (DREIFUSS, 1981).
Não era suficiente apenas argumentos racionais para a estratégia do IPES obter
sucesso, era necessário buscar motivos emocionais. A classe média era insuflada a refletir
que estava empobrecendo e que não possuía vantagens salariais como as das classes
trabalhadoras como os ferroviários, operários marítimos e portuários (DREIFUSS, 1981)
Ao contrário do setor industrial urbano, o setor agrário não participou do esforço
de sindicalização corporativa do Estado Novo. Havia começado a se reforçar movimentos
42
20
Entrevista realizada por Camilo Tavares para o documentário O dia que durou 21 anos, entre
20min23seg e 20min43seg.
43
eleições de 1962 foram consideradas o auge de uma das maiores operações políticas
empreendidas pela Divisão Ocidental da CIA (DREIFUSS, 1981).
A ação entre as classes trabalhadores industriais se deu por meio ideológico e
político. As políticas envolviam a criação de organizações de direita ou apoio às já
existentes dentro do movimento trabalhista. Além disso, foi desenvolvido esquemas de
assistências sociais que visavam a criação de espécies de “ilhas de contentamento” entre
as classes trabalhadoras. A partir disso, foi criado o CAS (Corpo de Assistências Sociais)
que fornecia recursos humanos e materiais em favor das limitadas reivindicações
populares de serviços comunitários (DREIFUSS, 1981).
O MUD (Movimento Universitário de Desfavelamento) foi criado com o objetivo
de promover uma imagem de possibilidade de ascensão econômica individual, por meio
de serviços universitários, como uma alternativa para a luta social, evitando politizar a
condição de favelado. As ações se concentravam também em problemas socioeconômico
destinado ao consumo de massas. Essas ações desenvolveram-se através de organizações
fantoches e “pelegas” (que favorecem a empresa) e movimentos orientados pelo clero,
que competiam com sindicatos de esquerda. Também podemos destacar os círculos
operários, que forneciam amparo jurídico, médico, dentário e hospitalar, cooperativas de
consumo de créditos habitacionais, além de congressos nacionais. Este amparo visava
desestabilizar a atratividade dos sindicatos, conferindo cidadania e serviços básicos aos
operários. (DREIFUSS, 1981)
É importante salientar que a partir do pensamento de Dreifuss, a queda do
governo de João Goulart ocorreu como culminância de um movimento civil-militar e não
como um golpe das Forças Armadas contra João Goulart.
A presença do complexo IPES/IBAD nas forças armadas visava a neutralização
da política popular de João Goulart e a minimizando o apoio militar a diretrizes políticas
socialistas e populistas, além de estimular junto aos militares grupos favoráveis ao golpe.
Havia escritórios sigilosos paras as articulações civil-militares e oficiais do exército
participavam de reuniões executivas do IPES, que traçaram estratégias, quanto táticas
específicas de ação. Um dos itens principais das Forças Armadas foi algo que surgiu nos
44
anos 40, mas que com o passar do tempo se fortaleceu, que era a Escola Superior de
Guerra (ESG). A ESG formou diversos quadros que agiam em plena sincronicidade com
o complexo IPES/IBAD. (DREIFUSS, 1981)
Um dos intuitos dessas ações táticas era o desmantelamento do dispositivo militar
do governo, já que havia militares que mantinham proximidade e estavam a favor, muito
embora por terem sido nomeados pelo governo de João Goulart. Afinal, era necessário
que esses militares fizessem parte do escopo das ações da classe que se formou.
Pressionavam para oficiais agirem contra o Executivo e infiltraram grupos políticos de
escalões mais baixos envolvidos em conspirações antigovernistas. É relevante ressaltar
que diversos oficiais trabalhavam dentro do complexo IPES/IBAD e vice-versa. Desse
modo, podemos refletir que havia se formado um harmonioso relacionamento ideológico
e político entre os militares e os empresários, embora em um período mais adiante fossem
ocorrer desarmonias. (DREIFUSS, 1987).
Dentro do contexto militar não existia consenso e nem todos pensavam na mesma
direção. Havia subgrupos dentro do âmbito militar que o tornavam de certo modo
heterogêneo. A parcela que não fazia parte da articulação IPES-ESG, compusera outros
grupos como os extremistas de direita, que podem ser caracterizados como oficiais do
exército fanáticos, anticomunistas, que eram a favor da modernização industrial
conservadora. Havia também os tradicionalistas, que podem ser descritos como oficiais
que não recebiam treinamento na ESG e que não compartilhavam de todas as reformas
políticas, econômicas e sociais tão amplas quanto às propostas pelo complexo IPES-ESG.
(DREIFUSS, 1981)
O general Olympio Mourão Filho, o qual não era um militar atuante dentro do
núcleo da ESG, promoveu o que podemos caracterizar como um golpe dentro do golpe
(CHAGAS, 2015). O general Olympio começou servido no Rio Grande do Sul em 1961-
62, depois é transferido para São Paulo em março de 1963, e em agosto de 1963 é
transferido para Minas Gerais de onde desencadeia o golpe. O general e seu grupo nem
sempre tinham pontos de vista que dialogavam com os do complexo IPES-ESG, já que
possuíam ideias consideradas mais tradicionalistas naquele contexto, não lhes
45
interessando as reformas propostas pelo IPES. Devido a este fato, foi feito um esforço
para contê-lo e restringir suas atividades entre os militares. O domínio completo da ESG
na hierarquia do Exército foi derrotado e o general Costa e Silva acabou tornando-se o
ministro da Guerra, ao invés do nome esperado pela ESG. (DREIFUSS, 1981)
A elite orgânica do complexo IPES/IBAD conseguiu posicionar-se na direção do
Estado e ocupar postos estratégicos na burocracia civil e da administração tecnocrática.
Ao mesmo tempo, a ESG conseguiu controlar boa parte dos postos militares considerados
estratégicos, bem como dominar a doutrinação das forças armadas. (BORTONE, 2013)
Os novos ocupantes das posições de poder não eram exatamente “tecnocratas”,
mas sim civis, com fortes ligações industriais e bancárias, ou seja, empresários ou “tecno-
empresários”. De fato, os militares atuaram, porém suas ações e seu poder dentro do
processo foram superestimados, em contrapartida, a participação dos tecnoempresários
tem sido subestimada pela historiografia (DREIFUSS, 1981).
No pós-1964, são justamente os grupos de Estudo e Doutrina do IPES que
forneceram as diretrizes e as orientações para as tomadas de decisões e reformas
administrativas, políticas, econômicas e estruturais. Após 1964, o poder estatal direto
transformou-se na mais alta expressão do poder econômico da burguesia financeiro-
industrial multinacional e associada. Desse modo, criou-se uma nova concepção das
relações entre o Estado e as classes empresariais. (DREIFUSS, 1981)
A percepção pública do IPES contrastava com a realidade. Anos mais tarde, o
levantamento documental do instituto tornou evidentes suas relações de colaboração com
outros grupos políticos que promoviam ações de enfrentamento e violência, sendo a
principal delas o IBAD. Além disso, a documentação também revelou que o grupo
financiou a campanha de diversos candidatos nas eleições de 1962. Essas informações
que não eram públicas a época entravam em choque com o discurso promovido pelo
IPES de ser apartidário e legalista.21
Utilizando-se da hipótese de que parcelas significativas da sociedade brasileira
aceitaram uma solução autoritária para os problemas que afligiam o país, os
21
É constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 1963 para apurar uma lista de candidatos
que teriam recebido recursos financeiros do IBAD e do IPES.
46
apontamentos elaborados por Carlos Fico (2014), identifica que a participação civil foi
crucial no processo de instauração do novo regime, assim como a participação de
parcelas dos setores militares, haja vista que diferentes âmbitos da sociedade civil
contribuíram diretamente com a deposição de Goulart da presidência, tanto no que
concerne ao apoio a instrumentos como o IPES quanto na elaboração e difusão de
anteprojetos de poder.
Embora sob outro, os apontamentos de Daniel Aarão Reis (2005) também se
destacam por abordar o papel da sociedade civil no regime autoritário deflagrado em
1964. O autor cunhou a expressão “movimento político militar” a fim de compreender a
participação civil neste evento (REIS FILHO, 1990). Aarão Reis reserva uma crítica à
narrativa dreifussiana sobre o período, expressando que ela tenha possivelmente
superdimensionado o papel conspiratório do IPES. Em sua obra Ditadura e democracia
no Brasil (2014) o autor mostra como o governo militar e a sociedade se amalgamou
muito mais do que os opositores à ditadura desejavam. Como mencionando
anteriormente, diferentes atores da sociedade civil tiveram um papel crucial na
viabilização das ações que resultaram nos acontecimentos de 1964, fazendo com o que a
participação civil venha à luz, possibilitando com que sejam identificados os atores que
contribuíram para a realização do golpe. Interpretações historiográficas que surgiram
após os 40 anos da deflagração do golpe (REIS Filho, 2005; REIS, RIDENTI e MOTTA,
2004; FERREIRA; 2003; TOLEDO, 2004) ressaltam a imprescindibilidade de refletir a
atuação da sociedade no golpe civil militar. Nesse sentido, Reis questiona:
como explicar por que a ditadura não foi simplesmente escorraçada? Ou que
tenha sido aprovada uma anistia recíproca? Como compreender que
permaneçam com tanta força lideranças e mecanismos de poder preservados
e/ou construídos no período da ditadura, pela e para a ditadura? (Reis, 2005, p.
10)
22
Para melhor aprofundamento, consultar em: DE MELO, Demian Bezerra; HOEVELER, Rejane
Carolina. Muito além da conspiração: uma reavaliação crítica da obra de René Dreifuss. Tempos
Históricos, v. 18, n. 1, p. 13-43.
48
Capítulo 3
23
A pessoa que se dedica a estudar determinado assunto em detalhe, especialmente nas
universidades. (A person who studies a subject in great detail, especially at a university): Cambridge
Academic Content Dictionary, UK.
51
25
Ver https://hbswk.hbs.edu/archive/the-benefits-of-soft-power (Havard Bussiness School: Working
Knowledge)
26
Adotamos neste trabalho a definição elaborada por Bourdieu (2004, p 188).
53
Dreifuss não explora com profundidade em sua obra sobre o período autoritário o
termo “think tanks”, apenas o cita para caracterizar o IPES. Considerando isto, é
necessário neste trabalho escolher um modelo conceitual para que possamos caracterizar
e analisar o IPES através dele.
Sendo os objetivos dos think tanks, de maneira geral, o de propagar seu produto
final (idéias) e o de exercer influência na produção de políticas públicas, a eficácia dos
think tanks habita na capacidade de manter o verniz científico para auxiliar na
legitimação de escolhas e decisões que são, em última instância, políticas e, portanto,
orientadas por interesses previamente estabelecidos (NASSER, 2014).
O autor Hernán Ramirez, cuja tese de doutorado analisou comparativamente o
IPES e organizações de mesma natureza na Argentina (2005), critica a utilização do
termo “think tank” para designar o IPES, optando por usar as expressões “grupo de
interesse” ou ainda “grupo de pressão” já que delimitaria de modo mais eficaz a
amplitude das ações do IPES. De acordo com Ramirez, ao denominar o IPES como um
think tank:
considerável. Dessa maneira, eles não são apenas reservatórios de idéias, estas
estão em relação a interesses fortemente estruturados que, por vezes, as podem
determinar. De tal forma, ainda que na realidade os institutos sejam tudo isso,
eles são algo mais, e, portanto, é necessário procurar conceitos mais
abrangentes que possam inclui-os de maneira mais conveniente. (RAMÍREZ,
2005 p.70-71)
Essa análise feita por Ramírez exerce certa coerência ao debate sobre a utilização
do termo, bem como uma plausível aplicação ao caso do IPES, pois, é necessário levar
em consideração a ampla atuação do instituto, em uma parcela na ilegalidade, na retirada
de João Goulart do poder. Entretanto, ela oferece somente uma possibilidade em um
universo variado sobre a compreensão do que representam essas organizações.
Considerando isto, optamos por utilizar neste estudo monográfico a compreensão
de think tanks concebido por Medvetz (2008), no qual o autor usufrui do conceito de
“campo social” elaborado por Pierre Bordieu (2004). Neste conceito, o campo social seria
o ambiente no qual ocorrem as disputas entre os atores em torno de objetivos específicos,
considerada por Bourdieu como sistemas sociais em que cada agente tem uma disposição
fixa primária. O campo pode ser conceituado como o locus, que seria o ambiente social
de relações objetivas (BOURDIEU, 1989).
Conceituada a noção de campo ou locus a partir da visão de Bourdieu, os think
tanks seriam instituições situadas entre o campo político, econômico, acadêmico, do
conhecimento e das comunicações, o que faz com que elas transitem e operem entre esses
ambientes (MEDVETZ, 2008, p.5), como será exposto na figura a seguir:
55
Adotamos o conceito acima elaborado por Medvetz para o nosso trabalho, pois
ela não limita-se a taxonomia e a modelos tradicionais classificatórios engessados que
tentam em vão dar conta da complexidade posta pelo universo dos think tanks.
Ao considerar o marco conceitual acima, deixamos de lado o argumento da
“independência” da produção intelectual do fenômeno, algo que facilita a melhor
compreensão das atividades do IPES, pois reconhece as relações porosas que estas
organizações podem estabelecer, sejam elas de qualquer natureza.
Em síntese, Medvetz (2008), propõe uma mudança de foco para as conjunturas
sociais que modelam a produção dessas organizações, ao invés de elaborar uma lista com
suas características. O autor identifica os think tanks como organizações que atuam em
espaços sociais híbridos, em regra, situadas em posições sociais intermediárias e
distintas: o político; o econômico; o da mídia e; o da produção de conhecimento (DIAS
RIGOLIN, HAYASHI, 2011).
56
No que diz respeito ao formato dos think tanks, como podemos observar
inicialmente neste trabalho, este não é fruto de um processo iniciado no Brasil. Ao
contrário, o mecanismo tem seu surgimento no exterior, mais especificamente nos
Estados Unidos, país no qual surgiram as bases do fenômeno, bem como de onde partiu a
expansão da fórmula para o restante no mundo, na segunda metade do XX.
Por conseguinte, os think tanks podem ser caracterizados como agentes das
relações internacionais a partir do princípio de que essas organizações não se dedicam
exclusivamente apenas a formulação de políticas públicas para a esfera interna dos
Estados, como também objetivam influenciar a política externa e as relações entre os
Estados (TEIXEIRA, 2007). Além disso, representam um importante mecanismo do soft
power, ao elaborar ideias que possuem a finalidade de influenciar segmentos e atores
sociais e políticos.
Caracterizado o marco conceitual que utilizamos para caracterizar o IPES como
um think tank, assim como a noção do que é o soft power, cabe aqui demonstrar e
exemplificar o IPES como um exemplo do mecanismo e agente das relações
internacionais. Para isso, é útil exemplificarmos as relações que esses mecanismos
estabelecem além das fronteiras nacionais.
Ao se averiguar a atuação do IPES, depreende-se que o instituto também pode ser
compreendido como um agente das relações internacionais, ao dispor do soft power,
representado por seu ideário, e ao estabelecer relações que atravessaram as fronteiras
nacionais brasileiras. Sendo assim, utilizar-se-á como exemplo a relação entre o IPES e a
as frentes golpistas chilenas que deflagraram o golpe de 1973, ocorrido no Chile.
O Golpe de Estado ocorrido no Chile em 11 de setembro de 1973, articulado
pelos militares do oficialato da marinha e do exército chileno, com o apoio financeiro e
militar dos Estados Unidos da América e da CIA e com a participação de organizações
nacionalistas e paramilitares como Patria y Libertad, arquitetou a retirada de Salvador
57
27
Jorge Cauas (Ministro das Finanças, 1975 - 1977), Sergio de Castro (Ministro das Finanças, 1977
- 1982), Pablo Baraona (Ministro da Economia, 1976 - 1979), José Piñera (Ministro do Trabalho e
Aposentadorias, 1978-1980, Ministro das Minas, 1980-1981), Hernán Büchi (Ministro das Finanças 1985 -
1989) (Ph.D. na Columbia University), Alvaro Bardón (Ministro da Economia, 1982-1983), Juan Carlos
Méndez (Diretor do Orçamento, 1975-1981), Emilio Sanfuentes (Conselheiro Econômico do Banco
Central), Sergio de la Cuadra (Ministro das Finanças, 1982-1983), Miguel Kast (Ministro do Planejamento,
1978-1980), Martín Costabal (Diretor de Orçamento, 1987-1989), Juan Ariztía Matte (Superintendente do
Sistema de Previdência Privada 1980-1990).
58
para o governo ditatorial que só seriam incorporadas pela primeira ministra do Reino
Unido Margaretch Thatcher uma década depois. Nesse sentido, os empresários e a direita
chilena possuíam como principal objetivo reprimir e bloquear a via socialista chilena
representada pela Unidad Popular. A Unidad Popular, coalizão partidária de esquerda
formada para a eleição presidencial de 1970 no Chile, manteve-se no poder entre os anos
de 1970 e 1973 e tinha como principal liderança Salvador Allende. A coalizão sucedeu a
chamada Frente de Acción Popular, que representava uma frente democrática anti-
imperialista e anti-oligárquica, que aglutinou diversos partidos considerados de esquerda
como: Partido Comunista, Partido Socialista, Partido Social Democrata, Movimento de
Ação Popular Unitária e o Partido Radical. A principal defesa da UP era a chamada “via
chilena para o socialismo” (BORGES, 2005).
Com o golpe militar ocorrido no Brasil, diversos brasileiros se exilaram
primeiramente nos países da América do sul e, por este motivo, a ação repressiva
procurou abarcar primeiramente esses países. Inicialmente, o principal destino da
primeira geração de exilados brasileiros foi o Uruguai. Progressivamente, a atuação da
repressão tornou-se mais presente nos outros países que também possuíam uma
quantidade expressiva de exilados brasileiros, como no Chile. Após a posse de Salvador
Allende, o Chile passa a ser o maior polo de concentração de perseguidos pela ditadura
brasileira. Muitos cidadãos brasileiros se exilaram em solo chileno para fugir da
perseguição do regime autoritário que havia se instalado no Brasil, no intuito de encontrar
refúgio em um país com viés ideológico mais amistoso. Lá os exilados encontraram um
ambiente menos hostil à sua presença do que eles haviam deixado para trás no Brasil,
embora o governo chileno não tenha oferecido formalmente e de modo eficiente um
aparato para receber os exilados e inseri-los na sociedade chilena, como os perseguidos
políticos encontraram na França (MARQUES, 2011).
Para monitorar os brasileiros que viviam no exterior, foi criado o CIEX (Centro
de Informações do Exterior), órgão ligado ao Itamaraty e ao SNI (Serviço Nacional de
Inteligência) (MARQUES, 2011). O SNI monitorava através de espiões alocados no
Chile com o auxílio da polícia local os exilados políticos brasileiros. Os principais
59
p. 113). Nesse sentido, podemos inferir que o governo ditatorial de Emílio Garrastazu
Médici deu amplos apoios, antes, durante e depois do golpe chileno.
Como é possível observar, existiu uma variedade de atividades e ações conjuntas
entre a ditadura brasileira e as forças armadas chilenas e setores da direita civil dos dois
países que não se restringia apenas às atividades de espionagem e vigilância dos exilados
antes do golpe chileno. Dentre essas atividades entre aparatos repressivos e golpistas,
podemos destacar a ligação entre o IPES e a frente direitista chilena (BANDEIRA, 2008),
no que podemos denominar de transnacionalização de combate a oposição. Esta relação
entre esses dois agentes ainda permanecem, em certa medida, obscuras. Até os dias
atuais, não se dispõe de muitos dados sobre a participação do Brasil nas iniciativas que
visavam à desestabilização do governo de Allende, bem como no golpe ocorrido em onze
de setembro de 1973 (SILVA, 2011). Embora tenham sido pouco exploradas pelos
veículos de imprensa no período em que elas ocorreram (PADRÓS, 2013), existem
indícios de que os quadros ipesianos repassaram expertise aos empresários chilenos e as
frentes direitistas.
Acerca da cooperação para bloqueio das iniciativas da Unidad Popular, em artigo
do Washington Post, foi noticiado que grupos privados brasileiros teriam auxiliado e
financiado o movimento civil de resistência ao governo de Allende. A jornalista Marlise
Simmons identifica o grupo como sendo o IPES e cita o nome do engenheiro Glycon de
Paiva, que admite no artigo que teria auxiliado os adversários de Allende: “Expliquei-
lhes como os civis deveriam agir no preparo das condições para o golpe militar. A receita
existe e o bolo vai para o forno quando se desejar” (BANDEIRA, 2008).
A receita mencionada por Glycon de Paiva era a indução do caos através da
fomentação do descontentamento político e econômico, a propagação do medo do
comunismo entre os operários e os patrões e induzir atos terroristas se necessário fosse,
desestabilização econômica, política, propagação do medo relacionado ao comunismo
entre as camadas populares, organizações de manifestações de massa e o bloqueio
legislativo as medidas parlamentares de esquerda (PADRÓS, 2013) Os empresários
61
paulistas ligados ao IPES também teriam fornecido apoio financeiro aos grupos
empresariais chilenos entre eles, o maior jornal do país, El Mercurio (SILVA, 2010).
Além de transmitirem a seus pares chilenos a metodologia e expertise necessárias,
desenvolvidas pelos civis antijanguistas, para desestabilizar o governo de Allende, os
empresários ipesianos orientaram a criação no Chile do Centro para el Estudio de la
Opinión Pública (CEOP) (PADRÓS, 2013). Por iniciativa da união entre os setores
industriais e grandes proprietários de terra chilenos, esse instituto se transfigurou em
núcleo estratégico grevista e de bloqueios contra os projetos governamentais. Esse
instituto configurou-se como um importante mecanismo estratégico nos bloqueios contra
as iniciativas do governo chileno, assim como uniu setores civis anticomunistas e de
direita (BANDEIRA, 2013). Assim, podemos observar um ponto de similaridade
importante entre a trama conspiratória chilena e a brasileira: ambas possuíam em sua
esfera, tanto forças militares quanto civis.
O general Orlando Geisel, ministro da Guerra no governo Garrastazu Médici,
informou ao embaixador do Paraguai no Brasil que em breve o Chile cairia nas mãos dos
militares. Através dessa informação, podemos evidenciar o conhecimento da iniciativa
conspiratória no Chile por parte do Brasil. O Embaixador dos Estados Unidos em
Santiago, entre os anos de 1967 e 1971, Edward Korry afirmou no Comitê das Relações
Exteriores do Senado dos EUA que o “real apoio técnico e psicológico ao coup d’État
veio do governo militar do Brasil” (BANDEIRA, 2013. p, 414).
Sendo assim, se torna claro o exercício do soft power pela ditadura brasileira,
através do repasse de expertise via IPES – que a atuação na administração do governo
autoritário era notória, no auxílio direto e indireto na coibição das iniciativas comunistas
em solo chileno. Podemos inferir que além de auxiliar os adversários de Allende na
coibição das tendências comunistas representadas pela Unidad Popular, o auxílio do
IPES foi uma dentre várias iniciativas do regime autoritário brasileiro em coibir a ações
da militância brasileira em território chileno, que em sua condição de exilada, passou a
denunciar a repressão brasileira na imprensa chilena (MARQUES, 2011).
62
Por fim, podemos observar através da exposição deste trabalho, a criação de uma
frente empresarial militar, cujo principal objetivo era coibir as iniciativas de ampliação de
participação popular nos regimes democráticos, bem como de iniciativas sociais
propostas pelo governo de João Goulart. Essa frente empresarial militar ajudou a derrubar
a democracia e arquitetou um golpe de Estado, que marcaram um capítulo obscuro na
história nacional. Além de essa elite, personificada pelo IPES, ter elaborado propostas
administrativas, que foram incorporadas e postas à frente pelo governo autoritário
brasileiro, ela exportou o seu modelo e mecanismo de desestabilização que foram
utilizados em outros países em processos antidemocráticos, com legitimação do regime
ditatorial brasileiro, que forneceu apoio considerável para a viabilização de barreiras
contra os avanços socialistas no Cone Sul, como os ocorridos no Chile.
63
Conclusão
A partir do que foi exposto ao longo deste estudo podemos afirmar que a
participação do IPES no processo que culminou nos acontecimentos de abril de 1964 foi
imprescindível, sendo uma tarefa árdua mensurar o alcance da atuação do instituto assim
como seus impactos na sociedade brasileira.
Como um think tank compromissado com suas pautas, o IPES obteve a
capacidade de intervenção na política, na sociedade e nas ações do Estado brasileiro e em
sua administração, a fim de salvaguardar seus interesses.
Averiguamos que a articulação ipesiana alcançou todo o segmento da sociedade
brasileira organizada, não se restringindo apenas às suas seccionais, organizações de
classe e grupos políticos de ação. Assim, sua fórmula organizacional, bem como sua
estratégia desestabilizadora, representou uma receita eficaz para as forças antagonistas
que articularam o golpe de estado contra o governo de Salvador Allende em 11 de
setembro de 1973.
Este caso representa um claro exemplo de como o regime autoritário brasileiro,
através de sua base ideológica, representada pelo IPES e seus quadros, repassaram a
“receita de bolo”, que havia obtido êxito no Brasil, a fim de viabilizar a repressão de
setores considerados revolucionários no Chile. Nesse sentido, averiguamos que o IPES,
por meio de seus quadros, auxiliou o processo golpista ocorrido no Chile ao exportar a
expertise necessária para a criação de um terreno fértil, onde as forças armadas e a direita
civil chilena pudessem atuar no Chile, de maneira similar ao ocorrido no Brasil.
O IPES - um think tank, representou um mecanismo bastante prolífico como o
maior orientador ideológico e responsável por fazer a ponte com ideias mais amplas e
contextualizá-las com o pensamento que estava em voga no cenário internacional do
período em que se deram suas operações.
Como observado, o produto final dos think tanks são as ideias e, como se
encontram em plano abstrato, muitas vezes, não é possível delimitar sua dimensão,
embora sejamos capazes de sentir seus efeitos.
Podemos constatar que a produção intelectual bem como o repasse de expertise
pelo IPES aos agentes contrários ao governo de Allende podem ser compreendidos como
65
um exercício do soft power, o que auxilia aos pesquisadores das Relações Internacionais
compreenderem de modo eficaz de que maneira essas organizações funcionam e qual é
sua importância para este campo do conhecimento.
Mediante o exposto neste trabalho, podemos aferir que, embora o caminho esteja
sendo pavimentado, ainda há muito que se debater sobre a temática dos think tanks e seu
papel na sociedade. Além disso, são notórias as tentativas em tentar listar as
características dessas organizações, sendo os trabalhos de Medvetz os que julgamos que
mais se aproximam de uma caracterização eficiente e menos contraditória, pois propõe
uma mudança de foco para as condições sociais que proporcionam a sobrevivência dessas
organizações, ao invés de tentar caracterizá-las. Corroboramos com o autor ao
compreender que tentar encaixar essas organizações em modelos teóricos tradicionais é
uma tarefa árdua na medida em que tais modelos não dão conta da multiplicidade das
atuações, da produção e dos meandros que são típicos desses mecanismos.
Ao abordar este tema, se torna compreensível por que uma solução autoritária foi
de algum modo aceita, pois setores significativos da sociedade, como a classe empresarial
e outros segmentos civis, apoiaram a derrubada de João Goulart. A capacidade de um
think tank de influenciar a política, os segmentos sociais e ainda exportar a sua fórmula
para que seja aplicada com objetivos similares no Chile, em um notório exemplo de
exercício do soft power, ficou clara através do exemplo do IPES. Nesse sentido,
compreendendo a importância e a magnitude destas relações estabelecidas entre o IPES e
o movimento antidemocrático chileno que resultou na retirada de Allende do poder
através de um golpe de estado, este trabalho se posiciona como um ponto de partida para
o desenvolvimento de pesquisas futuras a cerca deste tema. Enxergamos a possibilidade
de averiguar com mais detalhadamente a relação simbiótica entre estes atores, porém a
limitação natural imposta pelo formato deste trabalho monográfico nos instiga a
promover uma investigação mais profunda.
Por fim, podemos concluir que estudar os think tanks, como o caso do IPES,
significa refletir sobre o valor das ideias, do papel dos intelectuais e especialistas e sobre
sua relação com a política e o poder. Embora a relação entre política e conhecimento
66
exija reflexão e observação constantes, poder e conhecimento devem ficar juntos - por
uma questão de transparência, governabilidade e democracia.
67
Referências:
Páginas eletrônicas:
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Acesso em: dez/17
Brasil de Fato: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/01/O-que-
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