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TC 012.358/2022-3
Tipo: Representação
Relator: Aroldo Cedraz
Unidades Jurisdicionadas: Ministério da
Economia
Representante: subprocurador-geral Lucas
Rocha Furtado (MPTCU)
Assunto: Análise da PEC 1/2022 e da sua
aderência às normas de Direito Financeiro,
notadamente o Teto de Gastos e a LRF.
Proposta: Indeferimento de Cautelar. Proposta
de Diligência.
INTRODUÇÃO
Trata-se de representação, com pedido de medida cautelar, formulada pelo Sr. Lucas Rocha
Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU),
na data de 4/7/2022 (peça 1). O preâmbulo da representação apresenta o seu propósito nos seguintes
termos:
com o propósito de que essa Corte de Contas, pelas razões a seguir expostas, no cumprimento de
suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública Federal, decida por conhecer e
avaliar a PEC 01, conhecida como PEC Kamikaze, que visa aumentar gastos públicos em
programas sociais às vésperas da eleição presidencial, além de determinar medidas importantes
para a eventual realização dos gastos previstos. (peça 1, p.1)
2. O representante em consonância com o propósito apresentado, solicita que o TCU conheça
a representação e, consequentemente, adote medidas tendentes a:
a) conhecer, avaliar e impedir o Governo Federal, no que diz respeito a recentes medidas
destinadas a flexibilizar o teto de gastos, de comprometer o equilíbrio fiscal das contas públicas e
de desrespeitar princípios elementares do Direito Financeiro e da Lei de Responsabilidade Fiscal –
LRF em possível retrocesso para o país;
b) determinar que dada a iminência de aprovação da PEC “Kamikaze”, o governo realize estudos
e divulgue quantas pessoas/famílias receberão os benefícios criados/ampliados com categorização
por município, gênero, faixa de idade e grau de escolaridade, de modo que o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) possa examinar com precisão se houve abuso do poder político/econômico nas
eleições de outubro que se aproximam e; (peça 1, p.1)
EXAME DE ADMISSIBILIDADE
3. Quanto à admissibilidade, o art. 103 da Resolução-TCU 259/2014 prevê que:
Art. 103. As denúncias e as representações sobre irregularidades ou ilegalidades que derem entrada
no Tribunal, nos termos dos arts. 234 a 237 do Regimento Interno, serão registradas e encaminhadas
à unidade técnica responsável pela clientela a que se refira a matéria para autuação, exame de
admissibilidade e, se for o caso, exame de mérito.
§ 1° O exame de admissibilidade abordará a competência do Tribunal sobre o assunto, a
legitimidade do autor, a suficiência dos indícios e a existência de interesse público no trato da
suposta ilegalidade apontada.
4. Em relação à competência do Tribunal, a Lei 8.443/1992 (art. 41, inciso I, alínea “a”) e o
Regimento Interno do TCU – RITCU (art. 242, inciso I, alínea “a”) dispõem que compete ao TCU
acompanhar a Lei Orçamentária Anual (LOA). Ademais, a Resolução-TCU 324/2020 define, em seu
art. 52, incisos I e II, que compete a esta Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag)
fiscalizar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e legislação correlata e a elaboração
e a execução das leis relativas aos orçamentos anuais. Por sua vez, a Resolução-TCU 291/2017, que
trata da apreciação das Contas do Presidente da República, prevê como uma das hipóteses de
irregularidade, a ensejar possível opinião adversa sobre a execução dos orçamentos, a inobservância
do Teto de Gastos estabelecido pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016 (art. 14, § 2º, inciso VI,
alínea “c”).
5. No tocante à legitimidade do autor e aos pressupostos de constituição válidos para
representação, os arts. 237 e 235 do RITCU assim dispõem:
Art. 237. Têm legitimidade para representar ao Tribunal de Contas da União:
I – o Ministério Público da União, nos termos do art. 6º, inciso XVIII, alínea c, da Lei
Complementar nº 75/93;
(...)
III – os senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais, juízes, servidores
públicos e outras autoridades que comuniquem a ocorrência de irregularidades de que tenham
conhecimento em virtude do cargo que ocupem;
(...)
Parágrafo único. Aplicam-se às representações os dispositivos constantes do § 1º e da segunda parte
do § 2º do art. 234, do caput e do parágrafo único do art. 235 e dos arts. 250 a 252.
Art. 235. A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador
ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, conter o nome
legível do denunciante, sua qualificação e endereço, e estar acompanhada de indício concernente à
irregularidade ou ilegalidade denunciada. (grifou-se)
6. Já a Lei 8.443/1992 estabelece, em seu art. 84, que aos membros do MPTCU – caso do
representante em tela – aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições da Lei Orgânica do
Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993) pertinentes a direitos, garantias,
prerrogativas, vedações, regime disciplinar e investidura no cargo.
7. Quanto aos indícios, o representante do Parquet de Contas referencia “a PEC 01, conhecida
como PEC Kamikaze, que visa aumentar gastos públicos em programas sociais às vésperas da eleição
presidencial, além de determinar medidas importantes para a eventual realização dos gastos previstos”
(peça 1, p. 2). A irregularidade identificada é apresentada nos seguintes termos (peça 1, p. 5 - 6):
A matéria mostra que a PEC proposta, e já aprovada pelo Senado Federal, pretende ampliar
programas sociais já existentes, como o vale gás e o auxílio emergencial em vigor e criar o “bolsa-
caminhoneiro”, (...), além de decretar o “Estado de Emergência” no país, para justificar que os
gastos propostos possam ser realizados mesmo às vésperas da eleição que se avizinha.
A lei eleitoral proíbe a implementação de novos benefícios no ano de realização das eleições
justamente para se evitar que os candidatos utilizem da máquina pública para obter vantagem nas
eleições.
Mas o caso em tela não seria um exemplo de descumprimento da lei eleitoral?
A decretação do “Estado de Emergência” não seria apenas um subterfúgio para se esquivar das
amarras da lei eleitoral? A meu ver, sim.
(...)
Assim, a meu ver, a emenda proposta é flagrantemente inconstitucional, e o TCU deve examinar
desde já a compatibilidade dos atos de gestão que vierem a ser praticados para a realização das
despesas previstas na PEC Kamikaze com o teto de gastos e a Lei de Reponsabilidade Fiscal (LRF).
Tal medida se mostra importante vislumbrando que o STF possa no futuro declarar a
inconstitucionalidade ex tunc.
A referida PEC tem potencial de aumentar o rombo das contas públicas em mais de R$ 40 bilhões,
novamente flexibilizando o Teto de Gastos e prejudicando ainda mais o cenário fiscal e econômico
brasileiro.
Ocorre que, dada a iminência de aprovação da PEC, (..), uma vez que já foi aprovada em 2 turnos
no Senado, mesmo considerando a proposta inconstitucional, acredito que o governo deva se
preparar para a realização dos novos gastos previstos e divulgar quantas pessoas/famílias receberão
os benefícios criados/ampliados com categorização por município, gênero, faixa de idade e grau de
escolaridade, de modo que o TSE possa examinar com precisão se houve abuso do poder
político/econômico nas eleições de outubro próximo.
(...)
Nessa seara, entendo que os interesses políticos e a iminência de novas eleições não podem
preponderar sobre as regras fiscais brasileiras diante do risco de desarmonia entre os Poderes e
diante dos riscos negativos para a economia brasileira.
Com efeito, a ausência de transparência na alocação dos recursos públicos fere não só princípios
do Direito Administrativo, do Direito Financeiro e do Direito Constitucional, como a moralidade,
a formalidade, a publicidade, a supremacia do interesse público, mas também princípios
integradores da própria República e do Estado Democrático de Direito.
Infelizmente, com a possível aprovação da PEC, não haveria que se falar em descumprimento legal
da LRF posto a supremacia da Constituição Federal, porém conforme doutrina, há de se lembrar
que o poder de emenda é um poder instituído e derivado, instrumento da mudança
constitucional de segundo grau, submetido ao ‘centro comum de imputação’, que assegura a
permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo Poder Constituinte
Originário. (HORTA, 1995, p. 124). Nesse sentido, defendo que, a par de qualquer legalidade,
a moralidade sempre deve pautar as decisões dos nossos parlamentares e dos nossos gestores.
(grifos no original)
8. Assim sendo, os indícios de irregularidade apresentados são a própria PEC, que
supostamente criaria artifícios para descumprimento da lei eleitoral, mediante a decretação do “Estado
de Emergência”, e permitiria aumento significativo dos gastos sem respeitar as regras fiscais vigentes,
como, por exemplo, o Teto de Gastos e a Regra de Ouro (art. 167, inciso III, da Constituição Federal).
9. O representante propõe, também, a adoção de medida cautelar visando à determinação de
“medidas imediatas de forma que o TCU possa examinar, desde já, a compatibilidade dos atos de gestão
que vierem a ser praticados com o teto de gastos e a LRF.” (peça 1, p. 8).
10. As questões levantadas em relação à PEC são de interesse público por diversos aspectos,
por um lado, existem questionamentos mais amplos, de competência do Supremo Tribunal Federal
(STF), quanto a sua legalidade, apontando que ela atentaria contra o próprio Estado Democrático de
Direito; por outro, em contexto mais específico, a emenda envolve as finanças públicas federais,
criando despesas, isentas dos mecanismos de controle atuais, que, potencialmente, poderiam agravar o
quadro fiscal, comprometendo não só o exercício atual, como a situação fiscal a longo prazo, na medida
em que contribuiria para o descrédito das regras fiscais, repercutindo sobre a trajetória da dívida
pública. Ademais, o exame de conformidade orçamentária e financeira está inserido no rol de
competências desta Corte de Contas.
11. Destarte estão presentes pressupostos de constituição exigidos pelos arts. 237 e 235 do
RITCU, c/c o art. 103, § 1º, da Resolução-TCU 259/2014, a saber: competência do TCU sobre o
assunto, legitimidade do autor e existência de interesse público.
12. Assim, a representação merece ser conhecida, para fins de avaliar em que medida é
procedente, nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do RITCU, aplicável às representações
21. O art. 4º da PEC determina que “Até 31 de dezembro de 2022, a alíquota de tributos
incidentes sobre a gasolina poderá ser fixada em zero, desde que a alíquota do mesmo tributo incidente
sobre o etanol hidratado seja também fixada em zero.” O último artigo estabelece que a emenda entra
em vigor na data da sua publicação.
22. Em relação à preocupação com o equilíbrio fiscal, o Relator da PEC 1/2022 faz em seu
Parecer os seguintes comentários (peça 5, p. 11-12):
Aumentos de gastos públicos devem ser sempre analisados com cautela, pois o equilíbrio fiscal é
uma meta constante de qualquer governo responsável. Nessa linha, é importante reconhecer que
nossa atual situação está mais confortável do que a que tínhamos em um passado não tão distante.
O setor público consolidado encerrou 2021 com resultado primário positivo de R$ 65 bilhões,
encerrando um ciclo de déficits que vinha desde 2014. Em abril de 2022, o resultado primário
acumulado em doze meses foi ainda mais alto, atingindo R$ 139 bilhões. Por isso, diante dessa
situação de melhora das contas públicas e da excepcionalidade do estado de emergência decorrente
do aumento do preço dos combustíveis, mantenho a proposta da PEC nº 16, de 2022, de excluir as
despesas por ela criadas do teto de gastos e da meta de resultados fiscais constantes da LDO de
2022. Dessa forma, o governo poderá manter as políticas públicas que já estavam programadas,
sem prejuízo para a população.
23. Importante observar que, do ponto de vista econômico, a melhora apresentada no resultado
fiscal se deveu, entre outros fatores, à inflação que gerou aumento da arrecadação não acompanhado
pelo aumento da despesa, pois essa estava restrita aos limites estabelecidos pelo Teto de Gastos.
24. Não há qualquer informação no corpo da PEC em relação ao custeio das despesas criadas,
no valor de R$ 41,25 bilhões de acordo art. 3º da PEC 1/2022. No entanto, no Relatório do Senador
Fernando Bezerra Coelho, no item referente à análise da proposta, há a afirmação de que, para
acompanhar o aumento extraordinário da despesa, devem ser tomadas medidas que gerem o aumento
extraordinário de receitas e não aumentem a carga tributária, afirmando, inclusive, que o Governo já
contava com o pagamento pela Eletrobrás de outorga de R$ 26 bilhões (peça 5. p.12).
25. Cabe ainda reproduzir a manifestação do relator da PEC 1/2022 acerca da Emenda 4, de
autoria do Senador Jacques Wagner, que propõe a extensão dos benefícios no ano de 2023 (peça 2, p.
13):
Quanto à Emenda no 4, do Senador Jacques Wagner, que propõe proibir publicidade das medidas
adotadas por esta PEC e ampliar benefícios para 2023, entendo, em primeiro lugar, que a questão
de publicidade é uma decisão técnica, que deve caber ao ministério setorial envolvido. Quanto à
extensão dos benefícios para o próximo ano, optamos por nos restringir ao estado atual de
emergência, sem transferir ônus para o próximo mandato presidencial.
26. Em relação à publicidade institucional, nos incisos I e II do caput do art. 3º, referentes ao
Programa Auxílio Brasil e ao auxílio Gás dos Brasileiros, foi incluída, ainda no Senado, a expressão
“vedado o uso para qualquer tipo e publicidade institucional”.
27. Enfim, a PEC em tramitação em julho de 2022, expande para esse exercício, com as
eleições presidenciais agendadas para 2 de outubro, as despesas em R$ 41,25 bilhões sem estabelecer,
no corpo da emenda, as suas fontes de recursos e dispensando-as do cumprimento de uma série de
requisitos fiscais. Além disso, na medida em que propõe “zerar a fila” do Programa Auxílio Brasil, a
multicitada PEC poderá gerar despesas obrigatórias para os exercícios seguintes. A estimativa da IFI é
de um aumento da ordem de R$ 8 bilhões, isso, se não for mantido o aumento o adicional extraordinário
de R$ 200 estabelecido pela própria proposta de alteração constitucional (peça 6, p.2).
28. Nesse sentido, a medida solicitada no item “a” da representação (peça 1, p. 8) só seria
possível impedindo a proposta se converta em norma, tarefa essa que extrapola as competências do
TCU. Tema que será tratado no tópico seguinte.
Dos limites para atuação do TCU
29. Uma análise dos limites da atuação deste Tribunal em relação às propostas de Emenda
Constitucional foi feita no âmbito do TC 042.137/2021-7, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz. A
proposta em questão era a PEC 23/2021. Os principais pontos da análise da equipe técnica são
reproduzidos a seguir (TC 042.137/2021-7, peça 9, p. 6-9):
28. (...) A iniciativa para propor Emenda à Constituição é assegurada ao Presidente da
República pelo inciso II do art. 60 da CF/1988 e a apreciação desse tipo de proposição compete a
cada Casa do Congresso Nacional, mediante discussão e votação em dois turnos, considerando-se
aprovada a emenda que obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos respectivos
membros, consoante o disposto no § 2º do mesmo art. 60 da CF/1988.
29. A única hipótese de controle prévio de constitucionalidade em sede de PEC é
disciplinada pelo § 4º do art. 60 da Carta Magna, sob tutela exclusiva do Supremo Tribunal Federal
(STF). Trata-se das chamadas “cláusulas pétreas”, quais sejam: forma federativa do Estado; voto
direto, secreto, universal e periódico; separação dos Poderes; e direitos e garantias individuais. Com
efeito, qualquer PEC que tencione abolir qualquer dessas cláusulas não será objeto de deliberação
pelo Parlamento.
30. Destarte, conquanto seja dever inarredável desta Corte de Contas zelar pelo erário
público, não figura entre suas competências constitucionais dispostas no art. 71 da CF/1988
qualquer atuação no curso do processo legislativo de emendas à Constituição. Não obstante, é
fundamental que este órgão de controle externo permaneça vigilante quanto a qualquer medida,
ainda que legítima, tendente a afetar a busca pelo equilíbrio fiscal intertemporal.
31. Isso porque, na ocorrência de fatos que comprometam os custos ou resultados dos
programas de governo, compete aos Tribunais de Contas alertar os respectivos Poderes e órgãos, a
teor do disposto no art. 59, § 1º, inciso V, da LRF. Resta, pois, assegurada a possibilidade de atuação
deste TCU antes da prática de determinados atos. Ocorre que os “atos” a que se refere o autor desta
representação são de natureza legislativa, porquanto praticados pelas autoridades competentes no
exercício legítimo do poder constituinte derivado. Nesse sentido, entende-se que não cabe ao TCU
exercer – neste momento – qualquer controle acerca do disposto na PEC 23/2021, ainda que sob a
forma de eventual alerta sobre possível risco fiscal.
(...)
41. Assim, ante a inexistência de irregularidades praticadas até o momento e considerando
a ausência de competência do TCU para atuar no curso do processo legislativo de emendas à
Constituição, salvo mediante eventual alerta – quando pertinente – acerca de possível risco, bem
como a existência de processos já autuados nesta Corte de Contas sobre a PEC dos Precatórios e
sobre o PLOA 2022 (TCs 038.225/2021-2 e 038.188/2021-0, respectivamente), conclui-se pela
improcedência da presente representação.
30. Também no âmbito do TC 042.137/2021-7, a pedido do relator Ministro Aroldo Cedraz, o
Ministério Público de Contas da União, em consonância com a análise empreendida pela Semag,
manifestou-se (TC 042.137/2021-7, peça 12, p. 7) da seguinte maneira:
32. Por fim, não se desconsidera que as questões aduzidas na representação são da mais alta
importância, pois alertam sobre a possibilidade de retrocessos na política de equilíbrio fiscal das
contas públicas, além de colocar em teste princípios de Direito Financeiro e exigências de
responsabilidade fiscal. No entanto, os fatos trazidos à colação pelo representante cingem-se ao
campo das escolhas políticas, cuja predomínio decisório pertence aos Poderes Executivo e
Legislativo, com possibilidade, em último caso, de acionamento judicial (jurisdição constitucional).
33. Por conseguinte, em linha de consonância com a Semag, perfilhamos o entendimento
de que o TCU infringiria os limites fixados no art. 71 da Constituição caso decidisse realizar
o controle dos atos de proposição, tramitação e aprovação da PEC n.º 23/2021, transformada
nas EC’s n.º 113/2021 e n.º 114/2021, ainda que o conteúdo da norma abarque tema afeto a
orçamento e finanças públicas. Por outro lado, terá o Tribunal plena competência para fiscalizar
a execução pelos órgãos estatais das novas regras instituídas, garantindo-se que os cânones da
legalidade, da transparência e da responsabilidade na gestão financeira não deixem de ser
observados. (grifos adicionados)
31. Nesse sentido, fica patente que o TCU não tem competência para realizar o controle de
propostas de emendas constitucionais, ainda que a norma envolva temas relacionados às finanças
públicas.
32. Em relação à PEC 1/2022, a título de informação, tem-se que, em 6/7/2022, o Deputado
Federal Nereu Crispim e a Frente Parlamentar Mista em Defesa Dos Caminhoneiros Autônomos e
Celetistas recorreram ao STF, impetrando Mandado de Segurança com pedido liminar de suspensão da
tramitação da proposta até o julgamento de mérito, diante da alegação de ofensas a cláusulas pétreas e
violação ao devido processo legislativo. A ação foi distribuída ao ministro do STF André Mendonça
que, no dia seguinte, indeferiu a liminar. Na decisão do ministro, há a seguinte observação em relação
ao tema (peça 7, p. 5 - 6):
9. No caso dos autos, não verifico, a princípio, a presença dos referidos requisitos a dar ensejo
à concessão da liminar. Explico.
10. É certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite o cabimento de mandado de
segurança, impetrado por parlamentar, para “coibir atos praticados no processo de aprovação de
leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo
constitucional” (MS 24.642, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.6.2004; MS 20.452/DF, Rel. Min.
Aldir Passarinho, RTJ, 116 (1)/47; MS 21.642/DF, Rel. Min. Celso de Mello, RDA, 191/200; MS
24.645/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15.9.2003; MS 24.593/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ de 8.8.2003; MS 24.576/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 12.9.2003; MS 24.356/ DF, Rel.
Min. Carlos Velloso, DJ de 12.9.2003.).
11. Tal controle, todavia, a meu ver, deve revestir-se do mais alto grau de excepcionalidade, estando
circunscrito aos casos onde há flagrante, inequívoco e manifesto desrespeito ao devido processo
legislativo.
12. Tenho que a autocontenção judicial deve nortear a atuação jurisdicional da Suprema Corte em
tais casos, de modo que seja evitada, ao máximo, a prematura declaração de invalidade de ato
legislativo ainda no seu processo de formação, diante do evidente risco de que se traduza em
interferência indevida do Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo, em violação ao princípio da
Separação dos Poderes.
13. Com efeito, não se pode tomar por corriqueiro ou mesmo banalizar o antecipado escrutínio
integral e completo do ato normativo, ainda em fase de construção política e democrática no âmbito
do Poder Legislativo, sob pena de congelamento da função legiferante, constitucionalmente
atribuída, primordialmente, ao Poder Legislativo. (grifos adicionados)
33. Um representante do Partido Novo também recorreu ao STF com alegações de que a PEC
1/2022 ofendia a cláusulas pétreas e que, no seu trâmite, houve a violação ao devido processo
legislativo. O mandado de segurança MS 38659 MC / DF, com pedido de liminar, foi impetrado pelo
Deputado Federal Alexis Fonteyne. Em 12/7/2022, o ministro do André Mendonça indeferiu a liminar
alegando que:
19. Assim, não vislumbrando na espécie inequívoco e manifesto desrespeito ao processo
legislativo, entendo que o desenvolvimento do exame do fumus boni iuris somente deve
ser feito após a prestação de informações pelas autoridades coatoras, em prestígio ao Poder
Legislativo e em resguardo à harmonia e independência dos Poderes
20. Além disso, não verifico a presença do periculum in mora, uma vez que a eventual
apreciação das PEC’s pela Câmara dos Deputados não impede sua posterior anulação, se
for o caso, sob fundamento de violação ao devido processo legislativo (peça 9, p.5).
Das Determinações do TCU
34. Na representação sob análise, uma das solicitações é que este Tribunal determine que o
governo realize estudos sobre a clientela beneficiária das despesas de modo que o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) possa examinar com precisão se houve abuso do poder político/econômico nas eleições
de outubro que se aproximam.
35. Nesse sentido cabe relatar que as determinações do Tribunal estão atualmente regradas pela
Resolução-TCU 315 de 22/4/2020. Essa resolução dispõe sobre as deliberações que contemplem
medidas a serem tomadas pelas unidades jurisdicionadas. O inciso I do seu art. 2º define que:
I - determinação: deliberação de natureza mandamental que impõe ao destinatário a adoção, em
prazo fixado, de providências concretas e imediatas com a finalidade de prevenir, corrigir
irregularidade, remover seus efeitos ou abster-se de executar atos irregulares;
36. Conforme verificado na sua própria definição, a determinação tem um fim específico que
é o combate a irregularidade, seja prevenindo-a, corrigindo-a, removendo seus efeitos ou abstendo-se
da execução de atos classificados como irregulares. A norma não prevê que seja feita determinação
para que o jurisdicionado adote medidas concretas para que outra instituição, no caso, o Tribunal
Superior Eleitoral, averigue a ocorrência de irregularidade, sem sequer tendo sido o TCU demandado.
37. Cabe ainda, em relação à sobredita Resolução, destacar os seguintes parágrafos:
Art. 14. A unidade técnica instrutiva deve oportunizar aos destinatários das deliberações a
apresentação de comentários sobre as propostas de determinação e/ou recomendação, solicitando,
em prazo compatível, informações quanto às consequências práticas da implementação das medidas
aventadas e eventuais alternativas.
(...)
Art. 15. As propostas finais de deliberação devem considerar as manifestações das unidades
jurisdicionadas e, em especial, justificar a manutenção das propostas preliminares caso
apresentadas consequências negativas ou soluções de melhor custo-benefício.
Art. 16. As determinações, ciências e recomendações, ainda que atendam, em tese, às exigências
previstas na Seção II, serão expedidas apenas quando imprescindíveis às finalidades do controle e
para as deficiências identificadas que, se não tratadas, comprometam a gestão.
38. Enfim, as determinações, em regra, devem ser submetidas aos jurisdicionadas, para que
esses possam se manifestar sobre as consequências práticas da implementação das medidas aventadas
e eventuais alternativas, cabendo justificativas caso os comentários apresentem consequências
negativas ou soluções melhores e devem ser expedidas apenas quando imprescindíveis às
finalidades do controle e para sanar deficiências que se não tratadas possam vir a comprometer a
gestão. Nesse sentido, pode-se concluir que, nesta etapa processual, as finalidades apresentadas na
representação não se coadunam com aquelas propostas no normativo do Tribunal.
Das Medidas Cautelares
39. Adicionalmente, consoante o art. 276 do RITCU, o relator poderá, em caso de urgência, de
fundado receio de grave lesão ao Erário, ao interesse público, ou de risco de ineficácia da decisão de
mérito, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, determinando a suspensão do
procedimento impugnado, até que o Tribunal julgue o mérito da questão. Tal providência deverá ser
adotada quando presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Analisando os
elementos apresentados pelo representante, verifica-se a ausência de tais pressupostos no caso em tela.
40. O pedido articulado na representação não importa nenhuma das hipóteses previstas para a
adoção de medida cautelar: afastamento temporário do responsável; indisponibilidade de bens e arresto
de bens; procedimento impugnado e retenção cautelar de valor; ou suspensão de ato. Consoante
discutido anteriormente, não compete ao TCU exercer controle sobre as propostas de emenda à
Constituição, não havendo, no caso concreto, qualquer ato ou fato que deva ter seus efeitos suspensos.
41. A proposição da PEC 01/2022 constitui ato de natureza legislativa praticado por autoridade
competente, no exercício legítimo do poder constituinte derivado assegurado pelo art. 60, inciso II, da
CF/1988, o que afasta a plausibilidade jurídica do pedido de cautelar formulado nestes autos.
42. Quanto ao perigo da demora, a doutrina conceitua como sendo a impossibilidade de espera
de uma decisão de mérito sob pena de grave prejuízo ao direito a ser tutelado e de tornar-se o resultado
final do processo inútil em razão do tempo. No caso em análise, após cognição sumária das informações
apresentadas pelo representante, não se verificou o periculum in mora, a um porque não foram
identificados, nesse momento processual, possíveis danos justificadores da medida cautelar e, a dois,
porque a ausência de competência do TCU para analisar o mérito de uma Emenda Constitucional
prejudica uma eventual decisão futura desta Corte de Contas capaz de suspender os efeitos financeiros
e fiscais da norma constitucional.
43. Embora não existam as condições para a adoção de medida cautelar, é inegável o risco de
que a PEC 1/2022 possa vir a contribuir com deterioração das condições fiscais do país. Nesse sentido,
cabe reproduzir alguns parágrafos do trabalho da IFI em relação ao tema:
A PEC nº 1/2022 reconhece, no ano de 2022, estado de emergência decorrente da “elevação
extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos
sociais deles decorrentes”. Nesse contexto, estabelece amplo regime fiscal de exceção, não
sujeitando os novos gastos às principais regras fiscais vigentes, a saber: meta de resultado primário,
regra de ouro e teto de gastos. Além disso, desobriga a observância das regras da LRF (Lei de
Responsabilidade Fiscal) relacionadas à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação
governamental que acarrete aumento de despesa ou renúncia de receita.
Na prática, trata-se de mais uma alteração no teto de gastos, principal regra fiscal da União. O Novo
Regime Fiscal (NRF) foi instituído ao final de 2016 com o objetivo de conter o crescimento do
gasto primário da União e, assim, contribuir para um ajuste fiscal de médio prazo com contribuições
também pelo lado das despesas primárias.
Para o teto ser crível, era necessária uma agenda de reformas estruturais que pudesse fazer com que
o ajuste ocorresse de forma a não prejudicar ainda mais os investimentos públicos e, ao mesmo
tempo, conferir maior discussão e definição das prioridades orçamentárias do governo federal.
Esperava-se que com o teto, a qualidade e eficiência do gasto aumentasse, o que não
necessariamente aconteceu.
Desde a criação do teto de gastos, de fato, as despesas primárias da União sujeitas à regra mudaram
a trajetória de crescimento, mas isso também ocorreu às custas da manutenção dos investimentos
públicos em patamar historicamente baixo (...). As reformas estruturais esperadas ficaram
concentradas majoritariamente na previdência social ou foram adotadas em período anterior a
criação da regra fiscal.
(...)
Além disso, antes mesmo da pandemia, alterações constitucionais foram realizadas com objetivo
de autorizar execução de despesas sem a restrição do teto dos gastos. Mais recentemente, três
emendas constitucionais alteraram diretamente a regra, uma para mudar a forma de acionamento
dos gatilhos (EC nº 109, de 2021) e outras duas para alterar o indexador do teto de gastos, limitar
o pagamento de despesas com precatórios de modo a abrir espaço no teto de gastos (ECs nº 113 e
nº 114, de 2021) e acomodar mais despesas. As frequentes alterações reduziram a credibilidade da
regra fiscal.
A nova Proposta de alteração constitucional caminha na mesma direção de autorizar execução de
despesas sem a restrição do teto de gastos. À parte o mérito das medidas adotadas até então, o efeito
colateral é fragilizar a principal âncora fiscal do país, com consequentes efeitos sobre a
sustentabilidade das contas públicas. (peça 3, p.3 - 4)
44. Nesse sentido, cabe ao Tribunal, no desempenho de suas competências, apontar os riscos
inerentes à emenda proposta, devendo, então, diligenciar o Ministério da Economia para que sejam
apresentados esclarecimentos acerca das questões formuladas no parágrafo 48, item “c” desta
instrução.
CONCLUSÃO
45. A representação foi conhecida, pois estão presentes pressupostos de constituição exigidos
pelos arts. 237 e 235 do RITCU, c/c o art. 103, § 1º, da Resolução-TCU 259/2014, a saber: competência
do TCU sobre o assunto, legitimidade do autor e existência de interesse público.
46. Restou evidenciada, ainda, a ausência de competência do TCU para atuar no curso do
processo legislativo da PEC 1/2022; no entanto, foi reconhecido o risco às finanças públicas advindo
da proposta. Consequentemente, propõe-se que o Ministério da Economia apresente esclarecimentos
sobre as repercussões fiscais da PEC.
47. No que tange ao pedido de medida cautelar, inaudita altera pars, sugere-se indeferi-lo ante
a ausência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, haja vista que: i. a proposição da
PEC 1/2022 constitui ato de natureza legislativa praticado por autoridade competente cujo
questionamento seria de tema sindicável pelo Supremo Tribunal Federal, como vem ocorrendo nos MS
38.654-DF e 38.659-DF; ii. não foram identificados nesse momento processual possíveis danos
justificadores da medida cautelar; e, iii. a ausência de competência do TCU para analisar o mérito de
uma emenda constitucional prejudica uma eventual decisão futura desta Corte de Contas capaz de
ou de conhecimento desta Pasta relacionadas às avaliações (ex -ante e ex-post) das políticas
públicas listadas no art. 3º da PEC 1/2022 e seus reflexos orçamentários e fiscais.
Semag-Diref, em 12/7/2022.
Assinado Eletronicamente
DULCE MARIA ALVES DA ROCHA COELHO
Diretora de Fiscalização da Responsabilidade Fiscal - Substituta
AUFC – Matr. 3592-0