Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Nº 6 - Outubro de 2009
Serviço Social
Clínico
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO
Rio de Janeiro
Gestão “Ética, Autonomia e Luta”
2008/2011
Sede – Rio de Janeiro
Presidente: Fátima da Silva Grave Ortiz
Vice-Presidente: Elza Velloso
1ª Secretária: Lúcia Maria da Silva Soares
2ª Secretária: Conceição Maria Vaz Robaina
1ª Tesoureira: Newvone Ferreira da Costa
2ª Tesoureira: Alena Mab Góes Contente
Suplentes: Michelle Rodrigues de Moraes, Jurema Alves Pereira da Silva,
Mônica Vicente da Silva, Georgina de Queiroz dos Santos e Maurício Caetano Matias Soares
Conselho Fiscal: Martha Fortuna Pereira Bastos, Maria Elizabeth Freire Salvador, Leopoldina de Araújo Cardoso
Suplentes: Telma Pilé Gomes, Lisamar Bastos Simões e Erika Schreider
FICHA TÉCNICA
Respostas às questões 33
Debates 55
Cress/RJ - 7a Região
4
Apresentação à primeira reimpressão
Quando foi lançada, no ano de 2000, a revista Em Foco tinha como principal 1
NR: A comissão responsável
objetivo socializar debates realizados pelo CRESS-RJ acerca de temas de interesse pela organização editorial
da categoria sobre os quais havia, até então, pouca produção teórica. O perfil da da Revista EM FOCO optou,
revista expressava esta intenção: embora houvesse a necessária preocupação com desde a primeira publicação
sobre o tema desta edição, em
a correção ortográfica e gramatical, seu conteúdo era, praticamente, a reprodução utilizar itálico para quaisquer
fidelíssima dos eventos realizados, fosse na fala dos palestrantes convidados, fosse referências ao Serviço Social
nas intervenções do público presente. ou aos assistentes sociais que
Ao longo dos anos, contudo, a revista alcançou imprevista repercussão. os relacionem com algum
campo ou método profissional.
Algumas de suas edições tornaram-se bibliografias de disciplinas de cursos de Tal opção visou alertar o
Serviço Social; outras, indicações de estudo para elaboração de monografias ou, leitor para as polêmicas
mesmo, dissertações; outras, ainda, foram previstas como parte da bibliografia existentes em torno de tais
de concursos públicos em diferentes locais do país. Este sucesso fez com que se definições. Todos os demais
grifos e destaques encontrados
ampliasse a demanda por sua aquisição, que hoje é medida em nível nacional. nesta publicação são de
Desta forma, a equipe responsável pela organização editorial da Em Foco viu por responsabilidade dos próprios
bem, sem alteração de conteúdo ou dos objetivos da revista, dar-lhe um formato autores dos textos aqui
um pouco mais formal. reproduzidos, no momento da
revisão de sua transcrição.
A edição que ora chega a suas mãos é uma demonstração de tal sucesso e destas
providências. O tema por ela tratado (o autodenominado Serviço Social Clínico1, 2
“Congresso da Virada”
em suas relações com o Serviço Social) é um dos polêmicos debates em curso na é o nome pelo qual ficou
categoria há vários anos. Não por acaso, as duas primeiras edições da Em Foco se conhecido o III Congresso
Brasileiro de Assistentes
destinaram a reproduzir contribuições de professores como Vicente Faleiros e Mavi Sociais, realizado em São
Rodrigues (edição nº 1), Marilda Iamamoto e Sônia Beatriz Sodré Teixeira (edição Paulo, no ano de 1979. Tal
complementar), bem como a excelência dos debates realizados com a plateia denominação visa demarcar
presente aos dois eventos que trataram tais relações. Como ambas as revistas aquele momento como
marco de um processo
encontram-se esgotadas, e a demanda por seu conteúdo permanece sendo-nos de questionamento dos
apresentada, o CRESS-RJ optou por reuni-las em uma única reimpressão. A única assistentes sociais quanto
alteração realizada, além da nova diagramação, como perceberá o leitor mais ao perfil de intervenção
atento, é a acima descrita: a revisão gramatical priorizou uma linguagem menos profissional então previsto
para a categoria. A partir
informal, de forma a responder aos objetivos a que a revista tem se destinado. deste evento, e considerando
os processos de alteração
A evolução do debate aqui retratado vividos pela profissão em
outros países da América
Latina (no chamado
O eixo central dos debates realizados em 2002 e 2003 sobre o Serviço Social Movimento de Reconceituação
Clínico foi, certamente, se atribuições consideradas terapêuticas fazem ou não do Serviço Social) consolidou-
se, ao longo dos anos, uma
parte daquelas previstas pela regulamentação legal para o exercício profissional de maior aproximação do Serviço
assistentes sociais. Há, contudo, conteúdos correlatos que foram alvo de polêmica Social brasileiro com a
respeitosa e qualificada, como o pertinente e provocativo questionamento sobre perspectiva teórica histórico-
se práticas de tal ordem estão ou não em consonância com o que prevê o projeto crítica e, especialmente, com
o marxismo. Este processo
ético-político hegemônico no Serviço Social desde o “Congresso da Virada”2. resultou na revisão da Lei de
Não nos cabe aqui retomar o conteúdo presente nos debates reproduzidos nesta Regulamentação da profissão
edição da Em Foco, inclusive nas apresentações feitas por gestões anteriores do de assistente social e do
CRESS-RJ e da Faculdade de Serviço Social da UERJ e nos prefácios das edições Código de Ética profissional,
bem como na construção
aqui reimpressas. O que queremos, neste momento, é acrescentar informações das diretrizes curriculares
posteriores aos debates então realizados, uma vez que a apreciação sobre o tema da Associação Brasileira de
não ficou paralisada no decorrer dos anos 3. Ensino e Pesquisa em Serviço
Após permanecer em apreciação pela categoria ao longo dos anos, o Encontro Social (ABEPSS) para o ensino
de graduação. Um tratamento
Nacional CFESS/CRESS4 realizado em 2007, na cidade de Natal (RN), aprovou a mais completo sobre este
necessidade de “aprofundar o debate e construir posição política com base em período pode ser encontrado
fundamentos teóricos e jurídicos sobre práticas terapêuticas no âmbito do Serviço em Iamamoto, Marilda &
Social”, de forma que o resultado desses estudos culminassem em uma proposta Carvalho, Raul. Relações
sociais e Serviço Social no
de normatização a ser apreciada pelo mesmo Encontro, no ano de 2008. Brasil. São Paulo: Cortez,
Dando cumprimento à deliberação aprovada, o Conselho Federal de Serviço 1998.
Cress/RJ - 7a Região
6
terapêuticas” o profissional muitas vezes desenvolve atividades relativas à discussão
sobre direitos ou outras ações quotidianas realizadas nos CAPS´s (oficinas de jornal,
debate sobre controle social etc). O mesmo ocorre com outros profissionais, como os
terapeutas ocupacionais.
Assim, tratar as ações realizadas pelas diferentes profissões no campo da saúde
mental sob a denominação genérica de “ações terapêuticas”, e afirmar que não
cabe ao assistente social encaminhá-las, pode – em casos muito específicos – vir a
significar risco de restrição de um campo de atuação profissional fundamental para o
Serviço Social (o que não é, nunca foi e certamente não será a intenção do Conjunto
CFESS/CRESS nos debates que envolvem as chamadas “práticas terapêuticas”). O
que queremos afirmar, assim, é a necessidade de pormenorizar, ao longo de nossos
debates ainda em curso6, que há determinadas ações que, embora sejam atribuições
privativas e/ou competências do assistente social, recebem, em determinados campos
de atuação profissional, adjetivação próxima a “terapêutico”. Tal denominação é
fruto da hegemonia de determinados conhecimentos no que diz respeito às dimensões
subjetivas das vidas dos usuários e de qualquer sujeito social. Observem: não se
trata, aqui, de qualquer recuo: não reconhecemos que exercer terapias sob quaisquer
orientações teóricas em sistemas formais e informais (inclusive terapias de casal, de
família, de grupo, individual ou comunitária, dentre outras)7 seja uma contribuição
profissional prevista para o Serviço Social. Não devemos, no entanto, perder de vista
o momento conjuntural em que tais debates ocorrem e as implicações futuras para a
necessária e profícua contribuição de nossa categoria para os direitos da população
que se utilizam destas políticas.
Ao apresentar estas reflexões, a gestão “Ética, Autonomia e Luta”, eleita para a
direção do CRESS-RJ para o período 2008/2011, visa contribuir com os debates em curso
no Serviço Social sobre os temas que envolvem esta edição da Em Foco. Continuamos
disponíveis e dispostos a aprofundar tais conteúdos, reconhecendo tratarem-se de
demandas postas à necessária orientação e fiscalização do exercício profissional dos
assistentes sociais na complexidade encontrada em pleno início do século XXI.
6
Registre-se a existência
de novos documentos
públicos acerca dos debates
que envolvem as “práticas
terapêuticas”. A consulta à
página eletrônica do Conselho
Federal de Serviço Social
(www.cfess.org.br) indicada
na NR 2 permite contato com
documentos que tratam o
tema.
7
A formulação em itálico
refere-se à proposta
alternativa encaminhada pelo
CRESS-RJ para apreciação
do Encontro Nacional CFESS/
CRESS 2009. Ela foi apreciada
em reunião pública realizada
em agosto na sede de nosso
Regional e contou com
a contribuição de vários
profissionais presentes ao
evento.
“Em Foco” é a mais nova publicação do Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região. Ela faz parte do projeto de comunicação do CRESS
e visa possibilitar a reprodução de debates, polêmicas e/ou reflexões sobre temas importantes para o exercício do Serviço Social. Em 2003
o planejamento orçamentário do Conselho prevê a publicação de dois números. Este primeiro, “O Serviço Social Clínico e o projeto ético-
político do Serviço Social”, foi viabilizado com financiamento obtido pelo Programa de Pós-Graduação da FSS/UERJ, do Programa de Apoio à
Pós-Graduação (PROAP) da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Cress/RJ - 7a Região
10
Apresentação
Coordenação:
Maria Inês Souza Bravo
Lúcia Maria Freire
Atribuições profissionais:
a condução democrática de
um debate quente
Cress/RJ - 7a Região
14
anos e que gerou as alterações na regulamentação da profissão, o Código de Ética e as O conhecimento
novas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (não do MEC, vale lembrar) e vem mantendo
uma certa hegemonia no debate profissional. rigoroso e
Que concepção da profissão? A de que esta é histórica e, consequentemente, criterioso do
indissociável das particularidades da formação social brasileira em sua relação com
o capitalismo mundial, bem como é resultante da ação dos sujeitos que “constróem modo de vida
sua trajetória e redirecionam seus rumos”. A interseção destas condições gerais com e trabalho da
as respostas técnico-profissionais vai redimensionando e realimentando o projeto
profissional, a exemplo da ruptura dos anos 80 e a adoção de valores ético-políticos e população e
compromissos societários novos desde então. suas expressões
No contexto regressivo em curso desde os anos 90, uma das principais questões
da categoria e dos projetos de fiscalização é a dificuldade de operacionalizar culturais
estes princípios e compromissos por meio de projetos de trabalho concretos em também se
condições adversas, implementando o chamado projeto ético-político profissional.
Tais condições, por vezes, levam ao limite a tensão entre autonomia profissional e coloca como
assalariamento, estabelecendo possibilidades e limites para a efetiva implementação fundamental.
dessa perspectiva. Mais do que isso, essas condições – que envolvem as requisições
dos empregadores, dos usuários com suas demandas e lutas, as condições mesmas
de trabalho (físicas, salariais e políticas – as hierarquias e processos decisórios, por
exemplo)2 - estabelecem “um campo enorme de mediações que particularizam as
funções, competências e atribuições do assistente social”, interferindo nos resultados
projetados, seja individual, seja coletivamente. Desta forma, não há uma necessária
coincidência entre projeto e resultados e a aproximação destes, por assim dizer,
pólos; ela vai se dar a depender da densidade histórica dos projetos profissionais, que
se configura com o reconhecimento das forças sociais em presença, com uma análise
consistente do espaço institucional e do processo de trabalho no qual o assistente
social está inserido, como trabalhador assalariado. Nas palavras de Marilda, é preciso
“enraizar o projeto nas condições reais de sua implementação”.
Se a questão social é a nossa matéria, aqui compreendida como as expressões da
desigualdade social intrínseca às relações sociais no capitalismo, agora em sua fase
madura, esta é um campo tenso de disputas – as disputas inerentes a uma sociedade
de classes – e a intervenção profissional precisa estar qualificada para conhecê-la
– e a suas expressões concretas na vida dos sujeitos, indivíduos ou coletivos (nossa
“matéria vida, tão fina...”) – e formular estratégias de ação.
Na direção das estratégias, Marilda identifica que elas têm sido tensionadas pela
disputa societária entre um projeto de democracia de massas e o projeto neoliberal,
sendo que o primeiro – de caráter democrático e universalista – é o que vimos
defendendo ao lado de outros segmentos de trabalhadores e populares no país. Nesse
sentido, há que manter uma atitude de permanente articulação política, tendo em
vista seu reforço. Ao lado disso, ela sugere uma retomada estratégica das técnicas
de educação popular e mobilização social, adequando-as aos desafios do presente.
Outro aspecto para o qual chama atenção é o reforço do domínio sobre a questão
orçamentária e sua democratização, visando maior capacidade para negociar recursos
e articular mobilizações em torno dessa questão. O conhecimento rigoroso e criterioso
do modo de vida e trabalho da população e suas expressões culturais também se coloca
como fundamental. Ao lado disso, se requer o aprimoramento do uso da linguagem e a
apropriação de tecnologias nesse campo, a exemplo da informática.
Ela aponta, ainda, alguns desafios que vêm se colocando no contexto das mudanças
operadas na relação Estado-sociedade: 1) a existência da lógica do direito do
consumidor circunscrita na transferência de serviços públicos para o terceiro setor ou 2
NR: Sintonizado com tais
para o setor privado mercantil, que vem representando a descaracterização do direito preocupações, o Conjunto
ou sua transformação em nicho de valorização, quando se transforma em mercadoria. CFESS/CRESS aprovou, alguns
O assistente social vem sendo requisitado para a gestão e, até, a fiscalização desses anos após a publicação
da Revista EM FOCO aqui
serviços, quando tradicionalmente lidava com os direitos sociais; 2) os processos de reimpressa, a Resolução
descentralização das políticas sociais públicas; 3) a atuação nos conflitos familiares na CFESS nº 493/2006, que
esfera do judiciário, assessorando juízes e fornecendo laudos; 4) as novas requisições “Dispõe sobre as condições
no âmbito das empresas e decorrentes das reformas administrativas no espaço público éticas e técnicas do exercício
profissional do assistente
e privado, que sugerem uma reinterpretação do que é unidade de Serviço Social na Lei social”. A Resolução vem sendo
– já que em muitos lugares ele não é uma unidade específica, mas para o exercício da utilizada como instrumento
função se requer a formação profissional específica. Muitos assistentes sociais sentem de referência e negociação,
problemas de identificação como assistente social em função disso; 5) a inclusão da com os empregadores, de
condições que favoreçam as
investigação como elemento fundamental do exercício profissional; 6) a questão da possibilidades acima citadas
interdisciplinariedade, que constitui equipes que formam uma unidade na diversidade por Behring.
Cress/RJ - 7a Região
16
O “Serviço Social Clínico”
e os Desafios Ético-Políticos
Postos à Profissão de
Serviço Social
Promoção: UERJ e CRESS – 7ª Região
Dia 12 de junho de 2002
Palestrantes: *
Marilda Iamamoto possui
Professor Vicente de Paula Faleiros graduação em Serviço Social
Professora Mavi Pacheco Rodrigues pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (1971),
Mediadora: professora Marilda Iamamoto mestrado em Sociologia Rural
pela Universidade de São
Paulo (1982) e doutorado em
Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São
Marilda Iamamoto * Paulo (2001). Atualmente
é professora titular da
Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, selecionada
O curso de Mestrado em Serviço Social Clínico e os desafios ético-políticos da para o Programa PROCIÊNCIA,
da Universidade do Estado do Rio de profissão vem responder a um convite coordenadora do Programa
Janeiro (UERJ) e o Conselho Regional de de reflexão formulado pela Comissão de Estudos e Pesquisas
Serviço Social – 7ª Região – têm o prazer de Pensamento social e realidade
de Fiscalização do Conselho Federal
brasileira na América Latina e
receber dois convidados muito especiais: de Serviço Social (CFESS), referendado do Centro de Estudos Octávio
o professor doutor Vicente de Paula no Conjunto CFESS/CRESS, sobre as Ianni. Coodenadora Adjunta
Faleiros, da Universidade de Brasília (UNB), funções, as atribuições privativas e as da CAPES para a área de
um profissional que vem protagonizando Serviço Social (triênio 2008-
competências do assistente social na
2010), indicada através da
o movimento de renovação crítica do cena contemporânea. Em decorrência Portaria nº 005, de 18 de
Serviço Social brasileiro desde a época da das profundas mudanças nas relações janeiro de 2008. Membro da
reconceituação do Serviço Social e um dos entre o Estado e a sociedade e nas formas Comissão de Altos Estudos
interlocutores mais significativos da nossa do Centro de Referência das
de organização e gestão do trabalho, que
Lutas Políticas no Brasil (1964-
área profissional; e a professora Mavi afetam os diversos espaços ocupacionais 1985): Memórias Reveladas,
Pacheco Rodrigues, da Escola de Serviço do assistente social, as entidades designada pelo Diretor-Geral
Social da Universidade Federal do Rio de vêm expressando uma preocupação do Arquivo Nacional. Tem
Janeiro (UFRJ) e especialista no tema em experiência na área de Serviço
de fundamental importância: como
Social e Sociologia Rural com
debate, cujo projeto de doutorado está consolidar o projeto ético-político do ênfase em Serviço Social,
voltado para as relações entre Serviço Serviço Social no cotidiano do exercício atuando principalmente nos
Social e saúde mental. A professora Mavi profissional? Ou, recorrendo às palavras seguintes temas: serviço
ocupa hoje a vice-presidência do CRESS- social, história do serviço
da professora doutora Carmelita Yazbek,
social, serviço social na
RJ, na diretoria recém-eleita. como concretizar o projeto ético-político divisão do trabalho, formação
O debate sobre o Serviço Social do Serviço Social no tempo miúdo profissional e ensino superior.
Cress/RJ - 7a Região
18
Vicente de Paula Faleiros *
Cress/RJ - 7a Região
20
pode-se fazer uma orientação social, busca do visível e do invisível. Embora O espaço da
como está prevista na Lei como função tratando da medicina, o livro mostra esse
privativa e específica do assistente espaço de produção de uma trama para clínica, assim,
social, de diferentes maneiras, seja o exame e o enunciável sobre o corpo e, é um espaço
como um desdobramento de uma visão creio eu, também sobre a psique. A clínica
política engajada numa militância psicológica é um lugar de organização de contraditório
ativa, seja como uma ação política sem um saber reconhecido, de configuração de relações.
engajamento militante, seja como uma do atendimento, de reconhecimento do
ação política expressa em termos mais problema, do tratamento, de consulta.
institucional e tecnicamente elaborados, Hoje a clínica se situa tanto no
de forma mais ou menos coletiva, com contexto do serviço público como no
mais ou menos ênfase no indivíduo ou mercado, que se exerce através de
na família. A experiência da política se convênios, de consultas privadas, de
exerce também na atuação profissional terceirização. O clinicar se exercita pela
e não só na militância, no voto, na vida apropriação e reconhecimento de um
comunitária. Faço aqui uma referência saber profissional que se transforma em
ao professor Bragança de Miranda8, poder de normatização social, assim como
de Portugal, que coloca a política na um espaço de relações de apoiamento,
experiência do político, sem aprisioná-la de cuidar e orientar, de interação entre
ao Estado, implicando não só a palavra, usuário e profissional, sob distintas
mas também os silêncios. No caso do formas.
Serviço Social ela se expressa socialmente A clínica foi assumindo também
na defesa de um projeto de sociedade que outras significações como espaço de
está presente nas diferentes formas de beleza (clínicas de beleza), de esporte,
ação profissional e na atuação cotidiana, de vivências, de cuidados. De todos os
na política “miúda”, para usar uma modos, o olhar da clínica se faz a partir
expressão de Gramsci. de uma relação de poderes e saberes e
Já em 1972 fazíamos uma crítica se exerce através de um saber específico.
contundente à chamada neutralidade Na origem dessa palavra (clínica)
da ação. Quem assume que é neutro, encontramos o grego “klynein”, inclinar-
paradoxalmente está assumindo uma se, deitar, lembrando que alguém externo
ruptura com a “não posição”, portanto a outrem vai se debruçar sobre ele, sobre
deixa de ser neutro. Muitas vezes o uma determinada questão apresentada,
discurso da neutralidade serve para não relatada, para dar um diagnóstico e
explicitar a não neutralidade. estabelecer um prognóstico e medidas
Nas diferentes formas de se exercer que poderíamos chamar de tratamento,
a orientação social existe um projeto recuperação, prevenção, informação,
político, existe a política, não se consubstanciadas, em geral, numa
entendendo a política como atividade prescrição de curto ou médio prazo,
partidária. Assim, a política é uma com acompanhamento e avaliação de
referência nas disputas pela condução resultados.
da sociedade, da profissão, nas disputas Trata-se, hoje, de um processo
pelos destinos próprios e dos outros, terapêutico que busca restaurar uma
que se exerce de diferentes maneiras no “normalidade”, reconstruir as condições
processo da participação social individual normais de vida ou comportamentos
e coletiva nas mais variadas esferas considerados normais. O conceito de
da sociedade. Assim, não há clínica norma e normalidade exigiria uma outra
neutra; ela está imbuída, implícita ou discussão e implica um aprofundamento10,
explicitamente, de um projeto político. mas pode significar tanto a normalização
É preciso que reflitamos também sobre social como a busca de autonomia,
o sentido da clínica. O dicionário Aurélio identidade, cidadania, inclusão. O
define clínica em relação à medicina espaço da clínica, assim, é um espaço
e à doença, como “lugar aonde vão os contraditório de relações. 8
MIRANDA, José A. Bragança
doentes consultar um médico, receber O clinicar pode ser visto tanto na ótica de. Política e modernidade.
tratamento ou submeter-se a exames de Foucault, como pode ser exercido Linguagem e violência na
clínicos, radiografias”, refletindo o senso (exercício do poder) na perspectiva cultura contemporânea.
Lisboa, Colibri, 1997.
comum sobre esta problemática. do direito e de defesa do sujeito, de
Foucault, em seu livro “O Nascimento expressão do próprio sujeito na busca 9
FOUCAULT, Michel. O
da Clínica”9, fala do espaço, da linguagem, de alternativas que são trabalhadas na nascimento da clínica. São
da morte, do olhar, construído em relação profissional-usuário num processo Paulo, Forense, 2001.
diferentes contextos de saber e poder, de mudança que, dentre outros, pode 10
Ver CANGUILHEM, Georges.
“nessa redistribuição do espaço em que ser o da re-significação de sua trajetória O normal e o patológico. São
se cruzam os corpos e os olhares”, na através de um processo narrativo de sua Paulo, Forense, 1978.
Cress/RJ - 7a Região
22
coletivos de mulheres, seja no trabalho ou de oportunidades. Precisamos
com adolescentes, com crianças, há Nessa relação profissional de
um processo de comunicação e há ressignificação e rearticulação põe-se repensar
uma narrativa, há um intercâmbio de em questão, justamente, a etiquetagem a relação
narrativas e palavras. Evidentemente social das discriminações e preconceitos
esse intercâmbio pode tomar dimensões e se produz uma aprendizagem mútua profissional/
terapêuticas ou não. (profissional/usuário) da crítica e do usuário na
Irá tomar dimensões terapêuticas combate às ilusões da inserção social. Para
se houver um processo, um contrato isso é necessária a reformulação dos nossos complexidade
terapêutico que, dentro das atribuições prontuários, que são estáticos, às vezes dos processos
do assistente social, de orientação discriminatórios18 (quanto à orientação
individual e social, possa estabelecer um sexual, por exemplo) e autoritários, com de trabalho,
contrato sem prescrição de tratamento. classificações elaboradas sobre o outro e relações
Na clínica tradicional o ato de poder não com o outro.
se traduz na prescrição autoritária do Precisamos, pois, repensar toda de poder e
tratamento. Segundo o Dicionário Aurélio essa relação profissional/usuário na relacionamentos
prescrição é “o conjunto de todas as complexidade dos processos de trabalho,
medidas não cirúrgicas (medicamentos, das relações de poder e relacionamentos específicos, com
dietas, cuidados outros etc) ordenadas específicos, com possibilidades de possibilidades
por médico em relação a um doente, e uma abertura, inclusive, ao trabalho
que visa ao tratamento deste”. Nesse terapêutico, sem que se reduza a ele o de uma abertura
caso é o terapeuta que sai fortalecido. Serviço Social. ao trabalho
Na relação terapêutica de No meu livro “Estratégias em Serviço
empoderamento sai fortalecida a decisão Social”19 desenvolvo o paradigma da terapêutico,
do usuário que vai estabelecer, na correlação de forças na perspectiva do sem que se
comunicação, o desenvolvimento do seu “empowerment”, do empoderamento
processo de saída de crises, de alívio dos usuários (individual, em família ou reduza a ele o
de tensões e sofrimentos, de uso de coletivamente), entendo-o relacional- Serviço Social.
recursos sociais e jurídicos. Esse trabalho mente, o que não tenho condições
pressupõe um preparo técnico adequado de aprofundar nesse momento. Nesse
como a “escuta ativa”, como o define enfoque, o apoiamento através de
Dóris Rinaldi17. recursos se inscreve numa perspectiva
Esse processo de acolhimento, de de mudança de relações de poder, com a
escuta e de cuidado faz parte do processo dinâmica da compreensão das estratégias
de orientação e apoiamento social que em confronto, o que implica um processo
em inglês se chama “helping”, expressão que é pensado e vivido, com mais ou
difícil de traduzir, pois implica mais do menos intensidade, no campo de atuação
que ajuda material. Aliás, venho insistindo profissional, de acordo com as forças
na necessidade de se repensar o conceito sociais e as forças pessoais em presença,
de ajuda no âmbito profissional, porque sem desvincular umas das outras, sem
ajuda é uma instituição da humanidade isolar os atores de seu contexto.
e ser humano implica em ajudar uns aos A clínica, nesse sentido, implica a
outros. Assim, a ajuda não é um objeto intervenção do sujeito sobre si mesmo e
de uma profissão, tal como a religião, sobre as condições/relações sociais em
a guerra, a educação, a moradia. São que se situa. Para isso pode-se contar
instituições da humanidade. com a contribuição da Psicanálise, mas
A relação profissional/usuário é se algum assistente social quiser fazer
um processo de apoiamento que se Psicanálise no sentido estrito é preciso 17
RINALDI, Dóris Luz. O
estabelece num contrato, onde não que faça uma formação psicanalítica, acolhimento, a escuta e o
cuidado: algumas notas sobre
há prescrição armada num protocolo, que tem um campo próprio e distinto o tratamento da loucura. In
numa decisão autoritária, mas uma do Serviço Social. Parece não haver Em Pauta (16): 7-18. Rio, UERJ,
dinâmica de promoção da autonomia, impedimento a que profissionais de várias jan/jul., 2000.
do autodesenvolvimento, da defesa e áreas (Medicina, Antropologia, Serviço 18
Inclusive numa abordagem
exercício de direitos, o que é uma atitude Social, Psicologia, por exemplo) atuem no chamada de “sociológico-
política. É uma atitude política por que campo da Psicanálise como psicanalistas. política”, que pode não ser
está articulada ao direito da pessoa a Pode-se pensar num assistente social politicamente correta.
se autodeterminar e questionar a sua com orientação psicanalítica? Creio que é 19
São Paulo, Cortez Editora,
subjetividade na sociedade, e a sociedade preciso aprofundar esta questão, como se 2001.
em relação a sua subjetividade, ou seja, tem feito na própria Sociologia Clínica20.
o que entendemos por ressignificação e A Psicanálise, como campo próprio, é 20
Ver, por exemplo, GAULEJAC,
rearticulação de trajetórias, vinculando- diferente dessa clínica e dessa terapia a Vicent de. L´histoire en
heritage - roman familial
se a trajetória pessoal à história social e que me refiro no âmbito reconhecido do et trajectoire social. Paris,
política e às condições sociais de opressão Serviço Social; mas temos que reconhecer, Desclée de Brouver, 1999.
Marilda Iamamoto
Mavi Rodrigues *
Cress/RJ - 7a Região
24
esteja suficientemente aberta (algumas miúdos, a minha fala está organizada Creio que o
pessoas acompanharam um pouco no sentido de pensar se o Serviço Social
pela internet os curtocircuitos dessa Clínico faz avançar a ruptura com o Serviço Social
discussão), é possível destacar que ela conservadorismo profissional ou não. Isso Clínico tende
tem gravitado muito em torno da questão é algo fundamental no debate sobre o
da pluralidade. Ainda que reconheça a tema, algo que não pode ser negligenciado a escapar das
importância dessa questão, esse não é de nenhuma maneira. demandas
o enfoque da minha intervenção. Prefiro Antes mesmo de buscar responder à
pensar alguns outros elementos que, pergunta lançada aqui cabe explicitar a profissionais
inclusive, podem fornecer luz e qualificar definição de Serviço Social Clínico. De postas ao
melhor a discussão em torno do princípio acordo com a sua autorrepresentação23,
ético acerca da pluralidade. o Serviço Social Clínico é um movimento Serviço Social:
E que elementos são esses? Eu diria composto por um grupo de assistentes em outros
que o eixo central de análise acerca da sociais com formação especializada
pertinência do Serviço Social Clínico hoje nas mais variadas abordagens clínicas: termos, o que
deva ser as conquistas obtidas por esta holística, bioenergética, psicodrama, sustento é que
profissão nas últimas duas décadas do terapia familiar sistêmica, transpessoal
século XX para cá. Conquistas essas que etc. Se é legítimo sustentar que se trata de as demandas
se expressam no projeto ético-político um grupo essencialmente heterogêneo, é profissionais
e que remetem à discussão do Serviço importante levar em conta, também, que
Social Clínico não a um parágrafo ou a as diferentes perspectivas clínicas que não ecoam no
um princípio descolado do Código de compõem o Serviço Social Clínico têm Serviço Social
Ética, mas à consideração do mesmo algo em comum. Esse grupo reivindica da
em sua totalidade. Além disso, devemos categoria, das suas entidades e unidades Clínico.
considerar a Lei de Regulamentação de ensino, o reconhecimento do caráter
da profissão e, sobretudo, a reflexão clínico ou terapêutico do exercício
acumulada no interior dessa categoria profissional.
profissional acerca da sua natureza e Como é que, então, podemos avaliar
do seu significado, acerca do que é essa o Serviço Social Clínico face à direção
profissão e da realidade da qual ela faz social estratégica do projeto ético-
parte21. Esse é o eixo de análise que estou político do Serviço Social? Discutir Serviço
priorizando e acho que ele tem que estar Social Clínico hoje e a sua relação com
atravessando toda e qualquer discussão o projeto ético-político, envolve, para 21
Um balanço crítico acerca
em torno do Serviço Social Clínico. mim, duas dimensões de análise que do debate contemporâneo do
Estruturei minha fala a partir deste estão estreitamente ligadas; tratar de Serviço Social brasileiro pode
eixo, tendo a clareza de que a discussão uma é remeter a outra e vice-versa. Uma ser encontrado em IAMAMOTO,
acerca da relação entre o Serviço Social primeira dimensão é aquela que podendo M.V. O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho
Clínico e o projeto ético-político envolve ser denominada de técnico-operativa e formação profissional. São
uma complexidade enorme e que não corresponde à relação entre o Serviço Paulo: Cortez, 1998. Sobre a
daríamos conta de esgotá-la, mesmo que Social Clínico e o mercado profissional. natureza e o significado da
nos dispuséssemos a conversar sobre isso Nesta dimensão de análise devemos avaliar profissão ver, em especial,
IAMAMOTO, M.V. Renovação e
por um dia inteiro. Reconhecendo esta se o Serviço Social Clínico amplia ou não Conservadorismo no Serviço
complexidade, minha intervenção busca a atuação profissional, se ele responde Social: ensaios críticos.
trazer algumas balizas de avaliação. ou não, de acordo com o projeto ético- São Paulo: Cortez, 1992 e
Parece-me que discutir o Serviço político, às demandas profissionais postas MONTAÑO, C. La Naturaleza
Del Servicio Social: un
Social Clínico hoje, face aos desafios pelo mercado. Portanto, o que está em ensayo sobre su genesis, su
ético-políticos postos à profissão, é jogo aqui é a relação entre demandas e especificidad y su reproducion.
tentar responder a uma pergunta que é respostas profissionais. São Paulo, Cortez, 1998.
um desafio para categoria, frente à qual Como o espírito do debate é suscitar 22
A este respeito consultar
pretendo apenas fornecer algumas pistas. polêmica me sinto à vontade para expor NETTO, J. P. Transformações
Tal pergunta pode ser formulada da uma hipótese frente à qual muitos dos societárias e Serviço Social
seguinte forma: o Serviço Social Clínico presentes terão profundas discordâncias. – notas para uma análise
aprofunda, faz avançar, a direção social Creio que o Serviço Social Clínico tende a prospectiva da profissão no
Brasil. In Serviço Social e
estratégica que está presente no projeto escapar das demandas profissionais postas Sociedade, n° 50. São Paulo:
ético-político do Serviço Social ou nega ao Serviço Social; em outros termos, o que Cortez, 1998.
essa direção? sustento é que as demandas profissionais
Nunca é demais lembrar que o projeto não ecoam no Serviço Social Clínico.
23
Conferir os textos que
foram publicados no Boletim
ético-político do Serviço Social, sem Parece-me que o assistente social que Sersoclínico, disponíveis no
o prejuízo do respeito à pluralidade tem uma formação especializada na clínica endereço eletrônico http://
de proposições profissionais, tem uma tende a menosprezar ou, até mesmo, a pessoal.sercomtel.com.br/
direção social estratégica clara22: uma refutar as demandas profissionais que colman/documen.htm, em
especial o primeiro boletim,
direção essencialmente anticapitalista são gestadas no campo sócio-ocupacional que anuncia o nascimento do
e anticonservadora. Então, trocando em onde o Serviço Social está inserido. movimento.
Cress/RJ - 7a Região
26
é que, se concebo esta profissão como pensamento que vê a realidade como
ajuda, nesta áurea da mística do servir, algo estático. O estrutural-funcionalismo,
me escapa o significado sócio-histórico, inequívoca expressão do conservadorismo,
o significado político do exercício buscou ver a vida social como algo
profissional. dinâmico. Portanto, é errôneo considerar,
Através desta concepção, desta como sugerem algumas pessoas, que
compreensão da natureza da profissão, o conservadorismo corresponde a uma
os agentes profissionais não têm como abordagem estática da vida social e a
perceber, inclusive, a dimensão política uma ênfase no indivíduo. Se partirmos
da sua ação. E aí os agentes profissionais desta compreensão, confundiremos ainda
se alienam do seu próprio fazer. Dessa mais a discussão que temos pela frente.
forma é impossível dar à intervenção O que marca o pensamento conservador
profissional um rumo alternativo ao são dois elementos fundamentais. A
conservadorismo que marcou a origem primeira coisa é que o pensamento
e grande parte da história da nossa conservador, tanto em Dürkheim como
profissão. em Parsons, naturaliza a vida social.
Parece-me que entender o Serviço Todo mundo aqui sabe que o marco do
Social como trabalho inserido na divisão positivismo é pensar o social sob o prisma
sociotécnica do trabalho é a condição das ciências naturais. Ao fazê-lo, o
necessária não só para entender a positivismo equaliza a vida social com a
dimensão socioeducativa, o significado natureza o que, consequentemente, leva
político da nossa prática profissional: à legitimação da ordem burguesa e ao
é condição necessária, também, para esvaziamento das possibilidades de sua
compreender criticamente a dimensão superação.
político-ideológica das políticas, dos Essa naturalização leva a um outro
programas e dos serviços sociais nessa traço do pensamento conservador que é
ordem social. tratar o social pela ótica da moralização,
Mas não é só aí que reside o o específico do humano na ótica dos
conservadorismo do Serviço Social valores e das tradições. Nos marcos do
Clínico. Peço licença para falar de uma conservadorismo a “questão social”
tendência em particular, que parece é moralizada. Ela é interpretada e
ter dentro do Serviço Social Clínico enfrentada como um problema moral por
uma visibilidade maior. Posso estar excelência. Basta lembrarmos, aqui, da
enganada, mas no meu ponto de vista anomia em Dürkheim.
a Terapia Familiar Sistêmica é, neste Isso aparece na Terapia Familiar
movimento, a ponta de um iceberg. Sistêmica. Nesta perspectiva clínica,
Há nessa tendência um esforço maior principalmente nos anos 70, há uma
de sistematização e um anseio maior influência muito forte do estrutural-
de trazer uma nova perspectiva para a funcionalismo. Na proposta terapêutica
intervenção profissional. Nessa tendência em questão a naturalização do social
há a expressão clara de elementos aparece de forma muito clara quando
conservadores. Cabe destacar que tais a família é pensada como um sistema
elementos não são próprios do Serviço biológico vivo26. O conservadorismo se
Social. Cultivados no seio da Terapia revela, também, no trato de outros
Familiar Sistêmica, tais elementos aspectos da dinâmica e da estrutura
são incorporados acriticamente pelos familiar, quando o sintoma, o problema
assistentes sociais. da família, aparece como uma disfunção,
Antes mesmo de tratar da presença um problema da inter-relação das partes
do conservadorismo na Terapia Familiar com o todo do sistema familiar sobre o
26
Ver GAMEIRO, J. e SAMPAIO,
D. Terapia Familiar. Porto,
Sistêmica gostaria de desfazer algumas qual o terapeuta tem que intervir visando Edições Afrontamento, 1998.
ideias equivocadas acerca do pensamento a adaptação e a integração.
conservador. O pensamento conservador Contra-argumentando o que afirmo 27
Consultar RAPISO, R.
não o é por que se volta para o indivíduo. aqui, algumas pessoas podem dizer que, Terapia Familiar Sistêmica: da
instrução à construção. Rio de
Comte e Dürkheim, pais do positivismo – ao final dos anos 80, a Terapia Familiar Janeiro, Instituto NOOS, 1998;
pensamento conservador por excelência Sistêmica mudou de rota. De acordo com VALLE, Ma. E. do e OSORIO, L.
–, não se preocuparam com o indivíduo. estudiosos da área27, essa mudança pode C. Terapia de Famílias: novas
Aliás, podemos dizer que Comte tinha ser denominada como a passagem da tendências. Porto Alegre,
ARTMED, 2000; e LUCHI, T.
uma certa antipatia pela questão do Terapia Familiar Sistêmica de Cibernética de O. A Terapia Sistêmica
indivíduo. Comte e Dürkheim estavam de Primeira Ordem para Cibernética de de Casal: da objetividade à
preocupados explicitamente com o social Segunda Ordem, ou para Terapia Familiar intersubjetividade. In NOVA
numa ótica claramente conservadora. Ecossistêmica ou, ainda, para Terapia PERSPECTIVA SISTÊMICA –
Instituto de Terapia de Família
Não dá para pensar também o Familiar Sistêmica Pós-moderna. do Rio de Janeiro. Ano V,
pensamento conservador como um Não desconheço as mudanças que N° 9, 1996.
Cress/RJ - 7a Região
28
Penso que essa citação ilustra o
quanto uma perspectiva que se põe no
horizonte da luta pela ampliação da
cidadania e da afirmação dos direitos
pode, paradoxalmente e de forma
subliminar, realizar o contrário disso
tudo, a desconstrução disso tudo.
Cress/RJ - 7a Região
30
complementar seu ponto de vista. Penso internet; depois de alguns esclarecimentos
que é um corpo que define uma fundação limpamos algumas confusões que estavam
teórica e que nos instrumentaliza com uma se colocando, não de nossa parte,
bagagem no campo técnico-interventivo mas de outros interlocutores que se
enorme, porque eles sabem efetivamente aproveitaram um pouco do debate para
conversar no campo dialógico, no campo colocar suas posições. Mas isso não é o
do respeito ao outro. E nós não sabemos mais importante.
fazê-lo. Quero parabenizar o CRESS e o
Existe o assistente social que, por falta mestrado da Faculdade por propiciarem
de embasamento em qualquer esfera, esse debate, que merece aprofundamento.
está no campo da tal da racionalidade E dizer que as questões que vou colocar
instrumental e está fazendo barbaridades, são de alguém que não acompanha o
e está no campo do controle social. Mas debate por dentro, que não trabalha com
também há profissionais do campo da essas categorias. O máximo de contato
esquerda que estão naquela perspectiva que tenho é o de usuária: faço terapia
do expert, que pensa saber o que é há muitos anos e, aliás, devo dizer que
melhor para o outro, que tem que dizer minha terapeuta não tem uma linha
ao outro o que ele deve fazer. Gidens conservadora – ao menos não consigo
está discutindo, também, essa ideia do senti-lo no meu processo.
especialista ou dos especialistas, campo Nesse sentido, gostaria de dizer que
que nos coloca uma perspectiva filosófica penso que é fundamental precisar bem o
de enfraquecimento desse intelectual que está em discussão. É atribuição do
para que ele possa aprender a dialogar com assistente social fazer terapia? Essa é a
o outro, que é diferente, e lhe permitir pergunta que nos está colocada. Temos
que eles façam suas escolhas no campo formação, preparo para fazê-lo? Isso faz
de sua liberdade e da responsabilidade. parte de nossa formação básica? Vejamos:
Então não vejo nenhum é evidente que nossa profissão tem uma
conservadorismo em algumas tendências dinâmica histórica. Esse projeto ético-
no campo da linguística, da hermenêutica, político profissional, que assim batizamos
da filosofia, dentro desse debate nos anos 90, é um processo histórico.
estético. Elas só estão nos ajudando e E, aliás, ele não existe consolidado em
já tenho produzido algo nessa área. Não lugar nenhum: quem for procurar o
vejo respingo de conservadorismo nestas projeto ético-político não vai encontrá-
tendências, embora concorde que há lo; encontrará inúmeras expressões do
aspectos com que é difícil dialogar. projeto ético-político profissional. Há
Se isso é um campo de Serviço Social muitos alunos que nos perguntam o que
Clínico também tenho dúvidas. Penso é projeto ético-político. Então temos que
que a liberdade de escolha está posta dizer onde ele está expresso: no Código
no mundo, não vejo como tutelar essas de Ética, na Lei de Regulamentação da
pessoas que têm vocação para o controle profissão, nas Diretrizes Curriculares da
do sujeito. Não somos polícia. Serviço ABEPSS; ele está em inúmeras publicações,
Social é uma profissão e tem banda podre de inúmeros autores (Faleiros, Marilda,
em toda área. Também temos a nossa, Maria Inês, Ana Vasconcelos e outros) que
nosso passado histórico, e temos que são pessoas que têm vínculos e produção
conviver com ele. que vêm alimentando o debate. Temos
que ter capacidade política e teórica de
Elaine Behring: Sou Elaine, professora enfrentá-lo e lhe propor questões. As
da Faculdade de Serviço Social da UERJ duas intervenções foram competentes;
e estive no CFESS até o dia 15 de maio, de pontos de vista diferentes, mas que
de certa forma acompanhando essa trazem elementos muito importantes
discussão que percorreu toda a gestão para o debate.
daquele Conselho, a partir de várias Minha primeira questão é a seguinte:
demandas que foram surgindo de um a barbarização da vida social, com
sem número de tendências nesse campo suas expressões da questão social cada
“psi”, na sua interlocução com o Serviço vez mais dramáticas, tem dimensões
Social – e isso acontecendo ao mesmo claramente materiais, no campo do
tempo em que propúnhamos um debate, direito, do acesso, do atendimento de
que está em aberto, sobre as atribuições necessidades básicas; mas ela também
profissionais. tem um componente que é o do sofrimento
Nesse contexto, inclusive, convidamos psíquico absurdo para as pessoas. Se os
Marilda para uma consultoria ao CFESS, que não passam pela situação de privação
que gerou um texto. Tivemos um debate já têm um sofrimento psíquico absurdo,
interessante com o professor Faleiros via os que passam também o têm. Muitas
Cress/RJ - 7a Região
32
Respostas às Questões
Cress/RJ - 7a Região
34
entre as relações sociais e a constituição do trabalho, mesmo, na ação, de ter
do sujeito, em separar o sujeito das oportunidade de troca e oportunidade
suas relações, ou em se considerar as de discutir essas questões.
relações sem sujeito. O próprio Marx diz Temos muitas dúvidas quando estamos
que o sujeito é o conjunto de relações lá na frente. E como é que nos sentimos?
sociais. É esse, no meu ponto de vista, Isso é muito importante que tenha
o fundamento não só para uma ação continuidade, que possa não parar aqui.
terapêutica ou clínica como para ações Agora, como Sônia falou, que realmente
profissionais não terapêuticas que possam o assistente social clínico possa estar,
existir na prática profissional. também, presente na mesa.
Sônia Sodré: Sou Sônia Sodré, Marco José: Sou Marco, professor
“assistente social clínica” há 25 anos, da Faculdade de Serviço Social, e fico
terapeuta de família sistêmica com muito feliz e à vontade para pensar alto
muito orgulho; inclusive escrevi uma e também falar com o coração aberto,
tese de doutorado sobre esse tema, como quando sugeri para Maria Inês que
dessa articulação entre o Serviço Social trouxesse o debate do Serviço Social Clínico
e as terapias familiares. Essa tese não aqui para a UERJ. Debate interessante,
aplacou as questões: ao contrário, por que temos uma representação
penso que a função da tese é um pouco legal, da representação das entidades
essa, mesmo, de levantar questões. Mas da categoria, e os expoentes, de uma
queria, já que temos pouco tempo, me certa forma, desse debate. Faleiros e
centrar numa questão, numa ideia que Mavi falam da mensagem da internet, e
me ocorreu ouvindo vocês. Marilda, por detrás, sobre aquele livreto
Senti muita falta do assistente social das competências e atribuições privativas
clínico na mesa, e fiquei pensando se isso do Serviço Social.
foi um acaso ou se isso é o retrato do Queria fazer uma questão. Estou com
que é o Serviço Social Clínico, que é um muitas reflexões em minha cabeça, porque
Serviço Social minoritário, que não tem sempre fui muito isolado para discutir a
voz, que é anônimo. Porque é interessante subjetividade, desde quando defendi a
pensar que se falou aqui de Serviço Social minha dissertação de mestrado, em 93,
Clínico pela voz dos não clínicos. Não os na UFRJ. Ali eu já tomava a subjetividade
estou desmerecendo, absolutamente, como uma discussão, como um temário.
penso que vocês entendem isso. Mas E me articulei com a Psicanálise, com
sinto que ficou uma falta, porque os uma professora, a própria Dóris, que é
“clínicos” precisam estar na mesa, do meu grupo de pesquisa, e começamos
falando o que pensam, como articulam a ter uma intervenção de investigação de
sua prática, quais são as questões com um estudo comparativo do Serviço Social
que se debatem no dia-a-dia. E isso é e da saúde mental, tanto do serviço de
algo para pensarmos; ou seja, essa falta psiquiatria do Hospital Universitário da
se fez por quê? Será que podemos não UERJ como do IPUB, da UFRJ. E o tempo
ter só uma resposta objetiva, mas pensar inteiro como militante, também, da
um pouco se isso não é a reprodução saúde mental, e agora defendendo a
de uma questão que existe no Serviço minha tese de doutorado, percebo que a
Social? Os assistentes sociais clínicos, é questão da clínica e a questão da terapia
verdade, não escrevem, não produzem (não da psicoterapia) estão o tempo
conhecimento, mas estão na linha de inteiro sendo elementos também do
frente de trabalho, nos ambulatórios, Serviço Social. Negando ou não negando,
com as famílias, nos hospitais, dentro elas aparecem.
da área de saúde mental e outras tantas E existe uma dimensão na intervenção
áreas. Queria registrar essa falta que profissional, da terapêutica para o
senti nesse debate, porque penso que usuário, que na minha tese estou
poderíamos pensar o seu porquê. chamando de cuidado, porque é uma
discussão que está sendo muito colocada
Ana Silva: Darei continuidade ao pelos expoentes do Movimento da Luta
que Sônia afirmou. Quero parabenizar Antimanicomial, pelos trabalhadores da
vocês pelo debate, pela oportunidade, e saúde mental, numa perspectiva bem
dizer que isso não pode parar por aqui. interdisciplinar, sem as corporações. É
Meu nome é Ana Silva, sou “assistente o revisitar a clínica numa perspectiva
social clínica”, sou terapeuta de família de ampliar a leitura que dela se faz.
e trabalho no Terra dos Homens com Com toda a crítica que temos à clínica
meninos de rua, meninos sem família, psiquiátrica – por que ela tutela o tempo
e sentimos muita dificuldade na hora inteiro, nega a fala do usuário, nega o
Cress/RJ - 7a Região
36
não neste semestre, já que o estamos atribuições dos assistentes sociais, hoje,
terminando. Procuramos iniciar esse frente ao projeto ético-político, frente
debate a partir de alguns sujeitos à atual realidade, frente à barbárie do
importantes: o professor Faleiros, a capital, frente, realmente, à totalidade?
professora Marilda e o Conselho Regional Então, quando colocamos em debate
de Serviço Social. Por isso escolhemos a questão da totalidade não estamos
esses expositores, mas não quer dizer perdendo de vista a subjetividade: é o
que queiramos excluir ninguém. sujeito inscrito nessa sociedade.
Por outro lado, quero voltar à Temos que, realmente, avançar,
indagação que Elaine fez e concordar e quero parabenizar Faleiros, Mavi e
com as colocações de Ana. Vejo que neste Marilda, pela condução deste debate. É
debate estamos refletindo sobre qual é um compromisso nosso, também, fazer
a atribuição do assistente social. Não uma brochura junto com o CRESS, para
podemos perder de vista esta questão. que possamos ter um material inicial
Em segundo lugar, sou assistente para avançar nessa discussão.
social, me considero assistente social,
faço Serviço Social e realmente penso Marilda Iamamoto: Finalizando, um
que não temos que ficar retornando agradecimento especial aos debatedores,
ao Serviço Social Clínico, ao Serviço professor doutor Faleiros, convidado
Social da empresa, ao Serviço Social da da UERJ, e professora Mavi Rodrigues,
habitação. Quero fazer Serviço Social representando o CRESS-RJ nesta ocasião.
nas suas diversas dimensões. E aí, penso Importa reafirmar que esse debate foi
que também há o que aprofundar. uma iniciativa conjunta do curso de
Colocar a questão Serviço Social Clínico mestrado em Política Social e Trabalho da
me lembra Serviço Social de Caso, me UERJ e do Conselho Regional de Serviço
lembra fragmentos. Social da 7a Região. O debate foi muito
Sou professora há muito tempo, rico e assumimos um compromisso de
comecei na docência na disciplina Serviço assegurar sua continuidade, ampliando
Social de Caso. É complicado voltarmos os interlocutores, de modo a trazer
a essa fragmentação do Serviço Social, o ponto de vista daqueles que estão
seja por área, seja por método etc. vivendo e trabalhando com o tema no
Então, penso que essas preocupações seu cotidiano profissional. Obrigada e
têm que orientar o debate. Quais são as boa noite a todos.
Capa / Fotos
Em Foco – edição complementar à nº 1 João Roberto Ripper
Tiragem
Responsáveis pela organização editorial 1000 exemplares
Hilda Corrêa de Oliveira
Jefferson Lee de Souza Ruiz Impressão
Maria Inês de Souza Bravo Rio Center Ltda.
Mavi Pacheco Rodrigues Rio de Janeiro 2004
A presente edição da revista “Em Foco” foi viabilizada, parcialmente, com financiamento obtido pelo Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ, do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP) da
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Cress/RJ - 7a Região
40
Apresentação
Cress/RJ - 7a Região
42
teórico-práticos importantes para a operacionalidade do Serviço Social Clínico.
A interlocução com a produção atual do Serviço Social se faz no embate com a
Reconceituação – movimento importante ocorrido no Serviço Social nos anos 64-74 na
América Latina, que lançou as bases da ruptura do Serviço Social com o conservadorismo,
mas que passou, nos anos 80, por uma revisão crítica e adensamento teórico. Dessa
forma, o Serviço Social brasileiro, a partir deste momento, consegue sua maturidade
intelectual, com maior aprofundamento teórico. Seus intelectuais recorreram aos
clássicos do marxismo e superaram o marxismo vulgar, de viés estruturalista, que
marcou o momento inicial.
Os adeptos do Serviço Social Clínico, por se apropriarem apenas das referências da
Reconceituação, consideram como lacunas na profissão a falta de dimensão do indivíduo
e da subjetividade, a visão apenas macroscópica, perdendo a dimensão micro. Estas
questões, entretanto, foram retomadas nos anos 80 e 90 e estão presentes no debate
marxista do Serviço Social na atualidade. As diretrizes curriculares da ABEPSS enfatizam
a importância da pesquisa da realidade, de modo que a mesma possa se afirmar como
dimensão integrante do exercício profissional, sendo um recurso para a formulação de
propostas de trabalho que possibilitem ultrapassar o discurso genérico, conseguindo
apreender as situações particulares. Segundo Iamamoto (1998), o novo perfil que se
busca construir é o de um profissional afinado com a análise dos processos sociais,
tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em sua manifestações quotidianas; um
profissional criativo, capaz de entender o tempo presente e nele atuar contribuindo
também para moldar os rumos de sua história.
A direção atual do Conselho Regional de Serviço Social da 7a Região, entidade que
tem a função precípua de fiscalizar, orientar e defender o exercício profissional de
acordo com a Lei de Regulamentação da Profissão, com o nosso Código de Ética e com
a Política Nacional de Fiscalização do Conjunto CFESS/CRESS, não poderia se furtar
de, nesta introdução da Em Foco, expor, também publicamente, sua posição.
Ao contrário do que sugerem os defensores do Serviço Social Clínico, não há nos
referidos documentos, em especial nos artigos 4° e 5° da Lei 8662/93, qualquer
elemento que exija (ou, até mesmo, conceda) ao Serviço Social uma habilitação
ou função clínico-terapêutica. O trabalho do assistente social, mesmo em equipes
interprofissionais e na área da saúde mental, difere da intervenção do psicólogo, do
psiquiatra, do psicanalista e das diversas especializações clínicas e terapêuticas.
Por que atuam em outra instância da divisão social e técnica do trabalho, por que
se voltam para o tratamento das “tramas da psique humana”, a Terapia Familiar e
outras modalidades de especialização clínica de caráter interdisciplinar não podem
ser compreendidas como mais um instrumental para intervenção do assistente social.
Tais especializações requerem competências que extrapolam a formação ofertada
pelos cursos de graduação em Serviço Social e a jurisdição de nossas entidades de
fiscalização profissional, representadas pelo Conjunto CFESS/CRESS.
O debate que se segue nesta edição complementar da “Em Foco” sinaliza algo
muito importante: a existência, já em curso, de experiências profissionais do Serviço
Social no campo da saúde mental que se pautam por uma direção distinta daquela
dada pela perspectiva do Serviço Social Clínico. Sinaliza, portanto, que a ruptura
com o modus operandi do Serviço Social tradicional não se restringe à academia ou à
produção de conhecimento dos assistentes sociais: ela tem terreno sólido no âmbito
da prática profissional.
Não se pode dizer que esta alternativa concreta para o exercício profissional
desconsidera a importância da subjetividade ou dos sujeitos singulares. Ela se ancora
em nosso Código de Ética, condensação da superação dos limites da incorporação
enviesada do marxismo no período da Reconceituação. Nem tampouco se pode acusá-
la de ignorar a relevância da interdisciplinariedade na saúde mental. Neste horizonte,
a intevenção interdisciplinar não é compreendida como diluição das fronteiras
profissionais, mas como “unidade na diversidade”, uma unidade interprofissional
cuja riqueza se alimenta da afirmação da diferencialidade das várias profissões que a
compõem.
O resgate, mesmo ressignificado, do Serviço Social de Caso, de Grupo e de
Comunidade, bem como da abordagem psicossocial que marcaram o passado
profissional, não contribui para avançar o projeto ético-político do Serviço Social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABEPSS. Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social. In: Assistente social:
ética e direitos. Coletânea de Leis e Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª
Região, 2003.
CFESS. Código de Ética. In: Assistente social: ética e direitos. Coletânea de Leis e
Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª Região, 2003.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo, Cortez, 1998.
NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-
64. São Paulo, Cortez, 1991.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1993. Lei de
Regulamentação da Profissão. In: Assistente social: ética e direitos. Coletânea de Leis
e Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª Região, 2003.
Cress/RJ - 7a Região
44
Atribuições Privativas
do Assistente Social e o
“Serviço Social Clínico”
Promoção: UERJ e CRESS – 7ª Região
Maio de 2003
Palestrantes:
Prof. Marilda Iamamoto
Prof. Sônia Beatriz Sodré Teixeira
Mediadora: Hilda Corrêa de Oliveira
Boa noite a todos. Gostaria de Serviço Social) que, junto com o Conselho,
parabenizar todos que estão aqui, teve a oportunidade de organizar uma
porque iniciamos as atividades do publicação, que trata do “´Serviço
mês em que comemoramos o Dia do Social Clínico´ e o projeto ético político
Assistente Social. A forma como nosso do Serviço Social”, fruto de debates
Conselho está entendendo este momento que aconteceram no ano passado nesta
e trabalhando com o mês de maio como Faculdade, com o apoio e a participação
mês comemorativo do assistente social de nomes importantes da nossa categoria.
é interessantíssima. É de fundamental Hoje vamos dar continuidade a tais
importância por que demonstra, reflexões e espero que possamos discutir
também, o quanto crescemos, o quanto mais este tema, que já há alguns anos
estamos trabalhando em várias áreas do frequenta o nosso dia-a-dia. Gostaria de
conhecimento e discutindo nossa prática, dizer que a UERJ está sempre de portas
os nossos pressupostos teóricos a partir abertas e que é importantíssima esta
da nossa experiência. Parabenizo não só parceria da Universidade com o Conselho.
o Conselho Regional, como também nosso Também quero agradecer a presença das
curso de Pós-graduação (Mestrado em palestrantes do evento de hoje.
Cress/RJ - 7a Região
46
éticos e políticos, com este projeto, e Clínico com ele se compatibiliza. Este é Ao contrário
verificar se a prática do Serviço Social o cerne do debate que faremos hoje.
do que possa
parecer às novas
Sônia Beatriz Sodré Teixeira*
gerações, a
prática clínica
Quero agradecer pelo convite. Estou sua prática, o que se faz nas Instituições
revendo muitos ex-alunos e colegas, isto é e como se faz no agir profissional. não é uma nova
muito prazeroso. Rever, também, pessoas Então, penso que o próprio debate inserção do
que estão trabalhando nas Instituições aqui na UERJ e a publicação que o
na área clínica do Serviço Social. Espero reproduziu foram razões importantes Serviço Social.
poder representar aqui um pouco do que de levantar esta interlocução do Serviço É a atualização
o assistente social clínico faz. Mais do Social Clínico dentro do Serviço Social
que definir o que é, vou pela via do que de uma maneira geral. Acho que existe de práticas
se faz na clínica do Serviço Social. uma forte busca, uma forte demanda dos históricas que
Este debate é super importante, e profissionais que atuam nas instituições,
por muitas razões, mas queria ressaltar dos profissionais que não se sentem são constitutivas
três delas que, a meu ver, são as mais preparados para estas demandas que da disciplina.
relevantes. A primeira, por que resgata nelas lhes são apresentadas e que não
um comentário que fiz no primeiro encontram, também, ecos reflexivos nos
debate, aqui mesmo na UERJ, em junho espaços formais de discussão ante aos
de 2002, em que registrei a falta de um dilemas que se colocam na prática. Na
assistente social clínico na mesa, que verdade o que se percebe é que, no marco
pudesse transmitir a visão de alguém atual, trabalhar com indivíduo, grupos e
“por dentro” do Serviço Social Clínico, familiares é visto como algo conservador.
alguém que o faz e o pratica. Então, É por isso que se torna importante pensar
espero que hoje possamos ter esta visão se isto é ou não conservador, e o que é
de dentro. Segunda importância, pela ser conservador.
emergência, mesmo, no sentido de que Mas gostaria de, inicialmente, fazer
o Serviço Social Clínico é a mais antiga uma breve apresentação de quem sou,
e permanente prática dos assistentes em que trabalho, para que vocês possam
sociais. O acúmulo de conhecimento do perceber o lugar da minha fala, de onde
Serviço Social e todo o capital construído estou falando. Sou assistente social,
pelos profissionais tornaram-se pouco com quase trinta anos de formada.
visíveis nesta área, fazendo com que os Desenvolvo uma prática clínica no
assistentes sociais desconheçam a estreita IPUB, que é o Instituto de Psiquiatria da
relação das raízes da profissão com esta UFRJ, hospital público de saúde mental, * Sônia Beatriz Sodré
prática que estou chamando, aqui, de atendendo diretamente à população que Teixeira possui gradua-
clínica, que é direcionada ao indivíduo, busca a instituição. Ao lado de minhas ção em pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro
aos grupos e às famílias, na abordagem funções acadêmicas e de supervisão,
(1974), mestrado em pela
direta. Ao contrário do que possa parecer nunca deixei de atender e penso que Pontifícia Universidade
às novas gerações, a prática clínica não estar na linha de frente do trabalho com Católica do Rio de Janeiro
é uma nova inserção do Serviço Social. uma população que busca a instituição (1982) e doutorado pela
Muito menos, a meu ver, o movimento faz diferença. Com meus alunos da PUC- Universidade Federal do
de um grupo de assistentes sociais que RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1997).
reivindica o direito de clinicar, mas é a Rio de Janeiro), onde também leciono, Atualmente é professo-
atualização de práticas históricas que e no curso de especialização em terapia ra auxiliar da Pontifícia
são constitutivas da disciplina. O Serviço de família, que coordeno no IPUB, venho Universidade Católica do
Rio de Janeiro, professora
Social Clínico, ao longo dos anos, nunca construindo um espaço de reflexão sobre
da Universidade Federal
deixou de se fazer presente no trabalho as práticas profissionais nos mais diversos do Rio de Janeiro, profes-
institucional, a despeito de períodos de campos. Então, é a partir da minha sora do Instituto Nacional
retração ou congelamento, como no auge vivência profissional e, também, do que de Assistencia Medica
do Movimento de Reconceituação. Quanto pude aprender na interlocução com os da Previdencia Social da
à terceira razão da importância deste alunos e supervisionandos que venho, Universidade Federal do
debate, me ocorreu pensar o seguinte: hoje, trazer algumas ideias sobre o que Rio de Janeiro e professora
por que este debate se tornou tão quente, penso ser o Serviço Social Clínico. do Centro Brasileiro de
tão polêmico, já que ele não é novo? Nós, Pensei em dividir a minha fala em Cooperação e Intercâmbio
de Serviços Sociais. Tem
da área clínica, debatemos isto há muito dois momentos: o que é o Serviço Social
experiência na área de
tempo, ao longo dos anos, e me ocorreu Clínico e, depois, os “fantasmas” que o Serviço Social, com ênfase
pensar que este debate, hoje, se faz tão perseguem dentro da profissão. em Serviço Social Aplicado.
presente por que os assistentes sociais Para falar o que é o Serviço Social Tem especialização na área
têm uma demanda enorme de discutir a Clínico pensei em dizer o que faz o de Terapia de Família.
Cress/RJ - 7a Região
48
tendo como referência a construção o fato do Serviço Social ter se debruçado Na atualidade
psicossocial, ou seja, esta dúvida; e o sobre os aspectos subjetivos e relacionais
terceiro: o Serviço Social Clínico não não implica, necessariamente, em deixar a opção pelo
atende às demandas profissionais da de lado ou desconsiderar os determinantes Serviço Social
atualidade e não faz avançar o projeto estruturais que compõem as trajetórias
ético-político. individuais. O reconhecimento das Clínico não está
Vamos primeiro à ideia, do Serviço desigualdades e injustiças sociais sempre desvinculada
Social Clínico como conservador. É esteve presente na luta das pioneiras por
preciso fazer uma localização histórica uma legislação social mais justa e também do político
entre dois momentos, na sua origem e na pela proteção infantil. Se olharmos e responde,
atualidade. Citando novamente Faleiros, com mais atenção para a história da
ele diz que para que o debate em pauta profissão, considerando a mentalidade, a meu ver
evolua é necessário um esforço na direção a cultura, o desenvolvimento das ideias plenamente,
da desconstrução da ideia de que ser em cada época, percebemos, no caldo
clínico é ser conservador, em oposição complexo de diferentes direções, o às demandas
ao ser revolucionário: esta dicotomia caráter revolucionário dos primeiros profissionais de
enclausura e não faz avançar o debate. assistentes sociais. Guiados pelo ideal
Vamos lembrar que o Serviço Social de ajuda, saíram de suas casas para o hoje.
emergiu de um campo contraditório espaço público, visando transformar a
de luta entre diferentes matrizes sociedade. Lamentavelmente, a pecha
conceituais: de um lado, aqueles que de conservador impede as novas gerações
desejavam transformar as pessoas; de vislumbrar o caráter empreendedor e
do outro, aqueles que desejavam criativo destas mulheres, que desafiavam
transformar o ambiente. O pêndulo o destino que lhes fora traçado: o
profissional recaía ora nos aspectos casamento ou a reclusão nos conventos.
individuais, ora nos aspectos sociais ou A tônica das pioneiras era o trabalho
ambientais. No processo de afirmação em vários níveis da organização social,
profissional o indivíduo, no seu contexto, influindo, inclusive, no Poder Legislativo. A
permaneceu como marco identificatório prática social dessas primeiras assistentes
do que é específico da profissão. As sociais teve vários direcionamentos, não
práticas com famílias, por exemplo, se limitando à ideia do controle social
aparecem na construção do Serviço Social como única alternativa. Os projetos
de modo incisivo e constante, recebendo podiam ser revolucionários para a época,
diferentes tratamentos teóricos ao longo pois não permaneceram alheios à questão
de seu desenvolvimento, ao longo dos social emergente.
anos. A psicanálise, nos anos 40 a 50, Obviamente, falando da atualidade,
tornou-se o mais importante referencial o Serviço Social Clínico praticado hoje
dos assistentes sociais, dando-lhes não é, e nem pode ser, o mesmo de há
sustentação teórica e conceitual e décadas passadas. Neste sentido não há
lançando luzes sobre os procedimentos retorno ao passado, isto é impossível.
operativos e livrando a prática dos Como em qualquer outro campo do saber
assistentes sociais do peso excessivo, revisões foram feitas, transformações
que à época ainda existia, das ideias de processadas, alguns referenciais
inquérito social ainda prevalentes. superados e transformados. Hoje nos
Relendo Hollis, destaco sua reflexão deparamos com novas formas de se olhar
sobre os motivos que levaram os assistentes o exercício profissional dos assistentes
sociais e psiquiatras a serem os primeiros sociais clínicos. Na atualidade a opção
a se apropriarem das ideias de Freud. pelo Serviço Social Clínico não está
Segundo ela, “esses profissionais lidavam desvinculada do político e responde,
diretamente com os dilemas humanos a meu ver plenamente, às demandas
e não podiam esperar por respostas profissionais de hoje. Na medida em
positivas das novas ciências ainda em que articula o sujeito ao seu contexto,
construção. Como esses profissionais não realizando uma prática social crítica
estavam encastelados em bibliotecas e antenada com os grandes temas da
e laboratórios e, sim, atendendo a atualidade, não vejo por que tratá-lo
demandas humanas imediatas, eles como conservador.
ocupavam a incômoda posição de Penso que a clínica hoje propicia
terem que tomar decisões a respeito de àqueles diretamente envolvidos a
situações emergentes, que não podiam possibilidade de realizarem projetos 3
Hollis, Florence – The
esperar pelas certezas antes de agirem, pessoais e familiares de transformação, Psychosonal Approach to
pois eles lidavam também diretamente através de abordagens reflexivas que the Practice of Casework in
Theories of Social Casework.
com os destinos das pessoas”3. permitam que se olhe para os sujeitos University Of Chicago Press,
Vimos, então, através da história, que na sua singularidade, na sua história, e 1970.
Cress/RJ - 7a Região
50
Edson Duarte. Assim, a base de minha atribuições privativas e competências
interlocução vai ser esta produção que, do assistente social, estabelecidas na
suponho, seja uma das mais madura de Lei de Regulamentação da Profissão (Lei
todos nós: a tese de doutorado. 8.662/93). A matéria regulamentada
A exposição propõe-se a tratar nesta Lei é fruto de fecundos debates,
das competências e atribuições do avanços e lutas profissionais, sendo
assistente social estabelecidas na expressão desse processo.
Lei de Regulamentação da Profissão, Qual a ótica de análise da profissão
considerando a trajetória histórica que norteia a presente exposição?
recente do Serviço Social no país na O primeiro pressuposto, que informa
perspectiva de fortalecimento do projeto a abordagem do tema, é reconhecer
ético-político profissional. Um dos dilemas que a profissão, sendo resultante da
com que nos defrontamos no presente é história da sociedade, é, também,
a particularização dessas competências e produto teórico-prático dos agentes que
atribuições privativas ante as mudanças a realizam. Ela se transforma como parte
verificadas na divisão social e técnica das transformações societárias, pois,
do trabalho, com amplas refrações no como diz Marx, a “sociedade não é um
exercício profissional, materializando os cristal sólido, mas algo em constante
princípios éticos basilares que orientam o e permanente mudança”. A profissão,
projeto profissional. O desafio é pensar as como parte da sociedade, também assim
competências e atribuições profissionais o é: encontra-se em um permanente vir
em relação ao chamado Serviço Social a ser.
Clínico. O processo de profissionalização do
Inicio este debate com uma posição Serviço Social não se explica apenas
explícita de minha parte: a afirmação pela evolução teórico-prática interna
do movimento crítico do Serviço à profissão. As profissões – e não só o
Social latino-americano, enraizado no Serviço Social – se constituem como tais
Movimento de Reconceituação, que tem quando existem necessidades sociais
hoje no Brasil a sua feição mais madura. efetivas e forças sociais que impulsionam
O Serviço Social, nas últimas décadas, a sua institucionalização. Na sociedade
deu um salto de qualidade tanto na brasileira, elas são indissociáveis do
análise de seus fundamentos, quanto do processo de industrialização, quando
exercício, consolidando sua afirmação o Estado se defronta com um novo
acadêmica e profissional na sociedade. sujeito político: a classe operária
As últimas décadas registram conquistas urbana, que requalifica a questão
do maior porte. Em primeiro lugar, no social no país. As desigualdades sociais
plano da produção acadêmica tem- tornam-se desigualdades historicamente
se a consolidação da pós-graduação – determinadas, desigualdades entre
mestrados e doutorados –, a expansão do classes sociais, entre sujeitos coletivos.
mercado editorial e uma ampla revisão do Dentro desta perspectiva, a profissão se
ensino de graduação. Em segundo lugar, a estabelece quando o Estado amplia suas
representação profissional consolida-se e funções na sociedade e cria, junto com
legitima-se, o que se expressa no Conjunto os empresários capitalistas, demandas
CFESS/CRESS (Conselho Federal de Serviço socioprofissionais, configurando um
Social e respectivos Conselhos Regionais), mercado profissional de trabalho.
na ABEPSS (Associação Brasileira de Esse processo contou, certamente,
Ensino e Pesquisa em Serviço Social) e com o protagonismo dos nossos pioneiros
na representação estudantil através da – aos quais reafirmo meu respeito e
ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes admiração –, que tiveram a capacidade
de Serviço Social). Em terceiro lugar, a de detectar essas novas possibilidades
partir de um atento acompanhamento abertas pelas mudanças históricas e
da dinâmica sociopolítica, registram-se incorporá-las na construção dessa nova
significativos investimentos na leitura especialização do trabalho na sociedade.
crítica da sociedade e do Estado no país Este processo é importante, porque o
e no esforço de ampliação do espaço espaço profissional não está dado, mas
ocupacional. Em síntese, o Serviço Social encontra-se em permanente processo
adquiriu sua maioridade acadêmica e de redimensionamento, cabendo aos
profissional, fruto de um trabalho coletivo profissionais entender e detectar as
de todos nós, o que muito nos honra e tendências presentes na sociedade,
merece nosso respeito e admiração. apropriar-se das possibilidades
Tendo como referência essa trajetória historicamente dadas e transformá-las
da profissão no Brasil, o foco da em propostas de trabalho.
minha exposição incide na análise das O Serviço Social historicamente
Cress/RJ - 7a Região
52
(Sodré, 1977: 118). de visão” referencia-se na “crise dos O que está
Para tratar a atuação do assistente paradigmas” – ou dos fundamentos
social com família, Sodré retoma a (Morin) –, considerando os “circuitos
em jogo é
história do Serviço Social, salientando holísticos”, onde tudo está integrado a recusa do
a contribuição dos nossos clássicos da como partes conectadas de seus sistemas
perspectiva psicossocial no pensamento dentro da unidade. Ela é pautada em três
norte teórico-
do Serviço Social. Recupera a polêmica elementos: o primeiro é a abordagem metodológico
entre Mary Richmond e a Jane Adams, da complexidade, a convivência dos
nas origens do Serviço Social, mostrando contrários, a riqueza do múltiplo, o
e sociopolítico
a contribuição da Psicanálise no acento reconhecimento das ambiguidades e inaugurado
terapêutico do case work. Na década de flutuações; o segundo, a valorização
1940, destaca a contribuição de outras da desordem e da instabilidade, do
pelo
figuras importantes nos marcos do método movimento, reconhecendo que a vida é Movimento de
psicossocial, da escola diagnóstica e da resultado de ações coletivas, ações não
orientação funcional. previstas; e, o mais importante, na minha
Reconceituação
Segundo a autora, o Movimento leitura, e terceiro, é a afirmação de que e um retorno
de Reconceituação privilegiou mais a realidade não existe fora de quem a
a ruptura e a denúncia que elaborou observa: ela é fruto da construção do
ao idealismo,
“propostas metodológicas concretas”; sujeito. É a “teoria do observador”, em numa
negou o institucional e o individual, o que que os diferentes atores são coautores
repercutiu na prática clínica com famílias, da realidade. Considera-se que não
perspectiva
tida como Serviço Social Tradicional; há realidades, somente pontos de restauradora
questionou os métodos do Serviço Social vista, frutos da construção mental do
a favor de uma abordagem genérica, observador. Assim, os problemas não
do passado
com suas críticas às soluções centradas estão nas famílias, mas no modo como profissional.
no indivíduo; ao enfatizar as “análises de as famílias constroem sua realidade (Cf.
conjuntura”, uma visão mais localizada, Sodré, 1976: 105-106).
ligada ao singular, foi perdendo força. Esses são os parâmetros teóricos que,
Desconsiderou, assim, o investimento segundo a leitura da autora, informam a
acumulado na área clínica, a partir do vertente psicossocial ou “terapêutica”
“marxismo autoritário”, que se tornou do Serviço Social. É importante atribuir
consenso teórico e político, gerando visibilidade a essas referências, pois as
o abandono de temáticas ligadas à ações realizadas dependem da leitura de
intervenção e ao trabalho individual e com realidade que as informam. O que está
famílias. A consequência foi uma divisão em jogo é a recusa do norte teórico-
da categoria entre os que mobilizavam os metodológico e sociopolítico inaugurado
profissionais para a ação política e os que pelo Movimento de Reconceituação e um
defendiam timidamente a persistência retorno ao idealismo, numa perspectiva
de modelos de intervenção. “Assim, o restauradora do passado profissional.
Movimento de Reconceituação conseguiu Quanto a este último aspecto, a conclusão
se transformar em corpo, obtendo o lógica é a de que, por exemplo, a Guerra
monopólio profissional voltado para os no Iraque e a pobreza não existem se
movimentos sociais e para as análises não forem “construídas” pelos sujeitos;
macroestruturais; consequentemente, se eu não “construir” esta realidade, ela
os demais enfoques ficaram fragilizados, não existe pra mim, pois ela depende
expostos a diversas críticas e finalmente do ponto de vista do observador. Ou
ameaçados de completa exclusão” (Sodré, seja, é a ideia que cria a realidade, não
1976: 83). é a realidade que explica a construção
De acordo com Sodré, as bases das ideias. Este é o grande debate que
teóricas da terapia familiar originalmente atravessou o século XIX, entre as escolas
estiveram centradas na Teoria Geral dos idealistas – das quais a mais importante
Sistemas, na Cibernética, nas Teorias da foi a filosofia clássica alemã, tendo em
Comunicação Humana. E hoje aponta o que Hegel seu maior representante –, e os
considera uma “nova perspectiva crítica diferentes materialismos, dos franceses
para a terapia familiar: o construtivismo à concepção histórica de Karl Marx. O
social”, a partir de revisões críticas que se coloca, pois, no centro do nosso
que tiveram lugar na década de 1980. debate é a relação entre conhecimento e
Considerou-se a ausência de visão histórica realidade, entre teoria e prática social!
da família, tratada na sua dinâmica Isto não é somenos!
interna, tendo sido negligenciada a Ao se restringir o âmbito de
importância das classes sociais e a preocupações ao como se efetiva a prática
excessiva valorização do aparato técnico. do “assistente social clínico” – o que fazer
O que é abordado como um “alargamento e como fazer –, desvinculado da crítica
Cress/RJ - 7a Região
54
Hilda Corrêa de Oliveira
Queria, de início, dizer a Marilda, que Mas a terapia familiar não é uma
estou muito orgulhosa dela ter lido minha profissão, é uma especialização. Se você
tese, porque realmente esta interlocução quer ser uma terapeuta de família, você
para mim é muito importante. vai procurar um instituto que te dê esta
Anotei várias contribuições, mas fiquei formação, assim como um psicólogo que
pensando, enquanto você falava, sobre quer ser psicanalista tem que procurar
o que seria importante aproveitar com um instituto de formação, se dedicar e se
a plateia deste potencial que está aqui debruçar sobre o estudo da Psicanálise,
para o debate. Quero depois me sentar para se formar como psicanalista. Mas
com você, já que você toca em aspectos acho que o assistente social busca o curso
que também foram questões para mim. de terapia de família talvez por que
Eu saí da tese com mais questões do que não tenha encontrado no Serviço Social
respostas, o que faz parte do processo. espaço para travar a discussão do que
Queria dizer algo que talvez é o atendimento dirigido ao indivíduo,
seja de interesse do público. A área do o atendimento direto ou qualquer que
Serviço Social com enfoque psicossocial seja o nome que a gente dê, clínico, caso
é diferente da terapia de família. Isto social. Mas esta abordagem psicossocial
é uma questão que volta e meia, como é de competência dos assistentes sociais.
são áreas muito próximas, gera esta É específico dos assistentes sociais. Não
confusão: assistente social é terapeuta acho que seja da terapia de família.
de família? Entendo que a terapia de Agora, você pode usar conhecimentos da
família é uma especialização. É uma terapia e se especializar como terapeuta
capacitação, um curso que você faz, que para você ter esta especialização. Enfim,
vai te dar habilidades não só técnicas, não sei se isto motiva uma discussão.
como teóricas, para você poder exercer
a terapia familiar.
Marilda Iamamoto
Cress/RJ - 7a Região
56
Debates*
Mavi Rodrigues: Gostaria de, num primeiro Serviço Social Clínico como Serviço
momento, sobretudo nos parabenizar por Social? Gostaria de saber o que é que os
estarmos trazendo a público um debate assistentes sociais que se dizem clínicos
que já vem há alguns anos sendo feito chamam de clínica. O que é clínica? E
pela internet ou em outros locais, onde o que é Serviço Social para o assistente
a fundamentação da crítica não tem social clínico? Se clínica é a escuta em
muito espaço para acontecer. É muito cima da demanda, o face to face, o
bom ter Sônia Beatriz na mesa, falando que diferencia a clínica de uma escuta
por dentro do seu próprio trabalho, sobre espontânea que se processa na rua, na fila
o que é o Serviço Social Clínico, porque do banco, entre os nossos usuários? O que
este é um momento ímpar para tirarmos particulariza a clínica? Clínica é trabalhar
algumas dúvidas. Estas coisas rebatem com família? Se for assim, há um grande
lá no Conselho: alguns profissionais têm equívoco, porque a família foi berço
demandas de saber por que é que ao fazer para a Psiquiatria e para o social, para
uma especialização em terapia familiar várias intervenções das áreas humana e
não têm reconhecimento do CRESS. Então social. As diversas profissões que lidam
é um ótimo momento para se tratar em com as áreas humana e social lidam com
público das diversas questões técnico- família de uma forma direta ou indireta.
operativas e ético-políticas que envolvem Todas elas são clínicas? O que é estamos
esta temática. chamando de terapêutico? Serviço Social
Vou aqui retomar ao menos duas é clínico? Por que é que o Serviço Social
afirmações que fiz no primeiro debate e se institucionaliza num determinado
que (não sei se Sônia concorda comigo) período histórico, justamente quando
não inviabilizam o diálogo, mas partem o Estado enfrenta a questão social via
de uma premissa, ou de uma convicção, políticas sociais? Se o Serviço Social
da qual não abro mão até que se prove Clínico diz que está antenado com a
o contrário, ou até que me convença. política, por que os conteúdos políticos
E a fala da Sônia só reforçou estas duas não aparecem nesta relação com o
convicções que volto a reafirmar. No ano cliente? Que família é esta? Uma família
passado, quando houve este debate aqui que está descolada da desigualdade entre
no Rio, sustentei que o Serviço Social classes? Uma família que não configura o
Clínico não trazia inovação para o Serviço mapa da fome? Uma família que não é
Social, na clareza que ao Serviço Social chefiada por mulher? Uma família sobre a
não competem intervenções clínico- qual não temos nada a dizer em relação
terapêuticas. Isto não está previsto nos às políticas públicas do Estado neste
artigos 4º e 5º da Lei 8.662/93. Isto pode tempo todo? É uma primeira provocação,
estar dito, vagamente, lá na história do sustentando que o Serviço Social não é
Serviço Social, lá no passado. Mas temos clínico e não é terapêutico. O Serviço
que perceber que houve a regulamentação Social lida com prestação dos serviços
e a institucionalização da Psicologia. E o sociais, com planejamento na área das
Serviço Social também avançou, também políticas sociais. E aí, lida com família,
amadureceu em várias coisas. Também sim, mas não pelo viés terapêutico.
naquela época afirmei que o Serviço Mas queria ouvir mais sobre o que é o
Social Clínico, apesar de não se colocar no terapêutico. Terapêutico é ajuda? Toda e
marco do conservadorismo, apesar disso qualquer forma de ajuda? A de um pastor
ser professado pelos assistentes sociais em relação a seu rebanho? O papo que
que se dizem clínicos, o Serviço Social se tem quando você está aflito e quer
Clínico padece de um conservadorismo. dividir com um colega, aí sai para tomar
Aqui vou “cutucar” Sônia de novo. um chopp? É isto que podemos chamar
Repito que isto não inviabiliza o diálogo. de clínico e de terapêutico? Ou isto exige
Este debate é público, estamos “dando um arcabouço maior, exige desvendar as * Há trechos inaudíveis
o rosto para bater”, como diz o ditado tramas do psíquico, sua dinâmica? Mas, na gravação, o que pode
ter prejudicado parte da
popular. Se não estivesse calçada em então, isto nos compete? Ou compete à contribuição efetuada pela
torno de alguns fundamentos seria uma área “psi”? plateia presente ao debate;
crítica leviana, mas acredito que minha O Serviço Social Clínico não é há participantes da plenária
crítica pode ser chamada de tudo, menos conservador, ele não se pretende que não se apresentaram no
momento de suas falas, o
de leviana. conservador, mas resgata Mary Richmond. que impede sua identificação
Por que é que eu não considero o Resgata Mary Richmond e resgata o completa.
Cress/RJ - 7a Região
58
Serviço Social – porque sou assistente pode falar caso, grupo e comunidade...),
social – e um campo da Psicanálise. mas à comunidade onde ele vive, é um
Escutei: “Será que Serviço Social meio social, é o social dele. Foi feito um
Clínico é escuta e demanda?”. Não! trabalho de esclarecimento, um trabalho
Muitas vezes o porteiro do Instituto de de rede social junto a esta família, junto
Psiquiatria escuta melhor do que um à população e houve uma transformação
assistente social, ou um médico, ou um na vida daquela família. E que mudança
enfermeiro. Não é a escuta. É a relação, houve? Um tratamento com as crianças,
é a transferência. Está aí o conceito da uma inserção no mercado de trabalho,
Psicanálise. uma implicação melhor deste casal e
Vamos pegar, então, o indivíduo ou outras coisas, não queria me alongar
sujeito (vou falar do sujeito). O sujeito aqui. Então, do ponto de vista de se
vai a uma instituição para se tratar, ele pensar se há Serviço Social Clínico, não
com AIDS. A AIDS lhe criou dificuldades e tenho a menor dúvida de que há. Se é
ele foi parar, com uma questão delirante, conservador ou não, digo que não é,
no Instituto de Psiquiatria. O que fez o porque é exatamente o contrário daquilo
Serviço Social? Não fez milagres – e nem que conserva a dor, do conservador. Então
pode fazê-los. Mas foi à comunidade (não penso que esta é uma discussão longa e
vou falar comunidade, por que não se não nos cabe terminá-la hoje aqui.
Marilda Iamamoto
Cress/RJ - 7a Região
60
e o individual”. Posso testemunhar a mudança nesse quadro de relações de
contestação desse mito. Desde a década poder. Uma massa crítica, formada por
de 1970 estou na luta pela construção de jovens intelectuais e afinada com a
um Serviço Social crítico latinoamericano. pauta temática básica do Movimento – tal
E não estou falando apenas do ponto de como se expressou nos países de língua
vista de um profissional da academia. espanhola – alocou-se na universidade,
Atuei, como assistente social com abrindo um embate com o posicionamento
crianças portadoras de necessidades predominante nas agências que abrigavam
especiais, na área hospitalar, na área o exercício profissional.
rural, em prefeituras. Participei da Então, será que a Reconceituação foi
construção da experiência renovadora a responsável pela perda de status do
da Escola de Serviço Social da atual PUC- “Serviço Social psicossocial”? O Serviço
MG, na elaboração da proposta que ficou Social Clínico está caracterizado como
conhecida como “Método BH”, que tinha aquele que trabalha com indivíduos,
como suas áreas de atuação a Clínica com famílias, que supõe um contrato
de Orientação Psicológica da PUC, terapêutico e o recurso a conhecimentos
instituições estaduais e municipais, além da Psicanálise. Será que foi a
de bairros sob a influência de grandes Reconceituação a responsável por este
empresas no interior daquele Estado . silêncio ou obscurecimento do Serviço
Outro mito que deve ser anotado: Social psicossocial, tal como tratado
a Reconceituação pôs a ênfase no na nossa tradição profissional? Ou será
macrossocial em detrimento do micro, que o embate teórico não foi enfrentado
como se as classes fossem referidas ao com recursos teóricos, pela maioria
macrossocial, passando ao largo da vida dos oponentes da Reconceituação,
dos indivíduos singulares. Como se estes redundando na vulgarização da polêmica
não tivessem no trabalho um elemento pelos caminhos fáceis da denúncia
central da constituição de suas vidas, político-ideológica?
em função da forma como participam O Serviço Social brasileiro, na
da produção e da distribuição da década de 1980, faz a crítica teórica,
riqueza. Ou seja, o trabalho assalariado política e profissional dos desvios de
– ou a falta dele – e a alienação que o rota do Movimento de Reconceituação.
constitui, vivida como sofrimento, Desenvolve um enorme investimento
atingem a subjetividade. Fiz há anos na superação do estágio em que se
uma pesquisa na área rural, procurando encontrava o debate, estabelecendo-
exatamente saber o que representa o se uma relação de continuidade quanto
trabalho para os indivíduos sociais que à direção ético-política – e de ruptura,
o vivenciam. As jornadas extensivas e o perante as debilidades teóricas e
ritmo intenso de trabalho são vistos como práticas. O Movimento de Reconceituação
sofrimento, como um “trabalho judiado’, do Serviço Social latinoamericano, um
um ‘trabalho cansado”, um trabalho complexo de diferentes posições, tem
que pode levar à loucura. A edificação seu início nos anos 1965 (também no
de um “muro” de isolamento entre o Brasil, mas estou me referindo à pauta
macrossocial e o microssocial, entre o temática presente nos países de língua
objetivo e o subjetivo, é inteiramente espanhola). Nesse período, o Brasil vive a
alheia ao referencial teórico que norteou ditadura militar, o fechamento político.
o processo de Reconceituação. Quando ocorre o processo de abertura
Outro mito foi o de que a Reconceitu- política e o retorno ao Estado de Direito,
ação foi um “projeto coletivo autoritário”. o Movimento de Reconceituação, em sua
De fato, a Reconceituação foi um projeto feição assumida pelos países de língua
14
Uma brilhante análise
dos mitos que envolvem a
coletivo, que se desdobrou numa disputa espanhola, é colocado em questão. Já Reconceituação encontra-
teórica e política. O processo de renovação não era mais possível apenas repetir se em: NETTO, J. P. A
do debate profissional redimensionou as seu discurso inicial, uma vez que a crítica conservadora à
relações de poder entre a academia e o sociedade e a profissão no país haviam se reconceptualização. Serviço
Social e Sociedade nº 5. São
exercício profissional, entre as agências transformado. A bagagem teórico-prática Paulo, Cortez, 1981, pp. 59-
de formação (como diz o professor José herdada do Movimento de Reconceituação 75. Este artigo se contrapõe
Paulo Netto14) e as agências do exercício é submetida à crítica e à autocrítica. a análise de JUNQUEIRA, H.
profissional. Até então, os assistentes E o Serviço Social busca dois caminhos: I. Quase duas décadas de
reconceituação do Serviço
sociais de campo detinham o controle do faz uma análise rigorosa dos anos 1980 Social: uma abordagem
poder profissional nas instituições que e 1990, dos seus fundamentos teórico- crítica. Serviço Social e
abrigavam os assistentes sociais e nas metodológicos e se coloca como objeto Sociedade nº 4. São Paulo,
instituições universitárias, responsáveis de sua própria pesquisa; por outro lado, Cortez, dez. 1980, pp. 1-38.
É nesta última referência que
pela formação acadêmico-profissional. realiza importantes avanços na análise se apóia SODRÉ, em sua tese
A partir da Reconceituação houve uma das relações entre o Serviço Social e a de doutorado (op. cit).
Cress/RJ - 7a Região
62
relações sociais que presidem a ordem abordar o tema, ao se colocar a questão
societária. do trabalho profissional. O que está
O Serviço Social reproduz interesses em debate? É o exercício profissional,
de classes que são contraditórios, ao mas não restrito à concepção liberal da
mesmo tempo e pela mesma atividade. prática individual, reduzida ao que o
E o faz não por que o profissional queira, assistente social faz, ao conteúdo de seu
mas por que ele está tensionado por trabalho. A realização de seu trabalho
forças sociais e políticas em luta e que passa por relações com sujeitos sociais
se autoimplicam, pois a sociedade não é distintos, por determinadas condições
harmônica. Daí decorre a importância do de trabalho (salário, jornada, exigências
projeto profissional na afirmação de um de produtividade, formas de gestão e
norte para o trabalho profissional, que controle do trabalho coletivo etc), pelas
se realiza no marco das relações entre políticas públicas, pelas necessidades da
sujeitos sociais coletivos, entre classes população atendida, pelo reconhecimento
sociais. Supõe reconhecer as condições e dos serviços sociais públicos enquanto
relações sociais particulares nas quais se direitos sociais ou pela compra e venda
realiza o trabalho profissional, mediado de serviços mercantilizados. E envolve,
pelo assalariamento. ainda, a capacidade de que dispõe
O assistente social é um profissional o assistente social de reconhecer e
que trabalha com a linguagem, como efetivar suas atribuições e competências
elemento fundamental de seu exercício privativas.
profissional e, consequentemente, Penso que nesta mesa nós estamos no
um profissional que tem uma relação mesmo barco – o do Serviço Social – , mas
direta no trato com a população – que com olhares muito diferentes sobre ele.
suponho respeitosa de seu modo de vida O que o assistente social faz é o conteúdo
e trabalho –, no sentido de ouvir suas do seu exercício, mas quem demanda suas
reivindicações e suas necessidades, fazer ações? Elas não são fruto apenas de uma
esta população pensar-se, respeitar-se, deliberação individual do assistente social,
descobrir-se como indivíduo que é parte ainda que este disponha de uma relativa
de uma coletividade, e avançar na sua autonomia na condução de seu trabalho.
organização. Nós somos trabalhadores assalariados,
É neste lastro que se constroi o que dependemos de uma demanda
projeto ético-político profissional e institucional que nos faz cobranças
se estabelecem novos compromissos de produtividade, impõe propostas de
éticos, em consonância com as forças trabalho, exige a implementação de
sociais historicamente progressistas: que determinadas políticas. Atuamos a partir
afirmam a construção da cidadania, os dos serviços sociais que têm a ver com
direitos sociais, a liberdade, a justiça os direitos sociais da população, com as
social, a eliminação de todas as formas políticas públicas, ou com os direitos de
de preconceito, o compromisso com a consumidor.
democracia, ou seja, afirmam nossos E onde está esta conversa na
princípios éticos. Estes princípios éticos abordagem do Serviço Social Clínico?
não podem ser meramente um ideário Será que ele é apenas o trabalho com
profissional. Eles têm que se materializar, indivíduos, grupos e famílias? Mas
alterando o modo de operar, o modo todo assistente social trabalha com
de fazer o trabalho profissional. Pois se indivíduos, grupos e famílias, ainda que
eles não impregnarem o trabalho miúdo sob diferentes vertentes teóricas! Então
do quotidiano este projeto nunca se todo assistente social faria Serviço Social
realizará. Mas é preciso ter clareza que Clínico? A proposta de Serviço Social
o projeto ético-político não depende Clínico que está circulando na internet
apenas dos assistentes sociais, pois é parte é assim definida: “uma resignificação
de projetos coletivos de sociedade, aos do Serviço Social de Caso, apoiado
quais se somam os partidos, sindicatos, numa visão ´holista´ do ser humano,
movimentos de classe, parlamentares com a possibilidade de adquirir novos
etc, que lutam pela emancipação de instrumentos que permitam compreender
todos os indivíduos sociais. e atuar com família, considerando que
Este é o grande desafio. Por isso é esta atuação beneficiará o indivíduo”.
muito importante trazer para o debate O que queremos? Atualizar Serviço
as condições reais e efetivas de trabalho Social de Caso, o Serviço Social de
do assistente social. A preocupação com Grupos e o Serviço Social de Comunidade
o exercício profissional, pensado nas nos seus fundamentos, nas suas
suas múltiplas relações e determinações, propostas originais? Porque não adianta
vem provocando um giro no modo de resignificar e atualizar o procedimento
Depoimentos
Elaine Behring: Boa noite. Queria co- e muito exigente. Penso que há uma
meçar dizendo que nunca escrevi uma linha expectativa muito grande em torno
sobre isto. Então, minhas observações desta discussão e isto vai acontecer não
vão partir muito do debate que pude só aqui no Rio de Janeiro, mas na Semana
acompanhar via Conjunto CFESS/CRESS e do Assistente Social em vários locais,
um pouco, também, pela internet. Folgo porque em geral este é um momento em
em saber que conseguimos tirar o debate que fazemos um balanço das questões
daquele ambiente tão volátil e trazê- “quentes” ou daquelas superadas na vida
lo para o espaço onde ele deve de fato profissional.
se realizar e ser aprofundado. Primeiro, Há vários pontos de polêmica, mas
então, quero parabenizar o CRESS e a para mim a questão central é: estamos
Faculdade de Serviço Social pela brochura falando de Serviço Social? Porque se
(com a qual tive o prazer de colaborar) aquilo que caracteriza o Serviço Social
e por realizarem este debate. E quero Clínico é estabelecer um contrato
cumprimentar as duas expositoras, terapêutico com um sujeito social, seja
porque é um debate corajoso, difícil ele um indivíduo, um grupo ou uma
Cress/RJ - 7a Região
64
comunidade, um contrato terapêutico descolado da sociedade em que vivemos,
que implica (Sônia falou aqui) na questão das relações que são contraditórias. É
da transferência, são elementos que complicado tratarmos cada caso como se
estão dentro de um processo terapêutico. fosse particular. Temos que entender a
Isto significa estar exercendo Serviço conjuntura, as relações que existem. E
Social? Em minha opinião, não: isto é quero saber um pouco mais que tipo de
uma outra profissão que já se criou, transformação é esta.
ou é uma especialização. Veja bem: Mas também quero dizer que aqui
acredito, primeiro, que superamos nossa estão bem claras as concepções – que
primeira interlocução com o marxismo existem ao longo do Serviço Social –
estruturalista, que não reconhecia o lugar e que, travadas no diálogo de hoje,
dos indivíduos – esta coisa velha, que já são totalmente opostas, entendem
superamos, mas que muitos insistem em diferentemente esta realidade. Na minha
dizer que não, inclusive dá muito chão opinião, não há como conciliá-las.
para este debate. Devemos sair deste Quero falar, também, sobre o Serviço
lugar, até por que nosso Código de Social Clínico. Independentemente de
Ética e toda nossa reflexão no campo do trabalhar na área de saúde mental, na área
Serviço Social, sobretudo na década de da criança e adolescente, com políticas
90, jogou fora esta versão estruturalista públicas, sou uma assistente social. Às
do marxismo. Hoje as dimensões do vezes sinto falta de mais algumas coisas,
indivíduo e da subjetividade estão dentro de algum subsídio para minha atuação lá
do debate marxista do Serviço Social, e no dia-a-dia. Mas ser terapeuta? Não me
é isto o que expressa o nosso Código de proponho a ser terapeuta em momento
Ética. Temos que andar para a frente e algum! Minha profissão tem um caráter
não ficar agarrado neste lugar, porque político, tem uma dimensão que vai para
isto não contribui. além de um atendimento só com aquele
O que tem que ser esclarecido é: indivíduo, para além daquela situação
isto é Serviço Social? Não é à toa que específica.
precisamos estudar no curso de Serviço Faço minhas as palavras de Mavi e de
Social – e isto está nos nossos currículos Elaine: vimos de um amadurecimento
mínimos e plenos – noções de Psicologia, e existem várias questões a se colocar.
Psicanálise, das várias correntes que Antes de mais nada somos assistentes
discutem a questão da cultura e da sociais, não estamos nos propondo a fazer
subjetividade. São dimensões da vida terapia com ninguém. Se não resolvemos
social, dos sujeitos com os quais o nem os nossos problemas, imagina querer
assistente social trabalha. Até que a resolver os problemas dos outros! Somos
nossa intervenção tenha uma dimensão uma profissão. Com certeza não somos
terapêutica, ou até consequências ajuda. Já ouvi várias vezes esta palavra
terapêuticas, que tenhamos que, na nossa aqui e isto me deixou muito angustiada.
peneira fina, entender que ela está lá,
que esta pessoa precisa de atendimento, Conceição Cuba: Meu nome é Conceição
que este grupo precisa de uma supervisão Cuba, atualmente faço mestrado no
ou o que quer que seja. Agora, quando Serviço Social da PUC-RJ discutindo a
estabelecemos um contrato terapêutico questão do envelhecimento, de uma
e dizemos que isto é Serviço Social, para prática que tenho na UNATI (Universidade
mim aí é que está o problema. Porque Aberta da Terceira Idade), aqui da UERJ,
isto realmente é antagônico, vai contra com um grupo de idosos voluntários.
tudo o que acumulamos e, inclusive, é Quero agradecer a possibilidade de
contrário ao nosso marco legal. Isto quero estar aqui novamente, pela segunda vez,
que as companheiras, que temos o prazer e agradecer aos promotores do debate.
de, hoje, escutar, esclareçam para nós. Confesso que, realmente, entendo a
angústia da aluna que falou agora,
Renata Coelho: Este é um momento porque é um tema bastante instigante.
muito rico e quero nos parabenizar, Remeter à história é algo que traz não
também, por ele. Penso que temos que só desejos de mudanças, mas lembranças
travar estes debates. de aspectos com que queremos romper.
Uma das questões que quero levantar E já rompemos, em algum momento, com
é que tipo de transformação é esta, onde alguns aspectos, porque acredito que, no
dizemos que estamos no atendimento para Século XXI, falar daquele Serviço Social
que a pessoa atendida possa entender mais que se fazia no passado é algo que pode
a situação que está vivendo. Penso que até ser inominável.
este indivíduo, esta pessoa que chega para Vocês ouviram falar aqui, algumas
um determinado atendimento, não está vezes, sobre um debate na internet.
Cress/RJ - 7a Região
66
questões subjetivas na ação profissional, De onde vêm estes conteúdos, já que
não só na área da ação em saúde mental, vocês dizem que fazem Serviço Social?
mas em outras áreas, também, da
intervenção do Serviço Social. Até por Mary Jane: Sou Mary Jane, daqui da
que não só na área da saúde mental, Faculdade de Serviço Social da UERJ.
mas em todas as áreas, lidamos com uma Estou lembrando minha residência, há
população que sofre muito. Muito deste algum tempo atrás. Ela foi em saúde
sofrimento compreendo que é construído mental. Tenho uma história um pouco
por sequelas da questão social, que parecida com a experiência de vocês que
afetam diretamente as condições de estão aqui.
vida da população com a qual a gente Antes disso, gostaria de dar os
trabalha, constituída pela classe parabéns por este debate que o CRESS
trabalhadora. Isto é uma questão, o fato está promovendo. Acho importante a
de termos a preocupação de considerar presença do público aqui, posto que
as questões subjetivas no nosso trato, no temos a sala cheia, mesmo já tendo
nosso exercício profissional. começado as aulas.
Outra questão, que penso que pode se No que se refere ao conteúdo, somando
tornar o outro lado da moeda, são estas às reflexões que Elaine e Mavi aqui
demandas se tornarem foco e objeto da trouxeram e, por último, as preocupações
intervenção do assistente social. Isto de Verônica e de Renata, é importante
muito me preocupa. Queria que ficasse que falemos sobre a diferença. O que
claro se na atuação do Serviço Social vocês entendem por transformação?
Clínico as questões subjetivas – enquanto Por que a questão é de concepção,
questões sociais, também –, são questões de definição teórico-metodológica,
de preocupação para a intervenção, mesmo. Por tudo que ouvimos, lemos
para o exercício profissional, ou se são e conhecemos, na verdade não é este
o foco. Porque me parece que, pelo que o conceito de transformação que o
foi discutido aqui, estas questões são o marxismo traz. Então, como se trabalha
foco. estes determinantes sociais que foram
Em determinado momento, quando colocados e considerados? Penso que isto
Sônia pontuava o que faz o assistente diz respeito às questões que Verônica
social clínico, ela colocou muito bem a colocou. O que fica contraditório (ou, na
expressão “motivações inconscientes verdade, nem contraditório, porque não
do desejo humano”. A Rochelle falou fica claro, porque o Serviço Social Clínico
em transferência, em deslocamento. considera todas estas questões, mas, na
Não os reconheço como conteúdos metodologia, não trabalha com elas).
para a intervenção e para o exercício Penso que esta concepção passa por
profissional do assistente social. Se vocês cima das questões das políticas sociais,
dizem que são, queria que explicassem da questão da cidadania. E este não é o
onde estão estes conteúdos, porque único trabalho básico do Serviço Social na
não os encontro no Código de Ética, no saúde mental: temos outras experiências
nosso projeto ético-político, na Lei de nesta área que trabalham, realmente,
Regulamentação da Profissão. Se não as questões sociais, esta direção social
conseguimos encontrar estes conteúdos que a ABEPSS, nosso Código de Ética,
nestes materiais, onde eles estão? Se nossa Lei de Regulamentação têm nos
estão em algum local, devem estar em dado como referência básica. Esta linha
materiais próprios do Serviço Social, que da Psicanálise já está distante para nós,
norteiam nossa atuação na sociedade realmente ultrapassada. E nos preocupa,
e na conjuntura atual. Se não estão, porque contradiz com a direção que, na
que Serviço Social é este? Que Serviço formação, estamos querendo dar a nossos
Social Clínico é este, que vem de onde alunos. Penso que há uma confusão de
e é pautado em quê? Porque acredito categorias teóricas, principalmente
que na atualidade pautamos nossa quando se fala em transformação.
prática profissional no nosso Código de
Ética (que é recente, é de 1993), na Lei Ana Vasconcelos: Sou Ana Vasconcelos,
de Regulamentação da Profissão e no professora aqui da Escola de Serviço
nosso projeto ético-político. Mais uma Social da UERJ. Como todo mundo está
vez, para reforçar: não encontro estes confuso, mais uma confusa não fará
conteúdos nestes materiais. “Motivações a mínima diferença. Queria dizer o
inconscientes do desejo humano”: posso seguinte: estamos discutindo aqui se isso
supor o que é isso, mas não faço a mínima é ou não Serviço Social. Entendo que a
ideia do que seja de fato. questão central está colocada nos três
Queria que isto ficasse um pouco claro. fantasmas que Sônia Beatriz coloca. Quais
Cress/RJ - 7a Região
68
toa que Lessa nos diz: “Olha, vocês são Clínico na perspectiva da Psicanálise.
uma das poucas profissões que têm um Compreendo perfeitamente (não queria
projeto de profissão!”. Nós temos um usar este termo, mas é) a angústia de
projeto profissional. Muitos dizem: “nós ser assistente social no campo da saúde
não conhecemos nem por onde passa este mental. Penso que é uma das áreas mais
projeto”. Saber que estão lá no Código difíceis para mantermos nossa identidade
de Ética os onze princípios fundamentais profissional. É um campo em que as outras
não é suficiente. Quais são meus valores, profissões são, quase todas, do campo
os que me formaram, para de repente eu “psi”, trabalham com esta categoria do
virar e dizer assim: “Ah, eu sou a favor de terapêutico, do clínico, formadas para a
tudo o que interessa aos trabalhadores”? clínica, e isso nos coloca na alça de mira
Afirmar isso é passar por muita coisa, das demais profissões. É corrente dizer
porque você foi formado negando isso que aquilo tudo que não é terapêutico,
quotidianamente. Agora, este projeto ou não é do campo estritamente “psi”,
está lá posto. Buscar ações nesta direção: sobra para o Serviço Social. É o leito,
este é o desafio. Ter ações prontas? Não! a transferência, a conta no banco, o
Com a realidade em movimento, em benefício. Estas questões são colocadas
cada espaço estas ações terão que ser no campo “psi” como secundárias, de
buscadas, construídas coletivamente. menor valor. E estas são atribuições
Agora, não é tomando conflitos pessoais, delegadas ao Serviço Social. Penso que
interpessoais, familiares e comunitários esta carência de status é plenamente
como fins em si mesmos que vamos justificável para quem está lá dentro
caminhar na direção deste projeto. E não e é visto pelo campo “psi” e por seus
basta conhecimento psicossocial, sinto demais profissionais como alguém que
muito. não alcança as discussões deste campo.
Penso ser plenamente compreensível
Conceição Robaina: Boa noite. Sou esta demanda da busca de uma outra
Conceição, trabalho no IMAS (Instituto identidade, que tenha sintonia neste
Municipal de Assistência à Saúde Nise campo.
da Silveira), antigo Centro Psiquiátrico Penso que para mantermos a
Pedro II e atualmente faço mestrado no identidade do Serviço Social (e sou uma das
Serviço Social da UERJ. Não sei se tenho defensoras do trabalho interdisciplinar),
muito a contribuir com o debate, mas primeiro é preciso muita coragem. Em
estou me sentindo compelida a falar. segundo lugar, muito domínio de qual
Trabalho já há dezessete anos com saúde é a nossa praia. Aí entram questões
mental, em diversas instituições. Adoro que são absolutamente complicadas. É
trabalhar com saúde mental, adoro ser importante que saiamos daqui dizendo
assistente social e adoro ser assistente que os assistentes sociais têm uma
social na saúde mental. Mas vim para contribuição importantíssima no campo
este debate com quatrocentas demandas, da saúde mental. Importantíssima!
com quatrocentas questões, e nenhuma A primeira contribuição é estender a
delas foi debatida aqui. Mas estou saindo concepção de social para além da família
daqui superenriquecida com o debate daquele indivíduo (e agora, no campo
que estamos tendo. Com a trajetória mais progressista da reforma psiquiátrica,
que tenho, e que não é pouca, não me para além do vizinho que está ao lado).
identifico com o que está sendo chamado É mais do que isso, muito mais. Esta
de Serviço Social Clínico e identificado contribuição só o assistente social, pela
com a prática da saúde mental. Não sei sua formação, tem podido dar nas equipes
se tenho suficiente legitimidade teórica interdisciplinares de saúde mental.
para afirmá-lo, mas penso que tenho Em segundo lugar, para questionar
uma trajetória prática de muitos anos de aspectos que são fundamentais. Quem
interlocução, inclusive com estudantes, trabalha na área da saúde mental sabe
que me dá condição de, pelo menos, que questões como moradia e trabalho
falar sobre o que estou pensando sobre são mediadas pelos profissionais. Aí
o tema. entra outra questão: discutir o terreno
Primeiro, queria dizer que não bebi da complicação que é a mediação da
da fonte da Psicanálise. Isto não significa organização dos usuários. Trago esta
uma crítica à Psicanálise, embora eu questão como demanda para cá. Na
ache que existam outras contribuições na minha concepção, e acredito que não
área psicológica igualmente importantes esteja sozinha, é esta a contribuição
para o campo da saúde mental. Então, de fundamental que podemos dar: discutir
alguma maneira, já é uma certa tendência qual é a interseção entre a política de
estarmos debatendo o Serviço Social saúde mental e a política mais geral de
Cress/RJ - 7a Região
70
uma questão maior que não está apenas está ao redor daquela manifestação que
naquele indivíduo)? o indivíduo ou que a família apresentam.
Aí faço um parênteses sobre esta
questão da subjetividade, que faz parte Mavi Rodrigues: Quero, na verdade,
da objetividade, do atendimento a complementar minha intervenção,
sujeitos, das singularidades. Tudo isto sobretudo motivada pela fala de Rochele,
está presente em quem trabalha com quando ela interpretou conservador como
sujeitos. Disto não tenhamos dúvidas. conservar a dor.
Talvez valesse a pena até fazer uma Eu pediria à mesa que tentasse
proposta de algo que não fosse apenas fundamentar qual é o conceito de
um debate, uma noite. Algo como um conservador com o qual estamos
seminário, onde conceitos fossem mais trabalhando. E para quê? Para que as
explicitados. Porque para resolver estas pessoas não tenham uma visão equivocada
questões basta ler. Lógico que não quando dizemos: “olha, o Serviço Social
temos tanto tempo para ler tudo, mas há Clínico é o neoconservadorismo, hoje”.
alguns autores privilegiados que tratam Pegar a palavra conservadorismo e
do indivíduo (Marilda tem um recente traduzi-la ao pé da letra não esgota
livro, “O indivíduo social”). Ou seja, a profundidade das discussões a que
isto, hoje, está mais do que claro para estamos nos propondo. Temos que ser
qualquer abordagem avançada do Serviço bastante rigorosos nisso. É ótimo este
Social. O indivíduo, a singularidade, espaço, porque confrontamos nossas
a particularidade fazem parte do ideias em público. Não temos condições
social. A escuta faz parte de qualquer de ser levianos aqui. Estamos discutindo
atendimento. Então, penso que estas de forma madura, de forma respeitosa.
questões estariam superadas se houvesse Então, o que é conservadorismo? Se
algum tipo de programação onde isto pegamos a Rerum Novarum, ou a
fosse elucidado. Quadragesimo Anno, encontramos
A outra questão é a que envolve o perspectivas conservadoras calcadas em
conservador. O que é conservador versus valores humanistas-cristãos, abstratos.
transformador? Há um ponto, aqui, Não há ali um compromisso claro com a
chave. Quanto você trabalha no nível do exploração da classe trabalhadora ou de
indivíduo, da família, você busca uma qualquer outra classe. O compromisso
transformação daquele indivíduo na sua é com o bem estar comum, com a
atitude, no seu comportamento, nas humanização do capitalismo. Então, não
suas relações familiares. Mas é como se é possível dizer que a Rerum Novarum e
só o indivíduo tivesse que mudar, só ele a Quadragesimo Anno são conservadoras?
tivesse que se transformar. Só que o que É isso? Quer dizer, qual é a referência
precisa se transformar não é o indivíduo, para o debate? Não pode ser o termo
é a sociedade que fez daquele indivíduo puro da palavra, ou a recorrência só ao
quem ele é. E aí entra a questão de classe dicionário. A questão é mais profunda,
social, que já foi tratada aqui. Então o ela é mais séria.
conservadorismo é conservar. Quer dizer,
no seu trabalho você contribui para Maria Inês Bravo: Penso que é funda-
manter aquela situação se só trabalha mental este debate, principalmente
com o indivíduo e aí ele é quem tem por que nossa preocupação é o
que mudar, a família é quem tem que fortalecimento do projeto ético-
mudar, o círculo mais restrito é quem político e com como vamos viabilizá-
tem que mudar. Isto significa adaptação, lo através das nossas ações. Concordo
acomodação e manutenção da sociedade com as falas de Marilda, com Mavi, com
que produz aqueles indivíduos. Estas Elaine, com Verônica, com Conceição e
coisas todas, no final, nos levariam a com Ana, e vejo que há três questões
crescer juntos se houvesse algo mais que que estão permeando o debate, e que
debates esporádicos de vez em quando. quero salientar, embora já tenham sido
Talvez isto valesse a pena. colocadas.
Agora, penso que não precisamos pegar Primeiro: o projeto ético-político,
nomes de cada campo a que vamos. Se vou o Movimento de Reconceituação e o
trabalhar no campo terapêutico, preciso marxismo não negam a subjetividade.
virar terapeuta, preciso virar clínico? Com esta questão temos que parar. É
Se vou trabalhar com médicos, vou ser fundamental a visão de totalidade e nela
clínico, como o médico é clínico? Não está incluída a subjetividade. Temos que
precisamos disso. O social é muito grande ter clareza e não ficar dizendo: “marxista
e temos que levar para aquelas pessoas não vê a subjetividade!” e, aí, só o
que o social é muito mais do que o que psicossocial é que a vê.
Como já foi dito, não vamos esgotar que escolheu, e pode escolher, para seu
aqui este debate. E também é bom que trabalho, a vertente psicossocial. Isto não
não o esgotemos. Penso que podemos elimina no seu trabalho, no seu exercício
abrir outros debates. Inclusive, estou profissional, a ideia de que ele tem uma
pensando em uma ideia, em cima do identidade de Serviço Social.
que alguém colocou aqui. Em um outro Bem, outro aspecto se refere ao que,
momento talvez pudéssemos trazer a no início, penso que Mavi colocou, acerca
ação do assistente social clínico, a ação da terapia, dos efeitos terapêuticos, do
do profissional que se debruça sobre que é terapia. Na verdade isto é uma
esta abordagem. O que ele faz? Qual sua discussão: o que é terapia? Porque vejo
intervenção? Talvez isto ajude um pouco que, em muitas vezes, nossas ações – e
a pensar sobre esta vertente do Serviço as de outros agentes sociais, como talvez
Social. o porteiro do Instituto de Psiquiatria
Mas queria pensar algumas coisas. Uma ou o pastor de uma igreja – podem ter
delas: é engraçado que não identifiquei, efeitos terapêuticos, no sentido de
em muitas das falas aqui, aquilo que faço. transformar aquele sujeito, de que ele
A ideia que algumas pessoas trouxeram possa se entender e estar com maiores
de que trabalhar os conflitos talvez seja possibilidades de se articular dentro
negar a realidade social ou que o grande de sua realidade. Então, na verdade, o
desafio seja não tomar isoladamente as Serviço Social Clínico não é exatamente
questões que se apresentam. Esta vertente uma terapia (se bem que podemos
do Serviço Social em nenhum momento discutir isto, quais são os limites de uma
pensa em tomá-las isoladamente. Em abordagem terapêutica). Mas o foco é
nenhum momento faz esta dicotomia. Em a questão da abordagem psicossocial
nenhum momento deixa de considerar os que ele vai abarcar. Aí tem a questão
determinantes sociais. Então não sei se que coloquei em minha apresentação:
me fiz clara, ou talvez eu possa mostrar o enfoque psicossocial está sendo
isto de outras formas. A ideia de trazer utilizado em outras profissões, na própria
uma intervenção, uma abordagem, como Reforma Psiquiátrica, no próprio campo
se faz na prática, talvez complemente da saúde mental. Por que ele não pode
muito. ser revitalizado no Serviço Social? Por
O assistente social clínico, como que não se pode entender esta proposta,
o estamos chamando aqui, é um este método psicossocial, dentro de uma
assistente social. Ele não deixa nada de abordagem reflexiva? Será que quando
lado em termos de todo o arcabouço o negamos é por que estamos presos ao
que foi construído na profissão: os psicossocial da origem? É uma questão.
princípios éticos, as premissas teórico- Mas esta possibilidade de você articular
metodológicas, tudo que faz o assistente o “psico” com o social, a subjetividade
social ter sua identidade está nele com as questões sociais, está muito
presente. Ele é um assistente social. Só presente nesta abordagem e está sendo
Cress/RJ - 7a Região
72
utilizada por outras vertentes. Por que o social! O grande momento, hoje, é o
ela é rejeitada no Serviço Social, se da interface, das articulações entre as
faz parte de uma tradição nossa e pode diferentes teorias. Na área de terapia
ser revigorada com toda a atualidade de família existe toda uma abordagem,
das questões que se apresentam nesta que está se intitulando, por exemplo, no
abordagem? Faço-me esta pergunta. momento, teoria da inclusão social. São
Também se perguntou que tipo terapeutas fazendo trabalho social. Isto
de transformação se alcança com a é curiosíssimo, é interessante, temos que
abordagem psicossocial. Talvez não conhecer o que eles estão fazendo, como
possamos ter controle sobre o alcance fazem esta articulação. Estamos num
das nossas ações. Mas eu poderia, momento, numa época, num contexto
rapidamente, dizer que a intenção é poder onde estas distâncias estão cada vez
ajudar a transformá-lo no seu contexto, menores. E podemos aproveitar ideias
para que ele possa transformá-lo, nesta e contextos de diferentes vertentes
dialética do pessoal, do particular e do sem perder a questão básica que é ser
global. Em termos gerais é isto, mas assistente social. Na minha prática como
como se faz isso? Talvez possamos trazer terapeuta de família, para a qual fiz
uma abordagem, uma intervenção, para uma especialização, minha identidade
que isto possa ficar mais claro. é de Serviço Social, é de ser uma
O que Ana Vasconcelos trouxe é muito assistente social que se utiliza de todo
interessante e me fez lembrar seu artigo um arcabouço teórico-metodológico que
sobre a prática reflexiva. Penso que é ajuda a entender e trabalhar no Serviço
isso que o assistente social que estamos Social. Então, temos que ser generosos e
denominando, agora, de clínico, faz. não excluir, mas trabalhar na inclusão.
É um método reflexivo de abordagem É um desafio, não é fácil, mas é preciso
direta, pessoal, com as pessoas, com a ter uma flexibilidade, uma abertura,
população que lhe procura. para poder pensar por que não. Por
Outra pergunta que surgiu: qual é o que não pensar que fazemos ajuda? Por
objeto da intervenção? É o homem, é o ser uma palavra tão impregnada de um
sujeito nas suas múltiplas determinações caráter tradicional? Nós ajudamos as
e expressões, e ele situado, ele pessoas! As ajudamos a viver melhor,
relacionado. Esta dimensão estrutural e a se entender melhor, a estarem mais
social não se perde em uma abordagem situadas socialmente. É ajuda! Qual é
psicossocial. Ela está presente sempre! o problema de falar de ajuda? Não há
Não sei por que há esta ideia de que que se ter medo das palavras. O que é
existe esta dicotomia! esta ajuda, para onde ela vai se dirigir é
Quanto às vertentes teóricas, se falou uma outra coisa. Mas podemos falar que
da Psicanálise, se seria da competência fazemos ajuda, sim.
do assistente social. Penso que temos Se o Serviço Social Clínico faz avançar
que ter uma generosidade teórica, o projeto ético-político é uma questão
também, importante: a de poder de ponto de vista, não é? Penso que faz
abarcar aquelas vertentes teóricas que avançar. Trabalhando nesta proposta, que
nos possam ajudar a compreender as fez parte da construção do Serviço Social, e
questões que enfrentamos na prática, com ela revitalizada (que é esta abordagem
nas instituições. Então, se a Psicanálise psicossocial), ela está dentro da discussão
me der elementos de uma compreensão da atualidade, está dentro da profissão e
que irá ajudar na minha prática, por que tudo o que está dentro da profissão faz
não incluí-la? A Psicanálise está incluindo avançar o projeto, não está fora disso.
Marilda Iamamoto
Cress/RJ - 7a Região
74
que reproduzir o discurso do psicólogo, normas para os comportamentos de
do psiquiatra etc, estou perdendo minha seus profissionais, estabelecem balizas
identidade, perdendo a possibilidade de para suas relações com os usuários dos
ser diferente e contribuir com a equipe serviços, com as outras profissões e
de trabalho a partir da minha diferença com as organizações que os contratam.
(ainda que reconhecendo que este campo Um projeto profissional, então, é uma
requer um domínio de conhecimentos proposta construída pela categoria,
mais específicos). Por exemplo, o ainda que esta não seja homogênea. É a
Serviço Social na área jurídica requer cara com que a categoria se apresenta na
do assistente social um conhecimento sociedade. E, mais do que isso, o projeto
mais aprofundado dos códigos, das supõe balizas de conhecimento e balizas
leis etc. Mas isto não significa que o éticas.
assistente social vá ser advogado e nem Esta é a nossa conversa. Para pensar
que, no primeiro exemplo, vá se tornar um projeto de intervenção profissional,
psicólogo. Isto é muito importante: onde temos que pensar nossas atribuições. E
está o limite? Quando perguntei o que é o há fronteiras entre as especializações do
Serviço Social Clínico, a professora Sônia, trabalho que são fluidas, mas têm que
em sua tese, na primeira nota de rodapé, ser qualificadas, não é um mero recurso
afirma o seguinte: “Enquanto o Serviço corporativista. É a diferença que permite
Social psiquiátrico enfatiza o programa nos identificarmos como assistentes sociais
institucional, o clínico enfoca mais as para, na unidade com outros profissionais
características metodológicas, o contrato e com concepções teóricas próximas,
entre as partes e os conhecimentos nos reconhecermos, e a sociedade nos
da Psicanálise. No presente trabalho reconhecer como profissionais que têm
usaremos o termo Serviço Social Clínico uma particularidade social. Sem cair
sempre que nos referirmos à prática na concepção utilitária, o trabalho do
de assistente social com indivíduos e assistente social tem uma utilidade para
famílias, que supõe contrato, que supõe a sociedade – um valor de uso social –
conhecimentos de Psicanálise”. que é distinta da de outros profissionais.
Então, há um contrato terapêutico. Não é uma visão corporativa e nem uma
Agora, há uma questão muito delicada: o visão estreita do conhecimento. Vamos
que se entende por terapêutico, nas suas dialogar com as diferentes concepções e
várias acepções... Eu, como assistente especialidades, mas não vamos nos furtar
social não me vejo como uma “terapeuta à compreensão e à qualificação do nosso
social”, não consigo me entender neste papel, das nossas atribuições, das nossas
quadro. Logo, o atendimento, para mim, competências.
não seria clínico. Faço um atendimento Eu queria agradecer. Penso que
social, mas não trabalho no campo da aprendemos muito com as intervenções
clínica, ainda que eu trabalhe em um de nossos colegas e com a intervenção
hospital psiquiátrico ou em uma área da mesa, na pessoa da professora Sônia
médica. Mas não faço clínica. Clínica Sodré. O diálogo foi, por vezes, um pouco
não é só um nome, há uma história e enfático, mas isto faz parte da polêmica.
um universo teórico no interior dos Para mim é uma polêmica respeitosa e
quais adquire um sentido. As palavras que me mobilizou. Ao ler o balanço da
carregam concepções, história. Portanto, Reconceituação apresentado na tese da
não adianta só mudar a palavra, pois elas professora Sônia, ele me provocou muito.
têm heranças culturais. Porque são mais de quarenta anos de
Finalmente, queria retomar uma trabalho, de investimento coletivo, de
noção que não é minha, mas me parece busca de rigor intelectual, de diálogo com
importante. O que estamos chamando de posições as mais diferentes. Incomodou-
projeto profissional? Estou usando aqui me muito atribuir os óbices para a
uma noção já apropriada coletivamente, afirmação do Serviço Social no campo
mas considero muito feliz a caracterização da família – identificado com o Serviço
efetuada pelo professor José Paulo Social Clínico – ora à Reconceituação,
Netto16. Ele diz que o projeto profissional silenciando os anos 1980–1990 em que
é construído por um sujeito coletivo – a ela foi submetida a uma rigorosa crítica 16
NETTO, J. P. A construção
respectiva categoria profissional – e é no meio profissional brasileiro, ora aos do projeto ético-político
indissociável de um projeto de sociedade. entraves externos, oriundos de fora, do serviço Social frente à
O que apresenta um projeto profissional? A em especial representados pela figura crise contemporânea. In:
Capacitação em Serviço Social
autoimagem da profissão na sociedade. Os do psicólogo e de suas competências e e Política Social. Módulo I.
projetos elegem valores que o legitimam atribuições profissionais . Crise contemporânea, questão
socialmente, delimitam e priorizam seus As dificuldades do Serviço Social na social e Serviço Social. Brasília,
objetivos e suas funções, prescrevem área de saúde mental são também nossas, UNB/CEAD, 1999, pp. 91-110.
Cress/RJ - 7a Região
76
EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009
77
Edições já publicadas:
Nº 1 O “Serviço Social Clínico” e o projeto ético político
do Serviço Social (Maio, 2003, 2000 exemplares)
Reimpressão:
Nº 3 Novembro, 2008, 2000 exemplares
www.cressrj.org.br/publicacoes.php
Cress/RJ - 7a Região
78
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO
Página eletrônica: www.cressrj.org.br
Endereços eletrônicos
Diretoria: diretoria@cressrj.org.br
Secretaria: secretaria@cressrj.org.br ou secretaria1@cressrj.org.br
Registro e cadastro: registroeanuidade@cressrj.org.br
Orientação e fiscalização: cofi@cressrj.org.br
Assessoria de Comunicação: comunicacao@cressrj.org.br
Assessoria Política: assessoriapolitica@cressrj.org.br