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ISBN 978-85-60593-02-6

Nº 6 - Outubro de 2009

Serviço Social
Clínico
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO
Rio de Janeiro
Gestão “Ética, Autonomia e Luta”
2008/2011
Sede – Rio de Janeiro
Presidente: Fátima da Silva Grave Ortiz
Vice-Presidente: Elza Velloso
1ª Secretária: Lúcia Maria da Silva Soares
2ª Secretária: Conceição Maria Vaz Robaina
1ª Tesoureira: Newvone Ferreira da Costa
2ª Tesoureira: Alena Mab Góes Contente
Suplentes: Michelle Rodrigues de Moraes, Jurema Alves Pereira da Silva,
Mônica Vicente da Silva, Georgina de Queiroz dos Santos e Maurício Caetano Matias Soares
Conselho Fiscal: Martha Fortuna Pereira Bastos, Maria Elizabeth Freire Salvador, Leopoldina de Araújo Cardoso
Suplentes: Telma Pilé Gomes, Lisamar Bastos Simões e Erika Schreider

Seccional de Campos dos Goytacazes


Coordenadora: Janaína Alves Monteiro
Tesoureira: Iraí Martins Bohrer
Secretária: Luciana Custódio Soares
Suplentes: Gisele Pereira Luiz, Ana Tereza de Sá Santos e Lidiane Pereira Braga

Seccional de Volta Redonda


Coordenadora: Greicy Hellen Santana de Assis
Tesoureira: Carmem Lúcia Brandão
Secretária: Sabrina Alves de Faria
Suplentes: Ailton da Silva Carvalho e Gilvane Mazza Ribeiro

Equipe de Recursos Humanos


Agentes fiscais: Angela Maria Corrêa Moreira Lima, Elias Azevedo da Silva, Maria de Fátima Valentim Pessanha,
Nízia Maria Vieira dos Santos
Apoio administrativo: Allan Botelho da Silva, Edilson Moreira dos Santos, Elzira Marques de Oliveira,
Gianne Carneiro de Souza, José Guilherme Teixeira Marques, Marco Antônio de Almeida, Rosângela Costa Maia,
Simone Moreira dos Santos, Thiago Lobão Marques dos Santos
Assessoria de comunicação: Maria Cecília Lira Contente
Assessoria jurídica: Drª Mônica Teixeira Faria Guimarães Arkader
Assessoria política: Jefferson Lee de Souza Ruiz
Bibliotecária: Edirlane Carvalho de Souza
Serviços gerais: Amália de Fátima de Oliveira Medeiros e Genivalda dos Santos

FICHA TÉCNICA

Edição nº 6 - Outubro de 2009


ISBN 978-85-60593-02-6

Responsáveis pela organização editorial Transcrição e revisão Esta edição da EM


Conceição Maria Vaz Robaina Jefferson Lee de Souza Ruiz FOCO adota, na revisão
Fátima da Silva Grave Ortiz ortográfica e gramatical,
Tiragem a reforma ortográfica
Jefferson Lee de Souza Ruiz
2.000 exemplares assinada pelo Brasil no
Projeto gráfico início de 2008.
Carlos D Impressão
Tiago Cambará Vênus Luar Artes Gráficas Editora Ltda.
Rio de Janeiro/2009
Sumário

Apresentação à primeira reimpressão 5

Serviço Social Clínico: Primeira edição 2003


Apresentação 14

Prefácio - Atribuições profissionais: a condução democrática


de um debate quente 12

O “Serviço Social Clínico” e os Desafios Ético-Políticos postos


à profissão de Serviço Social 17
Debates 30

Respostas às questões 33

Serviço Social Clínico Edição complementar 2004


Apresentação 41
Atribuições Privativas do Assistente Social e
o “Serviço Social Clínico” 45

Debates 55
Cress/RJ - 7a Região
4
Apresentação à primeira reimpressão

Quando foi lançada, no ano de 2000, a revista Em Foco tinha como principal 1
NR: A comissão responsável
objetivo socializar debates realizados pelo CRESS-RJ acerca de temas de interesse pela organização editorial
da categoria sobre os quais havia, até então, pouca produção teórica. O perfil da da Revista EM FOCO optou,
revista expressava esta intenção: embora houvesse a necessária preocupação com desde a primeira publicação
sobre o tema desta edição, em
a correção ortográfica e gramatical, seu conteúdo era, praticamente, a reprodução utilizar itálico para quaisquer
fidelíssima dos eventos realizados, fosse na fala dos palestrantes convidados, fosse referências ao Serviço Social
nas intervenções do público presente. ou aos assistentes sociais que
Ao longo dos anos, contudo, a revista alcançou imprevista repercussão. os relacionem com algum
campo ou método profissional.
Algumas de suas edições tornaram-se bibliografias de disciplinas de cursos de Tal opção visou alertar o
Serviço Social; outras, indicações de estudo para elaboração de monografias ou, leitor para as polêmicas
mesmo, dissertações; outras, ainda, foram previstas como parte da bibliografia existentes em torno de tais
de concursos públicos em diferentes locais do país. Este sucesso fez com que se definições. Todos os demais
grifos e destaques encontrados
ampliasse a demanda por sua aquisição, que hoje é medida em nível nacional. nesta publicação são de
Desta forma, a equipe responsável pela organização editorial da Em Foco viu por responsabilidade dos próprios
bem, sem alteração de conteúdo ou dos objetivos da revista, dar-lhe um formato autores dos textos aqui
um pouco mais formal. reproduzidos, no momento da
revisão de sua transcrição.
A edição que ora chega a suas mãos é uma demonstração de tal sucesso e destas
providências. O tema por ela tratado (o autodenominado Serviço Social Clínico1, 2
“Congresso da Virada”
em suas relações com o Serviço Social) é um dos polêmicos debates em curso na é o nome pelo qual ficou
categoria há vários anos. Não por acaso, as duas primeiras edições da Em Foco se conhecido o III Congresso
Brasileiro de Assistentes
destinaram a reproduzir contribuições de professores como Vicente Faleiros e Mavi Sociais, realizado em São
Rodrigues (edição nº 1), Marilda Iamamoto e Sônia Beatriz Sodré Teixeira (edição Paulo, no ano de 1979. Tal
complementar), bem como a excelência dos debates realizados com a plateia denominação visa demarcar
presente aos dois eventos que trataram tais relações. Como ambas as revistas aquele momento como
marco de um processo
encontram-se esgotadas, e a demanda por seu conteúdo permanece sendo-nos de questionamento dos
apresentada, o CRESS-RJ optou por reuni-las em uma única reimpressão. A única assistentes sociais quanto
alteração realizada, além da nova diagramação, como perceberá o leitor mais ao perfil de intervenção
atento, é a acima descrita: a revisão gramatical priorizou uma linguagem menos profissional então previsto
para a categoria. A partir
informal, de forma a responder aos objetivos a que a revista tem se destinado. deste evento, e considerando
os processos de alteração
A evolução do debate aqui retratado vividos pela profissão em
outros países da América
Latina (no chamado
O eixo central dos debates realizados em 2002 e 2003 sobre o Serviço Social Movimento de Reconceituação
Clínico foi, certamente, se atribuições consideradas terapêuticas fazem ou não do Serviço Social) consolidou-
se, ao longo dos anos, uma
parte daquelas previstas pela regulamentação legal para o exercício profissional de maior aproximação do Serviço
assistentes sociais. Há, contudo, conteúdos correlatos que foram alvo de polêmica Social brasileiro com a
respeitosa e qualificada, como o pertinente e provocativo questionamento sobre perspectiva teórica histórico-
se práticas de tal ordem estão ou não em consonância com o que prevê o projeto crítica e, especialmente, com
o marxismo. Este processo
ético-político hegemônico no Serviço Social desde o “Congresso da Virada”2. resultou na revisão da Lei de
Não nos cabe aqui retomar o conteúdo presente nos debates reproduzidos nesta Regulamentação da profissão
edição da Em Foco, inclusive nas apresentações feitas por gestões anteriores do de assistente social e do
CRESS-RJ e da Faculdade de Serviço Social da UERJ e nos prefácios das edições Código de Ética profissional,
bem como na construção
aqui reimpressas. O que queremos, neste momento, é acrescentar informações das diretrizes curriculares
posteriores aos debates então realizados, uma vez que a apreciação sobre o tema da Associação Brasileira de
não ficou paralisada no decorrer dos anos 3. Ensino e Pesquisa em Serviço
Após permanecer em apreciação pela categoria ao longo dos anos, o Encontro Social (ABEPSS) para o ensino
de graduação. Um tratamento
Nacional CFESS/CRESS4 realizado em 2007, na cidade de Natal (RN), aprovou a mais completo sobre este
necessidade de “aprofundar o debate e construir posição política com base em período pode ser encontrado
fundamentos teóricos e jurídicos sobre práticas terapêuticas no âmbito do Serviço em Iamamoto, Marilda &
Social”, de forma que o resultado desses estudos culminassem em uma proposta Carvalho, Raul. Relações
sociais e Serviço Social no
de normatização a ser apreciada pelo mesmo Encontro, no ano de 2008. Brasil. São Paulo: Cortez,
Dando cumprimento à deliberação aprovada, o Conselho Federal de Serviço 1998.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


5
Social resolveu coletar contribuições dos CRESS´s de todo o país para conhecer
“objeto, objetivo, instrumentos e procedimentos prático-operativos utilizados e os
fundamentos teóricos presentes no trabalho profissional” de assistentes sociais que,
eventualmente, reivindicassem “práticas terapêuticas”. Além do retorno obtido de
sete regionais, o CFESS recebeu contribuição da assistente social Sônia Seixas5.
A partir deste levantamento, a Comissão de Orientação e Fiscalização do mesmo
Conselho Federal elaborou documento de subsídio às reflexões dos regionais e da
categoria. Após seu debate e apreciação, em setembro de 2008, no 38º Encontro
Nacional CFESS/CRESS, os assistentes sociais presentes reafirmaram seu entendimento
de que tais práticas não são competência ou atribuição de assistentes sociais,
deliberando que caberia ao CFESS, com base no documento elaborado pela COFI e
em fundamenteos teóricos e jurídicos, elaborar resolução que definisse que “práticas
terapêuticas não são atribuições do assistente social”.
Ao longo do mesmo processo foram solicitados à assessoria jurídica do Conselho
Federal de Serviço Social, Drª Sylvia Terra, pareceres jurídicos que reunissem os
elementos necessários para as reflexões realizadas. A partir desta medida foram
elaborados os pareceres nº 16/08 e nº 11/09, que também encontram-se à disposição
da categoria na página eletrônica do Conselho Federal (cf. NR 2).
O debate acerca das “práticas terapêuticas” foi realizado durante o 39º Encontro
Nacional CFESS/CRESS, realizado em Campo Grande (MS). A deliberação do Encontro
remeteu ao CFESS a tarefa de elaborar a resolução final acerca do tema. No que se
refere ao CRESS-RJ temos apontado a necessidade de apresentar uma importante
ressalva ao debate nacional. Ao reafirmarmos que, em nossa perspectiva, não cabe a
assistentes sociais realizar terapia como técnica profissional ou método interventivo,
é preciso ter atenção ao definir o que se reconhece atualmente por “práticas
terapêuticas” no âmbito de áreas como a saúde mental. Esta distinção nos parece
fundamental, pelas razões que brevemente passamos a expor.
Sabe-se que a linguagem e os nomes que se dá aos fenômenos sociais têm íntima
relação com hegemonias existentes em cada conjuntura. Podemos buscar em nossa
própria história profissional exemplos deste processo. Ao reagir, ao longo dos anos 70,
ao caráter conservador do exercício profissional em nosso país, tivemos uma nítida
3
Para esta retomada
utilizamos informe reproduzido
identidade com o caráter político de nossa intervenção profissional – e não se trata,
na página eletrônica do aqui, de negá-lo. Isto significou, por vezes, assumi-lo como aspecto essencial, primeiro,
Conselho Federal de Serviço fundante, ontológico da atuação do assistente social. O que podia ter como decorrência
Social. Cf. http://www.cfess. a realização de uma ação militantista, que hipervalorizasse o caráter político de
org.br/praticas.php (acesso em
agosto de 2009).
nossa intervenção em detrimento do caráter técnico-interventivo que lhe dá origem e
reconhecimento social – e lhe caracteriza como profissão. Naquele momento histórico,
4
Os encontros nacionais CFESS/ não seria surpresa encontrar profissionais organizando e coordenando reuniões de
CRESS são considerados a usuários das políticas sociais sob o título de assembleias, o que pulveriza o papel
principal instância deliberativa
dos conselhos regionais e
profissional que temos a exercer e, além do mais, corre o risco de substituir o objetivo
federal de Serviço Social. emancipatório dos sujeitos sociais previsto em nosso Código de Ética. Não nos parece
Conforme previsão estatutária, que tais processos fossem responsabilidade exclusiva do profissional que adotasse tal
ocorrem anualmente conduta: eles se coadunavam com um momento conjuntural do país e da profissão.
com delegação eleita em
assembleias estaduais
Não foi por menos que passamos, em menos de dez anos, por uma profunda revisão do
oficialmente convocadas para Código de Ética profissional de 1986, superando características que fragilizavam uma
tal fim. As delegações são perspectiva mais adequada de atuação profissional dos assistentes sociais.
compostas por conselheiros Sabemos que a evolução da conjuntura tem trazido novos desafios para nossa
dos CRESS´s, do CFESS e por
assistentes sociais de base,
atuação profissional e para o conjunto das políticas sociais. No que se refere ao campo
podendo participar, ainda, com da saúde mental é inevitável reconhecermos o crescimento da hegemonia de campos
direito a voz, convidados e “psi” nos debates e atuações profissionais. Isto faz com que procedimentos que não
observadores, têm por objetivo central a terapia, sejam eles realizados em grupo ou individualmente,
desde que também indicados
por cada assembleia local.
recebam por título algum adjetivo similar a “terapêutico”. Um possível exemplo
é o das “oficinas terapêuticas” realizadas por equipes interdisciplinares. Ações de
5
Sonia G. Martins Seixas orientação, individuais ou em grupo, têm uma dimensão potencial de resolução
é assistente social inscrita parcial das demandas trazidas por usuários das políticas aos assistentes sociais. Não
no CRESS – 5ª Região (BA)
e subscreve comunicações
são poucos os relatos de situações de atendimentos que despertam as pessoas para
eletrônicas encaminhadas em possibilidades de respostas a suas questões, seja do ponto de vista do reconhecimento
nome dos assistentes sociais de seus direitos ou mesmo da necessidade de articulação com outros sujeitos sociais.
que se denominam “clínicos”. No que se refere ao assistente social, ao coordenar o dispositivo denominado “oficinas

Cress/RJ - 7a Região
6
terapêuticas” o profissional muitas vezes desenvolve atividades relativas à discussão
sobre direitos ou outras ações quotidianas realizadas nos CAPS´s (oficinas de jornal,
debate sobre controle social etc). O mesmo ocorre com outros profissionais, como os
terapeutas ocupacionais.
Assim, tratar as ações realizadas pelas diferentes profissões no campo da saúde
mental sob a denominação genérica de “ações terapêuticas”, e afirmar que não
cabe ao assistente social encaminhá-las, pode – em casos muito específicos – vir a
significar risco de restrição de um campo de atuação profissional fundamental para o
Serviço Social (o que não é, nunca foi e certamente não será a intenção do Conjunto
CFESS/CRESS nos debates que envolvem as chamadas “práticas terapêuticas”). O
que queremos afirmar, assim, é a necessidade de pormenorizar, ao longo de nossos
debates ainda em curso6, que há determinadas ações que, embora sejam atribuições
privativas e/ou competências do assistente social, recebem, em determinados campos
de atuação profissional, adjetivação próxima a “terapêutico”. Tal denominação é
fruto da hegemonia de determinados conhecimentos no que diz respeito às dimensões
subjetivas das vidas dos usuários e de qualquer sujeito social. Observem: não se
trata, aqui, de qualquer recuo: não reconhecemos que exercer terapias sob quaisquer
orientações teóricas em sistemas formais e informais (inclusive terapias de casal, de
família, de grupo, individual ou comunitária, dentre outras)7 seja uma contribuição
profissional prevista para o Serviço Social. Não devemos, no entanto, perder de vista
o momento conjuntural em que tais debates ocorrem e as implicações futuras para a
necessária e profícua contribuição de nossa categoria para os direitos da população
que se utilizam destas políticas.
Ao apresentar estas reflexões, a gestão “Ética, Autonomia e Luta”, eleita para a
direção do CRESS-RJ para o período 2008/2011, visa contribuir com os debates em curso
no Serviço Social sobre os temas que envolvem esta edição da Em Foco. Continuamos
disponíveis e dispostos a aprofundar tais conteúdos, reconhecendo tratarem-se de
demandas postas à necessária orientação e fiscalização do exercício profissional dos
assistentes sociais na complexidade encontrada em pleno início do século XXI.

Diretoria do Conselho Regional de Serviço Social


Gestão Ética, Autonomia e Luta
Outubro de 2009

6
Registre-se a existência
de novos documentos
públicos acerca dos debates
que envolvem as “práticas
terapêuticas”. A consulta à
página eletrônica do Conselho
Federal de Serviço Social
(www.cfess.org.br) indicada
na NR 2 permite contato com
documentos que tratam o
tema.

7
A formulação em itálico
refere-se à proposta
alternativa encaminhada pelo
CRESS-RJ para apreciação
do Encontro Nacional CFESS/
CRESS 2009. Ela foi apreciada
em reunião pública realizada
em agosto na sede de nosso
Regional e contou com
a contribuição de vários
profissionais presentes ao
evento.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


7
Serviço Social
Clínico
PRIMEIRA EDIÇÃO
2003
EXPEDIENTE DA PRIMEIRA EDIÇÃO

CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO


Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” – 2002 a 2005

Sede – Rio de Janeiro Delegacia Seccional de Campos


Efetivos Delegado: Leonardo Marques Pessanha
Presidente: Hilda Corrêa de Oliveira Tesoureira: Júnia de Souza Elias
Vice-presidente: Mavi Pacheco Rodrigues Secretária: Surama Fonseca Monteiro
1ª Secretária: Rosely Reis Lorenzato Suplentes: Mauci Isabel dos Santos e Tânia Elizabete Gonçalves
2º Secretário: Márcio Eduardo Brotto
1ª Tesoureira: Marinete Cordeiro Moreira Delegacia Seccional de Volta Redonda
2ª Tesoureira: Andreia Cristina Alves Pequeno
Delegada: Ariane Rego de Paiva
Suplentes: Tesoureira: Angela Amélia Chaves de Sá
Renato dos Santos Veloso Secretária: Eliane Coimbra Farhat
Rodrigo Silva Lima Suplentes: Luciana Adriele do Nascimento e Cristiane Valéria da Silva Barvelo
Elisabete Amorim Leandro
Fátima Valéria Ferreira de Souza Equipe de recursos humanos:
Claudete Jesus de Oliveira Agentes fiscais: Angela Maria Corrêa Moreira Lima, Maria de Fátima Valentim
Pessanha, Nízia Maria Vieira dos Santos
Conselho Fiscal: Assessoria de comunicação: Maria Cecília Lira Contente
Presidente: Elziane Olina Dourado Assessoria jurídica: Dr. Carlos Alexandre Fiaux Ramos
1ª`Vogal: Magali da Silva Almeida Assessoria política: Jefferson Lee de Souza Ruiz
2ª Vogal: Sandra Regina do Carmo Assistentes administrativos: Daisy Christina Gomes, Daniel Domingues
Monteiro, Edilson Moreira dos Santos, Elzira Marques de Oliveira, Rosângela
Suplentes do Conselho Fiscal: Costa Maia, Rachel Quintanilha Bense, Simone Moreira dos Santos, Socorro
Italuana Guimarães Rosário Barbosa Gomes
Tânia Dahmer Pereira Auxiliar de Serviços Gerais: Amália de Fátima de Oliveira Medeiros
Luciene da Rocha Coordenação administrativo-financeira: Marco Antônio de Almeida

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


Rosangela Zagaglia

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL


Elaine Rosetti Behring
Alba Teresa Barroso de Castro
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Nival Nunes de Almeida COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM SERVIÇO SOCIAL
Maria Inês Souza Bravo
Vice-Reitor: Ronaldo Lauria Lúcia Maria de Barros Freire
Capa da 1a edição

Em Foco - no.1 Revisão


2003 Jefferson Lee de Souza Ruiz

Responsáveis pela organização editorial Transcrição e Digitação


Hilda Corrêa de Oliveira Glauce Amaral de Magalhães
Jefferson Lee de Souza Ruiz
Maria Inês de Souza Bravo Tiragem
Mavi Pacheco Rodrigues 2.000 exemplares

Capa / Fotos Impressão


João Roberto Ripper Rio Center Ltda.
Rio de Janeiro / 2003

“Em Foco” é a mais nova publicação do Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região. Ela faz parte do projeto de comunicação do CRESS
e visa possibilitar a reprodução de debates, polêmicas e/ou reflexões sobre temas importantes para o exercício do Serviço Social. Em 2003
o planejamento orçamentário do Conselho prevê a publicação de dois números. Este primeiro, “O Serviço Social Clínico e o projeto ético-
político do Serviço Social”, foi viabilizado com financiamento obtido pelo Programa de Pós-Graduação da FSS/UERJ, do Programa de Apoio à
Pós-Graduação (PROAP) da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Cress/RJ - 7a Região
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Apresentação

É com grande satisfação que o Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região e o


Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) trazem a público a discussão realizada nesta Universidade,
em junho de 2002, acerca do Serviço Social Clínico, um dos temas mais polêmicos
do debate profissional na atualidade. O evento teve por objetivo dar visibilidade e
profundidade à discussão acalorada travada pela internet, no início de 2002, entre
alguns defensores da visão clínica, o Conjunto CFESS/CRESS (Conselhos Federal e
Regionais de Serviço Social) e o professor Vicente de Paula Faleiros.
A reflexão acerca do Serviço Social Clínico, entretanto, não se inicia aí. Ela
remonta ao protagonismo do Conjunto CFESS/CRESS desde 1996, na discussão acerca
das atribuições profissionais do assistente social. O caráter democrático e os principais
eixos desta reflexão são tratados com clareza no prefácio de Elaine Rossetti Behring
que abre esta publicação. Nele, a professora e ex-presidente do CFESS sintetiza a rica
contribuição da professora Marilda Vilela Iamamoto, consultora do Conselho Federal
durante a gestão de 1999-2002 que, aliás, também mediou o debate realizado na
UERJ.
Fiel à continuidade da reflexão deflagrada pelo Conjunto CFESS/CRESS, esta
coletânea registra não somente uma avaliação instigante acerca da relação entre
o Serviço Social Clínico e o projeto ético-político construído pela profissão no país
ao longo das duas últimas décadas do século XX. Ela expressa, também, a polêmica
madura, franca e respeitosa que presidiu o evento promovido pelo CRESS – 7ª Região
e pela Coordenação de Mestrado da FSS da UERJ. Nele, sem qualquer prejuízo para
um rigoroso e profícuo diálogo, expressaram-se visões bastante distintas acerca
do caráter “clínico” da intervenção profissional do assistente social, bem como da
direção sociopolítica plasmada pelas intervenções terapêuticas que têm reivindicado
proximidade com a atuação do Serviço Social.
No entanto, como não poderia deixar de ser, o debate ora publicado exige sua
continuidade. Temas correlatos ao Serviço Social Clínico e ao projeto ético-político,
sinalizados no evento em questão – tais como a relação entre clínica e política, cultura
pós-moderna e neoconservadorismo, subjetividade, “questão social” e formação
em Serviço Social – merecem discussões mais aprofundadas. Na ocasião, houve o
compromisso público dos promotores em dar continuidade a essa discussão, convidando,
inclusive, os assistentes sociais que têm especialização clínica para explicitarem o
conteúdo de sua atuação. Espera-se que esta publicação, que materializa parte dos
compromissos assumidos, venha contribuir para enraizar o projeto ético-polícito no
cotidiano da intervenção profissional.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FSS DA UERJ

Coordenação:
Maria Inês Souza Bravo
Lúcia Maria Freire

Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região – RJ


Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” – 2002 a 2005

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Cress/RJ - 7a Região
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Prefácio

Atribuições profissionais:
a condução democrática de
um debate quente

Sintonizados com o clima de esperança e de debate, em detrimento do medo


e da tergiversação, o Mestrado da FSS/UERJ e o CRESS/7ª Região promoveram um
importante evento acerca do “tema quente”, porque polêmico, da relação entre o
Serviço Social e as práticas “psi”, ora publicado nesta brochura que tenho o prazer de
apresentar. Pudemos presenciar naquela ocasião um debate aberto, franco e plural,
que explorou ou sinalizou questões que irão merecer desdobramentos, envolvendo
outros interlocutores, no sentido de precisar cada vez mais a natureza dessa relação,
considerando os compromissos e os eixos do projeto ético-político empreendido pelo
Serviço Social no Brasil. As páginas a seguir, como se verá, são instigantes. Houve um
reconhecimento de que nas múltiplas expressões da questão social há um enorme
componente de sofrimento psíquico (individual ou coletivo), o que coloca mediações
importantes na relação com os usuários. Contudo, a especificidade de nossa formação
e nossas atribuições precípuas não permitem ir além de limites determinados nesse
campo. Os profissionais que adquirem formação nas várias modalidades de terapias
estão exercendo outra profissão, se pensamos nessa direção. Mas a questão se torna
ainda mais complexa quando se observa que este debate emerge numa conjuntura
específica, de redimensionamento do mundo do trabalho, com fortes impactos
no exercício profissional, ao passo que também se colocam no cenário expressões
neoconservadoras de retorno ao passado profissional. O fundamental é que o debate
foi lançado, enfrentado, e seu resultado foi um convite à continuidade.
Cabe, neste espaço, situar o protagonismo do Conjunto CFESS/CRESS na condução 1
NR: A Lei Federal 8.662/93,
da discussão das atribuições profissionais, âmbito no qual se coloca a presente que regulamenta a profissão
polêmica. Desde a gestão 1996/1999, com os debates desencadeados pela Comissão de de Serviço Social, prevê,
Fiscalização do CFESS em torno da Política Nacional de Fiscalização e seus instrumentos, em seu artigo 5º, inciso XI,
os agentes fiscais1 dos CRESS´s em todo o país vinham sinalizando alguns problemas, como atribuição privativa do
assistente social, “fiscalizar
surgidos no âmbito da sua atuação, referentes aos artigos 4º e 5º da nossa Lei de o exercício profissional
Regulamentação. Eram dificuldades relacionadas à distinção entre competências e através dos Conselhos
atribuições privativas, no momento de “enquadrar” determinadas situações concretas Federal e Regionais”. No
no marco legal. O agentes fiscais indicavam ambiguidades e repetições, requisitando âmbito dos CRESS´s há,
além dos conselheiros
do CFESS algum instrumento que conferisse maior precisão ao seu trabalho. A COFI/ eleitos para a direção destas
CFESS gerou um texto (das então conselheiras Ana Mourão e Beatriz Paiva) e um entidades, assistentes sociais,
parecer jurídico naquela gestão, e o trabalho teve continuidade entre 1999 e 2002. concursados, denominados
A tendência desses documentos foi sinalizar a diferença entre atribuições privativas, agentes fiscais, cuja tarefa
é orientar e fiscalizar o
que seriam a prerrogativa e o poder exclusivo de realizar algo, e competências, que exercício profissional. Suas
dizem respeito à capacidade de fazer algo, mas que não é exclusiva. O estudo do atribuições e as distintas
texto legal revelou algumas imperfeições, a exemplo da repetição de incisos do artigo dimensões desta tarefa estão
4º (competências) como atribuições privativas. Nesse sentido, o parecer jurídico do previstas na Política Nacional
de Fiscalização, instituída pela
CFESS nº 27/98 elucidou que, para efeito da fiscalização, deveriam ser consideradas Resolução CFESS nº 382/99,
como centrais as atribuições privativas. No entanto, algumas questões persistiram revista e atualizada pela
como dúvidas: a Lei 8662/93 refere-se a matéria, área e unidade de Serviço Social. Resolução CFESS nº 512/2007,
Nesse sentido, para identificar o que é privativo da profissão colocou-se a necessidade de 29/09/2007.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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de precisão desses conceitos.
Nessa direção é que o Conjunto CFESS/CRESS traçou uma estratégia política para
conduzir o processo.
Constatamos que não se colocava na agenda qualquer mobilização em termos
de uma mudança do marco legal ou mesmo de seu aperfeiçoamento no Congresso
Nacional. Num contexto de desregulamentações ou de dificuldades de regulamentação
das profissões, esse encaminhamento poderia colocar em risco as nossas conquistas.
Com essa avaliação, caminhamos no sentido de pensar uma resolução do CFESS,
construída coletivamente, precisando aspectos da Lei 8662/93, ao lado da publicação
de um comentário geral da mesma.
Para consolidar essa direção, fazia-se necessário aprofundar o debate, centrando-o
nas atribuições privativas, com a compreensão, também, de que o marco legal não
consegue incorporar o conjunto das requisições feitas ao Serviço Social, num ambiente
de profundas mudanças no mundo do trabalho e da regulamentação, que implicaram
alterações das expectativas dos empregadores, das demandas dos usuários, com
impactos nas identidades profissionais.
Foi a esta etapa – a do aprofundamento do debate – a que nos dedicamos ao longo
da gestão do CFESS entre 1999 e 2002, contando com uma consultoria da professora
Marilda Iamamoto, que todas e todos conhecem, por seu papel de ponta na compreensão
do significado social da profissão, sobre o que tem livros e artigos publicados, e na
formulação das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social – ABEPSS – lamentavelmente violadas e desrespeitadas pelo Ministério
da Educação, em abril de 2001.
O resultado desta reflexão coletiva foi publicado em fevereiro de 2002 na brochura
intitulada “Atribuições Privativas do(a) Assistente Social em Questão”, na qual o
CFESS faz um convite à reflexão para todos os profissionais, a ABEPSS e as unidades
de ensino. Penso que a escolha de vocês do tema para este debate reflete, também,
uma bem-vinda adesão àquele convite. O resultado desta reflexão, espera-se, deverá
aperfeiçoar os serviços de fiscalização dos CRESS´s, além de contribuir para qualificar
o trabalho profissional, aprofundando o debate sobre o seu processamento, seu fazer,
bem como sobre a constituição da identidade dos profissionais.
Pois bem, a professora Marilda retomou o conjunto dos textos até então produzidos,
com suas dúvidas e indagações, e realizou uma conferência no XXX Encontro Nacional
CFESS/CRESS, que ocorreu em Belo Horizonte, em 2001, relacionando-os com o debate
profissional, o que resultou no texto publicado, que contém inúmeras sugestões e
provocações para o desdobramento do debate. Ouso fazer, então, uma síntese do seu
raciocínio, destacando o que considerei mais importante, mas recomendo a leitura do
texto, tendo em vista uma apreensão crítica cada vez mais coletiva.
O primeiro aspecto que ela levanta é a reconfiguração dos espaços ocupacionais
e das demandas profissionais como um resultado das transformações sócio-históricas
recentes, que poderiam ser sumariadas como mudanças nas relações Estado-sociedade,
resultantes da contrarreforma do Estado em curso, por sua vez decorrente da reação
burguesa ao ciclo recessivo da economia capitalista aberto nos anos 70, da qual fez
parte também a reestruturação produtiva e a mundialização do capital; este processo
gerou a agudização da desigualdade social, do desemprego, de disparidades de gênero,
etnia, dentre outras; do ponto de vista das políticas sociais, tem-se o incremento de
estratégias focalistas, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, as privatizações
(a exemplo da previdência complementar). Ou seja, alteraram-se as respostas à
questão social, num sentido regressivo e não no sentido democrático preconizado
pelo processo de redemocratização brasileiro e que resultou na Constituição de 1988,
apesar das resistências e contratendências que existiram ao longo desse período.
Frente a isso, as fronteiras profissionais – que são históricas e, portanto, são móveis
e transitórias – também se alteraram, colocando grandes desafios para uma tradução
do projeto ético-político profissional em ação efetiva. Um projeto profissional que,
cabe lembrar, nutriu-se do ascenso do movimento operário e popular dos anos 80, o
qual sofreu inúmeras derrotas desde as eleições gerais de 1989.
Nesse sentido, parece claro que as indagações dos agentes fiscais são profundamente
sintonizadas com este ambiente desconcertante, mutante, e que dificilmente se
enquadra num marco legal genérico, requisitando aprimoramento e sofisticação
maiores na análise da profissão e a explicitação da concepção de profissão que se
tem. Evidentemente, não existe apenas uma concepção no ambiente plural que é uma
categoria profissional, mas o debate proposto pelo Conjunto CFESS/CRESS situa-se no
campo da ruptura com o conservadorismo no Serviço Social, operada nos últimos 30

Cress/RJ - 7a Região
14
anos e que gerou as alterações na regulamentação da profissão, o Código de Ética e as O conhecimento
novas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (não do MEC, vale lembrar) e vem mantendo
uma certa hegemonia no debate profissional. rigoroso e
Que concepção da profissão? A de que esta é histórica e, consequentemente, criterioso do
indissociável das particularidades da formação social brasileira em sua relação com
o capitalismo mundial, bem como é resultante da ação dos sujeitos que “constróem modo de vida
sua trajetória e redirecionam seus rumos”. A interseção destas condições gerais com e trabalho da
as respostas técnico-profissionais vai redimensionando e realimentando o projeto
profissional, a exemplo da ruptura dos anos 80 e a adoção de valores ético-políticos e população e
compromissos societários novos desde então. suas expressões
No contexto regressivo em curso desde os anos 90, uma das principais questões
da categoria e dos projetos de fiscalização é a dificuldade de operacionalizar culturais
estes princípios e compromissos por meio de projetos de trabalho concretos em também se
condições adversas, implementando o chamado projeto ético-político profissional.
Tais condições, por vezes, levam ao limite a tensão entre autonomia profissional e coloca como
assalariamento, estabelecendo possibilidades e limites para a efetiva implementação fundamental.
dessa perspectiva. Mais do que isso, essas condições – que envolvem as requisições
dos empregadores, dos usuários com suas demandas e lutas, as condições mesmas
de trabalho (físicas, salariais e políticas – as hierarquias e processos decisórios, por
exemplo)2 - estabelecem “um campo enorme de mediações que particularizam as
funções, competências e atribuições do assistente social”, interferindo nos resultados
projetados, seja individual, seja coletivamente. Desta forma, não há uma necessária
coincidência entre projeto e resultados e a aproximação destes, por assim dizer,
pólos; ela vai se dar a depender da densidade histórica dos projetos profissionais, que
se configura com o reconhecimento das forças sociais em presença, com uma análise
consistente do espaço institucional e do processo de trabalho no qual o assistente
social está inserido, como trabalhador assalariado. Nas palavras de Marilda, é preciso
“enraizar o projeto nas condições reais de sua implementação”.
Se a questão social é a nossa matéria, aqui compreendida como as expressões da
desigualdade social intrínseca às relações sociais no capitalismo, agora em sua fase
madura, esta é um campo tenso de disputas – as disputas inerentes a uma sociedade
de classes – e a intervenção profissional precisa estar qualificada para conhecê-la
– e a suas expressões concretas na vida dos sujeitos, indivíduos ou coletivos (nossa
“matéria vida, tão fina...”) – e formular estratégias de ação.
Na direção das estratégias, Marilda identifica que elas têm sido tensionadas pela
disputa societária entre um projeto de democracia de massas e o projeto neoliberal,
sendo que o primeiro – de caráter democrático e universalista – é o que vimos
defendendo ao lado de outros segmentos de trabalhadores e populares no país. Nesse
sentido, há que manter uma atitude de permanente articulação política, tendo em
vista seu reforço. Ao lado disso, ela sugere uma retomada estratégica das técnicas
de educação popular e mobilização social, adequando-as aos desafios do presente.
Outro aspecto para o qual chama atenção é o reforço do domínio sobre a questão
orçamentária e sua democratização, visando maior capacidade para negociar recursos
e articular mobilizações em torno dessa questão. O conhecimento rigoroso e criterioso
do modo de vida e trabalho da população e suas expressões culturais também se coloca
como fundamental. Ao lado disso, se requer o aprimoramento do uso da linguagem e a
apropriação de tecnologias nesse campo, a exemplo da informática.
Ela aponta, ainda, alguns desafios que vêm se colocando no contexto das mudanças
operadas na relação Estado-sociedade: 1) a existência da lógica do direito do
consumidor circunscrita na transferência de serviços públicos para o terceiro setor ou 2
NR: Sintonizado com tais
para o setor privado mercantil, que vem representando a descaracterização do direito preocupações, o Conjunto
ou sua transformação em nicho de valorização, quando se transforma em mercadoria. CFESS/CRESS aprovou, alguns
O assistente social vem sendo requisitado para a gestão e, até, a fiscalização desses anos após a publicação
da Revista EM FOCO aqui
serviços, quando tradicionalmente lidava com os direitos sociais; 2) os processos de reimpressa, a Resolução
descentralização das políticas sociais públicas; 3) a atuação nos conflitos familiares na CFESS nº 493/2006, que
esfera do judiciário, assessorando juízes e fornecendo laudos; 4) as novas requisições “Dispõe sobre as condições
no âmbito das empresas e decorrentes das reformas administrativas no espaço público éticas e técnicas do exercício
profissional do assistente
e privado, que sugerem uma reinterpretação do que é unidade de Serviço Social na Lei social”. A Resolução vem sendo
– já que em muitos lugares ele não é uma unidade específica, mas para o exercício da utilizada como instrumento
função se requer a formação profissional específica. Muitos assistentes sociais sentem de referência e negociação,
problemas de identificação como assistente social em função disso; 5) a inclusão da com os empregadores, de
condições que favoreçam as
investigação como elemento fundamental do exercício profissional; 6) a questão da possibilidades acima citadas
interdisciplinariedade, que constitui equipes que formam uma unidade na diversidade por Behring.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


15
e nas quais não se encontram diluídas as atribuições profissionais.
Na última parte do texto, e isso é muito importante, considerando a discussão
reproduzida nesta brochura, nossa consultora chama a atenção para dois fenômenos:
• o (re)surgimento das terapias como uma possível ampliação do espaço ocupacional,
segundo seus defensores. Aqui, ela pontua a necessidade de formação específica
para uma capacitação, que foge à competência das graduações e da fiscalização do
exercício profissional, já que se trata de exercício de outra profissão;
• outra preocupação diz respeito ao voluntariado. Aqui, o CFESS tem um parecer
jurídico que fala que o exercício do Serviço Social como trabalho voluntário
implica nas mesmas obrigações éticas e técnicas que o trabalho remunerado e
faz uma crítica do uso de mão de obra gratuita e da concorrência desleal, em
nome do solidarismo reinante. Mas o texto coloca outra questão: para além da
desprofissionalização do trato da questão social sugerida pela mobilização do
voluntariado, os profissionais têm sido envolvidos na condução de projetos nos quais
há a mobilização do voluntariado. Neste caso, caberia articular este contingente
de pessoas, dispostas a disponibilizar parte das suas vidas para o “bem”, num
projeto de aprofundamento da cidadania social e política. Nessa perspectiva, esse
também passa a ser um campo de disputa e de cultivo de uma cultura política
verdadeiramente democrática e solidária.
Ao final desse percurso, o texto aponta uma agenda que diz respeito mais diretamente
ao Conjunto CFESS/CRESS, mas que envolve todo o Serviço Social brasileiro:
• a normatização interna, precisando os termos da Lei para facilitar o trabalho da
fiscalização;
• sistematizar uma análise a partir da fiscalização dos CRESS´s acerca das condições
e relações de trabalho do assistente social, tendo em vista subsidiar a realização
da tarefa anterior;
• fortalecer a política de capacitação já existente;
• estimular a publicação de textos para uma aprofundamento ainda maior da
discussão das atribuições, matéria e unidade de Serviço Social.
Este foi o ponto em que paramos. Houve, antes da convocação do debate que
gerou a brochura que está diante do leitor, uma discussão na Internet, na qual alguns
profissionais interpretaram equivocadamente que o debate estaria fechado. Pelo
contrário, o debate está iniciado e em pleno processo, agora conduzido nacionalmente
pela nova gestão do Conjunto CFESS/CRESS (2002-2005). E esta publicação é,
certamente, mais um passo significativo.

Professora doutora Elaine Rossetti Behring


(FSS/UERJ e ex-presidente do CFESS – Gestão 1999-2002)

Cress/RJ - 7a Região
16
O “Serviço Social Clínico”
e os Desafios Ético-Políticos
Postos à Profissão de
Serviço Social
Promoção: UERJ e CRESS – 7ª Região
Dia 12 de junho de 2002

Palestrantes: *
Marilda Iamamoto possui
Professor Vicente de Paula Faleiros graduação em Serviço Social
Professora Mavi Pacheco Rodrigues pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (1971),
Mediadora: professora Marilda Iamamoto mestrado em Sociologia Rural
pela Universidade de São
Paulo (1982) e doutorado em
Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São
Marilda Iamamoto * Paulo (2001). Atualmente
é professora titular da
Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, selecionada
O curso de Mestrado em Serviço Social Clínico e os desafios ético-políticos da para o Programa PROCIÊNCIA,
da Universidade do Estado do Rio de profissão vem responder a um convite coordenadora do Programa
Janeiro (UERJ) e o Conselho Regional de de reflexão formulado pela Comissão de Estudos e Pesquisas
Serviço Social – 7ª Região – têm o prazer de Pensamento social e realidade
de Fiscalização do Conselho Federal
brasileira na América Latina e
receber dois convidados muito especiais: de Serviço Social (CFESS), referendado do Centro de Estudos Octávio
o professor doutor Vicente de Paula no Conjunto CFESS/CRESS, sobre as Ianni. Coodenadora Adjunta
Faleiros, da Universidade de Brasília (UNB), funções, as atribuições privativas e as da CAPES para a área de
um profissional que vem protagonizando Serviço Social (triênio 2008-
competências do assistente social na
2010), indicada através da
o movimento de renovação crítica do cena contemporânea. Em decorrência Portaria nº 005, de 18 de
Serviço Social brasileiro desde a época da das profundas mudanças nas relações janeiro de 2008. Membro da
reconceituação do Serviço Social e um dos entre o Estado e a sociedade e nas formas Comissão de Altos Estudos
interlocutores mais significativos da nossa do Centro de Referência das
de organização e gestão do trabalho, que
Lutas Políticas no Brasil (1964-
área profissional; e a professora Mavi afetam os diversos espaços ocupacionais 1985): Memórias Reveladas,
Pacheco Rodrigues, da Escola de Serviço do assistente social, as entidades designada pelo Diretor-Geral
Social da Universidade Federal do Rio de vêm expressando uma preocupação do Arquivo Nacional. Tem
Janeiro (UFRJ) e especialista no tema em experiência na área de Serviço
de fundamental importância: como
Social e Sociologia Rural com
debate, cujo projeto de doutorado está consolidar o projeto ético-político do ênfase em Serviço Social,
voltado para as relações entre Serviço Serviço Social no cotidiano do exercício atuando principalmente nos
Social e saúde mental. A professora Mavi profissional? Ou, recorrendo às palavras seguintes temas: serviço
ocupa hoje a vice-presidência do CRESS- social, história do serviço
da professora doutora Carmelita Yazbek,
social, serviço social na
RJ, na diretoria recém-eleita. como concretizar o projeto ético-político divisão do trabalho, formação
O debate sobre o Serviço Social do Serviço Social no tempo miúdo profissional e ensino superior.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


17
do trabalho cotidiano, nas situações implicações do trabalho profissional no
O Serviço Social singulares com que nos defrontamos no marco da saúde mental, na interface
é uma profissão exercício profissional, situações essas com a Psicologia e com o conjunto das
necessariamente carregadas de dimensões atividades terapêuticas, realizado em
privilegiada, particulares e universais? O desafio é equipes multidisciplinares. Trata-se de
que se insere afirmar e demonstrar a viabilidade desse um tema polêmico e um terreno fértil
projeto, que expressa e sintetiza o amplo para o debate sobre a tensão entre as
em diversos processo de renovação do Serviço Social fronteiras profissionais e as atribuições
âmbitos da brasileiro nas últimas décadas. privativas das diferentes especializações
Uma das balizas desse projeto – e uma do trabalho, com nítidas derivações
especialização, conquista no marco legal – foi a Lei de na órbita da fiscalização do exercício
respondendo Regulamentação da Profissão de Serviço profissional. Fiscalização esta que não
Social que, nos seus artigos 4º e 5º, pode ser reduzida a um controle punitivo
a múltiplas estabelece as competências e atribuições do exercício, mas entendida, sobretudo,
e distintas privativas do assistente social. como estímulo à capacitação dos
A questão que nos indaga é a seguinte: profissionais para assegurar a qualidade
expressões da ante as profundas alterações dos espaços dos serviços prestados aos cidadãos e
questão social. ocupacionais dos assistentes sociais, cidadãs, consoante os compromissos
expressão de novas necessidades sociais radicalmente humanos e democráticos
que transformam as condições e relações presentes nos princípios norteadores do
de trabalho e as demandas apresentadas Código de Ética do assistente social.
a esses profissionais, como repensar suas Dentro dessa ótica, torna-se necessário
competências e atribuições privativas no desencadear um amplo debate nas várias
cenário histórico atual? esferas de atuação do assistente social – e
Gostaria de lembrar que o texto legal a saúde mental é uma delas –, no sentido
estabelece como atribuições privativas de conduzir o trabalho profissional
do assistente social aquelas atividades reconhecendo as particularidades dessas
que dizem respeito à área, à matéria ou à esferas e das expressões da questão
unidade do Serviço Social. A interpretação social que incidem nos diferentes espaços
do texto da Lei requer uma análise não ocupacionais, assim como as condições e
apenas jurídica, mas fundamentalmente relações de trabalho que circunscrevem
técnico-profissional e ética, que envolve as ações. Todavia, o reconhecimento
a compreensão acerca dos desafios dessas diferenças não elide a necessidade
ético-políticos do Serviço Social na cena de assegurar um norte comum às ações,
contemporânea. Exige, ainda, uma que atribui unidade à categoria, expresso
ampla pesquisa das reais competências na consolidação do nosso projeto ético-
e atribuições requeridas aos assistentes político profissional.
sociais e efetivamente desempenhadas É dentro de tais balizas que se
em suas atividades profissionais. pode pensar o pluralismo no âmbito
O Serviço Social é uma profissão da profissão. Não o pluralismo liberal
privilegiada, que se insere em diversos fundado no arbítrio individual, na
âmbitos da especialização, respondendo livre competição no jogo das forças de
a múltiplas e distintas expressões da mercado, onde todos, supostamente,
questão social. E o faz tanto no campo das teriam as mesmas oportunidades. Mas
políticas sociais como em outras esferas um pluralismo que se move no interior
voltadas diretamente para a regulação de parâmetros basilares, estabelecidos
das relações sociais, a exemplo do poder pelos princípios norteadores do Código
judiciário, onde o assistente social de Ética profissional.
dispõe de um papel de assessoria, não Assim, o mestrado em Serviço Social
implementando diretamente políticas da UERJ e o CRESS – 7ª Região recebem
sociais. com muita satisfação o professor Vicente
Este é um momento importante e a professora Mavi, profissionais que têm
para a reflexão sobre os nossos desafios experiência, preocupação e competência
profissionais no contexto de profundas na área para desencadearem o debate
mudanças no cenário social, capitaneadas sobre o Serviço Social Clínico e os desafios
pelas políticas neoliberais e pelo capital ético-políticos na profissão.
financeiro no cenário internacional, as Gostaria de passar a palavra aos
quais afetam radicalmente a vida, a convidados. Cada um terá cerca de 30
sociabilidade e o trabalho de todos nós. a 40 minutos para suas exposições e,
Dentre os inúmeros desafios que se depois, será aberto o debate.
impõem na órbita do Serviço Social,
um deles refere-se à reflexão sobre
os rumos analíticos, o conteúdo e as

Cress/RJ - 7a Região
18
Vicente de Paula Faleiros *

É um prazer estar com todo o pessoal discurso ou as formações discursivas


da UERJ e do CRESS-RJ e ter todas e todos sempre começamos perguntando: qual
vocês como interlocutores. é o lugar da fala? O meu lugar de fala,
O convite para este debate vem aqui e agora, não é o do professor que
também do CFESS, no sentido de se tem uma teoria elaborada sobre esse
aprofundar a questão do Serviço Social assunto, mas o lugar de um colega
Clínico, sobre a qual – e já vou antecipando que quer compartilhar com vocês uma
a minha conclusão – não há consenso. preocupação e jamais ser o dono da
Temos dissensos, e a melhor maneira de verdade. Se cometer algum equívoco,
debater é explicitá-los. À medida que os por favor me avisem: não tenho medo de
dissensos são explicitados o debate fica voltar atrás, não tenho medo de refletir,
mais rico e se tornam mais interessantes de rever minhas posições, sempre dentro
e melhor definidos os encaminhamento do contexto da argumentação. Além disso,
possíveis, se for o caso. estamos num ambiente democrático onde
Sobre esta questão são tantos os podemos repensar o discurso de acordo
ângulos e as dimensões possíveis de com a comunicação argumentativa ou
abordagem que preferi um tipo de fala com a argumentação comunicativa, à
mais aberto, como se diz, “pensando qual Habermas deu bastante ênfase, mas
em voz alta”, de coração aberto, sem que é impossível de se praticar dentro de
querer defender uma tese. Assim, não um contexto autoritário.
vou elaborar aqui uma argumentação Na perspectiva acima considerada não
fechada e conclusiva. existe ambiente melhor do que a UERJ
Um dos principais motivos que me para este debate, porque vivemos aqui um
leva a essa discussão é o fato de ser ambiente extremamente democrático,
assistente social, o fato de me orgulhar na abertura acadêmica à diversidade
desta profissão, à qual venho dedicando e no respeito às regras coletivamente
a minha vida, apesar de ter o doutorado elaboradas. No âmbito do Departamento
em sociologia. Não é esse doutorado, de Serviço Social há um respeito às
entretanto, o elemento principal da diferentes posições, evidenciadas nos
minha identidade profissional, que é livros organizados pelo Departamento
de assistente social, inscrito no CRESS e publicados pela UERJ ou por várias
(à época, CRAS) desde 1966. Participei outras editoras. Sinto-me, pois, honrado
do Movimento de Reconceituação no e com alegria ao participar deste debate
Chile e na América Latina para ajudar a nesse ambiente de respeito e abertura à
repensar o Serviço Social, e me orgulho manifestação da diversidade.
de ter sido presidente do Sindicato de Frente à temática, é preciso, ao meu
Assistentes Sociais do Distrito Federal ver, tanto construir como desconstruir o
* Vicente Faleiros possui
na época da redemocratização, quando debate. Desconstruir no sentido de que
graduação em Direito pela
houve o movimento pela sindicalização não podemos ficar numa posição de defesa Faculdade de Direito de
dos profissionais. Nessa ocasião pudemos de que o Serviço Social, em princípio, Franca (1966), graduação
fazer o trabalho, em conjunto com toda deva se posicionar numa dicotomia: ou é em Serviço Social pela
Universidade de Ribeirão
a categoria do Distrito Federal, para clínico e conservador, ou é “sociológico-
Preto (1966), doutorado -
equiparação do salário do assistente político” e revolucionário ou progressista, Université de Montreal (1984)
social com o dos demais profissionais ou de que o Serviço Social Clínico seja, em e pós-doutrados pela EHESS
de nível superior. Tenho sido professor si mesmo, uma atividade inquestionada - Escoila de Altos Estudos em
Ciências Sociais- Paris (1991) e
e pesquisador da área e também profissionalmente e o sociológico-
Université de Montréal (1996).
trabalhei no terreno da prática durante político seja ideológico e questionável. Atualmente é pesquisador
cinco anos em Brasília, participando de Penso que se nos enclausurarmos, nos associado da Universidade
planejamento, atendimento e trabalho enclaustrarmos ou nos entrincheirarmos de Brasília e professor da
Universidade Católica de
de comunidade. Tenho acompanhado a nessas posições, não vamos, de fato,
Brasília . Tem experiência na
prática profissional de muitas e muitos desconstruir o debate. Assim, precisamos área de Políticas Públicas,
colegas, seja como supervisor de prática, partir do pressuposto de que a relação Políticas Sociais e Serviço
seja como supervisor de estágio ou entre o político e o clínico é uma questão Social com ênfase nos
seguintes temas: criança
consultor, tanto no Brasil como no Chile aberta cuja discussão pública (no espaço
e adolescente, assistência
e no Quebec. Continuo aberto a discutir a público) vai possibilitar a explicitação social, saúde pública,
prática profissional a qualquer momento, das divergências e a busca de algumas previdência, regulação, teoria
buscando a interlocução e a relação convergências. e metodologia do servico
social, velhice/gerontologia e
teoria/prática. Sob o ponto de vista mais geral, tanto
violência. O grupo de pesquisa
Esta introdução é para situar o meu teórico como prático, não me parece do CNPq é Geracionalidade,
lugar de fala, pois ao se analisar o existir divergência irreconciliável entre Imaginário e Violência- GEVIM.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


19
a política e a clínica. A clínica pode ser feito por vários profissionais do Serviço
política ou despolitizada (que esconde Social, ao longo de décadas.
seu caráter político) e a política pode ser Esta perspectiva adaptativa foi
“clinicizada”, clientelizada, reduzida a duramente criticada e muitos profissionais
manter o “bom” funcionamento individual que trabalhavam e trabalham na
ou social, e ambas podem ser autoritárias abordagem psicossocial começaram
ou democráticas. Podemos, pois, aventar também a questionar suas práticas,
as hipóteses de um Serviço Social Clínico integrando o trabalho clínico a uma visão
politizado e democrático e de um Serviço estrutural, como o faz, por exemplo,
Social “sociológico-político” autoritário Maurice Moreau4.
e mesmo despolitizado. Explicitando Assim, nos anos 80 e 90 houve um
melhor essas hipóteses, podemos pensar, questionamento da abordagem individual
para a última alternativa, um trabalho desvinculada do contexto e uma busca
comunitário de aglutinação de líderes do entendimento da subjetividade nas
para uma ação conjunta que seria, relações capitalistas e nas relações
aparentemente, “do interesse de todos” complexas da vida cotidiana, como,
(desdendanho-se, por exemplo, a divisão por exemplo, no livro organizado por
da sociedade em classes), e para a Vasconcelos, “Saúde Mental e Serviço
primeira, um trabalho de clínicas coletivas Social”, publicado pela Editora Cortez
de vivências do sofrimento ético-político em 2000. A clínica pode ser vista na
dos socialmente excluídos. Trata-se de perspectiva de uma ruptura com o
hipóteses que já estão acontecendo, mas ajustamento e na busca da cidadania,
é preciso esclarecer o que entendemos integrando-se o debate da clínica nas
por político e por clínico, e por política mudanças econômicas do capitalismo,
e por clínica, o que não será possível às quais não vou fazer referência aqui,
aprofundar nesse momento, sem que porque senão teria que retomar tudo o
deixemos de apresentar alguns pontos que o professor Mészáros diz sobre a crise
para reflexão. do capitalismo e que pode ser consultado
No meu livro “Metodologia e Ideologia no seu livro recém-publicado no Brasil 5.
do Trabalho Social” 3, publicado em 1981, A política assumiu uma importância
há um capítulo sobre “reconceituação, muito maior ou uma dimensão mais
ação política e teoria dialética”, em profunda no âmbito profissional dos
que mostro como a dimensão política anos 80 e 90. A discussão do currículo
3
Ver FALEIROS, Vicente de
da ação profissional foi emergindo na pela ABESS (hoje ABEPSS) e o debate
Paula. Metodologia e Ideologia crítica ao funcionalismo, à tecnocracia profissional sobre a relação da profissão
do Trabalho Social. São e à psicologização das relações com a sociedade e a cidadania estão
Paulo,Cortez, 1981 e edições sociais, salientando a construção muito bem expressos no posicionamento
seguintes.
de uma teorização que distinguia do Conjunto CFESS/ CRESS transcrito no nº
4
MOREAU, Maurice, claramente a integração na ordem do 50 da Revista Serviço Social & Sociedade6.
FROSST, Sandra et alii. 1993 questionamento da mesma, tomando a Trata-se de um documento consistente,
Empowerrment II - Snapshots politização como a dimensão de crítica feito pelo conjunto da profissão, que
of the structural approach
in action. Ottava, School
e de questionamento teórico-prático da enfoca essa dimensão política, que tem
of Social Work, Carleton ordem dominante, sistematizando o que implicações que são de defesa da ética,
University e MOREAU, Maurice. chamei de “paradigma da correlação de da democracia e da cidadania, “contra as
O enfoque estrutural em forças”, na busca de articulação entre barbáries inscritas na ordem capitalista”.
Serviço Social: o resultado
de um itinerário crítico. In
o particular e o geral, na perspectiva Esses princípios estão expressos em nosso
Serviço Social & Sociedade, VIII do conflito estratégico de interesses Código de Ética, em defesa do sujeito, em
(23): 45-61, São Paulo, Cortez, sociais mais gerais, inclusive de classes, defesa dos direitos sociais e também na
1987. e de segmentos para a construção da Lei 8862/93, que diz que é competência
5
MÉSZÁROS, István. Para
ação profissional. Este texto retoma o do assistente social prestar orientação
além do capital. Campinas, que havia formulado em 1972, no livro social junto a indivíduos, grupos e à
Editora da Unicamp/São Paulo, “Trabajo social, ideologia y método” população, e orientar indivíduos e/ou
Boitempo, 2002. publicado pela Editora ECRO, onde já grupos de diferentes segmentos sociais
6
Ver Conselho Federal de
faço uma crítica à psicologização das no sentido de identificar recursos e de
Serviço Social. Serviço social relações sociais e da compreensão do fazer uso dos mesmos no atendimento
a caminho do século XXI: o objeto do Serviço Social a partir da e na defesa dos seus direitos7. Atender
protagonismo do conjunto disfunção social, que é o foco central e defender direitos pode ser feito
CFESS-CRESS. In Serviço Social
& Sociedade. XVII (50):172-190,
dessa psicologização. Assim, entender a de múltiplas formas, inclusive numa
São Paulo, Cortez, 1996 clínica apenas como uma psicologização abordagem clínica.
seria cairmos na armadilha de que ela Essa definição da Lei me parece de
7
NR: os trechos sublinhados se reduz ao atendimento das disfunções bom tamanho, nesse momento, para
ao longo da reprodução da
palestra o foram pelo próprio
sociais para o bom funcionamento do balizar nossa atividade profissional. Uma
professor Faleiros. indivíduo no sistema existente, como foi profissão pressupõe o pluralismo. Assim,

Cress/RJ - 7a Região
20
pode-se fazer uma orientação social, busca do visível e do invisível. Embora O espaço da
como está prevista na Lei como função tratando da medicina, o livro mostra esse
privativa e específica do assistente espaço de produção de uma trama para clínica, assim,
social, de diferentes maneiras, seja o exame e o enunciável sobre o corpo e, é um espaço
como um desdobramento de uma visão creio eu, também sobre a psique. A clínica
política engajada numa militância psicológica é um lugar de organização de contraditório
ativa, seja como uma ação política sem um saber reconhecido, de configuração de relações.
engajamento militante, seja como uma do atendimento, de reconhecimento do
ação política expressa em termos mais problema, do tratamento, de consulta.
institucional e tecnicamente elaborados, Hoje a clínica se situa tanto no
de forma mais ou menos coletiva, com contexto do serviço público como no
mais ou menos ênfase no indivíduo ou mercado, que se exerce através de
na família. A experiência da política se convênios, de consultas privadas, de
exerce também na atuação profissional terceirização. O clinicar se exercita pela
e não só na militância, no voto, na vida apropriação e reconhecimento de um
comunitária. Faço aqui uma referência saber profissional que se transforma em
ao professor Bragança de Miranda8, poder de normatização social, assim como
de Portugal, que coloca a política na um espaço de relações de apoiamento,
experiência do político, sem aprisioná-la de cuidar e orientar, de interação entre
ao Estado, implicando não só a palavra, usuário e profissional, sob distintas
mas também os silêncios. No caso do formas.
Serviço Social ela se expressa socialmente A clínica foi assumindo também
na defesa de um projeto de sociedade que outras significações como espaço de
está presente nas diferentes formas de beleza (clínicas de beleza), de esporte,
ação profissional e na atuação cotidiana, de vivências, de cuidados. De todos os
na política “miúda”, para usar uma modos, o olhar da clínica se faz a partir
expressão de Gramsci. de uma relação de poderes e saberes e
Já em 1972 fazíamos uma crítica se exerce através de um saber específico.
contundente à chamada neutralidade Na origem dessa palavra (clínica)
da ação. Quem assume que é neutro, encontramos o grego “klynein”, inclinar-
paradoxalmente está assumindo uma se, deitar, lembrando que alguém externo
ruptura com a “não posição”, portanto a outrem vai se debruçar sobre ele, sobre
deixa de ser neutro. Muitas vezes o uma determinada questão apresentada,
discurso da neutralidade serve para não relatada, para dar um diagnóstico e
explicitar a não neutralidade. estabelecer um prognóstico e medidas
Nas diferentes formas de se exercer que poderíamos chamar de tratamento,
a orientação social existe um projeto recuperação, prevenção, informação,
político, existe a política, não se consubstanciadas, em geral, numa
entendendo a política como atividade prescrição de curto ou médio prazo,
partidária. Assim, a política é uma com acompanhamento e avaliação de
referência nas disputas pela condução resultados.
da sociedade, da profissão, nas disputas Trata-se, hoje, de um processo
pelos destinos próprios e dos outros, terapêutico que busca restaurar uma
que se exerce de diferentes maneiras no “normalidade”, reconstruir as condições
processo da participação social individual normais de vida ou comportamentos
e coletiva nas mais variadas esferas considerados normais. O conceito de
da sociedade. Assim, não há clínica norma e normalidade exigiria uma outra
neutra; ela está imbuída, implícita ou discussão e implica um aprofundamento10,
explicitamente, de um projeto político. mas pode significar tanto a normalização
É preciso que reflitamos também sobre social como a busca de autonomia,
o sentido da clínica. O dicionário Aurélio identidade, cidadania, inclusão. O
define clínica em relação à medicina espaço da clínica, assim, é um espaço
e à doença, como “lugar aonde vão os contraditório de relações. 8
MIRANDA, José A. Bragança
doentes consultar um médico, receber O clinicar pode ser visto tanto na ótica de. Política e modernidade.
tratamento ou submeter-se a exames de Foucault, como pode ser exercido Linguagem e violência na
clínicos, radiografias”, refletindo o senso (exercício do poder) na perspectiva cultura contemporânea.
Lisboa, Colibri, 1997.
comum sobre esta problemática. do direito e de defesa do sujeito, de
Foucault, em seu livro “O Nascimento expressão do próprio sujeito na busca 9
FOUCAULT, Michel. O
da Clínica”9, fala do espaço, da linguagem, de alternativas que são trabalhadas na nascimento da clínica. São
da morte, do olhar, construído em relação profissional-usuário num processo Paulo, Forense, 2001.
diferentes contextos de saber e poder, de mudança que, dentre outros, pode 10
Ver CANGUILHEM, Georges.
“nessa redistribuição do espaço em que ser o da re-significação de sua trajetória O normal e o patológico. São
se cruzam os corpos e os olhares”, na através de um processo narrativo de sua Paulo, Forense, 1978.

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21
própria dor, de seu sofrimento. Bader mundo na relação com o profissional.
Sawaia fala do sofrimento ético-político, A relação que se estabelece com o
como forma de se romper com o uso profissional volta-se para a desconstrução
moralizador e normatizador de conceitos e construção de referências à realidade,
que culpabilizam o indivíduo e se propõe à rede, à pertinência social, à família,
a valorizar a afetividade no processo de a si mesmo. Esta relação pode implicar
exclusão social11. diferentes formas de orientação social,
A clínica está profundamente vinculada inclusive a terapia, como acima definida.
à terapia, que pode ser exercida inclusive Esse processo de ressignificação e
fora do espaço do consultório e mesmo rearticulação das trajetórias, no Serviço
na rua, e através da arte12 ou da cultura. Social, através das narrativas reais ou
Moffat (1981)13 aborda a cultura popular simbólicas, implica a ressignificação
como forma de intervenção terapêutica e a relação do sujeito com a política,
e da sabedoria popular em resolver como acima definida, com a experiência
seus problemas de saúde mental. Os política e a experiência da política, na
acompanhantes terapêuticos do Hospital compreensão da relação de poder.
Dia “A CASA” 14 fazem da rua uma clínica, Como exemplo vou citar a situação
no acompanhamento terapêutico na de uma pessoa adulta16 que foi internada
rua, na busca de incentivar o processo várias vezes por sua família como doente
de trocas sociais dos doentes mentais e mental e que só pôde implementar
contribuir para sua autonomia. Os olhares sua autonomia quando contou com
do profissional e do usuário se constróem apoiamento social para um habeas
conjuntamente no olhar conjunto para corpus preventivo contra sua internação,
o contexto e não no olhar de um sobre formulado pelo Ministério Público junto
o outro como no consultório clínico ao juiz. Esse apoiamento foi feito de
tradicional. forma interdisciplinar e partiu do relato
A terapia, assim, também se exerce de seu sofrimento e da injustiça da
de distintas formas e por distintos internação. Quanto mais internações,
profissionais, e é, cada vez mais, inter mais injustiças e mais sofrimento, no
ou transdisciplinar e, hoje, está se contexto de uma família e de um poder
vinculando à teoria da comunicação, à médico normalizador e medicalizante.
qual está também articulado o exercício O livro de Andolfi, “A Linguagem do
profissional do Serviço Social. Já no livro Encontro Terapêutico”, trata da terapia
11
Ver SAWAIA, Bader. O acima citado (Faleiros, 1981) incluo a na discussão da linguagem, da narrativa
sofrimento ético-político
como categoria de análise da
comunicação como elemento-chave do que, do meu ponto de vista, precisa
dialética exclusão/inclusão. Serviço Social. Não há Serviço Social sem ser contextualizada na comunicação. A
In SAWAIA, Bader (org.). As comunicação, e comunicação sem relação comunicação pressupõe outras formas
artimanhas da exclusão. de poder e saber. de relacionamento que vão além da
Petrópolis, Vozes, 1999.
Na nossa prática profissional estamos, linguagem e nos levam a situar a terapia
12
Veja-se a arte-terapia. a todo o momento, ouvindo o relato das muito além e em contraste com o
pessoas, relatos de pessoas angustiadas, consultório tradicional, a centralidade na
13
MOFFAT, Alfredo. com sofrimento, com problemas, às vezes doença ou no desvio e em contraste com
Psicoterapia do oprimido. São
Paulo, Cortez, 1981.
com o delírio ou o silêncio da fome, e o internamento.
também relatos de pessoas felizes, relatos Sabendo que não existe consenso
14
Ver EQUIPE DE de realizações pessoais. A realidade sobre esta conclusão, penso agora que
ACOMPANHANTES é mediada por palavras e silêncios, na prática do Serviço Social seja possível
TERAPÊUTICOS DOS HOSPITAL
DIA “A CASA”.
por significações que se expressam, o exercício da terapia e da clínica não
A rua como espaço clínico”. no contexto das relações de força, na só em articulação com a política, mas
São Paulo, Escuta, 1991. comunicação, ou melhor, no espaço como uma política de fortalecimento
comunicativo usuário/profissional. Estas do usuário no exercício de seus direitos,
15
ANDOLFI, Maurizio, A
linguagem do encontro
relações de força se exercem no espaço de uma alternativa de orientação social,
terapêutico, Porto Alegre, um consultório, de uma sala de recepção, como prevê a Lei de Regulamentação da
Artes Médicas, 1994, fala nos encontros de grupos e movimentos Profissão.
que “o terapeuta relacional sociais, onde se inscreve a palavra e O trabalho terapêutico, como
com a família torna-se uma
narraação, um tipo de texto
o silêncio do mais e do menos forte, espaço de ressignificação, comunicação
que o terapeuta e a família pois a comunicação é contextualizada contextualizada e rearticulação, faz
contribuem para escrever” (p. e processual, permitindo-se, assim, a parte do nosso exercício profissional,
13), construindo-se a terapia articulação entre transformação de si e da relação profissional/usuário nos
numa parceria e não num
poder imposto.
das condições sociais. diferentes contextos de atuação, sem
A palavra do usuário, a narrativa15 que haja a psicologização das relações
16
Situação que acompanhei da sua relação com o mundo e consigo sociais. Seja na área da saúde, seja
como apoiador no Movimento mesmo, possibilita a ressignificação da na área da educação, seja na área dos
Pró Saúde Mental de Brasília.
sua trajetória e da sua relação com o movimentos sociais, seja no trabalho com

Cress/RJ - 7a Região
22
coletivos de mulheres, seja no trabalho ou de oportunidades. Precisamos
com adolescentes, com crianças, há Nessa relação profissional de
um processo de comunicação e há ressignificação e rearticulação põe-se repensar
uma narrativa, há um intercâmbio de em questão, justamente, a etiquetagem a relação
narrativas e palavras. Evidentemente social das discriminações e preconceitos
esse intercâmbio pode tomar dimensões e se produz uma aprendizagem mútua profissional/
terapêuticas ou não. (profissional/usuário) da crítica e do usuário na
Irá tomar dimensões terapêuticas combate às ilusões da inserção social. Para
se houver um processo, um contrato isso é necessária a reformulação dos nossos complexidade
terapêutico que, dentro das atribuições prontuários, que são estáticos, às vezes dos processos
do assistente social, de orientação discriminatórios18 (quanto à orientação
individual e social, possa estabelecer um sexual, por exemplo) e autoritários, com de trabalho,
contrato sem prescrição de tratamento. classificações elaboradas sobre o outro e relações
Na clínica tradicional o ato de poder não com o outro.
se traduz na prescrição autoritária do Precisamos, pois, repensar toda de poder e
tratamento. Segundo o Dicionário Aurélio essa relação profissional/usuário na relacionamentos
prescrição é “o conjunto de todas as complexidade dos processos de trabalho,
medidas não cirúrgicas (medicamentos, das relações de poder e relacionamentos específicos, com
dietas, cuidados outros etc) ordenadas específicos, com possibilidades de possibilidades
por médico em relação a um doente, e uma abertura, inclusive, ao trabalho
que visa ao tratamento deste”. Nesse terapêutico, sem que se reduza a ele o de uma abertura
caso é o terapeuta que sai fortalecido. Serviço Social. ao trabalho
Na relação terapêutica de No meu livro “Estratégias em Serviço
empoderamento sai fortalecida a decisão Social”19 desenvolvo o paradigma da terapêutico,
do usuário que vai estabelecer, na correlação de forças na perspectiva do sem que se
comunicação, o desenvolvimento do seu “empowerment”, do empoderamento
processo de saída de crises, de alívio dos usuários (individual, em família ou reduza a ele o
de tensões e sofrimentos, de uso de coletivamente), entendo-o relacional- Serviço Social.
recursos sociais e jurídicos. Esse trabalho mente, o que não tenho condições
pressupõe um preparo técnico adequado de aprofundar nesse momento. Nesse
como a “escuta ativa”, como o define enfoque, o apoiamento através de
Dóris Rinaldi17. recursos se inscreve numa perspectiva
Esse processo de acolhimento, de de mudança de relações de poder, com a
escuta e de cuidado faz parte do processo dinâmica da compreensão das estratégias
de orientação e apoiamento social que em confronto, o que implica um processo
em inglês se chama “helping”, expressão que é pensado e vivido, com mais ou
difícil de traduzir, pois implica mais do menos intensidade, no campo de atuação
que ajuda material. Aliás, venho insistindo profissional, de acordo com as forças
na necessidade de se repensar o conceito sociais e as forças pessoais em presença,
de ajuda no âmbito profissional, porque sem desvincular umas das outras, sem
ajuda é uma instituição da humanidade isolar os atores de seu contexto.
e ser humano implica em ajudar uns aos A clínica, nesse sentido, implica a
outros. Assim, a ajuda não é um objeto intervenção do sujeito sobre si mesmo e
de uma profissão, tal como a religião, sobre as condições/relações sociais em
a guerra, a educação, a moradia. São que se situa. Para isso pode-se contar
instituições da humanidade. com a contribuição da Psicanálise, mas
A relação profissional/usuário é se algum assistente social quiser fazer
um processo de apoiamento que se Psicanálise no sentido estrito é preciso 17
RINALDI, Dóris Luz. O
estabelece num contrato, onde não que faça uma formação psicanalítica, acolhimento, a escuta e o
cuidado: algumas notas sobre
há prescrição armada num protocolo, que tem um campo próprio e distinto o tratamento da loucura. In
numa decisão autoritária, mas uma do Serviço Social. Parece não haver Em Pauta (16): 7-18. Rio, UERJ,
dinâmica de promoção da autonomia, impedimento a que profissionais de várias jan/jul., 2000.
do autodesenvolvimento, da defesa e áreas (Medicina, Antropologia, Serviço 18
Inclusive numa abordagem
exercício de direitos, o que é uma atitude Social, Psicologia, por exemplo) atuem no chamada de “sociológico-
política. É uma atitude política por que campo da Psicanálise como psicanalistas. política”, que pode não ser
está articulada ao direito da pessoa a Pode-se pensar num assistente social politicamente correta.
se autodeterminar e questionar a sua com orientação psicanalítica? Creio que é 19
São Paulo, Cortez Editora,
subjetividade na sociedade, e a sociedade preciso aprofundar esta questão, como se 2001.
em relação a sua subjetividade, ou seja, tem feito na própria Sociologia Clínica20.
o que entendemos por ressignificação e A Psicanálise, como campo próprio, é 20
Ver, por exemplo, GAULEJAC,
rearticulação de trajetórias, vinculando- diferente dessa clínica e dessa terapia a Vicent de. L´histoire en
heritage - roman familial
se a trajetória pessoal à história social e que me refiro no âmbito reconhecido do et trajectoire social. Paris,
política e às condições sociais de opressão Serviço Social; mas temos que reconhecer, Desclée de Brouver, 1999.

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23
por sua vez, que pode ser feita com várias do seu saber adquirido na formação e
orientações teórico-metodológicas, na legalizado por um diploma. O campo da
experiência da política. formação implica disputas de orientação
Da mesma forma, pode-se exercer, que continuam no campo da prática. A
por exemplo, a Pedagogia com várias atividade profissional se caracteriza
orientações e técnicas, quer venham se pela legitimidade do poder desse saber
inspirar em Paulo Freire, em Montessori, reconhecido. Além disso, a profissão é
em Freynet ou Piaget, para citar algumas também um movimento, onde há debates,
referências. Na sala de aula existe uma confrontos; tem conflitos, e uns vão
liberdade de contrato pedagógico, aprendendo com os outros no pluralismo
como no contrato profissional o uso de e na perspectiva de se construir a
terapias faz parte da opção profissional competência para o desenvolvimento
e das condições de seu exercício, sendo, do sujeito de direitos. Creio que há
inclusive, um direito do profissional. critérios para se avaliar a profissão: as
O assistente social tem o direito orientações vêm contribuindo para que
de escolher sua orientação teórico- o sujeito usuário seja mais autônomo,
metodológica, no conflito de posições. crítico, empoderado em melhores
Precisamos reconhecer que existe condições sociais, escolhidas por ele?
uma diversidade de orientações na A profissão não reduz e não se esgota
maneira de se exercer o Serviço num regulamento, ela pressupõe um
Social. A Lei define as funções e as regulamento, sendo um movimento
competências profissionais, deixa livre social presente na sociedade, inclusive
ao profissional a maneira de exercer através de seus organismos, como é o
esta competência, pois o profissional é caso do CFESS e do CRESS ao promover
reconhecido, justamente, pelo exercício esse debate.

Marilda Iamamoto

Com a palavra a professora Mavi.

Mavi Rodrigues *

Com imenso prazer represento o Num estilo bastante diferenciado


CRESS 7a Região neste debate ao lado de de Faleiros, minha intervenção está
figuras ilustres como estas que, com suas construída em algumas hipóteses, em
produções e posicionamentos, marcaram torno de algumas afirmações que, como
não só a minha formação profissional, toda e qualquer hipótese, embora
mas a de toda uma geração. Marilda e tenham uma dimensão especulativa,
Faleiros foram protagonistas do processo estão calçadas no meu investimento na
* Mavi Rodrigues possui de ruptura com o conservadorismo
mestrado (1996) e doutorado
área da psiquiatria, onde a discussão do
(2006) em Serviço Social profissional e, nesta virada do século, Serviço Social Clínico rebateu durante
pela Universidade Federal se mantêm como referências centrais muito tempo, tendo hoje transbordado
do Rio de Janeiro (1996). Foi no debate do Serviço Social para além os limites do campo da saúde mental.
vice-presidente do Conselho do território nacional. Falo isso não para
Regional de Serviço Social
As afirmações que trago aqui são
7a Região (2002-2005) e me eximir da responsabilidade que tenho hipóteses para a polêmica, hipóteses
Coordenadora de Estágio da daquilo que penso acerca do Serviço para uma discussão pública, que tentam
ESS da UFRJ (2005-2006). Social Clínico, mas para situar o ponto de defender determinada perspectiva
Atualmente é Diretora Adjunta partida da minha discussão.
de Graduação da Escola de
profissional com a qual tenho me
Serviço Social da Universidade Como Faleiros, penso que esse tema comprometido ao longo de cerca de uma
Federal do Rio de Janeiro. é complexo e polêmico. No meu ponto década, quer seja como assistente social
Tem experiência como de vista, o debate só está começando de campo, quer seja como professora.
assistente social na área de e tende a se adensar cada vez mais.
Saúde Mental. Como docente
Também nada me impede de fazer
e pesquisadora tem atuado Também como Faleiros indicou na também um mea culpa, se logo à frente
principalmente nos seguintes sua introdução, acho que temos que julgá-lo necessário.
temas: formação profissional fazer uma conversa franca sobre os Como tem andado a polêmica da
e trabalho em Serviço Social, posicionamentos, as divergências, os
projeto ético-político e cultura
pertinência do Serviço Social Clínico,
pós-moderna. consensos e dissensos acerca do tema. hoje? Embora essa polêmica ainda não

Cress/RJ - 7a Região
24
esteja suficientemente aberta (algumas miúdos, a minha fala está organizada Creio que o
pessoas acompanharam um pouco no sentido de pensar se o Serviço Social
pela internet os curtocircuitos dessa Clínico faz avançar a ruptura com o Serviço Social
discussão), é possível destacar que ela conservadorismo profissional ou não. Isso Clínico tende
tem gravitado muito em torno da questão é algo fundamental no debate sobre o
da pluralidade. Ainda que reconheça a tema, algo que não pode ser negligenciado a escapar das
importância dessa questão, esse não é de nenhuma maneira. demandas
o enfoque da minha intervenção. Prefiro Antes mesmo de buscar responder à
pensar alguns outros elementos que, pergunta lançada aqui cabe explicitar a profissionais
inclusive, podem fornecer luz e qualificar definição de Serviço Social Clínico. De postas ao
melhor a discussão em torno do princípio acordo com a sua autorrepresentação23,
ético acerca da pluralidade. o Serviço Social Clínico é um movimento Serviço Social:
E que elementos são esses? Eu diria composto por um grupo de assistentes em outros
que o eixo central de análise acerca da sociais com formação especializada
pertinência do Serviço Social Clínico hoje nas mais variadas abordagens clínicas: termos, o que
deva ser as conquistas obtidas por esta holística, bioenergética, psicodrama, sustento é que
profissão nas últimas duas décadas do terapia familiar sistêmica, transpessoal
século XX para cá. Conquistas essas que etc. Se é legítimo sustentar que se trata de as demandas
se expressam no projeto ético-político um grupo essencialmente heterogêneo, é profissionais
e que remetem à discussão do Serviço importante levar em conta, também, que
Social Clínico não a um parágrafo ou a as diferentes perspectivas clínicas que não ecoam no
um princípio descolado do Código de compõem o Serviço Social Clínico têm Serviço Social
Ética, mas à consideração do mesmo algo em comum. Esse grupo reivindica da
em sua totalidade. Além disso, devemos categoria, das suas entidades e unidades Clínico.
considerar a Lei de Regulamentação de ensino, o reconhecimento do caráter
da profissão e, sobretudo, a reflexão clínico ou terapêutico do exercício
acumulada no interior dessa categoria profissional.
profissional acerca da sua natureza e Como é que, então, podemos avaliar
do seu significado, acerca do que é essa o Serviço Social Clínico face à direção
profissão e da realidade da qual ela faz social estratégica do projeto ético-
parte21. Esse é o eixo de análise que estou político do Serviço Social? Discutir Serviço
priorizando e acho que ele tem que estar Social Clínico hoje e a sua relação com
atravessando toda e qualquer discussão o projeto ético-político, envolve, para 21
Um balanço crítico acerca
em torno do Serviço Social Clínico. mim, duas dimensões de análise que do debate contemporâneo do
Estruturei minha fala a partir deste estão estreitamente ligadas; tratar de Serviço Social brasileiro pode
eixo, tendo a clareza de que a discussão uma é remeter a outra e vice-versa. Uma ser encontrado em IAMAMOTO,
acerca da relação entre o Serviço Social primeira dimensão é aquela que podendo M.V. O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho
Clínico e o projeto ético-político envolve ser denominada de técnico-operativa e formação profissional. São
uma complexidade enorme e que não corresponde à relação entre o Serviço Paulo: Cortez, 1998. Sobre a
daríamos conta de esgotá-la, mesmo que Social Clínico e o mercado profissional. natureza e o significado da
nos dispuséssemos a conversar sobre isso Nesta dimensão de análise devemos avaliar profissão ver, em especial,
IAMAMOTO, M.V. Renovação e
por um dia inteiro. Reconhecendo esta se o Serviço Social Clínico amplia ou não Conservadorismo no Serviço
complexidade, minha intervenção busca a atuação profissional, se ele responde Social: ensaios críticos.
trazer algumas balizas de avaliação. ou não, de acordo com o projeto ético- São Paulo: Cortez, 1992 e
Parece-me que discutir o Serviço político, às demandas profissionais postas MONTAÑO, C. La Naturaleza
Del Servicio Social: un
Social Clínico hoje, face aos desafios pelo mercado. Portanto, o que está em ensayo sobre su genesis, su
ético-políticos postos à profissão, é jogo aqui é a relação entre demandas e especificidad y su reproducion.
tentar responder a uma pergunta que é respostas profissionais. São Paulo, Cortez, 1998.
um desafio para categoria, frente à qual Como o espírito do debate é suscitar 22
A este respeito consultar
pretendo apenas fornecer algumas pistas. polêmica me sinto à vontade para expor NETTO, J. P. Transformações
Tal pergunta pode ser formulada da uma hipótese frente à qual muitos dos societárias e Serviço Social
seguinte forma: o Serviço Social Clínico presentes terão profundas discordâncias. – notas para uma análise
aprofunda, faz avançar, a direção social Creio que o Serviço Social Clínico tende a prospectiva da profissão no
Brasil. In Serviço Social e
estratégica que está presente no projeto escapar das demandas profissionais postas Sociedade, n° 50. São Paulo:
ético-político do Serviço Social ou nega ao Serviço Social; em outros termos, o que Cortez, 1998.
essa direção? sustento é que as demandas profissionais
Nunca é demais lembrar que o projeto não ecoam no Serviço Social Clínico.
23
Conferir os textos que
foram publicados no Boletim
ético-político do Serviço Social, sem Parece-me que o assistente social que Sersoclínico, disponíveis no
o prejuízo do respeito à pluralidade tem uma formação especializada na clínica endereço eletrônico http://
de proposições profissionais, tem uma tende a menosprezar ou, até mesmo, a pessoal.sercomtel.com.br/
direção social estratégica clara22: uma refutar as demandas profissionais que colman/documen.htm, em
especial o primeiro boletim,
direção essencialmente anticapitalista são gestadas no campo sócio-ocupacional que anuncia o nascimento do
e anticonservadora. Então, trocando em onde o Serviço Social está inserido. movimento.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


25
Não está em Parece-me que as demandas que são diz que a intencionalidade sozinha é
gestadas a partir da inserção do Serviço insuficiente para livrar as pessoas do
jogo qualquer Social na divisão sociotécnica do trabalho inferno, devemos avaliar não só o que
demérito à não são reconhecidas como legítimas por é anunciado ou desejado, mas o que é
aqueles que se especializam na clínica. passível de ser concretizado.
atividade Deixem-me explicar isso melhor. As Na dimensão ético-política é
clínica ou demandas profissionais do Serviço Social fundamental avaliar, então, se o Serviço
se expressam principalmente através da Social Clínico se propõe e se, de fato,
terapêutica, triagem, da concessão de benefícios, dá conta de superar o conservadorismo
mas a clareza da orientação, do encaminhamento, profissional; se, de fato, dá conta de
da mobilização e da educação popular. dar um giro na intervenção profissional
de que ao Geralmente, o assistente social que em relação ao passado; se, de fato, dá
Serviço Social tem especialização na clínica responde conta de plasmar, de concretizar os
estas demandas de forma muito pontual compromissos ético-políticos assumidos
não são ou, quando pode, as empurra para um atualmente pela profissão.
creditadas assistente social que não tem formação Penso novamente que minha afirmação
clínica. Quer dizer, ele não reconhece será polêmica. Apesar do Serviço Social
atribuições de estas demandas, que são próprias do Clínico hoje se colocar num marco que
cunho “psi”. Serviço Social, como suas. não é o da adaptação e da integração,
O que é o campo sócio-ocupacional ele restaura muito dos elementos
do Serviço Social? Creio que, em todas conservadores que estão na origem e no
as áreas em que o Serviço Social está passado recente dessa profissão.
inserido, em qualquer instituição (privada Não estou fazendo uma avaliação
ou pública), o Serviço Social trabalha com pessoal dos profissionais que fizeram
algo comum, que é o campo dos serviços, formação especializada na clínica, mas
programas, benefícios e políticas sociais. uma avaliação objetiva. Vou tentar
Trabalha com uma demanda que é de esclarecer qual é o caminho para que
execução, administração, planejamento, esta afirmação se sustente, onde está
gestão e/ou assessoria de serviços, o conservadorismo do Serviço Social
programas, projetos e políticas sociais. É Clínico.
justamente isso que não é reconhecido Como disse anteriormente, a despeito
pelo Serviço Social Clínico. É justamente da sua heterogeneidade, o Serviço Social
esse pedaço, que é o calço da identidade Clínico tem traços comuns que não
profissional do Serviço Social, que foge podem ser desconsiderados. Algo que
ao assistente social clínico. comparece em todas as tendências que
Se o que venho sustentando até se expressam publicamente e que pode
aqui é correto, é possível dizer, então, ser considerado como um denominador
24
As atribuições do Serviço que o Serviço Social Clínico não é uma comum deste movimento é uma
Social, definidas no artigo 5° alternativa profissional, não é uma determinada concepção da profissão que
da Lei de Regulamentação da vertente teórico-metodológica ou
profissão, são expressões da
é essencialmente conservadora. Portanto,
renovação e amadurecimento técnico-interventiva do Serviço Social, apesar de sua diversidade interna, o
desta categoria. Porém, é que amplia ou enriquece o exercício da Serviço Social Clínico é portador de uma
preciso considerar que elas profissão. O assistente social que exerce compreensão da natureza da profissão
também são expressões de funções terapêuticas não está atendendo
necessidades sócio-históricas
que é profundamente conservadora.
que ultrapassam a vontade às demandas postas à profissão, não está Uma compreensão do Serviço Social que,
e a intencionalidade dos exercitando a profissão de um outro modo: em tons variados, identifica a profissão
profissionais. o que ele faz é algo bastante distinto do como uma forma de ajuda, vocação ou
que é o Serviço Social. E aqui não está conforto terapêutico25. É justamente essa
25
Ver em especial o artigo de
William S. Meyer “O Assistente em jogo qualquer demérito à atividade concepção mística do servir, próxima à
Social Psicanalista/o Serviço clínica ou terapêutica, mas a clareza de filantropia, uma visão benevolente do
Social Psicanalítico: qual será a que ao Serviço Social não são creditadas exercício profissional, que a categoria,
nossa mensagem?”, disponível atribuições de cunho “psi” 24.
no endereço eletrônico
desde os anos 60, não só no Brasil, mas em
http://pessoal.sercomtel. A outra dimensão, que é imanente quase todo o continente latinoamericano,
com.br/colman/documen. a essa, é a ético-política. Avaliá-la tem colocado em xeque.
htm. Conferir, também, implica considerar não somente o que A solução para este problema não
ARAUJO, V. E. Serviço Social o Serviço Social Clínico propõe, mas o
Clínico: transferência e
é semântica. Não adianta substituir
contratransferência. Rio que é capaz de realizar. O que está em a palavra ajuda por outra coisa, tirar
de Janeiro, AGIR, 1982 e jogo, portanto, não é a intencionalidade conforto e botar outra expressão, trocar
TEIXEIRA, S. B. S. “O Serviço do assistente social clínico, mas se os vocação por um nome mais progressista.
Social com Família e as referenciais teórico-metodológicos de
Terapias Familiares: resolvendo
Ou, ainda, dizer: “não queremos um
dilemas e abrindo caminhos”. que ele se utiliza permitem concretizar Serviço Social adaptativo”. A questão não
T.D. Rio de Janeiro, IPUB- aquilo que almeja alcançar. Aqui, então, se reduz à mudança de nomes nem diz
UFRJ, 1997. atentos àquele ditado popular que nos respeito à intencionalidade. A questão

Cress/RJ - 7a Região
26
é que, se concebo esta profissão como pensamento que vê a realidade como
ajuda, nesta áurea da mística do servir, algo estático. O estrutural-funcionalismo,
me escapa o significado sócio-histórico, inequívoca expressão do conservadorismo,
o significado político do exercício buscou ver a vida social como algo
profissional. dinâmico. Portanto, é errôneo considerar,
Através desta concepção, desta como sugerem algumas pessoas, que
compreensão da natureza da profissão, o conservadorismo corresponde a uma
os agentes profissionais não têm como abordagem estática da vida social e a
perceber, inclusive, a dimensão política uma ênfase no indivíduo. Se partirmos
da sua ação. E aí os agentes profissionais desta compreensão, confundiremos ainda
se alienam do seu próprio fazer. Dessa mais a discussão que temos pela frente.
forma é impossível dar à intervenção O que marca o pensamento conservador
profissional um rumo alternativo ao são dois elementos fundamentais. A
conservadorismo que marcou a origem primeira coisa é que o pensamento
e grande parte da história da nossa conservador, tanto em Dürkheim como
profissão. em Parsons, naturaliza a vida social.
Parece-me que entender o Serviço Todo mundo aqui sabe que o marco do
Social como trabalho inserido na divisão positivismo é pensar o social sob o prisma
sociotécnica do trabalho é a condição das ciências naturais. Ao fazê-lo, o
necessária não só para entender a positivismo equaliza a vida social com a
dimensão socioeducativa, o significado natureza o que, consequentemente, leva
político da nossa prática profissional: à legitimação da ordem burguesa e ao
é condição necessária, também, para esvaziamento das possibilidades de sua
compreender criticamente a dimensão superação.
político-ideológica das políticas, dos Essa naturalização leva a um outro
programas e dos serviços sociais nessa traço do pensamento conservador que é
ordem social. tratar o social pela ótica da moralização,
Mas não é só aí que reside o o específico do humano na ótica dos
conservadorismo do Serviço Social valores e das tradições. Nos marcos do
Clínico. Peço licença para falar de uma conservadorismo a “questão social”
tendência em particular, que parece é moralizada. Ela é interpretada e
ter dentro do Serviço Social Clínico enfrentada como um problema moral por
uma visibilidade maior. Posso estar excelência. Basta lembrarmos, aqui, da
enganada, mas no meu ponto de vista anomia em Dürkheim.
a Terapia Familiar Sistêmica é, neste Isso aparece na Terapia Familiar
movimento, a ponta de um iceberg. Sistêmica. Nesta perspectiva clínica,
Há nessa tendência um esforço maior principalmente nos anos 70, há uma
de sistematização e um anseio maior influência muito forte do estrutural-
de trazer uma nova perspectiva para a funcionalismo. Na proposta terapêutica
intervenção profissional. Nessa tendência em questão a naturalização do social
há a expressão clara de elementos aparece de forma muito clara quando
conservadores. Cabe destacar que tais a família é pensada como um sistema
elementos não são próprios do Serviço biológico vivo26. O conservadorismo se
Social. Cultivados no seio da Terapia revela, também, no trato de outros
Familiar Sistêmica, tais elementos aspectos da dinâmica e da estrutura
são incorporados acriticamente pelos familiar, quando o sintoma, o problema
assistentes sociais. da família, aparece como uma disfunção,
Antes mesmo de tratar da presença um problema da inter-relação das partes
do conservadorismo na Terapia Familiar com o todo do sistema familiar sobre o
26
Ver GAMEIRO, J. e SAMPAIO,
D. Terapia Familiar. Porto,
Sistêmica gostaria de desfazer algumas qual o terapeuta tem que intervir visando Edições Afrontamento, 1998.
ideias equivocadas acerca do pensamento a adaptação e a integração.
conservador. O pensamento conservador Contra-argumentando o que afirmo 27
Consultar RAPISO, R.
não o é por que se volta para o indivíduo. aqui, algumas pessoas podem dizer que, Terapia Familiar Sistêmica: da
instrução à construção. Rio de
Comte e Dürkheim, pais do positivismo – ao final dos anos 80, a Terapia Familiar Janeiro, Instituto NOOS, 1998;
pensamento conservador por excelência Sistêmica mudou de rota. De acordo com VALLE, Ma. E. do e OSORIO, L.
–, não se preocuparam com o indivíduo. estudiosos da área27, essa mudança pode C. Terapia de Famílias: novas
Aliás, podemos dizer que Comte tinha ser denominada como a passagem da tendências. Porto Alegre,
ARTMED, 2000; e LUCHI, T.
uma certa antipatia pela questão do Terapia Familiar Sistêmica de Cibernética de O. A Terapia Sistêmica
indivíduo. Comte e Dürkheim estavam de Primeira Ordem para Cibernética de de Casal: da objetividade à
preocupados explicitamente com o social Segunda Ordem, ou para Terapia Familiar intersubjetividade. In NOVA
numa ótica claramente conservadora. Ecossistêmica ou, ainda, para Terapia PERSPECTIVA SISTÊMICA –
Instituto de Terapia de Família
Não dá para pensar também o Familiar Sistêmica Pós-moderna. do Rio de Janeiro. Ano V,
pensamento conservador como um Não desconheço as mudanças que N° 9, 1996.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


27
a Terapia Familiar Sistêmica sofreu ao do acesso dos sujeitos aos serviços e
longo do tempo, mas quero afirmar, programas sociais, que são o norte do
também, que tenho sérias dúvidas se tais nosso projeto ético-político? Será que
alterações significaram a superação do ela garante a materialização de uma
conservadorismo que marcou a origem e intervenção profissional que contribua
a trajetória desta proposta clínica. para a construção de uma sociedade sem
Ao abordar esta segunda versão exploração de classe, gênero ou etnia?
da Terapia Familiar Sistêmica alguns Por fim, gostaria de pontuar um
autores sinalizam que, diferentemente outro problema que também salta aos
da perspectiva predominante nos anos olhos nessa segunda versão da Terapia
70 e 80, a Terapia Familiar Pós-moderna Familiar Sistêmica, que é a tendência de
ou Ecossistêmica não se põe o objetivo conceber os problemas concretos da vida
de adaptar e ajustar os indivíduos. social como problemas epistemológicos,
Ao contrário, ela visa a afirmação problemas da narrativa ou do discurso,
das diferenças, a tolerância com o aquilo que Faleiros ressaltou como
outro, o respeito ao sujeito, elementos elementos centrais da prática clínica que
fundamentais da nova proposta clínica que o Serviço Social pode desenvolver.
Faleiros ressaltou em sua intervenção28. O que a Terapia Familiar Sistêmica
Mas mesmo em textos identificados nessa vertente da Cibernética de
com a Terapia Familiar Sistêmica Pós- Segunda Ordem ou Pós-moderna põe é
moderna é possível notar que a questão que os problemas que o sistema familiar
da desigualdade social continua a ser venha a apresentar devam ser entendidos
tratada como anomia29, o que não me como questões internarrativas, ou seja,
parece ser um problema só semântico. são problemas criados na inter-relação
Nas produções afinadas com a segunda da narração das partes que compõem a
versão da Terapia Familiar Sistêmica família no seu interior e na relação com
ainda aparece claramente uma visão o meio.
da família como sistema. No entanto, Há um texto de Marcelo Pakmam31
28
Uma abordagem das novas
a família não é comparada mais a um onde essa tendência de tratar o real
proposições clínicas que têm
privilegiado a linguagem e as sistema biológico, mas a um sistema como um problema epistemológico
formas discursivas, bastante holístico, sistema familiar ligado num aparece de forma muito clara. Refletindo
distinta da sustentada por todo místico – ideia que traz algumas sobre o lugar do terapeuta em contexto
Faleiros, pode ser encontrada
coisas sobre as quais é preciso conversar de opressão sociocultural e econômica,
no artigo de minha autoria,
“Serviço Social e Reforma melhor no âmbito do Serviço Social. o autor condena a postura adaptativa e
Psiquiátrica em Tempos Essa perspectiva holística, que está etnocêntrica do clínico que impõe seus
Pós-modernos”, publicado presente nessa segunda vertente da ideais e valores às famílias que atende.
no número 6 da Revista
Terapia Familiar Sistêmica, comumente Numa ótica de respeito às microculturas,
Praia Vermelha, publicação
semestral do Programa de está associada a propostas de intervenção sustenta que o terapeuta tem que
Pós-Graduação da Escola de voluntaristas, e isso não é à toa. Essa entender como a família põe o problema,
Serviço Social da UFRJ, no compreensão da conexão do homem sobretudo como ela o interpreta e o
primeiro semestre de 2002.
com o todo numa áurea mística, quase experimenta.
29
Ver PAKMAN, M. Terapia que divina e espiritualizada, tende a É com muita propriedade que Pakmam
Familiar em contextos de levar as pessoas a interpretar problemas denuncia a pretensa neutralidade
pobreza, violência, dissonância concretos e reais da vida social, terapêutica como forma de encobrir
étnica. In NOVA PERSPECTIVA
próprios da estrutura e da dinâmica da posturas adaptativas e etnocêntricas.
SISTÊMICA – Instituto de
Terapia de Família do Rio de sociedade capitalista, como problemas Entretanto, ao privilegiar as formações
Janeiro. Ano II, N° 4, 1993. ligados à alma humana, ao bem ou ao discursivas, o autor em questão equivale
mal que habitam “naturalmente” em problemas que no plano da vida material
30
Ver, em especial, a
cada homem30. É óbvio que, para esta e concreta são muitíssimo distintos.
abordagem da obra freudiana
no texto “Breves Reflexões”, perspectiva, a solução possível para tais Sugerindo um diálogo com os terapeutas de
de Suzana Vieira Scipione, problemas remonta ao amor e ao afeto. família, ele pergunta o que lhes assegura
publicado no Boletim A abordagem holística, clínica ou não, que a condenação à prisão de um membro
Sersoclínico n° 3.
não apenas encobre problemas próprios da família não possa ser experimentada
PAKMAN, M. Terapia Familiar
31 à ordem burguesa, como faz renascer o pela própria como o ingresso de um dos
em contextos de pobreza... passado messiânico do Serviço Social. seus entes na universidade, o que lhes
Op. Cit. Então há que se ter muito cuidado com assegura que a primeira situação possa
essa proposta, há que se questionar para ser experimentada como algo negativo32.
32
“Você está seguro de que
eles vêem o fato de ir para qual direção social e política ela aponta. Ao enfatizar a questão da linguagem,
cadeia como uma ameaça? Será que esta perspectiva terapêutica do discurso, a proposta terapêutica de
Ou será uma opção tão válida garante, de fato, os princípios da Pakman faz bem mais do que relativizar
como ir para a universidade
ampliação e consolidação da cidadania os valores e ideais do terapeuta; ela acaba
para outro adolescente em
uma situação social diferente?” e da democracia, da defesa da equidade negando o sofrimento real (objetivo e
(PAKMAN, 1993:17). e da justiça social, da universalização subjetivo) daqueles que trata.

Cress/RJ - 7a Região
28
Penso que essa citação ilustra o
quanto uma perspectiva que se põe no
horizonte da luta pela ampliação da
cidadania e da afirmação dos direitos
pode, paradoxalmente e de forma
subliminar, realizar o contrário disso
tudo, a desconstrução disso tudo.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


29
Debates

Marilda Iamamoto: Existem aqui muito diversificado, sendo complicado


posições bastante diferentes quanto à pensá-lo exclusivamente pelo vetor
noção de clínica e sua incorporação pelo conservador. Ao contrário: em minha
Serviço Social e, ainda, quanto à relação experiência não vejo nenhum desconforto
entre política e clínica. Política, na com o campo democrático, da cidadania,
perspectiva da afirmação da cidadania, da autonomia, do cuidar de si (estou
da defesa dos direitos, dos sujeitos. me referindo ao “Foulcault velho”,
O professor Faleiros, ao resgatar o com a estilística da existência, toda a
trajeto de sua reflexão, apresenta uma perspectiva do cuidado que passa, no
determinada concepção da relação da meu ponto de vista, pela liberdade, pela
comunicação do assistente social com os autonomia dos sujeitos, e que tem tudo a
usuários, voltada para o fortalecimento ver com nosso Código de Ética). Há aqui
do sujeito. uma profunda consonância com nosso
A professora Mavi sugere uma questão avanço no campo político.
para orientar o debate: se a perspectiva Então, não vejo algumas parcerias no
do Serviço Social Clínico reforça ou não o campo da linguística, da hermenêutica,
projeto ético-político do Serviço Social; como parcerias espúrias por serem
se ela é uma proposta que rompe, ou conservadoras, muito pelo contrário.
não, com os avanços ético-políticos Acho que a Psicologia avançou por
conquistados no âmbito da categoria que incorporou o social, o contexto
profissional. Faz observações sobre o histórico. E não existe só o contexto da
eixo conservador presente na visão do comunidade linguística: há teóricos sérios
Serviço Social Clínico, seja na sua versão que trabalham o contexto histórico; que
dos anos 70, seja na sua versão atual. veem o sujeito no lugar em que ele está;
Enfim, temos aqui um terreno fértil que levam em conta o gênero, a escolha
para travar um debate rigoroso e creio sexual, a cultura; que estão preocupados
que temos maturidade para realizá- com construções sociais de realidade;
lo. Estamos discutindo ideias e temos que estão fazendo interlocução com
a isenção suficiente para fazê-lo com Gilberto Velho; que estão trabalhando
muita maturidade. Assim, a palavra está com alteridade. Para isso, fazem
aberta. interlocução com a Psicanálise, estão
ouvintes aos estudos de Joel Birman, de
Laís Helena Veloso: As indagações de Jurandir Freire, no campo da liberdade
Mavi nos ajudam a organizar a conversa. e da responsabilidade no campo ético,
Gostei muito quando Faleiros colocou estético; há muita coisa boa. Penso
a questão sobre o termo da narrativa, que somos muito preconceituosos, não
porque faço formação em terapia de estudamos esses campos.
família e trabalho numa perspectiva do A questão do amor e do afeto
construcionismo social. Assim, me foi levantada por Mavi é séria, realmente não
confortável ouvir as duas falas. comungo com a compaixão piedosa, mas
Dentro da perspectiva que tenho com uma perspectiva que Sandra Capone
estudado vemos essa heterogeneidade advoga no campo da solidariedade e do
no campo sistêmico, destacada por Mavi. respeito ao outro, na sua possibilidade de
Há uma prevalência de uma perspectiva, ser diferente de mim. Estou preocupada
entre os assistentes sociais, que se volta com o ethos da alteridade e da distância,
para o controle social dos sujeitos. Não não do amor ao próximo, mas do amor
tenho a menor dúvida quanto a isso. que me é diferente. Estou falando da
Inclusive penso que há algo mais grave: filosofia da amizade de Aristóteles, de
usa-se o cargo de assistente social para Francisco Ortega, um filósofo do Instituto
ser terapeuta de família ou conselheiro, de Medicina Social que está querendo
por exemplo, na área de drogas, que é conversar sobre estes aspectos. Tenho
a área que estudo. Pega-se um aluno de gostado de conversar sobre esses temas,
Serviço Social, mas não se faz Serviço eles nos ajudam em algo que não estamos
Social, faz-se terapia de família. São avançando, na conversação.
questões, até do ponto de vista ético, Faleiros resgata isso com muita
complicadas. propriedade, porque esse não é um campo
Mas entendo que este é um campo apenas de escolha técnica. Gostaria de

Cress/RJ - 7a Região
30
complementar seu ponto de vista. Penso internet; depois de alguns esclarecimentos
que é um corpo que define uma fundação limpamos algumas confusões que estavam
teórica e que nos instrumentaliza com uma se colocando, não de nossa parte,
bagagem no campo técnico-interventivo mas de outros interlocutores que se
enorme, porque eles sabem efetivamente aproveitaram um pouco do debate para
conversar no campo dialógico, no campo colocar suas posições. Mas isso não é o
do respeito ao outro. E nós não sabemos mais importante.
fazê-lo. Quero parabenizar o CRESS e o
Existe o assistente social que, por falta mestrado da Faculdade por propiciarem
de embasamento em qualquer esfera, esse debate, que merece aprofundamento.
está no campo da tal da racionalidade E dizer que as questões que vou colocar
instrumental e está fazendo barbaridades, são de alguém que não acompanha o
e está no campo do controle social. Mas debate por dentro, que não trabalha com
também há profissionais do campo da essas categorias. O máximo de contato
esquerda que estão naquela perspectiva que tenho é o de usuária: faço terapia
do expert, que pensa saber o que é há muitos anos e, aliás, devo dizer que
melhor para o outro, que tem que dizer minha terapeuta não tem uma linha
ao outro o que ele deve fazer. Gidens conservadora – ao menos não consigo
está discutindo, também, essa ideia do senti-lo no meu processo.
especialista ou dos especialistas, campo Nesse sentido, gostaria de dizer que
que nos coloca uma perspectiva filosófica penso que é fundamental precisar bem o
de enfraquecimento desse intelectual que está em discussão. É atribuição do
para que ele possa aprender a dialogar com assistente social fazer terapia? Essa é a
o outro, que é diferente, e lhe permitir pergunta que nos está colocada. Temos
que eles façam suas escolhas no campo formação, preparo para fazê-lo? Isso faz
de sua liberdade e da responsabilidade. parte de nossa formação básica? Vejamos:
Então não vejo nenhum é evidente que nossa profissão tem uma
conservadorismo em algumas tendências dinâmica histórica. Esse projeto ético-
no campo da linguística, da hermenêutica, político profissional, que assim batizamos
da filosofia, dentro desse debate nos anos 90, é um processo histórico.
estético. Elas só estão nos ajudando e E, aliás, ele não existe consolidado em
já tenho produzido algo nessa área. Não lugar nenhum: quem for procurar o
vejo respingo de conservadorismo nestas projeto ético-político não vai encontrá-
tendências, embora concorde que há lo; encontrará inúmeras expressões do
aspectos com que é difícil dialogar. projeto ético-político profissional. Há
Se isso é um campo de Serviço Social muitos alunos que nos perguntam o que
Clínico também tenho dúvidas. Penso é projeto ético-político. Então temos que
que a liberdade de escolha está posta dizer onde ele está expresso: no Código
no mundo, não vejo como tutelar essas de Ética, na Lei de Regulamentação da
pessoas que têm vocação para o controle profissão, nas Diretrizes Curriculares da
do sujeito. Não somos polícia. Serviço ABEPSS; ele está em inúmeras publicações,
Social é uma profissão e tem banda podre de inúmeros autores (Faleiros, Marilda,
em toda área. Também temos a nossa, Maria Inês, Ana Vasconcelos e outros) que
nosso passado histórico, e temos que são pessoas que têm vínculos e produção
conviver com ele. que vêm alimentando o debate. Temos
que ter capacidade política e teórica de
Elaine Behring: Sou Elaine, professora enfrentá-lo e lhe propor questões. As
da Faculdade de Serviço Social da UERJ duas intervenções foram competentes;
e estive no CFESS até o dia 15 de maio, de pontos de vista diferentes, mas que
de certa forma acompanhando essa trazem elementos muito importantes
discussão que percorreu toda a gestão para o debate.
daquele Conselho, a partir de várias Minha primeira questão é a seguinte:
demandas que foram surgindo de um a barbarização da vida social, com
sem número de tendências nesse campo suas expressões da questão social cada
“psi”, na sua interlocução com o Serviço vez mais dramáticas, tem dimensões
Social – e isso acontecendo ao mesmo claramente materiais, no campo do
tempo em que propúnhamos um debate, direito, do acesso, do atendimento de
que está em aberto, sobre as atribuições necessidades básicas; mas ela também
profissionais. tem um componente que é o do sofrimento
Nesse contexto, inclusive, convidamos psíquico absurdo para as pessoas. Se os
Marilda para uma consultoria ao CFESS, que não passam pela situação de privação
que gerou um texto. Tivemos um debate já têm um sofrimento psíquico absurdo,
interessante com o professor Faleiros via os que passam também o têm. Muitas

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


31
vezes ele aparece sob outras formulações nossas atribuições profissionais. Como
e expressões, como alcoolismo ou atribuição, não; como dimensão, talvez,
violência. Ou seja, o sofrimento psíquico sim. Penso que essa diferença tem que
é uma dimensão do exercício profissional. ser precisada. Como dimensão, concordo;
Temos que ter uma interlocução com como atribuição, discordo.
as matérias da Psicologia para lidar
com determinadas questões. Mavi pode Lúcia Freire: Também sou mais ou
muito bem falar sobre o tema, pois na menos usuária. E penso que isso não me
área da saúde mental isso comparece o tornou conservadora. Até pelo contrário.
tempo inteiro. Como podemos, então, Mas é principalmente como professora
tratar essa demanda? Como abordá-la na de estágio, acreditando ter como foco o
condição de assistentes sociais? projeto ético-político na linha marxista,
Tenho muita dúvida, Faleiros, em e como pesquisadora na área do trabalho,
relação a essa questão de fazermos onde existem um componente sócio-
um contrato terapêutico. Não consigo político e um forte sofrimento psíquico
observar, a não ser que façamos uma que redunda em casos crescentemente
formação específica para isso e exerçamos psíquicos, e na dependência química,
uma outra profissão (psicanalista, que me preocupo com esta questão.
terapeuta de família etc) que nos permita Estas pesquisas apontam uma grande
ter condições de fazê-lo. Mas temos demanda, talvez a maior, em grandes
que saber lidar com essa dimensão, da ou pequenas empresas, ou em serviços
subjetividade, que comparece em todas terceirizados ao trabalhador, pelo
as esferas da vida social. É uma dimensão atendimento individual nessa linha de
do nosso exercício profissional. Então, reforço, de apoio, que começa com a
para mim, a questão estaria aí: há uma narrativa de sofrimento psíquico ou de
fronteira que precisamos trabalhar, e uso de drogas, alcoolismo, de todas essas
estou querendo entender qual é esta coisas.
fronteira. Então estou complementando, aqui,
Recuso todo esse passado conservador, a questão da Elaine, por que isso não é
essas tendências adaptativas, fazer terapia. Certamente o componente
integradoras, a individualização do terapêutico existe. E o atendimento
sofrimento (que não é individual: é individual se inicia muitas vezes com esse
coletivo). Existem outra formas de escutar, que pode também se transformar
empoderamento, ou dos sujeitos e evoluir, no seu procedimento, para a
tomarem pé da sua própria vida, que descoberta, por essa pessoa que está
são, por exemplo, a participação social, sofrendo, das causas, dos determinantes,
a experiência coletiva. São, também, das mediações políticas do ambiente de
formas de tomar pé da sua própria história trabalho e da sociedade. Então também
e de, inclusive, dar saltos psíquicos. E não vejo, e nisso me aproximo do Faleiros,
elas têm uma repercussão subjetiva. uma oposição entre o terapêutico e o
Do ponto de vista do Conjunto político.
CFESS/ CREES temos uma questão, que Essa demanda, que é objetiva e está
é a fiscalização do exercício profissional. presente no trabalho, deve estar presente
Esses setores estão reivindicando serem em inúmeros campos, como deve ser
reconhecidos como exercício profissional, incluída nas atribuições, no trabalho e no
inclusive para poderem compor convênios exercício profissional.
com planos de saúde. Isso não está nas

Cress/RJ - 7a Região
32
Respostas às Questões

Vicente de Paula Faleiros: Pretendo de minha impossibilidade de agir mais


não tomar muito tempo nas respostas. globalmente e também da tristeza e
Estela colocou uma questão que eu da falta de possibilidade do outro. As
gostaria de destinar a Mavi, e também mediações do imediato exigiriam, ao
de comentar. Você tem razão de notar mesmo tempo, uma ação terapêutica
uma certa confusão em minha fala articulada aos direitos desse cidadão.
porque não explicitei a necessidade de
explicitar. Quando disse que a clínica Mavi Rodrigues: As questões que
pode ser política ou não foi no sentido vocês apresentaram são puro espeto
de que muitas vezes esse político não e expressam bem o quão espinhoso é
é explicitado. Muitas vezes se faz a o tema que debatemos agora. Vocês
ação sem que se seja explicitado seu apontaram para as principais polêmicas
pressuposto. Mas, como disse que não há que este debate envolve, e não tenho a
neutralidade, o político está embutido menor pretensão de esgotá-las. Contudo,
sempre, mas ele não é explicitado. Foi penso que há algumas questões sobre as
muito bem-vinda sua questão, porque quais podemos pensar alto, pensar junto,
me permitiu esclarecer este ponto. continuar conversando.
Há um grupo que se opõe ao chamado Quero deixar bem claro o que
Serviço Social Clínico, definindo sua penso. Não acho que a clínica seja, por
posição como sendo de Serviço Social natureza, conservadora. Não penso isso,
“sociológico-político”. Esse grupo acha mas também não vejo a clínica como
que só é Serviço Social quando se está algo progressista por natureza34. Penso
atuando numa perspectiva sociológico- que, às vezes, isso aparece no debate.
política. Vejo, aí também, uma confusão, Paira no ar uma certa ideia de que o puro
tanto do ponto de vista da história das aceno para a questão da clínica pudesse
ciências sociais como da prática. É garantir uma ampliação e enriquecimento
preciso distinguir na história das ciências da intervenção profissional, por que a
sociais as diferentes manifestações ênfase na dimensão política da profissão
destas ciências. Existe um livro da não contemplaria a subjetividade. Então,
Fundação Golbenkein33 que mostra a falar em subjetividade hoje em dia
emergência dessas ciências no contexto parece, em si, puro progressismo. Isso é
ocidental, com suas contradições. Seria um grande equívoco, até mesmo por que
melhor falar-se de uma orientação há produções que tomam a subjetividade
marxista, fenomenológica, funcionalista, e a clínica numa perspectiva abertamente
de fenomenologia marxista, por conservadora.
exemplo. Na prática é preciso distinguir Tentei mostrar que o conservadorismo
as dimensões das alianças estratégicas não deve ser encarado como um
através da inserção em blocos de poder problema semântico, que se resolve
e nos diferentes processos de mediação simplesmente com um uso cuidadoso
frente às alianças com a população e o das palavras. Reduzir a discussão dos
empowerment. fundamentos teórico-metodológicos a
Elaine, Laís e Lúcia colocaram uma problemática semântica é voltar
elementos para se aprofundar a questão àquele temor da militância de esquerda,
da clínica e a questão do sofrimento que próprio da geração da década de 70,
Bader Sawaia chama de ético-político. O de usar determinadas expressões e
profissional também sofre nessa relação, palavras que não pareciam fugir a um
à medida que sua subjetividade também pseudo “vocabulário marxista”. Assim, o
está envolvida, colocando em xeque seus marxista que falasse em evolução devia 33
Ver COMISSÃO GOLBENKIAN.
sentimentos e valores diante da miséria. bater na boca para não ser tomado como Para abrir as ciências sociais.
São Paulo, Cortez, 1996.
Encontrei outro dia num adepto do evolucionismo, perspectiva
estacionamento alguém que me dizia: expressamente defendida pelos 34
Além da obra foucaultiana,
“Aqui está muito ruim, aqui está muito positivistas. Tais cacoetes são próprios antipsiquiatras e defensores da
ruim”, com expressões dramáticas de da insuficiência da discussão. Reforma Psiquiátrica Italiana
denunciaram como ao longo
sofrimento, porque estava com fome Quero tratar um pouco do que diz Laís, da história a Psicologia, a
e sem perspectiva, com saudade, com sobre essa discussão da comunicação, da Psiquiatria e a Psicanálise
medo, frente à exclusão provocada representação, da narração, da estética, serviram para anular e
pela migração. Meu sofrimento vinha que andam junto com uma reflexão criminalizar os indivíduos.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


33
acerca da crise de paradigmas e que Penso que o Serviço Social tem que
remetem à pós-modernidade, cultura discutir mais acerca da subjetividade.
que, embora portadora de uma ética Tem que, inclusive, entrar no circuito do
de esquerda, está impregnada de uma debate contemporâneo acerca do tema,
perspectiva epistemológica de direita. onde estão presentes produções pós-
O que estou querendo dizer é que no modernas de toda sorte. Mas não acho
campo cultural da pós-modernidade – que esta temática esteja ausente do
onde aparecem o respeito ao sujeito e a debate profissional pós-reconceituado.
alteridade, que considero fundamentais, É equivocado sustentar que o Serviço
e também a importância do simbólico, da Social, dos anos 80 para cá, não tem
narração, da estética, da sensibilidade uma discussão da subjetividade. Há
e da emoção – há uma negação aberta uma discussão, sim; ela pode não estar
de elementos que são fundamentais ao sistematizada, enriquecida, ampliada
avanço da esquerda socialista, como a com todas essas questões que implicam
racionalidade e o primado da objetividade a barbárie do capital hoje e seu
do real frente a sua representação. Aliás, rebatimento no cotidiano da população
para ser mais exata, devo dizer que sem e nas nossas condições de trabalho,
estes elementos nenhuma ação crítica e mas há elementos aí que não podemos
transformadora do real tem futuro. jogar fora. Discutir a subjetividade é,
A citação que fiz anteriormente, que me perdoem aquelas pessoas que não
corresponde a uma proposta terapêutica gostam de Marx ou da tradição marxista,
construtivista que pretende ser alternativa enfrentar a ontologia marxiana, nem que
a uma abordagem clínica adaptativa, seja para refutá-la! Não posso discutir
revela como a pós-modernidade reduz subjetividade sem discutir a ontologia do
a realidade a um jogo discursivo, a um ser social, e isso o Serviço Social fez como
problema da linguagem. ninguém nos anos 80 e 90. A reflexão
Num momento em que o capital revela ontológica é condição principal para
sua face mais bárbara, momento em que motivar essa discussão da subjetividade.
vemos através do tubo da TV como a Tenho visto muitas produções na saúde
política monetária neoliberal submeteu mental que sustentam a discussão da
os argentinos a uma pobreza material subjetividade a partir da defesa de um
e subjetiva desesperadora, assistimos sujeito esquizóide, bagunçado, incapaz
a uma tendência forte na esquerda da de ser analisado e de projetar um futuro
defesa de uma perspectiva holística, distinto daquilo que vivencia no imediato
de uma ligação do homem com a terra, presente.
com o céu, na qual o mais importante Por fim, devo dizer que o pior espeto
é harmonizar a humanidade com o desta noite diz respeito à relação entre a
espírito da lua, com a montanha e os questão da subjetividade e a competência
guaxinins que estão no campo. Não pode requerida ao assistente social. Enfrentar
ser assim! Como Eagleaton, penso que este problema requer resgatar aquilo
a pós-modernidade corresponde a uma que Marilda ressaltou na abertura do
‘’perda de fibra da esquerda”, quando debate de hoje: discutir a competência
a perspectiva da revolução é substituída do Serviço Social diante da subjetividade
pelo interesse pela transgressão das exige retomar a discussão que o CFESS
margens do sistema. Existem elementos vem fazendo acerca dos artigos 4° e 5°
muito interessantes neste campo cultural da Lei de Regulamentação da profissão.
e há também pessoas interessantes que
vêm discutindo alguns paradoxos da pós- Vicente de Paula Faleiros: Gostaria
modernidade35. de lembrar uma frase de Marx, em “A
35
Dentre os textos que Penso que essa ética de esquerda Ideologia Alemã”, que diz: “Ali, onde
tratam dos paradoxos da tem que ser preservada o máximo que existe uma relação, ela existe para
pós-modernidade destaco pudermos, mas temos que ver quais são mim”. A consciência e a relação vão
o de HARVEY, D. Condição junto, na visão de Marx, ou seja, a
Pós-moderna. São Paulo:
os elementos capazes de torná-la real.
Edições Loyola, 1996; o de E aí há uma série de discussões que afirmação do sujeito se afirma numa
EAGLETON, T. As ilusões precisamos fazer. relação, sendo que na relação que
do pós-modernismo. Rio de Uma delas remete a isso que, no nosso produz o sujeito produz-se a consciência
Janeiro: Jorge Zahar Editores, deste, e a relação existe na consciência
1998; o de WOOD, E. M e
horizonte profissional, Elaine levantou e
FOSTER, J. B. Em Defesa da que considero muito importante. Como do sujeito como relação. Esta frase
História: marxismo e pós- é que lidamos com a subjetividade, traz, sinteticamente, a profundidade
modernismo. Rio de Janeiro, sabendo que ela não está descolada da relação entre sujeito e relação social
Jorge Zahar Editores, 1999; e que se constituem ao mesmo tempo. O
o de ROUANET, S P. As Razões
das condições objetivas de vida e de
do Iluminismo. São Paulo: trabalho? Como o assistente social pode problema de se separar a subjetividade
Companhia das Letras, 1992. lidar com isso? da política está nesta visão dicotômica

Cress/RJ - 7a Região
34
entre as relações sociais e a constituição do trabalho, mesmo, na ação, de ter
do sujeito, em separar o sujeito das oportunidade de troca e oportunidade
suas relações, ou em se considerar as de discutir essas questões.
relações sem sujeito. O próprio Marx diz Temos muitas dúvidas quando estamos
que o sujeito é o conjunto de relações lá na frente. E como é que nos sentimos?
sociais. É esse, no meu ponto de vista, Isso é muito importante que tenha
o fundamento não só para uma ação continuidade, que possa não parar aqui.
terapêutica ou clínica como para ações Agora, como Sônia falou, que realmente
profissionais não terapêuticas que possam o assistente social clínico possa estar,
existir na prática profissional. também, presente na mesa.

Sônia Sodré: Sou Sônia Sodré, Marco José: Sou Marco, professor
“assistente social clínica” há 25 anos, da Faculdade de Serviço Social, e fico
terapeuta de família sistêmica com muito feliz e à vontade para pensar alto
muito orgulho; inclusive escrevi uma e também falar com o coração aberto,
tese de doutorado sobre esse tema, como quando sugeri para Maria Inês que
dessa articulação entre o Serviço Social trouxesse o debate do Serviço Social Clínico
e as terapias familiares. Essa tese não aqui para a UERJ. Debate interessante,
aplacou as questões: ao contrário, por que temos uma representação
penso que a função da tese é um pouco legal, da representação das entidades
essa, mesmo, de levantar questões. Mas da categoria, e os expoentes, de uma
queria, já que temos pouco tempo, me certa forma, desse debate. Faleiros e
centrar numa questão, numa ideia que Mavi falam da mensagem da internet, e
me ocorreu ouvindo vocês. Marilda, por detrás, sobre aquele livreto
Senti muita falta do assistente social das competências e atribuições privativas
clínico na mesa, e fiquei pensando se isso do Serviço Social.
foi um acaso ou se isso é o retrato do Queria fazer uma questão. Estou com
que é o Serviço Social Clínico, que é um muitas reflexões em minha cabeça, porque
Serviço Social minoritário, que não tem sempre fui muito isolado para discutir a
voz, que é anônimo. Porque é interessante subjetividade, desde quando defendi a
pensar que se falou aqui de Serviço Social minha dissertação de mestrado, em 93,
Clínico pela voz dos não clínicos. Não os na UFRJ. Ali eu já tomava a subjetividade
estou desmerecendo, absolutamente, como uma discussão, como um temário.
penso que vocês entendem isso. Mas E me articulei com a Psicanálise, com
sinto que ficou uma falta, porque os uma professora, a própria Dóris, que é
“clínicos” precisam estar na mesa, do meu grupo de pesquisa, e começamos
falando o que pensam, como articulam a ter uma intervenção de investigação de
sua prática, quais são as questões com um estudo comparativo do Serviço Social
que se debatem no dia-a-dia. E isso é e da saúde mental, tanto do serviço de
algo para pensarmos; ou seja, essa falta psiquiatria do Hospital Universitário da
se fez por quê? Será que podemos não UERJ como do IPUB, da UFRJ. E o tempo
ter só uma resposta objetiva, mas pensar inteiro como militante, também, da
um pouco se isso não é a reprodução saúde mental, e agora defendendo a
de uma questão que existe no Serviço minha tese de doutorado, percebo que a
Social? Os assistentes sociais clínicos, é questão da clínica e a questão da terapia
verdade, não escrevem, não produzem (não da psicoterapia) estão o tempo
conhecimento, mas estão na linha de inteiro sendo elementos também do
frente de trabalho, nos ambulatórios, Serviço Social. Negando ou não negando,
com as famílias, nos hospitais, dentro elas aparecem.
da área de saúde mental e outras tantas E existe uma dimensão na intervenção
áreas. Queria registrar essa falta que profissional, da terapêutica para o
senti nesse debate, porque penso que usuário, que na minha tese estou
poderíamos pensar o seu porquê. chamando de cuidado, porque é uma
discussão que está sendo muito colocada
Ana Silva: Darei continuidade ao pelos expoentes do Movimento da Luta
que Sônia afirmou. Quero parabenizar Antimanicomial, pelos trabalhadores da
vocês pelo debate, pela oportunidade, e saúde mental, numa perspectiva bem
dizer que isso não pode parar por aqui. interdisciplinar, sem as corporações. É
Meu nome é Ana Silva, sou “assistente o revisitar a clínica numa perspectiva
social clínica”, sou terapeuta de família de ampliar a leitura que dela se faz.
e trabalho no Terra dos Homens com Com toda a crítica que temos à clínica
meninos de rua, meninos sem família, psiquiátrica – por que ela tutela o tempo
e sentimos muita dificuldade na hora inteiro, nega a fala do usuário, nega o

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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próprio sujeito, a própria subjetividade e quero parabenizar a todos vocês.
do usuário, até mesmo pela clínica da Obrigada.
toxicomania, que é uma de suas variáveis.
Como sou professor e supervisor de campo Conceição Cuba: Meu nome é Con-
de estágio na área de saúde mental, ceição, sou assistente social há mais de
também acabo tomando as dependências 20 anos, porque sou aposentada pelo ex-
químicas, a toxicomania e o uso e abuso INAMPS. Sou psicanalista, sou “assistentes
de álcool e de outras drogas. social clínica”, psicanalista na linha
Começo a perceber que o debate de Freud e de outras escolas. Porque
começou real: existia um debate virtual, a Psicanálise, assim como a terapia
e agora começou o debate. Concordo familiar, tem várias escolas, e penso
com Sônia e com Beatriz que tivemos ser complicado quando simplificamos a
muito problema na época. Eu já não discussão da terapia familiar focando-a
estava mais no CRESS, mas dando-lhe apenas numa escola. É preciso que
uma assessoria com relação às terapias tenhamos um olhar para as diversas
de família e à briga do Conselho Regional escolas, não só da terapia familiar como
de Psicologia com o Conselho Regional de da Psicanálise, também.
Serviço Social. De quem é? E se vemos a Atualmente trabalho como voluntária,
história, não vou dizer que a família era no viés do treinamento profissional
objeto exclusivo do Serviço Social. Mas não remunerado, que penso ser um
quem tomava conta da família na origem viés que focaliza a questão voluntária,
era, mesmo, o Serviço Social psiquiátrico. na Universidade Aberta da Terceira
Aqui está Maria Luiza com uma tese Idade (UNATI). Trabalho com o grupo
muito interessante sobre Serviço Social que é coordenado pela professora
psiquiátrico que ela defendeu, e vemos Alzira, da UERJ. Esse grupo tem
essa história de que a família está muito como eixo a participação social, onde
articulada com o Serviço Social, e nós na problematizamos os direitos sociais. E
Psiquiatria. sinto, como resultado desse trabalho,
Parece que estamos voltando, mas que os idosos têm realmente conseguido
não por um viés conservador. Temos que se inserir mais na sociedade. Eles têm,
politizar esse debate, e penso que este é o inclusive, conseguido participar dos fóruns
momento. Estou muito tranquilo, porque de discussão deste segmento, a terceira
começamos a trazer à tona algo que está idade. Nesse momento estou substituindo
meio subterrâneo, mas que também está a professora Alzira, que assumiu a
no terreno da ação profissional, e sem direção, na disciplina de Terceira Idade e
a rotulação, sem o esquadrinhamento no estágio supervisionado na UERJ neste
de definir o outro como inimigo. Isso é semestre. Quero parabenizar o CFESS e
salientar o debate da diferença. Era isso a organização do debate. Mais uma vez
que eu queria dizer. voltamos a um debate sobre o tema; das
outras vezes ele foi muito mais amiúde
Maria Luiza: Sou Maria Luiza, no CRESS. Dessa vez ele se tornou mais
assistente social do Tribunal de Justiça. amplo, real, como vocês disseram. Quero
Trabalho com famílias em conflito, ou me identificar como uma das pessoas
seja, disputa de guarda, regulamentação que debate na internet. Sua intenção é
de visita. Sou assistente social há 20 anos se tornar real, mesmo, é ter esse viés.
e, como Faleiros, também gosto muito A internet veio apenas como facilitador
de ser assistente social, é essa minha das comunicações.
identidade profissional, embora eu tenha
formação em Psicanálise, e embora ela Ana Vasconcelos: Penso que nos
oriente meu trabalho. próximos debates temos que ouvir o
Nunca me interessei pela clínica que é que faz o Serviço Social Clínico.
privada, pelo fato, mesmo, de que Eu também não consigo apreender
a clínica extensiva, como realizo o essa diferença, principalmente quando
meu trabalho, me deixa muito feliz e pego como referência este projeto de
muito contente. Gosto muito do que profissão.
faço e, absolutamente, não tenho um
cunho conservador. A Psicanálise que Maria Inês Bravo: Infelizmente tere-
influenciou o Serviço Social psicossocial, mos que terminar o debate, pois o auditório
essa é conservadora. Mas a psicanálise a não é nosso. Então, peço desculpas, pois
que me aliei é posterior à que influenciou o debate estava começando a esquentar
o Serviço Social. Penso que esse é um e, infelizmente, por condições externas,
debate que está apenas começando, teremos que interrompê-lo. Mas há
estou muito contente de estar aqui um compromisso nosso de recolocá-lo,

Cress/RJ - 7a Região
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não neste semestre, já que o estamos atribuições dos assistentes sociais, hoje,
terminando. Procuramos iniciar esse frente ao projeto ético-político, frente
debate a partir de alguns sujeitos à atual realidade, frente à barbárie do
importantes: o professor Faleiros, a capital, frente, realmente, à totalidade?
professora Marilda e o Conselho Regional Então, quando colocamos em debate
de Serviço Social. Por isso escolhemos a questão da totalidade não estamos
esses expositores, mas não quer dizer perdendo de vista a subjetividade: é o
que queiramos excluir ninguém. sujeito inscrito nessa sociedade.
Por outro lado, quero voltar à Temos que, realmente, avançar,
indagação que Elaine fez e concordar e quero parabenizar Faleiros, Mavi e
com as colocações de Ana. Vejo que neste Marilda, pela condução deste debate. É
debate estamos refletindo sobre qual é um compromisso nosso, também, fazer
a atribuição do assistente social. Não uma brochura junto com o CRESS, para
podemos perder de vista esta questão. que possamos ter um material inicial
Em segundo lugar, sou assistente para avançar nessa discussão.
social, me considero assistente social,
faço Serviço Social e realmente penso Marilda Iamamoto: Finalizando, um
que não temos que ficar retornando agradecimento especial aos debatedores,
ao Serviço Social Clínico, ao Serviço professor doutor Faleiros, convidado
Social da empresa, ao Serviço Social da da UERJ, e professora Mavi Rodrigues,
habitação. Quero fazer Serviço Social representando o CRESS-RJ nesta ocasião.
nas suas diversas dimensões. E aí, penso Importa reafirmar que esse debate foi
que também há o que aprofundar. uma iniciativa conjunta do curso de
Colocar a questão Serviço Social Clínico mestrado em Política Social e Trabalho da
me lembra Serviço Social de Caso, me UERJ e do Conselho Regional de Serviço
lembra fragmentos. Social da 7a Região. O debate foi muito
Sou professora há muito tempo, rico e assumimos um compromisso de
comecei na docência na disciplina Serviço assegurar sua continuidade, ampliando
Social de Caso. É complicado voltarmos os interlocutores, de modo a trazer
a essa fragmentação do Serviço Social, o ponto de vista daqueles que estão
seja por área, seja por método etc. vivendo e trabalhando com o tema no
Então, penso que essas preocupações seu cotidiano profissional. Obrigada e
têm que orientar o debate. Quais são as boa noite a todos.

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Cress/RJ - 7a Região
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Serviço Social
Clínico
EDIÇÃO COMPLEMENTAR
2004

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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EXPEDIENTE DA EDIÇÃO COMPLEMENTAR

CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO


Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” – 2002 a 2005

Sede – Rio de Janeiro


Efetivos Vieira dos Santos
Presidente: Hilda Corrêa de Oliveira Assessoria de comunicação: Maria Cecília Lira Contente
Vice-presidente: Mavi Pacheco Rodrigues Assessoria jurídica: Dr. Carlos Alexandre Fiaux Ramos
1ª Secretária: Rosely Reis Lorenzato Assessoria política: Jefferson Lee de Souza Ruiz
2º Secretário: Márcio Eduardo Brotto Assistentes administrativos: Daisy Christina Gomes, Daniel
1ª Tesoureira: Marinete Cordeiro Moreira Domingues Monteiro, Edilson Moreira dos Santos, Elzira Marques
2ª Tesoureira: Andreia Cristina Alves Pequeno de Oliveira, Rosângela Costa Maia, Rachel Quintanilha Bense,
Simone Moreira dos Santos, Socorro Barbosa Gomes
Suplentes Auxiliar de Serviços Gerais: Amália de Fátima de Oliveira
Renato dos Santos Veloso Medeiros
Rodrigo Silva Lima Coordenação administrativo-financeira: Marco Antônio de
Elisabete Amorim Leandro Almeida
Fátima Valéria Ferreira de Souza
Claudete Jesus de Oliveira
Delegacia Seccional de Campos
Conselho Fiscal
Presidente: Elziane Olina Dourado Delegado: Leonardo Marques Pessanha
1ª Vogal: Magali da Silva Almeida Tesoureira: Júnia de Souza Elias
2ª Vogal: Sandra Regina do Carmo Secretária: Surama Fonseca Monteiro
Suplentes: Mauci Isabel dos Santos e Tânia Elizabete Gonçalves
Suplentes do Conselho Fiscal
Italuana Guimarães Rosário Delegacia Seccional de Volta Redonda
Tânia Dahmer Pereira
Luciene da Rocha Delegada: Ariane Rego de Paiva
Tesoureira: Angela Amélia Chaves de Sá
Equipe de recursos humanos Secretária: Eliane Coimbra Farhat
Agentes fiscais: Angela Maria Corrêa Moreira Lima, Suplentes: Luciana Adriele do Nascimento e Cristiane Valéria da
Maria de Fátima Valentim Pessanha, Nízia Maria Silva Barvelo

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


Rosangela Zagaglia

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL


Elaine Rossetti Behring
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Alba Teresa Barroso de Castro
REITOR
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Nival Nunes de Almeida
EM SERVIÇO SOCIAL
Maria Inês Souza Bravo
VICE-REITOR
Capa da 1a edição

Lúcia Maria de Barros Freire


Ronaldo Lauria

Capa / Fotos
Em Foco – edição complementar à nº 1 João Roberto Ripper

Transcrição, digitação e revisão


Jefferson Lee de Souza Ruiz

Tiragem
Responsáveis pela organização editorial 1000 exemplares
Hilda Corrêa de Oliveira
Jefferson Lee de Souza Ruiz Impressão
Maria Inês de Souza Bravo Rio Center Ltda.
Mavi Pacheco Rodrigues Rio de Janeiro 2004

A presente edição da revista “Em Foco” foi viabilizada, parcialmente, com financiamento obtido pelo Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ, do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP) da
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Cress/RJ - 7a Região
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Apresentação

Esta é a edição complementar à revista Em Foco nº 1, publicada em maio de


2003. Nesta edição – denominada “Atribuições Privativas do Assistente Social e o
‘Serviço Social Clínico’” – o leitor encontrará, de forma clara e explícita, as principais
respostas para as questões candentes que têm mobilizado profissionais e estudantes,
na atualidade, acerca da possível compatibilidade entre o trabalho profissional do
assistente social e a intervenção clínica e/ou terapêutica.
Retomando o cerne da discussão a respeito do tema, desenvolvida pelo Conjunto
CFESS/CRESS desde 1996, o CRESS – 7a Região, em parceria com o Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ, deflagrou este debate na região do
Rio de Janeiro, em junho de 2002, tendo-o publicado no primeiro número da Em Foco.
Naquela ocasião, nos comprometemos a dar continuidade ao debate, convidando um
profissional do Serviço Social Clínico a expor seus fundamentos, suas referências e a
provável convergência da sua intervenção com o projeto ético-político da profissão.
O resultado deste debate, realizado em meio à vasta programação de comemoração
do Mês do Assistente Social de 2003, pode ser encontrado nesta edição complementar
da Em Foco.
Este número registra não só a valiosa e instigante contribuição das expositoras,
professoras Marilda Villela Iamamoto e Sonia Beatriz Sodré Teixeira, mas também a rica
manifestação da plenária presente ao evento. O que expositoras e plenária revelam
são duas perspectivas profissionais antagônicas, duas formas distintas e inconciliáveis
de fazer e compreender a profissão e a sociedade, que têm consequências concretas
diante do projeto profissional que a categoria construiu e luta para implementar.
A diversidade de posições não comprometeu o diálogo. Ao contrário, pautado numa
interlocução crítica, vigorosa, transparente e respeitosa entre vertentes profissionais
distintas, ela revela o quanto esta categoria soube amadurecer suas posições teórico-
metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas, o que demarca uma determinada
direção social estratégica para a formação e o exercício profissional, num claro
respeito com a pluralidade e com o aprimoramento intelectual.
Nesta interlocução, temas tratados e sinalizados na primeira edição da Em Foco – “O
‘Serviço Social Clínico’ e o projeto ético-político do Serviço Social” – tomam contornos
mais claros e maior profundidade de análise. Assim, são retomadas num grau mais
elevado e amplo de reflexão as questões referentes à relação entre “questão social”
e subjetividade; o caráter antimoderno do Serviço Social Tradicional e a cultura pós-
moderna; a diluição de fronteiras profissionais e a defesa da identidade profissional
do assistente social; o marco conservador da abordagem psicossocial do Serviço Social
e as exigências postas pelo projeto hegemônico da profissão na atualidade.
Diante do que foi exposto nos dois eventos que, de maneira variada, tematizaram
a relação entre o Serviço Social Clínico e o projeto ético-político da profissão, as duas
entidades promotoras não poderiam deixar de se pronunciar frente a aspectos mais
diretamente vinculados a sua competência.
A Coordenação do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social da
UERJ destaca algumas divergências que a proposição de Serviço Social Clínico tem
com o projeto de formação profissional do assistente social, contido nas diretrizes
curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS),
aprovada em assembléia geral pelas unidades de ensino do país em 1996, da qual
a Faculdade de Serviço Social da UERJ foi uma das signatárias. Esse processo foi
resultante de um profícuo debate realizado, entre 1994 e 1996, para a formulação
coletiva da proposta. Desde então, tem sido realizado um esforço por aquela entidade
para a implementação destas diretrizes nas diversas unidades de ensino.
Uma primeira e grande diferença refere-se à concepção da “questão social”. Esta é
concebida como base da fundação histórica da profissão e deve ser apreendida como

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


41
o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista. Os assistentes
sociais trabalham, no seu quotidiano profissional, com as mais variadas expressões da
questão social, ou seja, como os indivíduos as experimentam na família, no trabalho,
na saúde, na assistência social e nos demais espaços socioinstitucionais que configuram
o campo das políticas sociais públicas e privadas.
Considerando como enfoque primordial os aspectos subjetivos dos indivíduos,
grupos e comunidades, o Serviço Social Clínico não tem esta dimensão totalizante da
questão social. Ao identificá-la com a exclusão social e não fazer referência à origem
comum das suas múltiplas expressões, sugere não só a pulverização, mas também a
isenção de responsabilidade da sociedade de classes pela sua produção.
Outra divergência, articulada à primeira, refere-se à compreensão da profissão
como resultante do processo histórico. O Serviço Social encontra-se em movimento
e se transforma a partir das alterações nas condições e relações nas quais ele se
inscreve. Esse movimento é também fruto dos sujeitos profissionais que o realizam e
das lutas sociais da sociedade, pois a profissão se inscreve na divisão social e técnica
do trabalho e depende das relações entre Estado e sociedade civil, e das relações
entre as classes sociais.
As profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira, principalmente nos
anos 90, determinadas pela reestruturação produtiva, pela contrarreforma do Estado e
pelas novas formas de enfrentamento da “questão social”, vêm alterando as demandas
profissionais e exigindo dos assistentes sociais novas requisições e atribuições.
Neste contexto regressivo, uma dificuldade é a tradução do projeto ético-
político profissional em ação efetiva, pois o mesmo tem suas raízes no processo de
redemocratização da sociedade brasileira. Este projeto foi sendo construído desde
meados dos anos 70, rompendo com a herança conservadora da profissão, articulado com
as lutas mais gerais da sociedade, na construção do Projeto Societário de Democracia
de Massas. O protagonismo das entidades da categoria, os Congressos Brasileiros de
Assistentes Sociais a partir de 1979 e a produção intelectual dos profissionais foram
fundamentais para a sua consolidação.
Com as derrotas das forças democrático-populares ocorridas no país a partir da eleição
presidencial de 1989 e das contratendências que existiram, a partir deste momento,
o grande desafio é transitar da bagagem teórica acumulada para o enraizamento da
profissão na realidade. Nesta direção, os profissionais precisam de uma formação que
articule a fundamentação teórico-metodológica norteada pela matriz teórico-crítica
com as dimensões ético-política e técnico-operativa. Isto significa que na formação e
no exercício profissional tem que haver a articulação dessas três dimensões a fim de
evitar-se o teoricismo, o politicismo e o tecnicismo.
A formação profissional em Serviço Social, ainda consoante com as diretrizes da
ABEPSS, aponta para um perfil generalista que se contrapõe a uma visão tecnicista dos
meios e instrumentos de trabalho. Esse profissional precisa atuar nas expressões da
“questão social” de forma propositiva, formulando e implementando propostas para
o seu enfrentamento além da ação direta ou, conforme afirma Netto (1991), além da
mera execução terminal das políticas sociais. Precisa ser competente e crítico nos
níveis de assessoria, planejamento, gestão e avaliação das políticas sociais e ação
direta. Precisa, ainda, ser um estimulador da participação dos cidadãos na formulação,
implementação e avaliação dos programas e políticas sociais. O desafio é transformar
os espaços de trabalho do assistente social em espaços públicos, ampliando os canais de
interferência da população, cabendo ao profissional a socialização das informações.
O Serviço Social Clínico não tem esta dimensão histórica, pois estabelece uma relação
tênue entre conhecimento e realidade social, privilegiando os aspectos endógenos
da profissão. Pretende resignificar o Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade,
fundamentando que a clínica é a mais antiga e permanente prática dos assistentes
sociais. Na intervenção profissional a preocupação é com a escuta, ação direta de
cunho psicossocial que tem um contrato terapêutico. Não há explicitação clara das
matrizes teóricas que orientam a pretensa intervenção terapêutica do assistente
social, posto que a opção teórico-metodológica depende da diversidade de abordagens
clínicas. Entretanto, a psicanálise, bem como as vertentes que têm, historicamente,
influenciado a terapia familiar – a Teoria Geral dos Sistemas, a Cibernética, as Teorias
de Comunicação Humana e o Construtivismo Social – são apontadas como recursos

Cress/RJ - 7a Região
42
teórico-práticos importantes para a operacionalidade do Serviço Social Clínico.
A interlocução com a produção atual do Serviço Social se faz no embate com a
Reconceituação – movimento importante ocorrido no Serviço Social nos anos 64-74 na
América Latina, que lançou as bases da ruptura do Serviço Social com o conservadorismo,
mas que passou, nos anos 80, por uma revisão crítica e adensamento teórico. Dessa
forma, o Serviço Social brasileiro, a partir deste momento, consegue sua maturidade
intelectual, com maior aprofundamento teórico. Seus intelectuais recorreram aos
clássicos do marxismo e superaram o marxismo vulgar, de viés estruturalista, que
marcou o momento inicial.
Os adeptos do Serviço Social Clínico, por se apropriarem apenas das referências da
Reconceituação, consideram como lacunas na profissão a falta de dimensão do indivíduo
e da subjetividade, a visão apenas macroscópica, perdendo a dimensão micro. Estas
questões, entretanto, foram retomadas nos anos 80 e 90 e estão presentes no debate
marxista do Serviço Social na atualidade. As diretrizes curriculares da ABEPSS enfatizam
a importância da pesquisa da realidade, de modo que a mesma possa se afirmar como
dimensão integrante do exercício profissional, sendo um recurso para a formulação de
propostas de trabalho que possibilitem ultrapassar o discurso genérico, conseguindo
apreender as situações particulares. Segundo Iamamoto (1998), o novo perfil que se
busca construir é o de um profissional afinado com a análise dos processos sociais,
tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em sua manifestações quotidianas; um
profissional criativo, capaz de entender o tempo presente e nele atuar contribuindo
também para moldar os rumos de sua história.
A direção atual do Conselho Regional de Serviço Social da 7a Região, entidade que
tem a função precípua de fiscalizar, orientar e defender o exercício profissional de
acordo com a Lei de Regulamentação da Profissão, com o nosso Código de Ética e com
a Política Nacional de Fiscalização do Conjunto CFESS/CRESS, não poderia se furtar
de, nesta introdução da Em Foco, expor, também publicamente, sua posição.
Ao contrário do que sugerem os defensores do Serviço Social Clínico, não há nos
referidos documentos, em especial nos artigos 4° e 5° da Lei 8662/93, qualquer
elemento que exija (ou, até mesmo, conceda) ao Serviço Social uma habilitação
ou função clínico-terapêutica. O trabalho do assistente social, mesmo em equipes
interprofissionais e na área da saúde mental, difere da intervenção do psicólogo, do
psiquiatra, do psicanalista e das diversas especializações clínicas e terapêuticas.
Por que atuam em outra instância da divisão social e técnica do trabalho, por que
se voltam para o tratamento das “tramas da psique humana”, a Terapia Familiar e
outras modalidades de especialização clínica de caráter interdisciplinar não podem
ser compreendidas como mais um instrumental para intervenção do assistente social.
Tais especializações requerem competências que extrapolam a formação ofertada
pelos cursos de graduação em Serviço Social e a jurisdição de nossas entidades de
fiscalização profissional, representadas pelo Conjunto CFESS/CRESS.
O debate que se segue nesta edição complementar da “Em Foco” sinaliza algo
muito importante: a existência, já em curso, de experiências profissionais do Serviço
Social no campo da saúde mental que se pautam por uma direção distinta daquela
dada pela perspectiva do Serviço Social Clínico. Sinaliza, portanto, que a ruptura
com o modus operandi do Serviço Social tradicional não se restringe à academia ou à
produção de conhecimento dos assistentes sociais: ela tem terreno sólido no âmbito
da prática profissional.
Não se pode dizer que esta alternativa concreta para o exercício profissional
desconsidera a importância da subjetividade ou dos sujeitos singulares. Ela se ancora
em nosso Código de Ética, condensação da superação dos limites da incorporação
enviesada do marxismo no período da Reconceituação. Nem tampouco se pode acusá-
la de ignorar a relevância da interdisciplinariedade na saúde mental. Neste horizonte,
a intevenção interdisciplinar não é compreendida como diluição das fronteiras
profissionais, mas como “unidade na diversidade”, uma unidade interprofissional
cuja riqueza se alimenta da afirmação da diferencialidade das várias profissões que a
compõem.
O resgate, mesmo ressignificado, do Serviço Social de Caso, de Grupo e de
Comunidade, bem como da abordagem psicossocial que marcaram o passado
profissional, não contribui para avançar o projeto ético-político do Serviço Social.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Tal projeto é produto de uma profunda renovação crítica da profissão, num processo
radical de busca de ruptura com o conservadorismo profissional. Empreendido por
um sujeito coletivo, a categoria dos assistentes sociais, o referido projeto expressa
um compromisso com determinados valores ético-políticos – tais como a defesa da
justiça social, da democracia, da cidadania, da construção de uma sociedade sem
exploração de classe/gênero e etnia – que confrontam o projeto societário burguês.
Portanto, este compromisso ético da categoria não pode ser identificado com uma
opção subjetiva e pessoal dos agentes profissionais.
O projeto profissional que os assistentes sociais brasileiros construíram ao longo
dos anos 80, e tornaram hegemônico nos anos 90, diz respeito a uma autoimagem da
profissão e do papel que ela tem a desempenhar na sociedade capitalista. Condiz,
portanto, com escolhas teóricas e padrões interventivos que tornem possível a
realização concreta destes valores. Neste sentido, qualquer concessão teórico-prática
aos elementos que compuseram o tradicionalismo profissional é incompatível com o
projeto ético-político atual do Serviço Social.
Assim, o que se evidencia, tanto para a Coordenação do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Serviço Social da UERJ quanto para a diretoria do Conselho Regional
de Serviço Social da 7ª Região, é que os defensores do Serviço Social Clínico não
estabelecem relação do seu modo de operar o Serviço Social com o Código de Ética
Profissional, com a Lei de Regulamentação da Profissão e com as Diretrizes Curriculares,
que constituem o arcabouço legal do projeto ético-político do Serviço Social. Essas
referências são fundamentais e precisam ter repercussão no trabalho profissional,
pois são luz e direção a serem seguidas na defesa dos direitos humanos e sociais e
na construção da cidadania para todos, alicerçada na ampliação da democracia nas
esferas da economia, da política e da cultura (CFESS, 1993).
Esperamos que estes posicionamentos das entidades promotoras do evento,
adensados pelas exposições e debates que se seguem, possam contribuir para dirimir
as dúvidas que porventura ainda permaneçam acerca de um pretenso caráter clínico
e/ou terapêutico do Serviço Social. Nosso propósito é claro: pretendemos com as duas
edições da Em Foco, a publicada em 2003 e esta complementar, que tratam de uma
análise crítica e um posicionamento firme diante do Serviço Social Clínico, reafirmar
e materializar, no quotidiano profissional, os compromissos ético-políticos que nós,
assistentes sociais, enquanto sujeito coletivo crítico e combativo, ousamos abraçar.

Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da


Faculdade de Serviço Social da UERJ
Coordenadora: Maria Inês Souza Bravo

Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região – RJ


Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” 2002-2005

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABEPSS. Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social. In: Assistente social:
ética e direitos. Coletânea de Leis e Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª
Região, 2003.
CFESS. Código de Ética. In: Assistente social: ética e direitos. Coletânea de Leis e
Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª Região, 2003.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo, Cortez, 1998.
NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-
64. São Paulo, Cortez, 1991.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1993. Lei de
Regulamentação da Profissão. In: Assistente social: ética e direitos. Coletânea de Leis
e Resoluções. 4ª edição. Rio de Janeiro. CRESS/7ª Região, 2003.

Cress/RJ - 7a Região
44
Atribuições Privativas
do Assistente Social e o
“Serviço Social Clínico”
Promoção: UERJ e CRESS – 7ª Região
Maio de 2003

Palestrantes:
Prof. Marilda Iamamoto
Prof. Sônia Beatriz Sodré Teixeira
Mediadora: Hilda Corrêa de Oliveira

Alzira Tereza Lobato*

Boa noite a todos. Gostaria de Serviço Social) que, junto com o Conselho,
parabenizar todos que estão aqui, teve a oportunidade de organizar uma
porque iniciamos as atividades do publicação, que trata do “´Serviço
mês em que comemoramos o Dia do Social Clínico´ e o projeto ético político
Assistente Social. A forma como nosso do Serviço Social”, fruto de debates
Conselho está entendendo este momento que aconteceram no ano passado nesta
e trabalhando com o mês de maio como Faculdade, com o apoio e a participação
mês comemorativo do assistente social de nomes importantes da nossa categoria.
é interessantíssima. É de fundamental Hoje vamos dar continuidade a tais
importância por que demonstra, reflexões e espero que possamos discutir
também, o quanto crescemos, o quanto mais este tema, que já há alguns anos
estamos trabalhando em várias áreas do frequenta o nosso dia-a-dia. Gostaria de
conhecimento e discutindo nossa prática, dizer que a UERJ está sempre de portas
os nossos pressupostos teóricos a partir abertas e que é importantíssima esta
da nossa experiência. Parabenizo não só parceria da Universidade com o Conselho.
o Conselho Regional, como também nosso Também quero agradecer a presença das
curso de Pós-graduação (Mestrado em palestrantes do evento de hoje.

Maria Inês Bravo** * Alzira Tereza Lobato,


à época, era diretora da
Faculdade de Serviço Social da
UERJ.
É com grande satisfação que a Conselho Regional de Serviço Social – 7ª
Faculdade de Serviço Social da UERJ, Região, realiza o evento de hoje, abrindo ** Maria Inês Bravo, à épóca,
através do programa de pós-graduação, as comemorações do Mês do Assistente era coordenadora do Programa
Social. Este evento tem dois objetivos. de Pós Graduação da Faculdade
em conjunto e em articulação com o de Serviço Social da UERJ.

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Empreendemos O primeiro é o lançamento da coletânea cumprindo estes compromissos. Primeiro,
“O ´Serviço Social Clínico´ e o projeto lançando a coletânea e, posteriormente,
uma luta árdua, ético-político do Serviço Social”, que foi dando continuidade ao debate com as
de mais de fruto de um debate realizado aqui na presenças da professora Marilda Iamamoto
UERJ, em junho de 2002, e que contou e da professora Sônia Beatriz Sodré, que é
duas décadas, com a participação do professor Vicente uma das representantes do Serviço Social
construindo de Paula Faleiros e da professora Mavi Clínico, um dos temas mais polêmicos,
Rodrigues. Nesta coletânea há as falas hoje, do Serviço Social. Não poderíamos
um projeto dos professores e uma introdução da nos furtar a transformar o debate sobre
ético-político professora Elaine Behring, que recupera este tema, que ficou durante algum
a discussão acerca das competências e tempo sendo realizado pela internet,
profissional das atribuições específicas do Serviço em um debate franco, aberto, com as
diferenciado Social na atual conjuntura. Naquele diversas posições, condição fundamental
momento, em junho de 2002, assumimos à defesa do projeto ético-político
do que foi o os compromissos de publicar aquele construído por esta categoria nos anos
da origem da debate e de realizar um segundo, com a 80 e 90. Este segundo debate tem por
participação de um dos representantes título “As atribuições do Serviço Social e
profissão. do Serviço Social Clínico. Hoje estamos o ´Serviço Social Clínico´”.

Hilda Corrêa de Oliveira*

Quero parabenizar todos os não se dá no momento do evento do


assistentes sociais na abertura ano passado. Ele foi iniciado há alguns
deste mês de maio por sermos anos atrás, na gestão em que eu e a
profissionais guerreiros, trabalhadores professora Elaine Behring compúnhamos
permanentemente preocupados com a direção do CFESS (de 1996 a 1999)
os destinos do nosso país e dizer quando, por força da instituição da
que a direção do CRESS expandiu a Política Nacional de Fiscalização (que
programação, desencadeando eventos visava ampliar e expandir o trabalho de
durante as quatro semanas de maio. fiscalização do Conjunto CFESS/CRESS),
Hoje abrimos os eventos do mês com havia uma demanda trazida pelos
grande satisfação, porque estamos Regionais a respeito das competências
podendo concretizar um grande desejo e atribuições dos assistentes sociais
do CRESS, que era poder lançar uma nos diversos campos de trabalho. A
publicação própria do Conselho. Assim, partir daí houve uma preocupação
surge a “Em foco”, que visa trazer ao das direções das entidades em abrir
debate temas polêmicos que estão discussões, internamente e com
no nosso campo. O primeiro número grupos mais ampliados, a respeito das
foi possível graças à parceria com competências e atribuições privativas
o curso de mestrado da UERJ, que do Serviço Social. Esta polêmica
assumiu parte do custo da produção prosseguiu encaminhada na gestão
das duas mil unidades desta edição. do CFESS que se seguiu, quando a
A ideia é fazer circular amplamente professora Elaine Behring presidiu o
essa publicação também em outros Conselho, e precisa ter continuidade,
Estados, porque o assunto de que trata porque, com esta discussão, estamos
é de interesse da categoria em todo o reafirmando os rumos que queremos
país. Queremos, assim, compartilhar e precisamos dar ao Serviço Social no
com vocês a satisfação de lançar esta Brasil. Empreendemos uma luta árdua,
revista e agradecer especialmente à de mais de duas décadas, construindo
professora Maria Inês pelo empenho um projeto ético-político profissional
e pela colaboração que prestou ao diferenciado do que foi o da origem da
Conselho no sentido de tornar possível profissão. Um projeto comprometido
esta publicação. com uma outra ordem social, com
Para dar início ao debate de hoje, direitos e com políticas sociais públicas.
convido as professoras Sônia Beatriz Tem sido um grande esforço consolidar
Sodré e Marilda Iamamoto para a mesa. e ampliar este projeto. Nós, assistentes
A programação prevê de 40 a 50 minutos sociais, estamos remando contra a maré,
* Hilda Corrêa de Oliveira, de fala para cada expositora, a fim de num rumo contrário ao movimento
à época, era presidente do que possamos abrir o debate ao público. observado na ação dos governantes e
Conselho Regional de Servi- Na realidade o debate que se iniciou na sociedade em geral. Este debate
ço Social – 7ª Região (RJ). sobre a prática do Serviço Social Clínico visa reafirmar nossos compromissos,

Cress/RJ - 7a Região
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éticos e políticos, com este projeto, e Clínico com ele se compatibiliza. Este é Ao contrário
verificar se a prática do Serviço Social o cerne do debate que faremos hoje.
do que possa
parecer às novas
Sônia Beatriz Sodré Teixeira*
gerações, a
prática clínica
Quero agradecer pelo convite. Estou sua prática, o que se faz nas Instituições
revendo muitos ex-alunos e colegas, isto é e como se faz no agir profissional. não é uma nova
muito prazeroso. Rever, também, pessoas Então, penso que o próprio debate inserção do
que estão trabalhando nas Instituições aqui na UERJ e a publicação que o
na área clínica do Serviço Social. Espero reproduziu foram razões importantes Serviço Social.
poder representar aqui um pouco do que de levantar esta interlocução do Serviço É a atualização
o assistente social clínico faz. Mais do Social Clínico dentro do Serviço Social
que definir o que é, vou pela via do que de uma maneira geral. Acho que existe de práticas
se faz na clínica do Serviço Social. uma forte busca, uma forte demanda dos históricas que
Este debate é super importante, e profissionais que atuam nas instituições,
por muitas razões, mas queria ressaltar dos profissionais que não se sentem são constitutivas
três delas que, a meu ver, são as mais preparados para estas demandas que da disciplina.
relevantes. A primeira, por que resgata nelas lhes são apresentadas e que não
um comentário que fiz no primeiro encontram, também, ecos reflexivos nos
debate, aqui mesmo na UERJ, em junho espaços formais de discussão ante aos
de 2002, em que registrei a falta de um dilemas que se colocam na prática. Na
assistente social clínico na mesa, que verdade o que se percebe é que, no marco
pudesse transmitir a visão de alguém atual, trabalhar com indivíduo, grupos e
“por dentro” do Serviço Social Clínico, familiares é visto como algo conservador.
alguém que o faz e o pratica. Então, É por isso que se torna importante pensar
espero que hoje possamos ter esta visão se isto é ou não conservador, e o que é
de dentro. Segunda importância, pela ser conservador.
emergência, mesmo, no sentido de que Mas gostaria de, inicialmente, fazer
o Serviço Social Clínico é a mais antiga uma breve apresentação de quem sou,
e permanente prática dos assistentes em que trabalho, para que vocês possam
sociais. O acúmulo de conhecimento do perceber o lugar da minha fala, de onde
Serviço Social e todo o capital construído estou falando. Sou assistente social,
pelos profissionais tornaram-se pouco com quase trinta anos de formada.
visíveis nesta área, fazendo com que os Desenvolvo uma prática clínica no
assistentes sociais desconheçam a estreita IPUB, que é o Instituto de Psiquiatria da
relação das raízes da profissão com esta UFRJ, hospital público de saúde mental, * Sônia Beatriz Sodré
prática que estou chamando, aqui, de atendendo diretamente à população que Teixeira possui gradua-
clínica, que é direcionada ao indivíduo, busca a instituição. Ao lado de minhas ção em pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro
aos grupos e às famílias, na abordagem funções acadêmicas e de supervisão,
(1974), mestrado em pela
direta. Ao contrário do que possa parecer nunca deixei de atender e penso que Pontifícia Universidade
às novas gerações, a prática clínica não estar na linha de frente do trabalho com Católica do Rio de Janeiro
é uma nova inserção do Serviço Social. uma população que busca a instituição (1982) e doutorado pela
Muito menos, a meu ver, o movimento faz diferença. Com meus alunos da PUC- Universidade Federal do
de um grupo de assistentes sociais que RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1997).
reivindica o direito de clinicar, mas é a Rio de Janeiro), onde também leciono, Atualmente é professo-
atualização de práticas históricas que e no curso de especialização em terapia ra auxiliar da Pontifícia
são constitutivas da disciplina. O Serviço de família, que coordeno no IPUB, venho Universidade Católica do
Rio de Janeiro, professora
Social Clínico, ao longo dos anos, nunca construindo um espaço de reflexão sobre
da Universidade Federal
deixou de se fazer presente no trabalho as práticas profissionais nos mais diversos do Rio de Janeiro, profes-
institucional, a despeito de períodos de campos. Então, é a partir da minha sora do Instituto Nacional
retração ou congelamento, como no auge vivência profissional e, também, do que de Assistencia Medica
do Movimento de Reconceituação. Quanto pude aprender na interlocução com os da Previdencia Social da
à terceira razão da importância deste alunos e supervisionandos que venho, Universidade Federal do
debate, me ocorreu pensar o seguinte: hoje, trazer algumas ideias sobre o que Rio de Janeiro e professora
por que este debate se tornou tão quente, penso ser o Serviço Social Clínico. do Centro Brasileiro de
tão polêmico, já que ele não é novo? Nós, Pensei em dividir a minha fala em Cooperação e Intercâmbio
de Serviços Sociais. Tem
da área clínica, debatemos isto há muito dois momentos: o que é o Serviço Social
experiência na área de
tempo, ao longo dos anos, e me ocorreu Clínico e, depois, os “fantasmas” que o Serviço Social, com ênfase
pensar que este debate, hoje, se faz tão perseguem dentro da profissão. em Serviço Social Aplicado.
presente por que os assistentes sociais Para falar o que é o Serviço Social Tem especialização na área
têm uma demanda enorme de discutir a Clínico pensei em dizer o que faz o de Terapia de Família.

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assistente social clínico, mais do que rótulo de ser marxista que vai identificar
fazer uma conceituação do que ele é. um progressista. Isto também já foi
Ou seja, como se efetiva esta prática, bem colocado por Faleiros no primeiro
o que estes profissionais fazem, como o debate. Na verdade, o que está em jogo
fazem, que demandas eles atendem. Os são as intenções que permeiam a ação
assistentes sociais clínicos têm as suas profissional.
práticas voltadas para o atendimento A propósito, segundo Rouzel,
de indivíduos, grupos e famílias que, psicanalista francês que escreveu o livro
por diversas razões, não tiveram Do trabalho social e da psicanálise, “os
suas necessidades atendidas, sofrem assistentes sociais se dirigem às pessoas
psiquicamente e vivem situações concretas com necessidades a serem atendidas, e
de exclusão e de abandono. Os assistentes suas atuações visam a inserção destas
sociais clínicos são constantemente pessoas num lugar socialmente viável
requisitados para intervirem nos conflitos para elas”1. Isto remete à ideia de que
familiares, nos conflitos comunitários e a questão social, que é nossa matéria
interpessoais, em situações que envolvem específica, não fica esquecida ou deixa
crianças e adolescentes desprotegidos de ser considerada na construção
ou desfavorecidos. Também atuam nas psicossocial. Ao contrário, me parece
questões de dependência química, de que ela se corporifica, atravessa e se
abuso sexual, de violência doméstica, apresenta nas expressões concretas do
nos campos da saúde, da educação, da quotidiano dos indivíduos, possibilitando
reabilitação, no campo sociojurídico, que estes profissionais percebam e
nas empresas e tantos outros. É uma trabalhem com as articulações entre
abordagem que privilegia a escuta da os planos objetivo e subjetivo, macro e
demanda imediata, que se faz direta, micro.
face a face, no contexto que pressupõe Michel Serres2, também psicanalista
um compromisso estreito entre as francês, diz algo super bonito. Ele diz
partes e implica em envolvimento e que “o trabalhador social é um passador
participação do assistente social numa do ‘entre dois’, mediador social entre
proposta reflexiva, mobilizando recursos a família e os lugares onde as crianças
e plasmando condições para que as se iniciam na cidadania. Como tal, não
pessoas se tornem capazes de exercer a poderia tomar o lugar dos educadores
crítica e reivindicar seus direitos sociais. naturais, que são os pais e a família,
Neste sentido, a meu ver, não há qualquer nem dos educadores culturais, que são
identificação com o trabalho ligado a os educadores e os professores, que
adaptação ou ajustamento. iniciam os jovens romanos nos saberes
A opção teórico-metodológica pode indispensáveis para serem membros da
variar, já que não se entende a proposta cidade”. E olhem que bonito o que ele diz
clínica em uma única vertente. Há aqui: “O trabalhador social acompanha a
diferentes maneiras de exercê-la. O que passagem; ele é um passador. No sentido
é o essencial? É o trabalho direcionado próprio, um intermediário, passador
para as relações interpessoais, levando- dos dois rios, da criança ao homem, o
se em conta a subjetividade, as histórias que requer um bom conhecimento do
de vidas, as trajetórias conseguidas e as meio familiar e do entorno social. Ainda
construções sociais possíveis. Trabalhar que não seja, predominantemente, um
no singular não necessariamente exclui trabalhador liberal, está sujeitado a
outras dimensões presentes e que são tão uma instituição, que lhe determina um
caras à profissão, como a sociopolítica. mandato, em função de uma missão para
Como disse Faleiros, não há Serviço a qual ela estabeleceu uma convenção
Social sem comunicação, sem fala e entre as autoridades tutelares e
sem escuta. Logo, o acolhimento, o concernidas, o Estado ou coletividade
cuidado e a atenção com os sujeitos em locais. Além disso, hoje o trabalho social
seus contextos fazem parte do projeto não se refere mais unicamente às crianças
profissional. e suas famílias como na sua origem, mas
Mas existe uma questão: será que a todos os níveis da população que sofre
os assistentes sociais clínicos têm um de um abandono ou de exclusão, seja
projeto próprio? Eu penso que não. O pela inadaptação social ou pela injustiça
projeto dos assistentes sociais clínicos que reina em nossa sociedade.”.
1
Du Travail Social à la é o mesmo de qualquer outro assistente Agora vou comentar sobre o que estou
psychanálise – Joseph Rouzel social, em qualquer outra tradição chamando de fantasmas do Serviço Social
– Lês Éditions du Champ Social intelectual. Não é o rótulo de assistente Clínico. Nomeei três. O primeiro: o Serviço
– Lecques, 2001.
social clínico que vai identificar um Social Clínico é conservador; o segundo:
2
Idem. conservador, assim como também não é o não é específico da profissão trabalhar

Cress/RJ - 7a Região
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tendo como referência a construção o fato do Serviço Social ter se debruçado Na atualidade
psicossocial, ou seja, esta dúvida; e o sobre os aspectos subjetivos e relacionais
terceiro: o Serviço Social Clínico não não implica, necessariamente, em deixar a opção pelo
atende às demandas profissionais da de lado ou desconsiderar os determinantes Serviço Social
atualidade e não faz avançar o projeto estruturais que compõem as trajetórias
ético-político. individuais. O reconhecimento das Clínico não está
Vamos primeiro à ideia, do Serviço desigualdades e injustiças sociais sempre desvinculada
Social Clínico como conservador. É esteve presente na luta das pioneiras por
preciso fazer uma localização histórica uma legislação social mais justa e também do político
entre dois momentos, na sua origem e na pela proteção infantil. Se olharmos e responde,
atualidade. Citando novamente Faleiros, com mais atenção para a história da
ele diz que para que o debate em pauta profissão, considerando a mentalidade, a meu ver
evolua é necessário um esforço na direção a cultura, o desenvolvimento das ideias plenamente,
da desconstrução da ideia de que ser em cada época, percebemos, no caldo
clínico é ser conservador, em oposição complexo de diferentes direções, o às demandas
ao ser revolucionário: esta dicotomia caráter revolucionário dos primeiros profissionais de
enclausura e não faz avançar o debate. assistentes sociais. Guiados pelo ideal
Vamos lembrar que o Serviço Social de ajuda, saíram de suas casas para o hoje.
emergiu de um campo contraditório espaço público, visando transformar a
de luta entre diferentes matrizes sociedade. Lamentavelmente, a pecha
conceituais: de um lado, aqueles que de conservador impede as novas gerações
desejavam transformar as pessoas; de vislumbrar o caráter empreendedor e
do outro, aqueles que desejavam criativo destas mulheres, que desafiavam
transformar o ambiente. O pêndulo o destino que lhes fora traçado: o
profissional recaía ora nos aspectos casamento ou a reclusão nos conventos.
individuais, ora nos aspectos sociais ou A tônica das pioneiras era o trabalho
ambientais. No processo de afirmação em vários níveis da organização social,
profissional o indivíduo, no seu contexto, influindo, inclusive, no Poder Legislativo. A
permaneceu como marco identificatório prática social dessas primeiras assistentes
do que é específico da profissão. As sociais teve vários direcionamentos, não
práticas com famílias, por exemplo, se limitando à ideia do controle social
aparecem na construção do Serviço Social como única alternativa. Os projetos
de modo incisivo e constante, recebendo podiam ser revolucionários para a época,
diferentes tratamentos teóricos ao longo pois não permaneceram alheios à questão
de seu desenvolvimento, ao longo dos social emergente.
anos. A psicanálise, nos anos 40 a 50, Obviamente, falando da atualidade,
tornou-se o mais importante referencial o Serviço Social Clínico praticado hoje
dos assistentes sociais, dando-lhes não é, e nem pode ser, o mesmo de há
sustentação teórica e conceitual e décadas passadas. Neste sentido não há
lançando luzes sobre os procedimentos retorno ao passado, isto é impossível.
operativos e livrando a prática dos Como em qualquer outro campo do saber
assistentes sociais do peso excessivo, revisões foram feitas, transformações
que à época ainda existia, das ideias de processadas, alguns referenciais
inquérito social ainda prevalentes. superados e transformados. Hoje nos
Relendo Hollis, destaco sua reflexão deparamos com novas formas de se olhar
sobre os motivos que levaram os assistentes o exercício profissional dos assistentes
sociais e psiquiatras a serem os primeiros sociais clínicos. Na atualidade a opção
a se apropriarem das ideias de Freud. pelo Serviço Social Clínico não está
Segundo ela, “esses profissionais lidavam desvinculada do político e responde,
diretamente com os dilemas humanos a meu ver plenamente, às demandas
e não podiam esperar por respostas profissionais de hoje. Na medida em
positivas das novas ciências ainda em que articula o sujeito ao seu contexto,
construção. Como esses profissionais não realizando uma prática social crítica
estavam encastelados em bibliotecas e antenada com os grandes temas da
e laboratórios e, sim, atendendo a atualidade, não vejo por que tratá-lo
demandas humanas imediatas, eles como conservador.
ocupavam a incômoda posição de Penso que a clínica hoje propicia
terem que tomar decisões a respeito de àqueles diretamente envolvidos a
situações emergentes, que não podiam possibilidade de realizarem projetos 3
Hollis, Florence – The
esperar pelas certezas antes de agirem, pessoais e familiares de transformação, Psychosonal Approach to
pois eles lidavam também diretamente através de abordagens reflexivas que the Practice of Casework in
Theories of Social Casework.
com os destinos das pessoas”3. permitam que se olhe para os sujeitos University Of Chicago Press,
Vimos, então, através da história, que na sua singularidade, na sua história, e 1970.

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não reduzidos a um problema ou a uma estava falando sobre recasamento, a
disfunção social. A visão funcionalista, tese dela era sobre este assunto. Ela
equivocadamente associada a um modelo acaba sua apresentação dizendo: “nós,
psicossocial, pressupõe um conjunto psicólogos clínicos, trabalhamos com
de técnicas e procedimentos pré- transformações sociais”. Achei muito
estabelecidos e direcionados a corrigir interessante. Penso que esta ideia está
disfunções sociais e, como tal, não dentro desta nossa discussão de hoje.
encontra respaldo na clínica reflexiva da Bem, o terceiro fantasma é a ideia
atualidade. de que o Serviço Social Clínico não
Bem, o segundo fantasma é a ideia de atende às demandas dos profissionais da
que não é pertinente à profissão trabalhar atualidade e não faz avançar o projeto
tendo como referência a construção ético-político. Este desafio, no meu
psicossocial. Por que não seria, se hoje entendimento, compõe a totalidade da
outras profissões, como a Psiquiatria, a profissão, que deve se indagar sobre
educação, a Psicologia, a saúde mental, como articular o contexto das relações
se apropriam da abordagem psicossocial sociais mais amplas com as demandas
em seus exercícios e o fazem de forma individuais e os princípios da profissão.
crítica? No marco dos debates da Reforma A postura ética, entendida como uma
Psiquiátrica a ideia da reabilitação afirmação de compromisso com o outro,
psicossocial foi retomada como uma a partir do respeito à diversidade e à
vertente progressista. Nas terapias dignidade do sujeito, deve pautar as
familiares há uma enorme preocupação ações profissionais, qualquer que seja a
com os fatores sociais e as perspectivas abordagem.
mais atuais se pautam na aceitação das Na atualidade, as fronteiras entre os
diferenças e no exercício da cidadania, diferentes campos tornam-se permeáveis
tornando os terapeutas sensíveis às e as aproximações entre os diferentes
questões sociais. Interessantes trabalhos saberes se fazem emergentes. O campo
são desenvolvidos na África, na Nova “Psi”, como acabei de contar aqui,
Zelândia e na Austrália, revitalizando incorpora as relações sociais. E o campo
conceitos como rede social e cuidados social se debruça sobre a subjetividade
psicossociais, velhos conhecidos do e as motivações inconscientes do desejo
Serviço Social, agora resgatados como humano, eliminando totalmente o risco de
fundamentais na prática clínica. Fica se trabalhar com dicotomias e polarizações
a pergunta: por que estes conceitos reducionistas. O risco do relativismo pode
são legitimados em outras profissões estar presente, mas acredito que nossa
e no Serviço Social, berço da tradição tarefa é a constante indagação sobre o que
psicossocial, são rejeitados? é o Serviço Social nas suas mais diferentes
Hoje pela manhã, me lembrei de manifestações e na possibilidade de
contar isto a vocês, estava assistindo à inaugurar relações sociais novas.
apresentação de uma tese de doutorado no Bem, estou disponível para o debate
IPUB, sobre psicologia clínica. A psicóloga dessas ideias. Obrigada.
* Marilda Iamamoto é
assistente social, mestre em
Sociologia Rural e doutora Marilda Iamamoto*
em Ciências Sociais (PUC-
SP). Professora Titular do
Departamento de Fundamentos de um diálogo franco e aberto. Minha
do Serviço Social da Escola Gostaria de saudar os assistentes
de Serviço Social da UFRJ, sociais, professores e alunos presentes na expectativa é que tenhamos um debate
atualmente aposentada, abertura do Mês do Assistente Social, que respeitoso e rigoroso sobre distintas
e professora visitante da se inicia de uma forma muito fecunda: vertentes profissionais presentes
Faculdade de Serviço Social na categoria, tendo como foco suas
da UERJ, até março de 2004. a troca de opiniões sobre o exercício
É autora de vários artigos e profissional, colocando em debate visões implicações para o projeto profissional.
livros publicados no país e diferenciadas sobre a análise do Serviço Em outros termos: as concepções hoje em
no exterior. Dentre os livros Social. debate contribuem ou não para avançar
publicados no país, destacam- as conquistas do Serviço Social brasileiro
se: Trabalho e Indivíduo Social Meus agradecimentos ao CRESS da
(2001); Serviço Social na 7ª Região e à UERJ por esta iniciativa dos últimos quarenta anos?
Contemporaneidade: trabalho de pensar as funções e as atribuições Tive a oportunidade de fazer uma
e formação profissional (1998), do assistente social, recolhendo leitura cuidadosa da tese de doutorado da
hoje na 7ª edição; Renovação professora Sônia Beatriz Sodré Teixeira,
e Conservadorismo no Serviço depoimentos e pontos de vista distintos
Social (1992), na sua 6ª edição; sobre as formas de interpretar e realizar intitulada “O Serviço Social com famílias
e, em co-autoria com Raul de o trabalho profissional na atualidade. e a terapia familiar: resolvendo dilemas
Carvalho, Relações Sociais e Saúdo a professora doutora Sônia e abrindo caminhos”, defendida no IPUB,
Serviço Social no Brasil (1982), em 1997, sob orientação do doutor Carlos
atualmente na sua 16ª edição. Beatriz Sodré Teixeira pela oportunidade

Cress/RJ - 7a Região
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Edson Duarte. Assim, a base de minha atribuições privativas e competências
interlocução vai ser esta produção que, do assistente social, estabelecidas na
suponho, seja uma das mais madura de Lei de Regulamentação da Profissão (Lei
todos nós: a tese de doutorado. 8.662/93). A matéria regulamentada
A exposição propõe-se a tratar nesta Lei é fruto de fecundos debates,
das competências e atribuições do avanços e lutas profissionais, sendo
assistente social estabelecidas na expressão desse processo.
Lei de Regulamentação da Profissão, Qual a ótica de análise da profissão
considerando a trajetória histórica que norteia a presente exposição?
recente do Serviço Social no país na O primeiro pressuposto, que informa
perspectiva de fortalecimento do projeto a abordagem do tema, é reconhecer
ético-político profissional. Um dos dilemas que a profissão, sendo resultante da
com que nos defrontamos no presente é história da sociedade, é, também,
a particularização dessas competências e produto teórico-prático dos agentes que
atribuições privativas ante as mudanças a realizam. Ela se transforma como parte
verificadas na divisão social e técnica das transformações societárias, pois,
do trabalho, com amplas refrações no como diz Marx, a “sociedade não é um
exercício profissional, materializando os cristal sólido, mas algo em constante
princípios éticos basilares que orientam o e permanente mudança”. A profissão,
projeto profissional. O desafio é pensar as como parte da sociedade, também assim
competências e atribuições profissionais o é: encontra-se em um permanente vir
em relação ao chamado Serviço Social a ser.
Clínico. O processo de profissionalização do
Inicio este debate com uma posição Serviço Social não se explica apenas
explícita de minha parte: a afirmação pela evolução teórico-prática interna
do movimento crítico do Serviço à profissão. As profissões – e não só o
Social latino-americano, enraizado no Serviço Social – se constituem como tais
Movimento de Reconceituação, que tem quando existem necessidades sociais
hoje no Brasil a sua feição mais madura. efetivas e forças sociais que impulsionam
O Serviço Social, nas últimas décadas, a sua institucionalização. Na sociedade
deu um salto de qualidade tanto na brasileira, elas são indissociáveis do
análise de seus fundamentos, quanto do processo de industrialização, quando
exercício, consolidando sua afirmação o Estado se defronta com um novo
acadêmica e profissional na sociedade. sujeito político: a classe operária
As últimas décadas registram conquistas urbana, que requalifica a questão
do maior porte. Em primeiro lugar, no social no país. As desigualdades sociais
plano da produção acadêmica tem- tornam-se desigualdades historicamente
se a consolidação da pós-graduação – determinadas, desigualdades entre
mestrados e doutorados –, a expansão do classes sociais, entre sujeitos coletivos.
mercado editorial e uma ampla revisão do Dentro desta perspectiva, a profissão se
ensino de graduação. Em segundo lugar, a estabelece quando o Estado amplia suas
representação profissional consolida-se e funções na sociedade e cria, junto com
legitima-se, o que se expressa no Conjunto os empresários capitalistas, demandas
CFESS/CRESS (Conselho Federal de Serviço socioprofissionais, configurando um
Social e respectivos Conselhos Regionais), mercado profissional de trabalho.
na ABEPSS (Associação Brasileira de Esse processo contou, certamente,
Ensino e Pesquisa em Serviço Social) e com o protagonismo dos nossos pioneiros
na representação estudantil através da – aos quais reafirmo meu respeito e
ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes admiração –, que tiveram a capacidade
de Serviço Social). Em terceiro lugar, a de detectar essas novas possibilidades
partir de um atento acompanhamento abertas pelas mudanças históricas e
da dinâmica sociopolítica, registram-se incorporá-las na construção dessa nova
significativos investimentos na leitura especialização do trabalho na sociedade.
crítica da sociedade e do Estado no país Este processo é importante, porque o
e no esforço de ampliação do espaço espaço profissional não está dado, mas
ocupacional. Em síntese, o Serviço Social encontra-se em permanente processo
adquiriu sua maioridade acadêmica e de redimensionamento, cabendo aos
profissional, fruto de um trabalho coletivo profissionais entender e detectar as
de todos nós, o que muito nos honra e tendências presentes na sociedade,
merece nosso respeito e admiração. apropriar-se das possibilidades
Tendo como referência essa trajetória historicamente dadas e transformá-las
da profissão no Brasil, o foco da em propostas de trabalho.
minha exposição incide na análise das O Serviço Social historicamente

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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privilegiou o nível de execução no respeito ao objeto ou assunto sobre o
trabalho direto com segmentos que se exerce a força de um agente; área
populacionais, indivíduos e grupos é o campo delimitado ou o âmbito de
das classes subalternas, que ainda atuação do Serviço Social; e a unidade do
hoje continuam a ser seu público-alvo Serviço Social, mais do que uma unidade
prioritário. Todavia, novos campos de administrativa, pode ser interpretada
trabalho se abrem e outras possibilidades como o conjunto de profissionais dentro
de atuação se apresentam hoje, seja no da unidade de trabalho.
âmbito do controle social das políticas Pensar as funções e atribuições
públicas, do planejamento, da avaliação, profissionais hoje pressupõe, certamente,
da gestão, da consultoria, entre outros. apreender e explicar o que o assistente
Este conjunto de redefinições por que social faz na realidade, elucidando os
passa o Serviço Social na sua trajetória fundamentos do trabalho profissional
histórica pode dar a falsa impressão de e seu significado social no processo de
ser a profissão socialmente indefinida, o reprodução das relações sociais. Neste
que frequentemente é subjetivamente sentido, a contribuição dos profissionais
apreendido como um processo de de campo é também fundamental no
“desprofissionalização”. sentido de oferecer subsídios para que se
A Lei de Regulamentação da Profissão possa particularizar e aperfeiçoar essas
estabelece, nos seus artigos 4º e 5º, as competências e atribuições do Serviço
competências e atribuições privativas Social na atualidade, considerando as
do assistente social, que expressam relações sociais determinadas – com o
a capacidade de apreciar e dar Estado, o empresariado, as organizações
resolutividade a determinados assuntos. da sociedade civil e congêneres – nas
Todavia existe uma imperfeição na Lei, quais se inscreve o profissional enquanto
visto que algumas competências privativas um trabalhador assalariado.
estão reafirmadas nas competências mais O desenvolvimento da divisão social
genéricas previstas no artigo 4º. Quais e técnica do trabalho vem perfilando
são estas atribuições privativas no seu novas necessidades sociais e novas
conjunto? profissões, que vão se desmembrando e
1. coordenar, elaborar, executar, alterando as fronteiras profissionais. Por
supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, exemplo, a Psicologia só foi tardiamente
planos, programas e projetos na área de regulamentada, em 19624, decorrendo,
Serviço Social; a partir daí, uma expansão significativa
2.  planejar, organizar e administrar dessa especialização do trabalho, que
programas e projetos em unidades de passa a ser dotada de legislação específica
Serviço Social; e especializações próprias (Cf. Resolução
3. assessoria e consultoria a órgãos da 014 de 13/12/2000 do Conselho Federal
administração pública direta e indireta, de Psicologia).
empresas privadas e outras entidades em Como pensar o chamado Serviço Social
matéria do Serviço Social; Clínico no âmbito das nossas competências
4.  realizar visitas, perícias técnicas, e atribuições profissionais? O assistente
laudos periciais, informações e pareceres social pode ser um terapeuta familiar?
em matéria do Serviço Social; Isto é competência do assistente social?
5.  elaborar, coordenar, executar e Como pensar as fronteiras profissionais?
avaliar planos, programas e projetos, A professora Sônia Sodré, considerando
que sejam do âmbito de ação do Serviço o Serviço Social Clínico como a prática do
Social, com a participação da sociedade Serviço Social com indivíduos e famílias,
civil; que envolve contrato entre as partes e
6. encaminhar providências e prestar conhecimentos de psicanálise, indaga:
orientação social a indivíduos, grupos e por que o Serviço Social não conseguiu
população; manter o campo de família – o trabalho
7.  realizar estudos socioeconômicos com famílias e a terapia familiar – como
com os usuários para fins de benefícios uma de suas competências profissionais?
e serviços sociais, junto a órgãos da Considerando esse campo um espaço
administração pública direta e indireta, de possibilidades e de luta pelo poder,
empresas privadas e outras entidades. identifica uma dupla batalha que
4
Cf. MANCEBO “Da psicologia O foco da polêmica se centra no que explicaria este fato: “uma, dentro da
aplicada à institucionalização é privativo do Serviço Social, conforme profissão, através do Movimento de
da profissão universitária: a o texto da Lei, o que supõe definir o que Reconceituação que buscou enfraquecer
regulamentação da psicologia
enquanto profissão”. In: é unidade do Serviço Social, matéria do as posições contrárias às dele e outra, por
Cadernos IPUB nº 8. Rio de Serviço Social e área do Serviço Social. fora dela, do Serviço Social com outras
Janeiro, UFRJ. Considera-se que a matéria diz profissões pela ‘posse’ da área familiar”

Cress/RJ - 7a Região
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(Sodré, 1977: 118). de visão” referencia-se na “crise dos O que está
Para tratar a atuação do assistente paradigmas” – ou dos fundamentos
social com família, Sodré retoma a (Morin) –, considerando os “circuitos
em jogo é
história do Serviço Social, salientando holísticos”, onde tudo está integrado a recusa do
a contribuição dos nossos clássicos da como partes conectadas de seus sistemas
perspectiva psicossocial no pensamento dentro da unidade. Ela é pautada em três
norte teórico-
do Serviço Social. Recupera a polêmica elementos: o primeiro é a abordagem metodológico
entre Mary Richmond e a Jane Adams, da complexidade, a convivência dos
nas origens do Serviço Social, mostrando contrários, a riqueza do múltiplo, o
e sociopolítico
a contribuição da Psicanálise no acento reconhecimento das ambiguidades e inaugurado
terapêutico do case work. Na década de flutuações; o segundo, a valorização
1940, destaca a contribuição de outras da desordem e da instabilidade, do
pelo
figuras importantes nos marcos do método movimento, reconhecendo que a vida é Movimento de
psicossocial, da escola diagnóstica e da resultado de ações coletivas, ações não
orientação funcional. previstas; e, o mais importante, na minha
Reconceituação
Segundo a autora, o Movimento leitura, e terceiro, é a afirmação de que e um retorno
de Reconceituação privilegiou mais a realidade não existe fora de quem a
a ruptura e a denúncia que elaborou observa: ela é fruto da construção do
ao idealismo,
“propostas metodológicas concretas”; sujeito. É a “teoria do observador”, em numa
negou o institucional e o individual, o que que os diferentes atores são coautores
repercutiu na prática clínica com famílias, da realidade. Considera-se que não
perspectiva
tida como Serviço Social Tradicional; há realidades, somente pontos de restauradora
questionou os métodos do Serviço Social vista, frutos da construção mental do
a favor de uma abordagem genérica, observador. Assim, os problemas não
do passado
com suas críticas às soluções centradas estão nas famílias, mas no modo como profissional.
no indivíduo; ao enfatizar as “análises de as famílias constroem sua realidade (Cf.
conjuntura”, uma visão mais localizada, Sodré, 1976: 105-106).
ligada ao singular, foi perdendo força. Esses são os parâmetros teóricos que,
Desconsiderou, assim, o investimento segundo a leitura da autora, informam a
acumulado na área clínica, a partir do vertente psicossocial ou “terapêutica”
“marxismo autoritário”, que se tornou do Serviço Social. É importante atribuir
consenso teórico e político, gerando visibilidade a essas referências, pois as
o abandono de temáticas ligadas à ações realizadas dependem da leitura de
intervenção e ao trabalho individual e com realidade que as informam. O que está
famílias. A consequência foi uma divisão em jogo é a recusa do norte teórico-
da categoria entre os que mobilizavam os metodológico e sociopolítico inaugurado
profissionais para a ação política e os que pelo Movimento de Reconceituação e um
defendiam timidamente a persistência retorno ao idealismo, numa perspectiva
de modelos de intervenção. “Assim, o restauradora do passado profissional.
Movimento de Reconceituação conseguiu Quanto a este último aspecto, a conclusão
se transformar em corpo, obtendo o lógica é a de que, por exemplo, a Guerra
monopólio profissional voltado para os no Iraque e a pobreza não existem se
movimentos sociais e para as análises não forem “construídas” pelos sujeitos;
macroestruturais; consequentemente, se eu não “construir” esta realidade, ela
os demais enfoques ficaram fragilizados, não existe pra mim, pois ela depende
expostos a diversas críticas e finalmente do ponto de vista do observador. Ou
ameaçados de completa exclusão” (Sodré, seja, é a ideia que cria a realidade, não
1976: 83). é a realidade que explica a construção
De acordo com Sodré, as bases das ideias. Este é o grande debate que
teóricas da terapia familiar originalmente atravessou o século XIX, entre as escolas
estiveram centradas na Teoria Geral dos idealistas – das quais a mais importante
Sistemas, na Cibernética, nas Teorias da foi a filosofia clássica alemã, tendo em
Comunicação Humana. E hoje aponta o que Hegel seu maior representante –, e os
considera uma “nova perspectiva crítica diferentes materialismos, dos franceses
para a terapia familiar: o construtivismo à concepção histórica de Karl Marx. O
social”, a partir de revisões críticas que se coloca, pois, no centro do nosso
que tiveram lugar na década de 1980. debate é a relação entre conhecimento e
Considerou-se a ausência de visão histórica realidade, entre teoria e prática social!
da família, tratada na sua dinâmica Isto não é somenos!
interna, tendo sido negligenciada a Ao se restringir o âmbito de
importância das classes sociais e a preocupações ao como se efetiva a prática
excessiva valorização do aparato técnico. do “assistente social clínico” – o que fazer
O que é abordado como um “alargamento e como fazer –, desvinculado da crítica

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Os assistentes dos supostos teóricos que o explicam, profissionais e de valorização do
pode-se cair na fetichização desse trabalho interdisciplinar, o que não
sociais fazer. O profissional deixa de explicar e envolve diluição ou perda da identidade
trabalham, efetuar a crítica quanto aos fundamentos profissional. Os assistentes sociais
teórico-metodológicos, históricos e trabalham, certamente, com famílias,
certamente, éticos do seu trabalho, condição para mas o fazem em um âmbito e com
com famílias, imprimir um rumo consciente ao mesmo, uma perspectiva distinta do psicólogo.
tornando-se sujeito de suas ações. Não Trabalhamos com famílias atuando no
mas o fazem se pode reduzir o campo da reflexão processo de viabilização dos direitos e dos
em um âmbito ao “fazer profissional” e relegar para meios de exercê-los. Requer considerar
outros a tarefa de pensar e analisar a as relações sociais e a dimensão de classe
e com uma bagagem teórica que norteia esse fazer. que as conformam, sua caracterização
perspectiva Almejamos ser capazes de realizar as socioeconômica, as necessidades
ações profissionais e entender, ao mesmo sociais e os direitos de cidadania dos
distinta do tempo, as bases teórico-metodológicas e sujeitos envolvidos, as expressões da
psicólogo. as determinações econômicas, políticas e questão social que se condensam nos
ideológicas que estão nelas operando. grupos familiares, as políticas públicas
Finalmente, as áreas da terapia e o aparato de prestação de serviços
familiar, da “socioterapia” e de outras sociais que as materializam etc. A
terapêuticas são interdisciplinares, dimensão “psi” tem, na divisão técnica
nelas estando presentes profissionais do trabalho, outras áreas profissionais,
com diversas formações no nível de legal e academicamente habilitadas para
graduação. Quem prepara os profissionais atuarem nesse campo.
de distintas formações profissionais – Se eu quero fazer um processo
médicos, psicólogos, assistentes sociais terapêutico, vou me assumir como
etc – para atuar como terapeutas? terapeuta! E vou fazer um curso de
Certamente não é a formação universitária Psicologia, buscar um referencial teórico-
no nível de graduação. São, geralmente, metodológico e técnico profissional
as sociedades de especialistas. Eu compatível com o exercício da função.
perguntaria o seguinte: se o engenheiro Enquanto assistente social não posso
se torna um psicanalista ou um terapeuta avaliar um trabalho terapêutico ou
familiar cabe ao Conselho Regional de estabelecer as atribuições do psicólogo no
Engenharia e Arquitetura (CREA) fiscalizar campo da saúde mental, assim como um
o seu exercício como terapeuta, por ser psicólogo não pode definir as funções do
um engenheiro? Se um pedagogo se torna assistente social na área. Há uma divisão
terapeuta familiar cabe ao Conselho social e técnica do trabalho, que não é
Regional da área de educação fiscalizar o só reserva de mercado. São competências
seu exercício como terapeuta? e atribuições privativas, que justificam o
Há na sociedade uma divisão técnica aparato de formação universitária, da
do trabalho. Existem competências e pós-graduação, o reconhecimento dos
habilidades para as quais a formação diplomas, a autorização do exercício por
graduada – norteada pelas Diretrizes parte dos Conselhos.
Curriculares regulamentadas pelo MEC É isto que está em questão. Trata-se
– nos qualifica. Há outras competências de um tema que diz respeito a todos nós
que são de responsabilidade da pós- e traz à cena do debate os fundamentos
graduação lato e stricto sensu. teórico-metodológicos e éticos que
Pensando na política de fiscalização informam o projeto profissional. Eu
que concerne aos conselhos profissionais, respeito este debate. Respeito tanto,
indago: quem vai fiscalizar os serviços que li uma tese de doutoramento para
profissionais do assistente social como fazer uma interlocução, o mais fiel
um terapeuta? Quem tem competência possível, com a proposta do “Serviço
para fazer a capacitação envolvida na Social Clínico”.
fiscalização? São os colegas assistentes A pergunta que fica é a seguinte:
sociais, ou a responsabilidade de estamos remando na direção de
acompanhar a qualidade do exercício ultrapassar o passado profissional,
desses profissionais recai sobre os centros rompendo com os fundamentos que o
formadores de outras especialidades, que informam e com a prática neles apoiadas?
os habilitaram para o exercício de suas Ou queremos ressuscitar e projetar o
respectivas competências e atribuições, passado no futuro?
que já são de outra área técnico- Esta é a questão. Muito obrigada.
profissional?
Vive-se um momento da chamada
“flexibilização” das fronteiras

Cress/RJ - 7a Região
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Hilda Corrêa de Oliveira

Quero explicar que não tive disponibilizado para cada exposição.


competência para interromper o raciocínio Todos viram o tempo decorrido.
da professora Marilda dentro do prazo Entendo que todos estamos vivendo
estipulado. No início disse a todos que o uma noite privilegiada, tal o grau de
prazo estipulado para cada expositora era profundidade das questões trazidas por
de 40 minutos, o estendendo para 50, se esta mesa.
necessário. A professora Sônia não usou Há uma solicitação da professora
nem os 40 minutos. A professora Marilda Sônia de dispor dos dez minutos neste
(eu fui condescendente) acabou usando momento e, logo depois, abrimos para o
10 minutos além do tempo que estaria debate.

Sônia Beatriz Sodré Teixeira

Queria, de início, dizer a Marilda, que Mas a terapia familiar não é uma
estou muito orgulhosa dela ter lido minha profissão, é uma especialização. Se você
tese, porque realmente esta interlocução quer ser uma terapeuta de família, você
para mim é muito importante. vai procurar um instituto que te dê esta
Anotei várias contribuições, mas fiquei formação, assim como um psicólogo que
pensando, enquanto você falava, sobre quer ser psicanalista tem que procurar
o que seria importante aproveitar com um instituto de formação, se dedicar e se
a plateia deste potencial que está aqui debruçar sobre o estudo da Psicanálise,
para o debate. Quero depois me sentar para se formar como psicanalista. Mas
com você, já que você toca em aspectos acho que o assistente social busca o curso
que também foram questões para mim. de terapia de família talvez por que
Eu saí da tese com mais questões do que não tenha encontrado no Serviço Social
respostas, o que faz parte do processo. espaço para travar a discussão do que
Queria dizer algo que talvez é o atendimento dirigido ao indivíduo,
seja de interesse do público. A área do o atendimento direto ou qualquer que
Serviço Social com enfoque psicossocial seja o nome que a gente dê, clínico, caso
é diferente da terapia de família. Isto social. Mas esta abordagem psicossocial
é uma questão que volta e meia, como é de competência dos assistentes sociais.
são áreas muito próximas, gera esta É específico dos assistentes sociais. Não
confusão: assistente social é terapeuta acho que seja da terapia de família.
de família? Entendo que a terapia de Agora, você pode usar conhecimentos da
família é uma especialização. É uma terapia e se especializar como terapeuta
capacitação, um curso que você faz, que para você ter esta especialização. Enfim,
vai te dar habilidades não só técnicas, não sei se isto motiva uma discussão.
como teóricas, para você poder exercer
a terapia familiar.

Marilda Iamamoto

Gostaria de solicitar-lhe um profissional e foi exatamente o objeto


esclarecimento. Na sua tese você de crítica por parte do Movimento
sustenta que, devido à falta de respostas de Reconceituação. Não que ela não
que o Movimento de Reconceituação traz considere a subjetividade, mas é distinta
ao exercício profissional, os assistentes a maneira como lê a relação do homem
sociais buscaram a terapia familiar como com sua subjetividade na vida social. E
uma “nova” qualificação profissional, a terapia familiar? Ela é vista como uma
considerada uma “novidade”, enquanto forma de operar o Serviço Social Clínico?
suporte para a atuação. Faço uma análise Eu solicitaria que você explicitasse estas
distinta. O Serviço Social psicossocial questões.
é parte da história de nossa herança

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Sônia Beatriz Sodré Teixeira

Também, com certeza, mas usando retornar a este passado.


algumas ideias, alguns conceitos da Quais são as diferenças? A primeira: não
terapia de família para sua ação. Como se pode retornar ao passado. A segunda:
hoje se vê psicólogos utilizando uma hoje, nós assimilamos outras ideias,
abordagem sociológica, ou antropológica, outras aberturas, outros conceitos que
para melhor poder entender os problemas ampliaram e enriqueceram a visão que
humanos. Então uma coisa é você poder podemos ter do homem no mundo, das
se utilizar, de outras áreas, daquilo suas dificuldades, das estruturas sociais.
que você acha que pode ajudar no seu Todos os avanços que temos na ciência
exercício profissional. Outra coisa é podemos incorporá-los no psicossocial.
você fazer uma especialização nesta Portanto, a ideia que temos que ter
área. Outra questão importante é que a em mente é o que é o psicossocial na
abordagem psicossocial, esta vertente, atualidade. Com o que se trabalha, o
hoje não é mais a da sua origem. Parece que se faz, quais são as preocupações
claro, mas às vezes não o é para quem dos assistentes sociais que estão na linha
está na prática, para quem quer discutir direta das intervenções, no trabalho
o tema. Existe um ranço na ideia de que direto. Esta é a questão que coloco para
trabalhar na vertente psicossocial hoje é o público.

Cress/RJ - 7a Região
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Debates*
Mavi Rodrigues: Gostaria de, num primeiro Serviço Social Clínico como Serviço
momento, sobretudo nos parabenizar por Social? Gostaria de saber o que é que os
estarmos trazendo a público um debate assistentes sociais que se dizem clínicos
que já vem há alguns anos sendo feito chamam de clínica. O que é clínica? E
pela internet ou em outros locais, onde o que é Serviço Social para o assistente
a fundamentação da crítica não tem social clínico? Se clínica é a escuta em
muito espaço para acontecer. É muito cima da demanda, o face to face, o
bom ter Sônia Beatriz na mesa, falando que diferencia a clínica de uma escuta
por dentro do seu próprio trabalho, sobre espontânea que se processa na rua, na fila
o que é o Serviço Social Clínico, porque do banco, entre os nossos usuários? O que
este é um momento ímpar para tirarmos particulariza a clínica? Clínica é trabalhar
algumas dúvidas. Estas coisas rebatem com família? Se for assim, há um grande
lá no Conselho: alguns profissionais têm equívoco, porque a família foi berço
demandas de saber por que é que ao fazer para a Psiquiatria e para o social, para
uma especialização em terapia familiar várias intervenções das áreas humana e
não têm reconhecimento do CRESS. Então social. As diversas profissões que lidam
é um ótimo momento para se tratar em com as áreas humana e social lidam com
público das diversas questões técnico- família de uma forma direta ou indireta.
operativas e ético-políticas que envolvem Todas elas são clínicas? O que é estamos
esta temática. chamando de terapêutico? Serviço Social
Vou aqui retomar ao menos duas é clínico? Por que é que o Serviço Social
afirmações que fiz no primeiro debate e se institucionaliza num determinado
que (não sei se Sônia concorda comigo) período histórico, justamente quando
não inviabilizam o diálogo, mas partem o Estado enfrenta a questão social via
de uma premissa, ou de uma convicção, políticas sociais? Se o Serviço Social
da qual não abro mão até que se prove Clínico diz que está antenado com a
o contrário, ou até que me convença. política, por que os conteúdos políticos
E a fala da Sônia só reforçou estas duas não aparecem nesta relação com o
convicções que volto a reafirmar. No ano cliente? Que família é esta? Uma família
passado, quando houve este debate aqui que está descolada da desigualdade entre
no Rio, sustentei que o Serviço Social classes? Uma família que não configura o
Clínico não trazia inovação para o Serviço mapa da fome? Uma família que não é
Social, na clareza que ao Serviço Social chefiada por mulher? Uma família sobre a
não competem intervenções clínico- qual não temos nada a dizer em relação
terapêuticas. Isto não está previsto nos às políticas públicas do Estado neste
artigos 4º e 5º da Lei 8.662/93. Isto pode tempo todo? É uma primeira provocação,
estar dito, vagamente, lá na história do sustentando que o Serviço Social não é
Serviço Social, lá no passado. Mas temos clínico e não é terapêutico. O Serviço
que perceber que houve a regulamentação Social lida com prestação dos serviços
e a institucionalização da Psicologia. E o sociais, com planejamento na área das
Serviço Social também avançou, também políticas sociais. E aí, lida com família,
amadureceu em várias coisas. Também sim, mas não pelo viés terapêutico.
naquela época afirmei que o Serviço Mas queria ouvir mais sobre o que é o
Social Clínico, apesar de não se colocar no terapêutico. Terapêutico é ajuda? Toda e
marco do conservadorismo, apesar disso qualquer forma de ajuda? A de um pastor
ser professado pelos assistentes sociais em relação a seu rebanho? O papo que
que se dizem clínicos, o Serviço Social se tem quando você está aflito e quer
Clínico padece de um conservadorismo. dividir com um colega, aí sai para tomar
Aqui vou “cutucar” Sônia de novo. um chopp? É isto que podemos chamar
Repito que isto não inviabiliza o diálogo. de clínico e de terapêutico? Ou isto exige
Este debate é público, estamos “dando um arcabouço maior, exige desvendar as * Há trechos inaudíveis
o rosto para bater”, como diz o ditado tramas do psíquico, sua dinâmica? Mas, na gravação, o que pode
ter prejudicado parte da
popular. Se não estivesse calçada em então, isto nos compete? Ou compete à contribuição efetuada pela
torno de alguns fundamentos seria uma área “psi”? plateia presente ao debate;
crítica leviana, mas acredito que minha O Serviço Social Clínico não é há participantes da plenária
crítica pode ser chamada de tudo, menos conservador, ele não se pretende que não se apresentaram no
momento de suas falas, o
de leviana. conservador, mas resgata Mary Richmond. que impede sua identificação
Por que é que eu não considero o Resgata Mary Richmond e resgata o completa.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Serviço Social de Caso. E mais (Sônia, prática de qualquer profissional, seja
mesmo, o falou de forma muito clara), advogado, psicólogo, engenheiro, como
o Serviço Social lida com os diversos já foi dito aqui na mesa. Então, não é
excluídos, quer seja por inadaptação um campo de Serviço Social. Na escolha
social, quer seja por injustiça social. de onde fazer o mestrado fiquei muito
Queria que você tratasse isto melhor, dividida. Falei com algumas colegas,
sobretudo por que, se entendemos estagiários (dou supervisão no Instituto
que questão social é exclusão, não a a alunos de Serviço Social da UFRJ, da
estamos entendendo como fruto de uma PUC, da UERJ) e troquei estas questões.
desigualdade de classes que marca esta Me diziam: “Mas Rochele, você não
sociedade. Por que quem é excluído o é é assistente social, você é psicóloga!
da riqueza socialmente produzida: ele Você fala igual a psicóloga, a escuta, a
não é excluído da produção, da lógica demanda...”. A questão não é esta! E
de acumulação. Não existe nada mais achei que deveria – e era meu desejo
conservador do que isso. Não existe nada – exatamente, clarear estas questões.
mais conservador do que me reportar à Quero, inclusive, agradecer em público a
realidade da intervenção profissional ajuda que Sônia Beatriz e Luíza me deram
considerando apenas o usuário – o durante a elaboração da dissertação, até
cliente ou a família – e o assistente pelas minhas confusões.
social. Não há nenhum outro elemento Em primeiro lugar, penso que há uma
de mediação que se encarne na relação confusão do que é clínico. É só pegar
entre estes sujeitos? Não há política o Aurélio e nós vamos ver. O clínico é
pública, não há desigualdade de classe? aquele que trata, vem do corpo médico.
Não há estas coisas que fazem do sujeito Mas também vem do grego, significando
um sujeito concreto, nas suas próprias debruçar-se sobre. Foi aí que me peguei.
subjetividade e objetividade? Se isso não é Será que o assistente social se debruça
conservadorismo, não sei mais o que é. Se em escutar a problemática social, a
Serviço Social de Caso não é conservador, questão social?
não sei o que é conservador. Voltemos à questão da competência
E é aí que o debate público se torna profissional. Acredito, baseada na
importante. Não é um debate leviano, minha experiência enquanto assistente
feito pelas costas, que desqualifica. social, que não é todo assistente social
É um debate onde as pessoas podem que é assistente social clínico. Esta é a
fundamentar, contra-argumentar e primeira questão e sobre ela, para mim,
mostrar suas opções, que são concretas. não há dúvida. À discussão sobre Serviço
Na vida nós optamos; mesmo no momento Social Clínico pode-se acrescentar ou não
em que não queremos optar nós o uma discussão sobre terapia familiar.
fazemos. A ausência de uma opção em Sônia Beatriz deu o testemunho de como
relação a dois pólos antagônicos expressa o Serviço Social Clínico se construiu
uma opção e leva a um resultado. através da história, como Marilda marcou,
uma prática, um trabalho num campo
Rochelle Gabay: Boa noite. Meu nome onde o Serviço Social é reconhecido na
é Rochelle Gabay. Sou assistente social academia. Estamos falando de um campo
há quase trinta e um anos, do Instituto de estágio, de formação profissional. Até
de Psiquiatria, colega de Sônia Beatriz. aí penso que caminhamos bem. Então,
Trabalhei com Maria Luíza e é evidente não vejo uma questão conservadora
que o nome Instituto de Psiquiatria dá nisso, porque se trabalha num campo do
a dimensão de um campo; um campo Serviço Social, se trabalha num campo da
de trabalho, um campo de competência Psiquiatria, porque se está trabalhando
profissional, tal como Marilda falou, onde sobre uma política de saúde mental num
os assistentes sociais vêm exercendo, não campo que não é o jurídico, é o campo
sei se da melhor forma, mas pensando psiquiátrico, que tem conhecimentos,
sobre este trabalho específico que eu, conceitos psicanalíticos, que até hoje
ao contrário da Mavi, tranquilamente estudo, sobre uma transferência, quer
defendo como um Serviço Social Clínico. dizer, sobre um deslocamento do campo
Minha dissertação de mestrado (ainda não da Psicanálise. Por que a Psicanálise?
fiz meu doutorado) se baseia exatamente Por que a história do Serviço Social
numa experiência do Instituto. Foi muito testemunhou isto. Então não fui eu quem
difícil decidir onde fazer este mestrado. inventei isso. Nem fui eu quem inventei
Até por que tenho uma formação o trabalho do campo psiquiátrico. Então,
psicanalítica, numa escola de Psicanálise como é o trabalho no campo clínico? É um
do movimento freudiano, que se debruça campo de interseção de vários saberes,
a estudar os conceitos psicanalíticos na um campo psiquiátrico, um campo do

Cress/RJ - 7a Região
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Serviço Social – porque sou assistente pode falar caso, grupo e comunidade...),
social – e um campo da Psicanálise. mas à comunidade onde ele vive, é um
Escutei: “Será que Serviço Social meio social, é o social dele. Foi feito um
Clínico é escuta e demanda?”. Não! trabalho de esclarecimento, um trabalho
Muitas vezes o porteiro do Instituto de de rede social junto a esta família, junto
Psiquiatria escuta melhor do que um à população e houve uma transformação
assistente social, ou um médico, ou um na vida daquela família. E que mudança
enfermeiro. Não é a escuta. É a relação, houve? Um tratamento com as crianças,
é a transferência. Está aí o conceito da uma inserção no mercado de trabalho,
Psicanálise. uma implicação melhor deste casal e
Vamos pegar, então, o indivíduo ou outras coisas, não queria me alongar
sujeito (vou falar do sujeito). O sujeito aqui. Então, do ponto de vista de se
vai a uma instituição para se tratar, ele pensar se há Serviço Social Clínico, não
com AIDS. A AIDS lhe criou dificuldades e tenho a menor dúvida de que há. Se é
ele foi parar, com uma questão delirante, conservador ou não, digo que não é,
no Instituto de Psiquiatria. O que fez o porque é exatamente o contrário daquilo
Serviço Social? Não fez milagres – e nem que conserva a dor, do conservador. Então
pode fazê-los. Mas foi à comunidade (não penso que esta é uma discussão longa e
vou falar comunidade, por que não se não nos cabe terminá-la hoje aqui.

Marilda Iamamoto

Vou tratar de um dos “fantasmas” conservador é um modo de vida do


apontados: o vínculo do Serviço Social passado, que pode ter existido em épocas
com o pensamento conservador europeu. pregressas. Mas no período histórico em
O que é o conservadorismo no Serviço que a sociedade está se transformando
Social, que foi objeto da crítica da com a industrialização emergem as classes
Reconceituação5? sociais típicas da era capitalista, que
O Serviço Social tem, certamente, em impõem uma relação contratual entre os
Mary Richmond um dos seus primeiros indivíduos; ocorre a reestruturação das
clássicos. Sua produção, com uma forte famílias trabalhadoras, e redimensiona-
raiz liberal, ao sustentar a polarização se o significado social dos “grupos sociais
entre indivíduo isolado e meio social básicos”. Nesse contexto, assinala Robert
aqui referida, marca nossas origens. No Nisbet9, os conservadores vão resgatar a 5
Para uma análise mais
Brasil, sob forte influência da doutrina ideia da comunidade contra a sociedade, aprofundada do tema,
social da Igreja Católica, o Serviço Social da família contra o contrato, da certeza conferir: IAMAMOTO, M. V.
toma a família como célula básica da intuitiva contra a razão, da experiência “O debate contemporâneo
espiritual contra a experiência material. da reconceituação do
sociedade. Diria, ainda, também, que
Serviço Social: ampliação
nós, assistentes sociais, nunca deixamos Tais elementos, parcialmente ocultos e aprofundamento do
de trabalhar com indivíduos, famílias, na vida social, são intencionalmente marxismo”. In: O Serviço Social
grupos e populações. Onde está a ruptura? resgatados do passado, como um modo na contemporaneidade. São
de ler o presente, redundando numa Paulo, Cortez, 7ª ed. 2004, pp.
Será que o Movimento de Reconceituação
201-250.
desconsiderou estas formas de expressão perspectiva de afirmação da ordem
dos sujeitos sociais? Absolutamente! O burguesa, ainda que sob um tom de 6
MARX, K. e ENGELS,
que é, então, a crítica ao conservadorismo crítica romântica, que lamenta o F. Manifesto do Partido
passado perdido. Os conservadores são, Comunista. In: Textos 3. São
na história profissional?
Paulo, Ed. Sociais, 1977.
O conservadorismo não se reduz ao assim, “profetas do passado”. Quando a
tradicionalismo. Enquanto subestima família deixa de ser a célula básica da 7
Cf. LÖWY, M. Para uma
o caráter histórico-progressivo das sociedade (visto que a sociedade não se sociologia dos intelectuais
estrutura mais em função de famílias, revolucionários. São Paulo,
transformações capitalistas6, a crítica
Livraria Ciências Humanas,
conservadora dispõe de um componente mas em função da troca mercantil e 1979.
anticapitalista romântico7. O debate se da propriedade privada capitalista, do
apresenta no lastro do conservadorismo trabalho assalariado e do capital – em 8
Há um belo estudo, de uma
uma palavra, das relações de classe), figura não marxista, Karl
europeu, fruto da sociedade burguesa
Mannheim sobre o pensamento
emergente, que surge na contramão quando a estruturação das famílias conservador alemão. Cf.
da Modernidade e das tendências da passa a ser conformada pela inserção MANNHEIM, K. Ensayos de
Ilustração. O pensamento é conservador dos indivíduos na esfera do trabalho sociología y psicología social.
assalariado, há um resgate idealizado da México, Fondo de Cultura
porque é antimoderno. Ele atinge não
Económica, 1963.
apenas as ciências sociais e o Serviço família, da comunidade, lidas a partir
Social. Expressa-se, também, na arte de relações que ordenaram o conjunto 9
NISBET, R. La formación
e na literatura, consubstanciado no da vida social no passado, mas que estão del pensamiento sociológico.
sendo historicamente superadas. Aquelas Buenos Aires, Amorrotu, 1969,
Romantismo8.
vol.I.
A fonte de inspiração do pensamento relações do passado tornam-se uma lente

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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para a leitura do presente. colocar em questão os fundamentos do
Qual é o ideário que orienta a leitura Serviço Social de Casos, do Serviço Social
conservadora da sociedade, que atravessa de Grupo e de Comunidade. Porém,
as ciências sociais e influencia os clássicos nunca o Serviço Social negou a família,
do Serviço Social nas suas origens? a relação entre indivíduo e sociedade,
Os pequenos grupos são tidos como mas estas passam a ser analisadas
fonte de toda sociabilidade, das relações sob outros fundamentos teóricos. É
interpessoais e da moralidade numa muito curioso que se atribua à tradição
sociedade em que as relações entre marxista – uma vertente realmente
os indivíduos estão atravessadas pelo estranha ao universo profissional até
mercado, pelas desigualdades de classe. então – as causas da secundarização do
O pensamento conservador privilegia trabalho com os sujeitos singulares. E se
o nós, e não o indivíduo isolado, atribua, consequentemente, à mesma
como o pensamento liberal. Na ótica Reconceituação o fato de os assistentes
conservadora, indivíduo é visto como sociais e da formação profissional terem
parte dos grupos sociais básicos: da perdido a preocupação com os “modelos
família, da vizinhança e das corporações, de intervenção”, com o ensino do “como
constatando-se uma preocupação de fazer”.
radicalizar a individualidade – o homem O Movimento de Reconceituação,
singular –, em detrimento da igualdade, de fato, representou uma primeira
das determinações e situações comuns aproximação do Serviço Social à tradição
por meio das quais os indivíduos se marxista, pelas vias do marxismo
constituem. A liberdade é subjetivada: estruturalista e vulgar, incorporados
cada um busca se desenvolver de acordo pela prática política: “um marxismo
com as limitações e possibilidades de sem Marx”, como denominou Quiroga10.
personalidade, enquanto nas relações Porém a Reconceituação é historicamente
externas o que prevalece é a defesa da datada (1965 – 1975) e o marxismo tem
ordem, a hierarquia, a disciplina, que uma enorme vitalidade de ser uma teoria
tendem a ser naturalizadas, porque que, ao mesmo tempo, faz a autocrítica
a sociedade capitalista é tida como de suas formulações, com o sustenta
natural e perene, dando lugar às ideias Perry Anderson11.
da adaptação e da integração social. Gostaria de salientar alguns mitos
O pensamento conservador tem a acerca da Reconceituação. O primeiro:
preocupação com o uso do conhecimento ela seria responsável pela falta de
para o controle prático de situações instrumentalização dos assistentes
concretas: a preocupação é com o sociais e pela falta de trato das questões
“como”, menos com os fundamentos. do exercício profissional quotidiano.
Enfim, a sociedade é vista como uma Outro mito: “a Reconceituação trouxe
comunidade, cujo modelo é a família, mais denúncias que respostas”. Diria
o que certamente já teve vigência no que, ao contrário: a “invasão positivista
passado histórico. no marxismo”, presente nas primeiras
No âmbito do Serviço Social, acresce-se aproximações do Serviço Social a esse
mais um ingrediente à cultura profissional: universo teórico, gerou uma “inflação
a base cristã, que demarca nossa cultura metodologista” na América Latina12
profissional historicamente. (Método BH; propostas da Escola de
A que o debate da Reconceituação Valparaíso, no Chile; as propostas
10
QUIROGA, C. Uma invasão dirigiu a sua crítica? Tanto à concepção oriundas do Peru). Enfim, houve, num
às ocultas: reduções liberal, quanto ao pensamento primeiro momento, um excesso, uma
positivistas no marxismo e “explosão dos metodologismos”, nas
conservador, que se unem na legitimação
suas manifestações no ensino
do Serviço Social. São Paulo, da ordem capitalista. Isto se desdobra, palavras de Leila Lima13, sendo o método
Cortez, 1989. por exemplo, na crítica ao indivíduo geralmente reduzido aos “modelos de
isolado, desligado da história; aos grupos intervenção profissional”.
11
ANDERSON, P. A crise da A Reconceituação tende a ser
sociais aprisionados à dinâmica interna,
crise do marxismo. São Paulo,
Brasiliense, 2ª ed. 1985. segmentados da vida social; às famílias, interpretada, pelos que a ela não
vistas como unidades sociais básicas, aderiram, como um movimento ideológico
12
Vv. Aa. Compendio sobre desvinculadas das relações de classe e e radical. Ou seja, os posicionamentos da
la Metodologia del Trabajo “esquerda” são tidos como ideológicos,
desigualdades sociais a elas inerentes.
Social. Buenos Aires, ECRO,
1972, p. 76-178. Todavia, a Reconceituação não mas não são reconhecidos como tais
propugnou a eliminação do trabalho do os compromissos ideológicos de outra
13
LIMA, L. e RODRIGUEZ, R. assistente social com famílias, grupos natureza, que demarcaram o passado
Metodologismo: estalido de profissional.
e comunidades. Ela questionou uma
una época. Acción Crítica nº
2. Lima, CELATS/ALAETS, jul. maneira determinada de abordar esses Há um outro grande mito, o de que
1977. sujeitos e o atuar perante os mesmos, ao a Reconceituação “negou o institucional

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e o individual”. Posso testemunhar a mudança nesse quadro de relações de
contestação desse mito. Desde a década poder. Uma massa crítica, formada por
de 1970 estou na luta pela construção de jovens intelectuais e afinada com a
um Serviço Social crítico latinoamericano. pauta temática básica do Movimento – tal
E não estou falando apenas do ponto de como se expressou nos países de língua
vista de um profissional da academia. espanhola – alocou-se na universidade,
Atuei, como assistente social com abrindo um embate com o posicionamento
crianças portadoras de necessidades predominante nas agências que abrigavam
especiais, na área hospitalar, na área o exercício profissional.
rural, em prefeituras. Participei da Então, será que a Reconceituação foi
construção da experiência renovadora a responsável pela perda de status do
da Escola de Serviço Social da atual PUC- “Serviço Social psicossocial”? O Serviço
MG, na elaboração da proposta que ficou Social Clínico está caracterizado como
conhecida como “Método BH”, que tinha aquele que trabalha com indivíduos,
como suas áreas de atuação a Clínica com famílias, que supõe um contrato
de Orientação Psicológica da PUC, terapêutico e o recurso a conhecimentos
instituições estaduais e municipais, além da Psicanálise. Será que foi a
de bairros sob a influência de grandes Reconceituação a responsável por este
empresas no interior daquele Estado . silêncio ou obscurecimento do Serviço
Outro mito que deve ser anotado: Social psicossocial, tal como tratado
a Reconceituação pôs a ênfase no na nossa tradição profissional? Ou será
macrossocial em detrimento do micro, que o embate teórico não foi enfrentado
como se as classes fossem referidas ao com recursos teóricos, pela maioria
macrossocial, passando ao largo da vida dos oponentes da Reconceituação,
dos indivíduos singulares. Como se estes redundando na vulgarização da polêmica
não tivessem no trabalho um elemento pelos caminhos fáceis da denúncia
central da constituição de suas vidas, político-ideológica?
em função da forma como participam O Serviço Social brasileiro, na
da produção e da distribuição da década de 1980, faz a crítica teórica,
riqueza. Ou seja, o trabalho assalariado política e profissional dos desvios de
– ou a falta dele – e a alienação que o rota do Movimento de Reconceituação.
constitui, vivida como sofrimento, Desenvolve um enorme investimento
atingem a subjetividade. Fiz há anos na superação do estágio em que se
uma pesquisa na área rural, procurando encontrava o debate, estabelecendo-
exatamente saber o que representa o se uma relação de continuidade quanto
trabalho para os indivíduos sociais que à direção ético-política – e de ruptura,
o vivenciam. As jornadas extensivas e o perante as debilidades teóricas e
ritmo intenso de trabalho são vistos como práticas. O Movimento de Reconceituação
sofrimento, como um “trabalho judiado’, do Serviço Social latinoamericano, um
um ‘trabalho cansado”, um trabalho complexo de diferentes posições, tem
que pode levar à loucura. A edificação seu início nos anos 1965 (também no
de um “muro” de isolamento entre o Brasil, mas estou me referindo à pauta
macrossocial e o microssocial, entre o temática presente nos países de língua
objetivo e o subjetivo, é inteiramente espanhola). Nesse período, o Brasil vive a
alheia ao referencial teórico que norteou ditadura militar, o fechamento político.
o processo de Reconceituação. Quando ocorre o processo de abertura
Outro mito foi o de que a Reconceitu- política e o retorno ao Estado de Direito,
ação foi um “projeto coletivo autoritário”. o Movimento de Reconceituação, em sua
De fato, a Reconceituação foi um projeto feição assumida pelos países de língua
14
Uma brilhante análise
dos mitos que envolvem a
coletivo, que se desdobrou numa disputa espanhola, é colocado em questão. Já Reconceituação encontra-
teórica e política. O processo de renovação não era mais possível apenas repetir se em: NETTO, J. P. A
do debate profissional redimensionou as seu discurso inicial, uma vez que a crítica conservadora à
relações de poder entre a academia e o sociedade e a profissão no país haviam se reconceptualização. Serviço
Social e Sociedade nº 5. São
exercício profissional, entre as agências transformado. A bagagem teórico-prática Paulo, Cortez, 1981, pp. 59-
de formação (como diz o professor José herdada do Movimento de Reconceituação 75. Este artigo se contrapõe
Paulo Netto14) e as agências do exercício é submetida à crítica e à autocrítica. a análise de JUNQUEIRA, H.
profissional. Até então, os assistentes E o Serviço Social busca dois caminhos: I. Quase duas décadas de
reconceituação do Serviço
sociais de campo detinham o controle do faz uma análise rigorosa dos anos 1980 Social: uma abordagem
poder profissional nas instituições que e 1990, dos seus fundamentos teórico- crítica. Serviço Social e
abrigavam os assistentes sociais e nas metodológicos e se coloca como objeto Sociedade nº 4. São Paulo,
instituições universitárias, responsáveis de sua própria pesquisa; por outro lado, Cortez, dez. 1980, pp. 1-38.
É nesta última referência que
pela formação acadêmico-profissional. realiza importantes avanços na análise se apóia SODRÉ, em sua tese
A partir da Reconceituação houve uma das relações entre o Serviço Social e a de doutorado (op. cit).

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política social. Este foi o lastro no qual o O assistente social não trabalha com
projeto profissional foi se construindo. “fragmentos” da questão social, mas
Passamos (aqui estou falando da trabalha com indivíduos que condensam,
minha produção) a admitir que o Serviço nas suas vidas singulares, as dimensões
Social é uma profissão que se inscreve na universais e particulares das relações de
divisão social e técnica do trabalho; é uma classe.
profissão que depende das relações entre É nesse lastro que reconhecemos o
Estado e sociedade civil, que depende das caráter contraditório do Serviço Social,
relações entre as classes; uma profissão e não exclusivamente o seu caráter
que é inseparável da “questão social”. controlador. Reconhecemos que o Serviço
A “questão social” não se identifica, de Social tem um papel, sim, na reprodução
forma simplista, com “problema social” da lógica dominante, dos valores,
e nem com “exclusão”. das concepções que a informam, pois
A análise da questão social, que trabalhamos também com a dimensão
sustenta a construção do nosso projeto da subjetividade, enquanto educadores
profissional, diz respeito às profundas sociais. Mas podemos conduzir
desigualdades sociais que demarcam coletivamente a ação numa outra
as relações de classe na sociedade direção, distinta da anterior, o que altera
capitalista e são, portanto, inseparáveis a forma de agir: a do campo dos direitos,
da (re)produção das relações capitalistas do compromisso com a dimensão pública
apoiadas no caráter social da produção e com a cidadania, que considere os reais
e na apropriação privada das condições interesses e necessidades da população
de trabalho e de seus frutos. As múltiplas que forma as classes subalternas. Somos
expressões da questão social se refratam uma profissão que, ao mesmo tempo,
na vida quotidiana dos sujeitos como reproduz os interesses dominantes
desigualdades e como rebeldias. A questão e contribui para o atendimento a
social passa, ainda, por desigualdades de necessidades básicas da população. Por
gênero, de etnia, de formações regionais exemplo, os serviços de saúde mental
e envolve uma luta surda ou explícita são direitos desta população, estão assim
pela cidadania, pelo reconhecimento dos figurados em políticas sociais públicas.
direitos, em especial dos trabalhadores, Trabalhamos com a prestação de serviços
historicamente destituídos de cidadania sociais, mas isto não significa que a
em nosso país15. Portanto, é uma reprodução da saúde do trabalhador só
concepção de questão social que é parte de a ele interesse. Uma classe trabalhadora
uma concepção de sociedade, constituída sadia é capaz de produzir riquezas e de
por relações de classe. Essa concepção contribuir com a rentabilidade daqueles
leva o Serviço Social a aproximar-se da que a contratam. Todavia, o rumo social
ótica daqueles que vivem da venda de e político a ser impresso ao trabalho
sua forma de trabalho e do seu processo profissional depende de nosso projeto
de realização. Este foi o norte do giro profissional coletivo, quando se afirmam
teórico e político desencadeado pelo as escolhas profissionais ético-políticas,
Movimento de Reconceituação. em decorrência da relativa autonomia,
Vou dar um exemplo. Anos atrás foi legalmente resguardada, que dispomos na
apresentado um documentário, feito condução de nosso trabalho profissional.
pela Rede Globo, sobre a região de O Serviço Social também é uma
Ribeirão Preto (SP), que a anunciava profissão que certamente interfere nas
como a “Califórnia Brasileira”, a região relações sociais quotidianas dos sujeitos
mais rica da produção agroindustrial, e famílias. Mas como são explicadas
o empresariado moderno etc. Alguns estas relações? Não são relações
pesquisadores, aliados a entidades aprisionadas exclusivamente no seu
de representação dos trabalhadores, universo intrafamiliar e, muito menos,
fizeram um outro vídeo, mostrando a partir da dicotomia entre a família e
a “Califórnia à brasileira”. Ou seja, o meio. Parece que o impreciso “meio”
atribuindo visibilidade ao que acontecia é um “mundo” e a família é “outro
com aqueles que criam a riqueza, o que mundo”, numa inter-relação entre dois
acontecia com os trabalhadores que se universos independentes e distintos.
dedicam ao corte de cana. Este ponto Essa foi a nossa tradição nas abordagens
de vista da análise da questão social clássicas: a dicotomia homem-meio. É
supõe um compromisso teórico e político uma outra maneira de compreender e
com aqueles que dependem do trabalho de lidar, distinta daquela anteriormente
15
IANNI, O. A ideia do assalariado para a obtenção dos seus anunciada, com indivíduos sociais, grupos
Brasil moderno. São Paulo, meios de vida – trabalho este que, em sociais básicos, família e sociedade,
Brasiliense, 1992, pp 87-109. contrapartida, cria riqueza para outros. enquanto expressões da dinâmica das

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relações sociais que presidem a ordem abordar o tema, ao se colocar a questão
societária. do trabalho profissional. O que está
O Serviço Social reproduz interesses em debate? É o exercício profissional,
de classes que são contraditórios, ao mas não restrito à concepção liberal da
mesmo tempo e pela mesma atividade. prática individual, reduzida ao que o
E o faz não por que o profissional queira, assistente social faz, ao conteúdo de seu
mas por que ele está tensionado por trabalho. A realização de seu trabalho
forças sociais e políticas em luta e que passa por relações com sujeitos sociais
se autoimplicam, pois a sociedade não é distintos, por determinadas condições
harmônica. Daí decorre a importância do de trabalho (salário, jornada, exigências
projeto profissional na afirmação de um de produtividade, formas de gestão e
norte para o trabalho profissional, que controle do trabalho coletivo etc), pelas
se realiza no marco das relações entre políticas públicas, pelas necessidades da
sujeitos sociais coletivos, entre classes população atendida, pelo reconhecimento
sociais. Supõe reconhecer as condições e dos serviços sociais públicos enquanto
relações sociais particulares nas quais se direitos sociais ou pela compra e venda
realiza o trabalho profissional, mediado de serviços mercantilizados. E envolve,
pelo assalariamento. ainda, a capacidade de que dispõe
O assistente social é um profissional o assistente social de reconhecer e
que trabalha com a linguagem, como efetivar suas atribuições e competências
elemento fundamental de seu exercício privativas.
profissional e, consequentemente, Penso que nesta mesa nós estamos no
um profissional que tem uma relação mesmo barco – o do Serviço Social – , mas
direta no trato com a população – que com olhares muito diferentes sobre ele.
suponho respeitosa de seu modo de vida O que o assistente social faz é o conteúdo
e trabalho –, no sentido de ouvir suas do seu exercício, mas quem demanda suas
reivindicações e suas necessidades, fazer ações? Elas não são fruto apenas de uma
esta população pensar-se, respeitar-se, deliberação individual do assistente social,
descobrir-se como indivíduo que é parte ainda que este disponha de uma relativa
de uma coletividade, e avançar na sua autonomia na condução de seu trabalho.
organização. Nós somos trabalhadores assalariados,
É neste lastro que se constroi o que dependemos de uma demanda
projeto ético-político profissional e institucional que nos faz cobranças
se estabelecem novos compromissos de produtividade, impõe propostas de
éticos, em consonância com as forças trabalho, exige a implementação de
sociais historicamente progressistas: que determinadas políticas. Atuamos a partir
afirmam a construção da cidadania, os dos serviços sociais que têm a ver com
direitos sociais, a liberdade, a justiça os direitos sociais da população, com as
social, a eliminação de todas as formas políticas públicas, ou com os direitos de
de preconceito, o compromisso com a consumidor.
democracia, ou seja, afirmam nossos E onde está esta conversa na
princípios éticos. Estes princípios éticos abordagem do Serviço Social Clínico?
não podem ser meramente um ideário Será que ele é apenas o trabalho com
profissional. Eles têm que se materializar, indivíduos, grupos e famílias? Mas
alterando o modo de operar, o modo todo assistente social trabalha com
de fazer o trabalho profissional. Pois se indivíduos, grupos e famílias, ainda que
eles não impregnarem o trabalho miúdo sob diferentes vertentes teóricas! Então
do quotidiano este projeto nunca se todo assistente social faria Serviço Social
realizará. Mas é preciso ter clareza que Clínico? A proposta de Serviço Social
o projeto ético-político não depende Clínico que está circulando na internet
apenas dos assistentes sociais, pois é parte é assim definida: “uma resignificação
de projetos coletivos de sociedade, aos do Serviço Social de Caso, apoiado
quais se somam os partidos, sindicatos, numa visão ´holista´ do ser humano,
movimentos de classe, parlamentares com a possibilidade de adquirir novos
etc, que lutam pela emancipação de instrumentos que permitam compreender
todos os indivíduos sociais. e atuar com família, considerando que
Este é o grande desafio. Por isso é esta atuação beneficiará o indivíduo”.
muito importante trazer para o debate O que queremos? Atualizar Serviço
as condições reais e efetivas de trabalho Social de Caso, o Serviço Social de
do assistente social. A preocupação com Grupos e o Serviço Social de Comunidade
o exercício profissional, pensado nas nos seus fundamentos, nas suas
suas múltiplas relações e determinações, propostas originais? Porque não adianta
vem provocando um giro no modo de resignificar e atualizar o procedimento

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de intervenção, deixando intocadas exemplo, a área sociojurídica requer
a história, a teoria, os fundamentos conhecimentos especializados que a
metodológicos, que informam aquela formação graduada não pode oferecer
tricotomia, no âmbito da qual floresce em toda a profundidade.
a perspectiva psicossocial: nesse caso Quero salientar um paradoxo que
só restaria um conjunto de técnicas encontrei entre os depoimentos recolhidos
que, em si mesmas, pouco significam. O pela pesquisa da professora Sônia em
trabalho com indivíduos, grupos e famílias sua pesquisa. Muitos consideram que,
obviamente é parte da nossa matéria enquanto predominava o modelo clássico
profissional: as múltiplas expressões da do Serviço Social, o modelo psiquiátrico
questão social, vividas pelos sujeitos, ou o método individual do Serviço Social
condensam suas necessidades e suas Clínico, o assistente social sabia o que
lutas. Mas qual é a abordagem teórico- fazer e a quem se dirigir. E, hoje, o
metodológica? Uma das alternativas é assistente social estaria perdido, em
a abordagem psicossocial que tem seus decorrência da perda daquela referência.
supostos, como qualquer outra. São Mas qual é o paradoxo? Quando a
exatamente estes supostos os que foram pesquisadora pergunta ao profissional
questionados pela Reconceituação. O como ele nomearia o seu “modelo
que nós queremos? Voltar à tricotomia do teórico” do Serviço Social, parece
Serviço Social Caso, Grupo e Comunidade existir uma dificuldade de qualificar com
ou à pulverização das especializações precisão os seus fundamentos teóricos,
(Serviço Social Clínico, Serviço Social pois isto é muito mais que nomear. Ora,
Judiciário, Serviço Social Habitacional, não há como saber o que fazer e a quem
Serviço Social da Assistência, Serviço se dirigir se você não consegue explicitar
Social da Previdência)? Cada manifestação os fundamentos do seu trabalho. O
da questão social e cada política pública assistente social é apenas aquele que
tem as suas particularidades. Todavia, a faz, que executa? Ele não pensa? Não tem
proposta de formação profissional, contida necessidade de dar conta do debate em
nas diretrizes curriculares propostas que está envolvido?
pela ABEPSS, é de uma formação que Várias outras questões mereceriam
qualifique o assistente social para pensar observação. A primeira delas, sustentada
e conduzir o seu trabalho particularizando na tese, é que a Psicologia avançou sobre
as situações concretas através da a área da família, competindo com o
pesquisa, da especialização, do processo Serviço Social; busca hoje uma reserva
investigativo. de mercado. Questiono se é uma questão
Então, me parece o seguinte (e nisso de “reserva de mercado”. A família
concordo com a Sônia): o Serviço Social se apresenta como foco de trabalho
Clínico não é novo; o Serviço Social de diferentes profissionais e cada um
no campo da saúde mental pode ser vai atuar a partir de suas atribuições
considerado uma das especializações privativas, de suas competências, das
profissionais que requerem, certamente, particularidades dos serviços que é capaz
uma bagagem de conhecimentos que vai de prestar e da leitura que faz da família,
além da graduação. Assim como, por em decorrência de sua formação.

Depoimentos

Elaine Behring: Boa noite. Queria co- e muito exigente. Penso que há uma
meçar dizendo que nunca escrevi uma linha expectativa muito grande em torno
sobre isto. Então, minhas observações desta discussão e isto vai acontecer não
vão partir muito do debate que pude só aqui no Rio de Janeiro, mas na Semana
acompanhar via Conjunto CFESS/CRESS e do Assistente Social em vários locais,
um pouco, também, pela internet. Folgo porque em geral este é um momento em
em saber que conseguimos tirar o debate que fazemos um balanço das questões
daquele ambiente tão volátil e trazê- “quentes” ou daquelas superadas na vida
lo para o espaço onde ele deve de fato profissional.
se realizar e ser aprofundado. Primeiro, Há vários pontos de polêmica, mas
então, quero parabenizar o CRESS e a para mim a questão central é: estamos
Faculdade de Serviço Social pela brochura falando de Serviço Social? Porque se
(com a qual tive o prazer de colaborar) aquilo que caracteriza o Serviço Social
e por realizarem este debate. E quero Clínico é estabelecer um contrato
cumprimentar as duas expositoras, terapêutico com um sujeito social, seja
porque é um debate corajoso, difícil ele um indivíduo, um grupo ou uma

Cress/RJ - 7a Região
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comunidade, um contrato terapêutico descolado da sociedade em que vivemos,
que implica (Sônia falou aqui) na questão das relações que são contraditórias. É
da transferência, são elementos que complicado tratarmos cada caso como se
estão dentro de um processo terapêutico. fosse particular. Temos que entender a
Isto significa estar exercendo Serviço conjuntura, as relações que existem. E
Social? Em minha opinião, não: isto é quero saber um pouco mais que tipo de
uma outra profissão que já se criou, transformação é esta.
ou é uma especialização. Veja bem: Mas também quero dizer que aqui
acredito, primeiro, que superamos nossa estão bem claras as concepções – que
primeira interlocução com o marxismo existem ao longo do Serviço Social –
estruturalista, que não reconhecia o lugar e que, travadas no diálogo de hoje,
dos indivíduos – esta coisa velha, que já são totalmente opostas, entendem
superamos, mas que muitos insistem em diferentemente esta realidade. Na minha
dizer que não, inclusive dá muito chão opinião, não há como conciliá-las.
para este debate. Devemos sair deste Quero falar, também, sobre o Serviço
lugar, até por que nosso Código de Social Clínico. Independentemente de
Ética e toda nossa reflexão no campo do trabalhar na área de saúde mental, na área
Serviço Social, sobretudo na década de da criança e adolescente, com políticas
90, jogou fora esta versão estruturalista públicas, sou uma assistente social. Às
do marxismo. Hoje as dimensões do vezes sinto falta de mais algumas coisas,
indivíduo e da subjetividade estão dentro de algum subsídio para minha atuação lá
do debate marxista do Serviço Social, e no dia-a-dia. Mas ser terapeuta? Não me
é isto o que expressa o nosso Código de proponho a ser terapeuta em momento
Ética. Temos que andar para a frente e algum! Minha profissão tem um caráter
não ficar agarrado neste lugar, porque político, tem uma dimensão que vai para
isto não contribui. além de um atendimento só com aquele
O que tem que ser esclarecido é: indivíduo, para além daquela situação
isto é Serviço Social? Não é à toa que específica.
precisamos estudar no curso de Serviço Faço minhas as palavras de Mavi e de
Social – e isto está nos nossos currículos Elaine: vimos de um amadurecimento
mínimos e plenos – noções de Psicologia, e existem várias questões a se colocar.
Psicanálise, das várias correntes que Antes de mais nada somos assistentes
discutem a questão da cultura e da sociais, não estamos nos propondo a fazer
subjetividade. São dimensões da vida terapia com ninguém. Se não resolvemos
social, dos sujeitos com os quais o nem os nossos problemas, imagina querer
assistente social trabalha. Até que a resolver os problemas dos outros! Somos
nossa intervenção tenha uma dimensão uma profissão. Com certeza não somos
terapêutica, ou até consequências ajuda. Já ouvi várias vezes esta palavra
terapêuticas, que tenhamos que, na nossa aqui e isto me deixou muito angustiada.
peneira fina, entender que ela está lá,
que esta pessoa precisa de atendimento, Conceição Cuba: Meu nome é Conceição
que este grupo precisa de uma supervisão Cuba, atualmente faço mestrado no
ou o que quer que seja. Agora, quando Serviço Social da PUC-RJ discutindo a
estabelecemos um contrato terapêutico questão do envelhecimento, de uma
e dizemos que isto é Serviço Social, para prática que tenho na UNATI (Universidade
mim aí é que está o problema. Porque Aberta da Terceira Idade), aqui da UERJ,
isto realmente é antagônico, vai contra com um grupo de idosos voluntários.
tudo o que acumulamos e, inclusive, é Quero agradecer a possibilidade de
contrário ao nosso marco legal. Isto quero estar aqui novamente, pela segunda vez,
que as companheiras, que temos o prazer e agradecer aos promotores do debate.
de, hoje, escutar, esclareçam para nós. Confesso que, realmente, entendo a
angústia da aluna que falou agora,
Renata Coelho: Este é um momento porque é um tema bastante instigante.
muito rico e quero nos parabenizar, Remeter à história é algo que traz não
também, por ele. Penso que temos que só desejos de mudanças, mas lembranças
travar estes debates. de aspectos com que queremos romper.
Uma das questões que quero levantar E já rompemos, em algum momento, com
é que tipo de transformação é esta, onde alguns aspectos, porque acredito que, no
dizemos que estamos no atendimento para Século XXI, falar daquele Serviço Social
que a pessoa atendida possa entender mais que se fazia no passado é algo que pode
a situação que está vivendo. Penso que até ser inominável.
este indivíduo, esta pessoa que chega para Vocês ouviram falar aqui, algumas
um determinado atendimento, não está vezes, sobre um debate na internet.

EM FOCO - no 6 - Outubro de 2009


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Há algumas pessoas que não estavam do ano passado, começaram a reconhecê-
no primeiro debate, então gostaria de la (não a prática clínica, porque isto
esclarecer o que é isso, o que aconteceu. eles já têm, mas as especializações
Este debate da internet surgiu no ano 2000 com alguns pré-requisitos). Eu, como
por um grupo de assistentes sociais da era vice-presidente de uma sociedade
Bahia, que têm formação em Psicanálise, de Psicanálise e hoje sou diretora de
em Psicodrama e outras especialidades. ética, seleção e avaliação da SPAG-RJ,
Recebi o convite através de um site dei declarações para psicólogos para que
que tenho na internet, onde discuto a sua prática enquanto psicanalistas fosse
monografia que fiz, da conclusão do meu reconhecida, e eles foram reconhecidos.
curso de terapia familiar, cujo nome é Bem, dito isto, gostaria de esclarecer
tido como conservador: “O diagnóstico e que algumas terminologias que estão
a terapia familiar”. Quando entrei neste sendo trazidas, hoje, para o debate,
debate já faziam parte dele as colegas foram trazidas no primeiro por Mavi –
Ana Sílvia, Maria Luíza e a Sônia Beatriz, como, por exemplo, o holístico –, foi
aqui do Rio de Janeiro. trazido hoje por Marilda, também – como
Quero dizer para vocês o seguinte: sendo uma de nossas falas na internet
as questões das nossas colegas da Bahia (que não era a minha, evidentemente,
não são as mesmas questões que temos devia ser de uma outra colega da Bahia).
aqui no Rio. Nos constituímos, aqui, Acabamos de nos consultar aqui e vimos
em um grupo que começou a debater, que não era, mesmo. Também a questão
entre si, esta discussão que ocorria na do contrato não deve ter sido nossa fala,
internet e começamos a perceber que não a reconhecemos.
algumas questões que as colegas da Bahia Uma colega de mestrado, advogada,
colocam não são as nossas questões. me disse que o contrato é um conceito
Tentamos dizer isso para aquelas colegas jurídico, pressupõe resultados objetivos.
e, infelizmente, penso que não fomos Nós, nem como assistentes sociais no
ouvidas. Não fomos compreendidas projeto ético-político, nem na prática
e elas imaginavam que estávamos clínica, podemos prever resultados
querendo avançar nas questões delas, e objetivos. Assim como não podemos,
não era isto: nossa intenção, aqui no Rio também, determinar em que momento
de Janeiro, quando entramos naquele estamos lidando com a subjetividade ou
debate virtual, era que ele se tornasse com o inconsciente do sujeito. Porque
real, como aconteceu no ano passado. o inconsciente está posto. Ele está
Hoje acontece o segundo debate real. aqui neste momento. Não somos lá fora
A partir do primeiro, avaliamos a nossa conscientes e aqui inconscientes, ou vice-
participação na lista da internet e versa. Nós somos nós. Eu, Conceição, esta
vimos que não tínhamos mais motivos pessoa, este sujeito humano e sujeito
para continuar debatendo com aquelas social.
colegas. De todas nós, sou a única que Bem, gostaria que o debate
continuo, porque quero saber o que está continuasse. Na realidade queria fazer
acontecendo na Bahia e entro na lista este esclarecimento e é melhor o debate
com as minhas mensagens, apenas com ir transcorrendo.
algumas comunicações. Por exemplo,
comuniquei a realização deste debate e Conceição: Queria saber qual é o limite
a resposta do CFESS a uma consulta que que marca a atuação do assistente social
lhe fizemos. dentro de uma intervenção psicossocial,
Além disso, gostaria de esclarecer o o que delimita sua atuação, qual é seu
seguinte: nosso foco, desde o primeiro objeto de intervenção no momento de uma
debate, é a prática que estamos intervenção psicossocial que diferencie
chamando, até agora, de clínica (não o seu trabalho, o fazer Serviço Social,
sei, também, se é este o nome que do fazer Psicologia. Queria saber o que
deveríamos utilizar, ele me parece um diferencia esta intervenção psicossocial
pouco reducionista), é esta prática do realizada pelo assistente social.
Serviço Social. Não estamos debatendo a
terapia familiar, a Psicanálise ou outras Verônica de Oliveira Gomes: Boa noite.
especializações que o assistente social Sou Verônica, sou assistente social e faço
pode fazer. E pode fazer não por que mestrado aqui na Escola de Serviço Social
o nosso Conselho reconheça, mas pode da UERJ. Sou trabalhadora da área da
fazer por que as sociedades de formação saúde mental. Penso que não só eu, mas
nos aceitam, como aceitam psicólogos e grande parte das pessoas que estão aqui,
médicos. Os médicos não têm esta prática concordam sobre o quão são importantes
reconhecida, ainda. Os psicólogos, a partir a compreensão e a preocupação com as

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questões subjetivas na ação profissional, De onde vêm estes conteúdos, já que
não só na área da ação em saúde mental, vocês dizem que fazem Serviço Social?
mas em outras áreas, também, da
intervenção do Serviço Social. Até por Mary Jane: Sou Mary Jane, daqui da
que não só na área da saúde mental, Faculdade de Serviço Social da UERJ.
mas em todas as áreas, lidamos com uma Estou lembrando minha residência, há
população que sofre muito. Muito deste algum tempo atrás. Ela foi em saúde
sofrimento compreendo que é construído mental. Tenho uma história um pouco
por sequelas da questão social, que parecida com a experiência de vocês que
afetam diretamente as condições de estão aqui.
vida da população com a qual a gente Antes disso, gostaria de dar os
trabalha, constituída pela classe parabéns por este debate que o CRESS
trabalhadora. Isto é uma questão, o fato está promovendo. Acho importante a
de termos a preocupação de considerar presença do público aqui, posto que
as questões subjetivas no nosso trato, no temos a sala cheia, mesmo já tendo
nosso exercício profissional. começado as aulas.
Outra questão, que penso que pode se No que se refere ao conteúdo, somando
tornar o outro lado da moeda, são estas às reflexões que Elaine e Mavi aqui
demandas se tornarem foco e objeto da trouxeram e, por último, as preocupações
intervenção do assistente social. Isto de Verônica e de Renata, é importante
muito me preocupa. Queria que ficasse que falemos sobre a diferença. O que
claro se na atuação do Serviço Social vocês entendem por transformação?
Clínico as questões subjetivas – enquanto Por que a questão é de concepção,
questões sociais, também –, são questões de definição teórico-metodológica,
de preocupação para a intervenção, mesmo. Por tudo que ouvimos, lemos
para o exercício profissional, ou se são e conhecemos, na verdade não é este
o foco. Porque me parece que, pelo que o conceito de transformação que o
foi discutido aqui, estas questões são o marxismo traz. Então, como se trabalha
foco. estes determinantes sociais que foram
Em determinado momento, quando colocados e considerados? Penso que isto
Sônia pontuava o que faz o assistente diz respeito às questões que Verônica
social clínico, ela colocou muito bem a colocou. O que fica contraditório (ou, na
expressão “motivações inconscientes verdade, nem contraditório, porque não
do desejo humano”. A Rochelle falou fica claro, porque o Serviço Social Clínico
em transferência, em deslocamento. considera todas estas questões, mas, na
Não os reconheço como conteúdos metodologia, não trabalha com elas).
para a intervenção e para o exercício Penso que esta concepção passa por
profissional do assistente social. Se vocês cima das questões das políticas sociais,
dizem que são, queria que explicassem da questão da cidadania. E este não é o
onde estão estes conteúdos, porque único trabalho básico do Serviço Social na
não os encontro no Código de Ética, no saúde mental: temos outras experiências
nosso projeto ético-político, na Lei de nesta área que trabalham, realmente,
Regulamentação da Profissão. Se não as questões sociais, esta direção social
conseguimos encontrar estes conteúdos que a ABEPSS, nosso Código de Ética,
nestes materiais, onde eles estão? Se nossa Lei de Regulamentação têm nos
estão em algum local, devem estar em dado como referência básica. Esta linha
materiais próprios do Serviço Social, que da Psicanálise já está distante para nós,
norteiam nossa atuação na sociedade realmente ultrapassada. E nos preocupa,
e na conjuntura atual. Se não estão, porque contradiz com a direção que, na
que Serviço Social é este? Que Serviço formação, estamos querendo dar a nossos
Social Clínico é este, que vem de onde alunos. Penso que há uma confusão de
e é pautado em quê? Porque acredito categorias teóricas, principalmente
que na atualidade pautamos nossa quando se fala em transformação.
prática profissional no nosso Código de
Ética (que é recente, é de 1993), na Lei Ana Vasconcelos: Sou Ana Vasconcelos,
de Regulamentação da Profissão e no professora aqui da Escola de Serviço
nosso projeto ético-político. Mais uma Social da UERJ. Como todo mundo está
vez, para reforçar: não encontro estes confuso, mais uma confusa não fará
conteúdos nestes materiais. “Motivações a mínima diferença. Queria dizer o
inconscientes do desejo humano”: posso seguinte: estamos discutindo aqui se isso
supor o que é isso, mas não faço a mínima é ou não Serviço Social. Entendo que a
ideia do que seja de fato. questão central está colocada nos três
Queria que isto ficasse um pouco claro. fantasmas que Sônia Beatriz coloca. Quais

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são eles? O ser conservador, se a questão somente. A escuta é fundamental, e o
da referência psicossocial é ou não é para qualquer profissional. Ficamos
específica do Serviço Social e se o Serviço falando em escuta, escuta e escuta, e
Social Clínico faz avançar o projeto a maioria dos profissionais não escuta
ético-político. Para mim, na realidade, nada. Não estamos sabendo escutar mais.
a questão central é a última. Estamos E quando escutamos, ficamos surdos para
discutindo aqui se este projeto ético- o que as pessoas estão nos dizendo, não
político, que está consagrado no Código as processamos, não as entendemos, não
de Ética e na Lei de Regulamentação da vamos à raiz do que as pessoas estão
Profissão, é hegemônico ou não. E qual é colocando em nossas mãos. E queremos
o Serviço Social necessário para caminhar manejar conflitos! Lembrei demais
na direção do que está cravado no Código Maria Alice Correia e algo que sempre
de Ética. me angustia: por que discutimos Serviço
Então tudo o que você me diz não me Social Clínico só no âmbito da Psiquiatria
convence que caminhemos nesta direção. e da saúde mental? É como se eu estivesse
Quero saber é se ele é progressista na na empresa, pensando o Serviço Social
ação. É a ação que reforça, que faz este da empresa ou do judiciário, fazendo o
projeto virar realidade. O projeto ético- mesmo. E no âmbito da saúde mental,
político como está no Código é belíssimo! para pensar conflitos e manejá-los. Se for
O que quero ver são as ações profissionais isso, é conservador, sim, porque estamos
do assistente social. Este projeto vai se fazendo tudo para que o status quo fique
tornar hegemônico na medida em que a igualzinho como está, “imexível”; só que
maioria dos assistentes sociais tenham agora as pessoas ficam felizes, conseguem
uma ação nesta direção. O que estamos aceitar a situação em que elas estão
discutindo é que ação faz a direção deste vivendo – seja do sofrimento psíquico ou
projeto hegemônico. do sofrimento social. O grande desafio
Engraçado é que vim para este do nosso projeto, entendo, é não tomar
debate, Sônia, desde a primeira ocasião. isoladamente o sofrimento social e o
Quando você anunciou: “vou falar o que sofrimento psíquico. Para você entender
os assistentes sociais do Serviço Social do sofrimento social, Elaine, não basta
Clínico fazem”, fiquei em júbilo, por que noção de Psicologia. O que nós estudamos
esta é a questão. Mas penso que você não de Psicologia na nossa formação
falou a respeito! Você colocou as intenções profissional é indecente, temos que
e, por elas, ele não caminha na direção estudar muito mais, por que nós lidamos
do projeto ético-político. Por quê? Você com as pessoas nas suas relações. E lá não
diz o seguinte: qual a requisição feita ao está presente só o social, mesmo que eu
Serviço Social Clínico? É uma intervenção seja assistente social. Sem entender os
nos conflitos interpessoais, familiares e processos que se dão quando as pessoas
comunitários, privilegiando a escuta da se juntam e lutam politicamente não dá
demanda direta dos indivíduos. Até aí, para pensar o social. Agora, não podemos
tudo bem. No entanto, quero saber das tomar o sofrimento psíquico exatamente
consequências de uma ação nesta direção, como ele está presente no tratamento
de uma ação de intervenção nos conflitos psiquiátrico, quando a pessoa perde o
individuais, familiares e comunitários emprego e surta (e aí alguns vão dizer
tendo, como você coloca sua referência, que ela já surtava, porque se ela surta
a visão de que eles são conflitos em si uma vez é por que ela já devia ter surtado
mesmos, e não expressão de conflitos outras vezes...). Mas podemos passar pela
de classes. Penso que qualquer um vida sem surtar! Por que a Psiquiatria é
de nós toma isto como objeto. Mas se uma das clínicas mais cheias? Se fizermos
você toma um ponto de vista para lidar um estudo veremos que a incidência
com estes conflitos é ele, e as ações da procura pela Psiquiatria coincide
nesta direção, que vão dizer se estamos com a incidência do desemprego! Isto é
caminhando na direção do projeto ético- sofrimento psíquico ou sofrimento social?
político. Se estes conflitos são tomados Ou os sofrimentos psíquico e social estão
como conflitos entre pessoas, nega-se a na pessoa como um todo?
realidade em que estas pessoas vivem. Então, a grande questão que está
E o conhecimento que você precisa para presente aqui é que cada pessoa pode
entender estes conflitos como expressão escolher o Serviço Social que quiser
de conflitos de classe não estão somente fazer. O hegemônico é o que a maioria
no âmbito da Psicologia. Por isso é que aceita. Se está lá no nosso Código
entender estes conflitos como expressão de Ética e é hegemônico é por que a
de conflitos de classe te dá outra lógica categoria como um todo, através de seus
de ação profissional. Não vai ser a escuta, representantes, foi lá, discutiu. Não é à

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toa que Lessa nos diz: “Olha, vocês são Clínico na perspectiva da Psicanálise.
uma das poucas profissões que têm um Compreendo perfeitamente (não queria
projeto de profissão!”. Nós temos um usar este termo, mas é) a angústia de
projeto profissional. Muitos dizem: “nós ser assistente social no campo da saúde
não conhecemos nem por onde passa este mental. Penso que é uma das áreas mais
projeto”. Saber que estão lá no Código difíceis para mantermos nossa identidade
de Ética os onze princípios fundamentais profissional. É um campo em que as outras
não é suficiente. Quais são meus valores, profissões são, quase todas, do campo
os que me formaram, para de repente eu “psi”, trabalham com esta categoria do
virar e dizer assim: “Ah, eu sou a favor de terapêutico, do clínico, formadas para a
tudo o que interessa aos trabalhadores”? clínica, e isso nos coloca na alça de mira
Afirmar isso é passar por muita coisa, das demais profissões. É corrente dizer
porque você foi formado negando isso que aquilo tudo que não é terapêutico,
quotidianamente. Agora, este projeto ou não é do campo estritamente “psi”,
está lá posto. Buscar ações nesta direção: sobra para o Serviço Social. É o leito,
este é o desafio. Ter ações prontas? Não! a transferência, a conta no banco, o
Com a realidade em movimento, em benefício. Estas questões são colocadas
cada espaço estas ações terão que ser no campo “psi” como secundárias, de
buscadas, construídas coletivamente. menor valor. E estas são atribuições
Agora, não é tomando conflitos pessoais, delegadas ao Serviço Social. Penso que
interpessoais, familiares e comunitários esta carência de status é plenamente
como fins em si mesmos que vamos justificável para quem está lá dentro
caminhar na direção deste projeto. E não e é visto pelo campo “psi” e por seus
basta conhecimento psicossocial, sinto demais profissionais como alguém que
muito. não alcança as discussões deste campo.
Penso ser plenamente compreensível
Conceição Robaina: Boa noite. Sou esta demanda da busca de uma outra
Conceição, trabalho no IMAS (Instituto identidade, que tenha sintonia neste
Municipal de Assistência à Saúde Nise campo.
da Silveira), antigo Centro Psiquiátrico Penso que para mantermos a
Pedro II e atualmente faço mestrado no identidade do Serviço Social (e sou uma das
Serviço Social da UERJ. Não sei se tenho defensoras do trabalho interdisciplinar),
muito a contribuir com o debate, mas primeiro é preciso muita coragem. Em
estou me sentindo compelida a falar. segundo lugar, muito domínio de qual
Trabalho já há dezessete anos com saúde é a nossa praia. Aí entram questões
mental, em diversas instituições. Adoro que são absolutamente complicadas. É
trabalhar com saúde mental, adoro ser importante que saiamos daqui dizendo
assistente social e adoro ser assistente que os assistentes sociais têm uma
social na saúde mental. Mas vim para contribuição importantíssima no campo
este debate com quatrocentas demandas, da saúde mental. Importantíssima!
com quatrocentas questões, e nenhuma A primeira contribuição é estender a
delas foi debatida aqui. Mas estou saindo concepção de social para além da família
daqui superenriquecida com o debate daquele indivíduo (e agora, no campo
que estamos tendo. Com a trajetória mais progressista da reforma psiquiátrica,
que tenho, e que não é pouca, não me para além do vizinho que está ao lado).
identifico com o que está sendo chamado É mais do que isso, muito mais. Esta
de Serviço Social Clínico e identificado contribuição só o assistente social, pela
com a prática da saúde mental. Não sei sua formação, tem podido dar nas equipes
se tenho suficiente legitimidade teórica interdisciplinares de saúde mental.
para afirmá-lo, mas penso que tenho Em segundo lugar, para questionar
uma trajetória prática de muitos anos de aspectos que são fundamentais. Quem
interlocução, inclusive com estudantes, trabalha na área da saúde mental sabe
que me dá condição de, pelo menos, que questões como moradia e trabalho
falar sobre o que estou pensando sobre são mediadas pelos profissionais. Aí
o tema. entra outra questão: discutir o terreno
Primeiro, queria dizer que não bebi da complicação que é a mediação da
da fonte da Psicanálise. Isto não significa organização dos usuários. Trago esta
uma crítica à Psicanálise, embora eu questão como demanda para cá. Na
ache que existam outras contribuições na minha concepção, e acredito que não
área psicológica igualmente importantes esteja sozinha, é esta a contribuição
para o campo da saúde mental. Então, de fundamental que podemos dar: discutir
alguma maneira, já é uma certa tendência qual é a interseção entre a política de
estarmos debatendo o Serviço Social saúde mental e a política mais geral de

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saúde. vai se inserir e onde cada instituição
Há na saúde mental um terreno cumpre um papel, cumpre uma missão.
extremamente fértil para a atuação Os usuários procuram estas instituições
do Serviço Social e para a identidade para buscar respostas para as demandas
de assistente social. Isto não significa que trazem. Buscam naquela Instituição
não buscar entender a Psicanálise. a possibilidade de encontrar estas
Devemos buscar entender todas as respostas, porque aquele é o papel da
outras correntes, para ter interlocução, instituição. Então, sei que o atendimento
para poder dizer ao outro: “Você está que faço na instituição onde trabalho,
equivocado, porque este sujeito tem uma que é uma instituição de investigação
subjetividade, mas é ela é determinada criminal, é diferente do atendimento que
socialmente, determinada pela classe é feito no ambulatório da rede de saúde,
que ele ocupa”. Todas as pessoas podem para onde, inclusive, como assistente
surtar, pertencente a qualquer classe, social do sistema sociojurídico, posso
mas não é qualquer pessoa que está encaminhar meu usuário, porque entendo
internada há trinta anos em um hospício. que é competência daquela instituição
Não é! Esta é a contribuição que temos fazer aquele atendimento. Na verdade,
para dar, na minha concepção. E, repito, então, o papel institucional acaba
tenho certeza que não estou sozinha. definindo esta forma de atendimento
É fundamental que estejamos, aqui, que, penso, é o centro da polêmica que
questionando isso. Agora, não sei batizar está aqui e na prática. Nós atendemos,
que nome tem este Serviço Social. Ele escutamos, orientamos, mas existem
é Serviço Social. Certamente, para os limites colocados pela instituição e
mim, não está identificado no Serviço eles têm a ver com o papel que ela se
Social Clínico na forma como está se propõe a assumir, naquele momento, na
apresentando. sociedade.
Há só mais uma outra questão que
quero apontar, sobre o que Ana falou. Lúcia Freire: Meu nome é Lúcia Freire,
Acho central pensarmos por que os sou professora da Faculdade de Serviço
sujeitos que estão nos hospitais públicos Social da UERJ. O que me chamou atenção
de saúde mental surtaram, quais foram (já houve belíssimas contribuições aqui,
as determinações. Mas é mais que isso. quase aulas, maravilhosas) foram duas
Com os sujeitos que surtaram, para que coisas importantes, com as quais eu
sentido e para que direção dirigimos também poderia contribuir.
nossa intervenção? A primeira é esta necessidade de
denominação do Serviço Social quando
Charles Toniolo de Sousa: Meu nome é está em um determinado campo. Então,
Charles, sou assistente social, trabalho como a fala anterior, penso que até
no campo, não faço mestrado e estou se entende, se justifica, o profissional
conhecendo o debate hoje, acho que colocar sua razão de ser, seu papel
como muitos outros. Aliás, o fato de ler naquela equipe. Agora, será que este
Serviço Social Clínico chamou a atenção, nome, clínico, acrescenta alguma coisa
não só minha, mas de muitas pessoas que ou é, um pouco, aquele desejo de se
conseguiram estar aqui presentes. situar no nível daquele grupo? Por que
Queria fazer uma pergunta, mais me parece que o importante ao se inserir
como uma pessoa que veio pra escutar, em qualquer equipe é você levar sua
para os dois pontos de vista que estão identidade diferenciada, acrescentando
colocados. àquela equipe algo que ela não tem.
A pergunta é: qual seria a diferença entre Continuando o que Ana falou, você tem
atendimento e atendimento clínico? que levar o social. E o que é o social? É
Porque se existe uma visão defendendo a primeira pergunta (que, aliás, é uma
que existe o atendimento clínico e outra pergunta muito interessante para se fazer
corrente dizendo que ele não existe, então em qualquer grupo): o que é o social para
estou pressupondo que já exista clareza do esta equipe, para o grupo de pessoas por
que seja o clínico para ser contra ou ser a ela atendidas? O social é só o psicossocial?
favor. Então, queria que se diferenciasse Precisamos entender tanto quanto outros
este conceito de atendimento. O que profissionais sobre o inconsciente, sobre
vejo na prática é que o atendimento estes mecanismos todos, ou teríamos que
do assistente social depende muito da levar algo que eles não entendem – e que
instituição em que trabalha. É claro que é a nossa razão de ser – que é o social
você tem as competências específicas do maior, o social que está além daquela
assistente social. Mas você tem uma rede aparência da questão que chega ali
de serviços em que o assistente social expressa em sofrimento (expressões de

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uma questão maior que não está apenas está ao redor daquela manifestação que
naquele indivíduo)? o indivíduo ou que a família apresentam.
Aí faço um parênteses sobre esta
questão da subjetividade, que faz parte Mavi Rodrigues: Quero, na verdade,
da objetividade, do atendimento a complementar minha intervenção,
sujeitos, das singularidades. Tudo isto sobretudo motivada pela fala de Rochele,
está presente em quem trabalha com quando ela interpretou conservador como
sujeitos. Disto não tenhamos dúvidas. conservar a dor.
Talvez valesse a pena até fazer uma Eu pediria à mesa que tentasse
proposta de algo que não fosse apenas fundamentar qual é o conceito de
um debate, uma noite. Algo como um conservador com o qual estamos
seminário, onde conceitos fossem mais trabalhando. E para quê? Para que as
explicitados. Porque para resolver estas pessoas não tenham uma visão equivocada
questões basta ler. Lógico que não quando dizemos: “olha, o Serviço Social
temos tanto tempo para ler tudo, mas há Clínico é o neoconservadorismo, hoje”.
alguns autores privilegiados que tratam Pegar a palavra conservadorismo e
do indivíduo (Marilda tem um recente traduzi-la ao pé da letra não esgota
livro, “O indivíduo social”). Ou seja, a profundidade das discussões a que
isto, hoje, está mais do que claro para estamos nos propondo. Temos que ser
qualquer abordagem avançada do Serviço bastante rigorosos nisso. É ótimo este
Social. O indivíduo, a singularidade, espaço, porque confrontamos nossas
a particularidade fazem parte do ideias em público. Não temos condições
social. A escuta faz parte de qualquer de ser levianos aqui. Estamos discutindo
atendimento. Então, penso que estas de forma madura, de forma respeitosa.
questões estariam superadas se houvesse Então, o que é conservadorismo? Se
algum tipo de programação onde isto pegamos a Rerum Novarum, ou a
fosse elucidado. Quadragesimo Anno, encontramos
A outra questão é a que envolve o perspectivas conservadoras calcadas em
conservador. O que é conservador versus valores humanistas-cristãos, abstratos.
transformador? Há um ponto, aqui, Não há ali um compromisso claro com a
chave. Quanto você trabalha no nível do exploração da classe trabalhadora ou de
indivíduo, da família, você busca uma qualquer outra classe. O compromisso
transformação daquele indivíduo na sua é com o bem estar comum, com a
atitude, no seu comportamento, nas humanização do capitalismo. Então, não
suas relações familiares. Mas é como se é possível dizer que a Rerum Novarum e
só o indivíduo tivesse que mudar, só ele a Quadragesimo Anno são conservadoras?
tivesse que se transformar. Só que o que É isso? Quer dizer, qual é a referência
precisa se transformar não é o indivíduo, para o debate? Não pode ser o termo
é a sociedade que fez daquele indivíduo puro da palavra, ou a recorrência só ao
quem ele é. E aí entra a questão de classe dicionário. A questão é mais profunda,
social, que já foi tratada aqui. Então o ela é mais séria.
conservadorismo é conservar. Quer dizer,
no seu trabalho você contribui para Maria Inês Bravo: Penso que é funda-
manter aquela situação se só trabalha mental este debate, principalmente
com o indivíduo e aí ele é quem tem por que nossa preocupação é o
que mudar, a família é quem tem que fortalecimento do projeto ético-
mudar, o círculo mais restrito é quem político e com como vamos viabilizá-
tem que mudar. Isto significa adaptação, lo através das nossas ações. Concordo
acomodação e manutenção da sociedade com as falas de Marilda, com Mavi, com
que produz aqueles indivíduos. Estas Elaine, com Verônica, com Conceição e
coisas todas, no final, nos levariam a com Ana, e vejo que há três questões
crescer juntos se houvesse algo mais que que estão permeando o debate, e que
debates esporádicos de vez em quando. quero salientar, embora já tenham sido
Talvez isto valesse a pena. colocadas.
Agora, penso que não precisamos pegar Primeiro: o projeto ético-político,
nomes de cada campo a que vamos. Se vou o Movimento de Reconceituação e o
trabalhar no campo terapêutico, preciso marxismo não negam a subjetividade.
virar terapeuta, preciso virar clínico? Com esta questão temos que parar. É
Se vou trabalhar com médicos, vou ser fundamental a visão de totalidade e nela
clínico, como o médico é clínico? Não está incluída a subjetividade. Temos que
precisamos disso. O social é muito grande ter clareza e não ficar dizendo: “marxista
e temos que levar para aquelas pessoas não vê a subjetividade!” e, aí, só o
que o social é muito mais do que o que psicossocial é que a vê.

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Segunda questão: as colocações de Grupo e de Comunidade). Esta foi uma
Verônica e de Conceição, que estão na importante contribuição do Movimento
área da saúde mental, são fundamentais. de Reconceituação. Temos, também,
E são fundamentais por quê? O que obtido avanços em nosso movimento
diferencia o assistente social na saúde dos anos 1980 e 1990, na discussão da
mental? Esta é a indagação. Não adianta formação profissional, no sentido de
ficarmos fazendo o trabalho junto com que ela seja generalista para acabar
outros profissionais sem se diferenciar. com a especialização por campo
Então, qual a relação que a Reforma (Serviço Social Médico, Serviço Social
Psiquiátrica tem com a Reforma Sanitária? de Empresas etc). A gente trabalha em
Como a Reforma Psiquiátrica avança, em áreas, mas o Serviço Social tem um ponto
que pontos ela está avançando, como em comum. Se retomamos o Serviço
ela está se articulando com a Reforma Social Clínico, vamos começar a voltar
Sanitária, em que pontos elas têm ou não com o Serviço Social Médico, o Serviço
divergências? Esta é a tarefa do assistente Social Jurídico, o Serviço Social de
social na saúde mental. Família. Nós consideramos que existem
A terceira preocupação que tenho é especificidades, mas o Serviço Social tem
de voltar à especialização. Nós lutamos que ser visto de maneira geral.
durante muito tempo para romper a Estas questões estamos precisando
especialização por método (de Caso, de aprofundar, discutir e ir ao embate.

Sônia Beatriz Sodré Teixeira

Como já foi dito, não vamos esgotar que escolheu, e pode escolher, para seu
aqui este debate. E também é bom que trabalho, a vertente psicossocial. Isto não
não o esgotemos. Penso que podemos elimina no seu trabalho, no seu exercício
abrir outros debates. Inclusive, estou profissional, a ideia de que ele tem uma
pensando em uma ideia, em cima do identidade de Serviço Social.
que alguém colocou aqui. Em um outro Bem, outro aspecto se refere ao que,
momento talvez pudéssemos trazer a no início, penso que Mavi colocou, acerca
ação do assistente social clínico, a ação da terapia, dos efeitos terapêuticos, do
do profissional que se debruça sobre que é terapia. Na verdade isto é uma
esta abordagem. O que ele faz? Qual sua discussão: o que é terapia? Porque vejo
intervenção? Talvez isto ajude um pouco que, em muitas vezes, nossas ações – e
a pensar sobre esta vertente do Serviço as de outros agentes sociais, como talvez
Social. o porteiro do Instituto de Psiquiatria
Mas queria pensar algumas coisas. Uma ou o pastor de uma igreja – podem ter
delas: é engraçado que não identifiquei, efeitos terapêuticos, no sentido de
em muitas das falas aqui, aquilo que faço. transformar aquele sujeito, de que ele
A ideia que algumas pessoas trouxeram possa se entender e estar com maiores
de que trabalhar os conflitos talvez seja possibilidades de se articular dentro
negar a realidade social ou que o grande de sua realidade. Então, na verdade, o
desafio seja não tomar isoladamente as Serviço Social Clínico não é exatamente
questões que se apresentam. Esta vertente uma terapia (se bem que podemos
do Serviço Social em nenhum momento discutir isto, quais são os limites de uma
pensa em tomá-las isoladamente. Em abordagem terapêutica). Mas o foco é
nenhum momento faz esta dicotomia. Em a questão da abordagem psicossocial
nenhum momento deixa de considerar os que ele vai abarcar. Aí tem a questão
determinantes sociais. Então não sei se que coloquei em minha apresentação:
me fiz clara, ou talvez eu possa mostrar o enfoque psicossocial está sendo
isto de outras formas. A ideia de trazer utilizado em outras profissões, na própria
uma intervenção, uma abordagem, como Reforma Psiquiátrica, no próprio campo
se faz na prática, talvez complemente da saúde mental. Por que ele não pode
muito. ser revitalizado no Serviço Social? Por
O assistente social clínico, como que não se pode entender esta proposta,
o estamos chamando aqui, é um este método psicossocial, dentro de uma
assistente social. Ele não deixa nada de abordagem reflexiva? Será que quando
lado em termos de todo o arcabouço o negamos é por que estamos presos ao
que foi construído na profissão: os psicossocial da origem? É uma questão.
princípios éticos, as premissas teórico- Mas esta possibilidade de você articular
metodológicas, tudo que faz o assistente o “psico” com o social, a subjetividade
social ter sua identidade está nele com as questões sociais, está muito
presente. Ele é um assistente social. Só presente nesta abordagem e está sendo

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utilizada por outras vertentes. Por que o social! O grande momento, hoje, é o
ela é rejeitada no Serviço Social, se da interface, das articulações entre as
faz parte de uma tradição nossa e pode diferentes teorias. Na área de terapia
ser revigorada com toda a atualidade de família existe toda uma abordagem,
das questões que se apresentam nesta que está se intitulando, por exemplo, no
abordagem? Faço-me esta pergunta. momento, teoria da inclusão social. São
Também se perguntou que tipo terapeutas fazendo trabalho social. Isto
de transformação se alcança com a é curiosíssimo, é interessante, temos que
abordagem psicossocial. Talvez não conhecer o que eles estão fazendo, como
possamos ter controle sobre o alcance fazem esta articulação. Estamos num
das nossas ações. Mas eu poderia, momento, numa época, num contexto
rapidamente, dizer que a intenção é poder onde estas distâncias estão cada vez
ajudar a transformá-lo no seu contexto, menores. E podemos aproveitar ideias
para que ele possa transformá-lo, nesta e contextos de diferentes vertentes
dialética do pessoal, do particular e do sem perder a questão básica que é ser
global. Em termos gerais é isto, mas assistente social. Na minha prática como
como se faz isso? Talvez possamos trazer terapeuta de família, para a qual fiz
uma abordagem, uma intervenção, para uma especialização, minha identidade
que isto possa ficar mais claro. é de Serviço Social, é de ser uma
O que Ana Vasconcelos trouxe é muito assistente social que se utiliza de todo
interessante e me fez lembrar seu artigo um arcabouço teórico-metodológico que
sobre a prática reflexiva. Penso que é ajuda a entender e trabalhar no Serviço
isso que o assistente social que estamos Social. Então, temos que ser generosos e
denominando, agora, de clínico, faz. não excluir, mas trabalhar na inclusão.
É um método reflexivo de abordagem É um desafio, não é fácil, mas é preciso
direta, pessoal, com as pessoas, com a ter uma flexibilidade, uma abertura,
população que lhe procura. para poder pensar por que não. Por
Outra pergunta que surgiu: qual é o que não pensar que fazemos ajuda? Por
objeto da intervenção? É o homem, é o ser uma palavra tão impregnada de um
sujeito nas suas múltiplas determinações caráter tradicional? Nós ajudamos as
e expressões, e ele situado, ele pessoas! As ajudamos a viver melhor,
relacionado. Esta dimensão estrutural e a se entender melhor, a estarem mais
social não se perde em uma abordagem situadas socialmente. É ajuda! Qual é
psicossocial. Ela está presente sempre! o problema de falar de ajuda? Não há
Não sei por que há esta ideia de que que se ter medo das palavras. O que é
existe esta dicotomia! esta ajuda, para onde ela vai se dirigir é
Quanto às vertentes teóricas, se falou uma outra coisa. Mas podemos falar que
da Psicanálise, se seria da competência fazemos ajuda, sim.
do assistente social. Penso que temos Se o Serviço Social Clínico faz avançar
que ter uma generosidade teórica, o projeto ético-político é uma questão
também, importante: a de poder de ponto de vista, não é? Penso que faz
abarcar aquelas vertentes teóricas que avançar. Trabalhando nesta proposta, que
nos possam ajudar a compreender as fez parte da construção do Serviço Social, e
questões que enfrentamos na prática, com ela revitalizada (que é esta abordagem
nas instituições. Então, se a Psicanálise psicossocial), ela está dentro da discussão
me der elementos de uma compreensão da atualidade, está dentro da profissão e
que irá ajudar na minha prática, por que tudo o que está dentro da profissão faz
não incluí-la? A Psicanálise está incluindo avançar o projeto, não está fora disso.

Marilda Iamamoto

Tivemos aqui uma oportunidade Quero esclarecer duas questões, que


importante e interessante: o debate entre me foram cobradas nas intervenções.
diferentes concepções de Serviço Social Em primeiro lugar, por que fiz
no campo da saúde mental. O que foi referência à história da profissão? Estou
apresentado na mesa como Serviço Social pensando a abordagem psicossocial a
Clínico é uma das propostas em vigência partir dos pioneiros? Fiz referência à
para o Serviço Social na saúde mental. história da profissão porque consta da
Existem outras propostas de interpretar tese da professora Sônia que, desde o
e fazer Serviço Social nessa área. E esse seu início, o Serviço Social (Sônia tratou
debate entre os pares é importante que disso em sua fala) tratou a família. Ela
seja feito, uma vez que não sou uma fez referência à ênfase no indivíduo, à
especialista na área de saúde. ênfase no meio social. Daí a retomada

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histórica. o que fornece elementos para direcionar
Por outro lado, temos que definir o seu trabalho. Supõe um substrato teórico-
que é o psicossocial, porque ele agora metodológico, histórico e ético!
aparece de maneira indistinta, podendo E é nesse campo que a academia tem
cair no perigo de ser tudo e nada! É a que entrar! Estamos aqui, no lugar certo.
junção da subjetividade com a questão Estamos fazendo um debate teórico,
social? Está bem, então todos seríamos respeitoso, que tem pressupostos. Não me
“psicossociais”, pois reconhecemos adianta só dizer o que o assistente social
que o indivíduo tem singularidade faz: quero saber por que ele faz, o que
e se constitui nas relações sociais. ele pensa para fazer, o que se propõe a
Entretanto, a abordagem psicossocial realizar. Implica fundamentação teórica,
na nossa cultura profissional tem a sua ainda que abordada em diferentes
história. Uma história que foi submetida perspectivas, o que requer abertura para
à análise crítica, nas quatro últimas ouvir e considerar as diferentes vertentes
décadas. Porque ela não é só um termo, analíticas e efetuar uma interlocução
é uma concepção; é uma maneira de ler crítica com as mesmas. Não se trata
as ações profissionais, que norteia sua apenas de “somar”, pois corro o risco de
efetivação. Então é necessário qualificar fazer uma “salada de frutas’ na minha
essa abordagem teórica. Caso a proposta cabeça: juntar a teoria sistêmica com
seja uma resignificação do Serviço Social o marxismo ou com outras perspectivas
de Caso é uma perspectiva. Trabalhar teórico-metodológicas...
com indivíduo, com sua subjetividade É esse diálogo que faz avançar o
é outra conversa! Agora, o que está em conhecimento: a crítica teórica. Mas
jogo, claramente dito pela autora, é a atenção: crítica teórica não é mera
resignificação do Serviço Social de Caso, negação ou recusa do ponto de vista em
é a sua atualização. O que se contrapõe debate. Eu, para discutir com Sônia, fiz
à ruptura com a lógica teórica (não é uma leitura cuidadosa, sistematizada, da
só a política) que informa a proposta sua tese. Sei quais são seus pressupostos,
do Serviço Social de Caso. Este aspecto quais são suas referências. Ela é uma
merece ser esclarecido. interlocutora qualificada para mim.
Em segundo lugar: ser conservador Estou discutindo com ela a partir dos
para mim não é um xingamento. Não pressupostos de que ela parte, não dos
assumam minha análise nesta perspectiva, que eu gostaria que tivesse. Mas, frente
pois não é uma apreciação moral ou aos pressupostos que ela assume, estou
ideológica. O pensamento conservador colocando os meus pontos de vista. Isto
surge em contraposição ao pensamento é muito importante: a crítica que tem
liberal, ainda que os dois tenham que passar por dentro do pensamento do
como elemento comum a afirmação outro, que deve ser explicado, ao mesmo
da sociedade burguesa. É conservador tempo em que se afirma uma posição
porque é antimoderno e anti-histórico. diante do mesmo. Não é a crítica,
Hoje estamos discutindo a pós- portanto, reduzida à simples recusa.
modernidade e este conservadorismo Assim, a interlocução tem que ser o
antimoderno se revigora hoje, imiscuído mais ampla possível, o que não significa
no âmago da pós-modernidade: na concordância! Não! Discordar da Sônia
análise do fragmento, na análise do não é atacar a sua pessoa. É um diálogo
indivíduo, na valorização das diferenças, de ideias, que cabe à academia fazer!
da subjetividade deslocada de suas bases A universidade é o lugar do debate, o
sociais, das pulverizações em detrimento lugar da polêmica, o lugar da diferença
das determinações comuns, da recusa de pontos de vista. E é nessas diferenças
às longas narrativas, enfim. A proposta que crescemos, porque onde não há
pós-moderna não é antagônica à crítica divergência, não há crescimento.
anticapitalista romântica... E a universidade deixaria de ser
No meu ponto de vista, pensar o universidade.
Serviço Social é pensar não só que “o A terceira questão refere-se à
assistente social faz e como faz”. É, atribuição profissional de psicólogo. Não
também, explicitar como o assistente somos psicólogos! O assistente social
social pensa aquilo que faz e a sociedade pode se tornar psicanalista, terapeuta
na qual ele está inscrito. Então, a familiar, pela sua opção pessoal. Mas o
chamada “prática” do Serviço Social não Serviço Social é diferente da Psicologia, e
é só o que o assistente social faz! Envolve, isto tem que ficar claro! Na equipe de um
também, como o assistente social hospital psiquiátrico, o que a enriquece é
explica, interpreta, analisa a sociedade, a diversidade. Na área de saúde mental
os sujeitos, a sua posição profissional etc, (já trabalhei com deficientes), se tenho

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que reproduzir o discurso do psicólogo, normas para os comportamentos de
do psiquiatra etc, estou perdendo minha seus profissionais, estabelecem balizas
identidade, perdendo a possibilidade de para suas relações com os usuários dos
ser diferente e contribuir com a equipe serviços, com as outras profissões e
de trabalho a partir da minha diferença com as organizações que os contratam.
(ainda que reconhecendo que este campo Um projeto profissional, então, é uma
requer um domínio de conhecimentos proposta construída pela categoria,
mais específicos). Por exemplo, o ainda que esta não seja homogênea. É a
Serviço Social na área jurídica requer cara com que a categoria se apresenta na
do assistente social um conhecimento sociedade. E, mais do que isso, o projeto
mais aprofundado dos códigos, das supõe balizas de conhecimento e balizas
leis etc. Mas isto não significa que o éticas.
assistente social vá ser advogado e nem Esta é a nossa conversa. Para pensar
que, no primeiro exemplo, vá se tornar um projeto de intervenção profissional,
psicólogo. Isto é muito importante: onde temos que pensar nossas atribuições. E
está o limite? Quando perguntei o que é o há fronteiras entre as especializações do
Serviço Social Clínico, a professora Sônia, trabalho que são fluidas, mas têm que
em sua tese, na primeira nota de rodapé, ser qualificadas, não é um mero recurso
afirma o seguinte: “Enquanto o Serviço corporativista. É a diferença que permite
Social psiquiátrico enfatiza o programa nos identificarmos como assistentes sociais
institucional, o clínico enfoca mais as para, na unidade com outros profissionais
características metodológicas, o contrato e com concepções teóricas próximas,
entre as partes e os conhecimentos nos reconhecermos, e a sociedade nos
da Psicanálise. No presente trabalho reconhecer como profissionais que têm
usaremos o termo Serviço Social Clínico uma particularidade social. Sem cair
sempre que nos referirmos à prática na concepção utilitária, o trabalho do
de assistente social com indivíduos e assistente social tem uma utilidade para
famílias, que supõe contrato, que supõe a sociedade – um valor de uso social –
conhecimentos de Psicanálise”. que é distinta da de outros profissionais.
Então, há um contrato terapêutico. Não é uma visão corporativa e nem uma
Agora, há uma questão muito delicada: o visão estreita do conhecimento. Vamos
que se entende por terapêutico, nas suas dialogar com as diferentes concepções e
várias acepções... Eu, como assistente especialidades, mas não vamos nos furtar
social não me vejo como uma “terapeuta à compreensão e à qualificação do nosso
social”, não consigo me entender neste papel, das nossas atribuições, das nossas
quadro. Logo, o atendimento, para mim, competências.
não seria clínico. Faço um atendimento Eu queria agradecer. Penso que
social, mas não trabalho no campo da aprendemos muito com as intervenções
clínica, ainda que eu trabalhe em um de nossos colegas e com a intervenção
hospital psiquiátrico ou em uma área da mesa, na pessoa da professora Sônia
médica. Mas não faço clínica. Clínica Sodré. O diálogo foi, por vezes, um pouco
não é só um nome, há uma história e enfático, mas isto faz parte da polêmica.
um universo teórico no interior dos Para mim é uma polêmica respeitosa e
quais adquire um sentido. As palavras que me mobilizou. Ao ler o balanço da
carregam concepções, história. Portanto, Reconceituação apresentado na tese da
não adianta só mudar a palavra, pois elas professora Sônia, ele me provocou muito.
têm heranças culturais. Porque são mais de quarenta anos de
Finalmente, queria retomar uma trabalho, de investimento coletivo, de
noção que não é minha, mas me parece busca de rigor intelectual, de diálogo com
importante. O que estamos chamando de posições as mais diferentes. Incomodou-
projeto profissional? Estou usando aqui me muito atribuir os óbices para a
uma noção já apropriada coletivamente, afirmação do Serviço Social no campo
mas considero muito feliz a caracterização da família – identificado com o Serviço
efetuada pelo professor José Paulo Social Clínico – ora à Reconceituação,
Netto16. Ele diz que o projeto profissional silenciando os anos 1980–1990 em que
é construído por um sujeito coletivo – a ela foi submetida a uma rigorosa crítica 16
NETTO, J. P. A construção
respectiva categoria profissional – e é no meio profissional brasileiro, ora aos do projeto ético-político
indissociável de um projeto de sociedade. entraves externos, oriundos de fora, do serviço Social frente à
O que apresenta um projeto profissional? A em especial representados pela figura crise contemporânea. In:
Capacitação em Serviço Social
autoimagem da profissão na sociedade. Os do psicólogo e de suas competências e e Política Social. Módulo I.
projetos elegem valores que o legitimam atribuições profissionais . Crise contemporânea, questão
socialmente, delimitam e priorizam seus As dificuldades do Serviço Social na social e Serviço Social. Brasília,
objetivos e suas funções, prescrevem área de saúde mental são também nossas, UNB/CEAD, 1999, pp. 91-110.

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enquanto profissionais. É muito fácil Somos, hoje, uma profissão que,
atribuí-las ao marxismo, ao Movimento progressivamente, vai rompendo com
de Reconceituação, aos psicólogos. Mas os velhos estereótipos sobre si mesma,
e a competência que nos é requerida construindo uma nova imagem social: uma
enquanto profissionais para nos situarmos, profissão voltada à defesa e à garantia
nos qualificarmos e respondermos às dos direitos, da esfera pública e da
exigências institucionais? Então fica radicalização da democracia, extensiva
muito tranquilo, se quisermos usar uma a todos os indivíduos sociais no horizonte
linguagem psicanalítica, “transferir” da emancipação humana. E à medida
o problema para o marxismo ou para o que outros profissionais trabalham mais
psicólogo. Mas há uma questão que é nossa, diretamente com os assistentes sociais,
que somos nós quem vamos responder. eles passam a ter um outro nível de
Por que é que vários assistentes sociais reconhecimento de nosso trabalho,
se formaram em Psicologia, passando a superando antigos estereótipos. Em
ser assistente social e psicólogo? Ao se decorrência da subalternidade intelectual
pretender ser psicólogo, o caminho é e da condição de gênero – uma profissão
fazer a formação em Psicologia e assumir predominantemente feminina –, nós
a identidade de psicólogo. Subjaz a “corremos atrás do prejuízo”, investindo na
este percurso a percepção de que ser qualificação acadêmica e na afirmação de
assistente social é ser um “profissional um norte ético-político, posicionando-nos
menor”. Mas enquanto não assumirmos na sociedade. E avançamos, relativamente,
nossa identidade com dignidade, com muito mais do que muitas outras profissões.
convicção e com a clareza de que somos Esta é uma conquista a ser assumida!
necessários a esta sociedade, vamos Porque se não batalharmos pelo Serviço
querer nos apresentar com outras peles: Social, não nos reconhecermos na nossa
hoje de psicólogo e, em outro momento, identidade enquanto assistentes sociais,
de outra especialização profissional não poderemos afirmar nosso projeto
dotada de maior prestígio ou poder. profissional coletivo e os compromissos
Porque, muitas vezes, temos uma éticos e políticos assumidos na luta por
“relação envergonhada” com a profissão, um tempo iluminado para todos.
uma tensa relação de amor e ódio! Muito obrigada.

Hilda Corrêa de Oliveira

Para encerrar, muito rapidamente, a forma como Marilda se colocou agora.


lembro que estamos há quase quatro Agradeço às professoras Marilda e
horas neste rico debate que, como já foi Sônia pela brilhante contribuição e a
dito, foi respeitoso. Não foi um embate todas e todos que participaram conosco
pessoal, mas uma rica polêmica de deste evento.
ideias. Boa noite! Recebam, todos, os
E foi um debate emocionante, haja vista parabéns do CRESS-RJ!

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Edições já publicadas:
Nº 1 O “Serviço Social Clínico” e o projeto ético político
do Serviço Social (Maio, 2003, 2000 exemplares)

Nº 1/complementar Atribuições privativas do assistente social e


o “Serviço Social Clínico” (Maio, 2004, 1000
exemplares)

Nº 2 O Serviço Social e o Sistema Sociojurídico (Maio,


2004, 1000 exemplares)

Nº 3 O Serviço Social e a Educação (Abril, 2006, 1000


exemplares)

Nº 4 O Serviço Social e os Conselhos de Direitos e de


Políticas (Agosto, 2008, 2000 exemplares)

Nº 5 Assistência Social (Março, 2009, 2000 exemplares)

Reimpressão:
Nº 3 Novembro, 2008, 2000 exemplares

Adquira o seu na sede do Conselho Regional


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