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Volume 7

Número 1
Jan/Jun 2017
Doc. 5

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração


ISSN 2179-135X

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c5

PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE EM UMA EMPRESA DE MÉDIO PORTE: O CASO


DO MOINHO SANGALLI
Sustainable practices in a medium size company: the case of Moinho Sangalli

NATÁLIA ROHENKOHL DO CANTO – natalia.canto@ufrgs.br


Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS, Brasil

RODRIGO MALDONADO RODRIGUES – rodrigo@rmaldonado.com


Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS, Brasil

ANA PAULA FERREIRA ALVES – anapfalves@gmail.com


Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS,
Brasil

Submissão: 26/07/2016 | Aprovação: 18/03/2017

Resumo
Ao assumir a gestão do Moinho Sangalli, uma empresa de médio porte, Helio, Filipo, Tatiana e
Túlio decidiram que era hora de dar uma nova cara ao negócio. E nada melhor do que fazer isso
adotando práticas de sustentabilidade. Diante dessa situação, neste caso, são apresentadas as
soluções encontradas pelos gestores na busca de um novo posicionamento da empresa. Nesse sentido,
o caso tem por objetivo incentivar a reflexão sobre a introdução da sustentabilidade no âmbito
empresarial, evidenciando que a sustentabilidade pode se tornar estratégica ao negócio e valorizar a
imagem de uma organização.
Palavras-chave: práticas de sustentabilidade, empresa de médio porte, sustentabilidade
Abstract
When Helio, Filipo, Tatiana and Tulio took over the management of Moinho Sangalli, a medium-
sized company, they decided it was time to renew the business by adopting sustainable practices. In
this case, we present the solutions found by the managers in the search for a new company
positioning. In this sense, this case aims to encourage the reflection on the topic of sustainability in
businesses, demonstrating that sustainability can become strategic to the business and enhance the
image of an organization.
Keywords: sustainable practices, medium size company, sustainability
Introdução
Após 65 anos de existência, a empresa de médio porte Moinho Sangalli teve uma grande
mudança em sua gestão: uma nova diretoria assumiu sua administração. Assim, ao assumir a gestão
do Moinho Sangalli, no ano de 2007, Helio, Filipo, Tatiana e Túlio decidiram que era hora de dar
uma nova cara ao negócio. Mas qual seria essa “nova cara” da empresa? Qual seria a melhor forma
de a empresa mudar? Como seria possível redirecionar a sua estratégia? Essas foram algumas das
inquietações que levaram os gestores a questionar o modo como a empresa vinha sendo administrada
e propor mudanças para esse gerenciamento.
Após muita reflexão, os novos gestores decidiram investir em práticas ligadas às tendências
atuais de inovação e sustentabilidade. Em outras palavras, decidiu-se investir em diferenciação de
produtos e em práticas econômicas, ambientais e sociais, contribuindo simultaneamente para a
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rentabilidade econômico-financeira da empresa, a preservação do meio ambiente e a justiça e


igualdade entre as pessoas. A nova gestão estaria profundamente atrelada a práticas de
sustentabilidade. No entanto, para conceber e implantar tais práticas, existem alguns desafios a serem
enfrentados: diminuir o impacto ambiental, gerar benefícios para a sociedade e equilibrar as novas
iniciativas de maneira a promover a rentabilidade da empresa.
Desse modo, como decidir quais as melhores práticas de sustentabilidade a serem adotadas
para atingir os resultados esperados pelos gestores? Qual seria a viabilidade dessas práticas no que
diz respeito às características da empresa? Além disso, será que uma empresa de médio porte
conseguiria trazer contribuições ao meio ambiente e à sociedade, sem, contudo, prejudicar seu
desempenho econômico-financeiro?
Diante dessas considerações iniciais, para a apresentação do caso do Moinho Sangalli, esta
narrativa está estruturada da seguinte maneira: primeiramente, é realizada a descrição da organização
e do contexto em que o caso se insere; a seguir, é relatado o problema com o qual a organização se
deparou, qual seja o de adaptar suas práticas em favor da sustentabilidade; após, são apontadas as
soluções encontradas pela empresa; e, por último, são apresentadas as considerações finais e futuros
desafios.

O Moinho Sangalli: Uma empresa gaúcha de médio porte


A história do Moinho Sangalli inicia no interior do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil,
no período da Segunda Guerra Mundial. Na década de 1940, quatro amigos, Guerino Sangalli,
Angelo Francisco Busa, Augusto Giacomolli e Ercore Mottim, tiveram a ideia de aproveitar o
desnível do Arroio Jacaré para instalar uma indústria moageira. O Arroio Jacaré, um pequeno
tributário do Rio Taquari, corre na região chamada Vale do Rio Taquari.
Em 1944, ocorreu a primeira tentativa de construir uma barragem para testar a força do
Arroio. No entanto, na primeira grande enchente após a conclusão da obra, a barragem não resistiu e
desabou. Algum tempo depois, o obstinado Angelo Francisco Busa voltou a persistir na ideia e
retomou o empreendimento com o grupo de amigos, juntando-se ao grupo Balduíno Caumo, que era
considerado um especialista em construção de barragens. O amigo Ercore Mottin resolveu retirar-se
nesse momento, entrando em seu lugar João Antônio Sangalli. Assim, foi construída uma nova
barragem, mais robusta que a primeira, resistindo, inclusive, a uma nova enchente.
Em seguida, foi iniciada a construção de um canal de água de mais de mil metros de
comprimento, obra que foi comandada por Angelo Busa. Simultaneamente, por meio do engenheiro
Sílvio Peron, começou também a construção do prédio que abrigaria a indústria. Devido à escassez
de tijolos, Guerino Sangalli financiou a construção de uma olaria, que posteriormente forneceu os
tijolos para a construção do empreendimento.
Sob a orientação de Guerino Sangalli, as máquinas industriais foram adquiridas, obedecendo
ao cronograma do instalador da indústria, João Janizella. Os principais equipamentos instalados para
a moagem do trigo foram dois cilindros Bühler (suíços), um planshister (máquina usada para a
peneiragem da farinha) e sassores (peneiras industriais removedoras de impurezas), bem como
equipamentos completos de limpeza dos grãos. Para a moagem de milho, foram instaladas duas mós
(pedra circular e rotativa dos moinhos, que tritura e mói os grãos).
Assim, a empresa Moinho Sangalli foi fundada no mês de maio de 1949, na cidade de
Encantado, município rio-grandense localizado no Vale do Taquari. Em 1950, iniciaram as suas
atividades industriais de moagem de trigo e de milho. Os produtos da empresa passaram a ser
comercializados na cidade de Encantado a partir do ano de 1951, quando eram vendidos em
pequenas quantidades diretamente nas casas dos moradores.
É interessante ressaltar que a colonização do município de Encantado foi iniciada em 1882
por imigrantes italianos, provenientes da região do Vêneto. Posteriormente, alemães, lusos, franceses,
belgas, africanos e sírios também contribuíram para o seu desenvolvimento. Os membros da família

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Sangalli são descendentes de Francesco Sangalli e Teresa Sangalli, imigrantes italianos que vieram
para o Brasil em 1885, e sua primeira estada foi em Garibaldi, Rio Grande do Sul, mudando-se em
1893 para a cidade de Encantado. Atualmente, o município, que abrigava cerca de 20 mil habitantes
em 2010, de acordo com o IBGE, conta com atividades comerciais diversificadas, com
predominância de empreendedores locais. Destacam-se a produção de carne suína, de erva-mate e de
soja, a indústria de higiene, limpeza e cosméticos, e o comércio atacadista.
Ao longo dos seus aproximados 70 anos de existência, aconteceram algumas reformas ou
mudanças na infraestrutura do Moinho Sangalli. Em 1964, houve a primeira reforma do moinho, a
partir da qual a sua capacidade de produção foi triplicada e foi possível iniciar a venda dos produtos
no varejo. Nesse mesmo ano, a empresa também substituiu a turbina movida a água por um motor
movido a óleo diesel, considerado uma inovação para aquela época e local. Outra reforma industrial
ocorreu na década de 1980, quando o parque industrial da empresa foi aumentado e foram instaladas
novas máquinas. Diante disso, a empresa tornou-se mais competitiva, e foi possível ampliar a sua
participação no mercado. No ano de 2015, o Moinho Sangalli contava com 45 colaboradores diretos,
dos quais sete profissionais em funções de cunho administrativo, dois na parte comercial e os
restantes 36 nas operações de produção do moinho.
No que tange à área de atuação geográfica, o foco do Moinho Sangalli é atender o estado do
Rio Grande do Sul, especialmente as regiões do Vale do Taquari, Vale do Rio Pardo, Vale dos Sinos
e da Serra Gaúcha (cidades de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha). Entre os clientes da
empresa, existem tanto supermercados, que revendem os produtos aos consumidores finais, quanto
indústrias e padarias. A composição da carteira de clientes da empresa não é igual em todas as áreas:
em algumas regiões específicas, as vendas se concentram no mercado doméstico; em outras, no
industrial; e há, ainda, aquelas regiões nas quais o foco está nos dois tipos de mercado, ou, como diz
Tatiana, “tem algumas regiões em que se misturam a indústria e o mercado doméstico”.
Desde 2013, a empresa também tem sondado mercados de outros estados, como São Paulo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, oportunidade que se mostra “impressionante
pelo volume”, como conta Filipo. Esses mercados têm o potencial de consumir um volume muito
alto da produção do moinho, cerca de 50%. Porém, para Filipo, diretor-presidente do Moinho
Sangalli, “não dá para concentrar tanto” as vendas em um só cliente, sendo necessário, por enquanto,
“parar no mercado interno”. Vender metade da produção ou mais para um cliente desse tipo seria
arriscado, pelo poder de barganha que ele obteria diante da capacidade produtiva do moinho.
Dessa maneira, a empresa está sendo cautelosa em relação a essas propostas e tem se
concentrado principalmente no mercado local. Além disso, a venda para o Rio Grande do Sul
também está relacionada à confiança que os gestores possuem no potencial do mercado gaúcho e em
sua capacidade de desenvolvimento. Assim, a estratégia de vendas, apesar de contemplar outros
estados, concentra-se na ampliação desse mercado regional.
A gama de produtos ofertados pelo Moinho Sangalli possui seis diferentes linhas de farinha
de trigo, variando desde as linhas mais tradicionais e outras específicas para pães e/ou biscoitos até
as de uso caseiro ou industrial. Os produtos são envasados em volumes de um a 50 quilos, conforme
o direcionamento de mercado.
A Farinha de Trigo São Roque Especial, primeira das seis linhas, é um produto refinado e de
alta qualidade, fabricado especialmente para o uso doméstico, estando disponível em embalagens de
um e de cinco quilos. Seu sucesso abriu as portas para o mercado de indústrias, destacando o uso em
pães especiais, massas industriais, massa de pizza, folhados e pastéis, além da confeitaria. Possui
uma moagem especial, que utiliza apenas trigo selecionado e está disponível em embalagens de 25 e
50 quilos.
Na linha de farinhas inteiras, a Farinha de Trigo Sangalli é a sucessão da Farinha de Trigo
Bella, que, durante anos, foi destaque na indústria da panificação e no consumo doméstico, devido à
sua qualidade. Mantém a reputação de qualidade da Farinha Bella unida com a tradição do Moinho

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Sangalli. Para o mercado doméstico, está disponível em embalagens de cinco quilos e, para o
mercado industrial, está disponível em embalagens de 25 e 50 quilos. É um produto versátil, pois é
usado na confecção da maioria dos produtos de uma padaria, bem como para a produção de massas
em geral e biscoitos. Por fim, a Farinha São Roque Pré-mistura é um produto especialmente
desenvolvido para a produção de pão francês, que se encontra disponível em embalagens de 25
quilos.

Descrição do contexto e do problema


Apesar de a empresa ter inovado em seu início, no começo dos anos 2000, enfrentava
dificuldades devido a problemas de gestão. O Moinho Sangalli, então, possuía uma gestão pouco
propensa à mudança, com dificuldade para se adaptar às novidades do mercado, encontrando-se, de
certa forma, estagnada em relação ao mercado. Como detentora do maior número de ações, a família
de Helio Sangalli, filho de Guerino Sangalli, decidiu interferir e investir no desenvolvimento e
profissionalização do negócio. Assim, no ano de 2007, Helio Sangalli reassumiu a direção da
empresa, e seus filhos, Filipo, Tatiana e Túlio, assumiram os cargos de diretor-presidente, gerente de
marketing e gerente de vendas, respectivamente, decidindo adotar mudanças na estratégia do negócio.
Existem muitas possibilidades de novas estratégias, que tiveram de ser consideradas pelos
gestores no momento dessa decisão. Dependendo da área, formação e valores pessoais de cada gestor,
este pode ser mais favorável em relação a algumas ações do que outras. Do ponto de vista do
marketing, uma possibilidade estratégica seria a de ampliar a variedade dos produtos do moinho, o
que permitiria à empresa se destacar no mercado. No entanto, o responsável pela produção poderia
considerar tal mudança um desperdício, pois diminuiria a escala de produção e geraria mais custos.
Em termos de sustentabilidade, existem práticas que poderiam ser mais facilmente aceitas por
gestores da área de finanças, como aquelas que diminuiriam o desperdício de alimentos e consumo
de energia, consequentemente melhorando o desempenho econômico da empresa. O retorno
financeiro de práticas sociais, por outro lado, é mais difícil de ser mensurado, e, portanto, poderia ser
encarado como um custo por parte do responsável pelas finanças da empresa.
Dessa maneira, os gestores precisaram ponderar os diferentes prós e contras das estratégias
possíveis. Tiveram também que considerar o setor de atuação do moinho e a realidade local na qual
está inserido, de modo a definir um plano de ação adequado às demandas existentes.
Assim, ao analisar a concorrência, os gestores perceberam que muitas das outras empresas do
setor, principalmente as de outros estados, produzem um volume muito maior que a sua empresa e,
consequentemente, obtêm uma vantagem com ganhos de escala. Para o Moinho Sangalli, produtor
de quantidades menores, seria difícil competir com produtores em larga escala. Assim, optou-se por
adotar um posicionamento diferenciado e apropriado à capacidade de produção. Os gestores, então,
definiram uma estratégia voltada para a busca de vantagem competitiva pelo desenvolvimento de
produtos diferenciados, que possuiriam uma margem maior, e de ações de sustentabilidade, que
melhorariam a imagem da empresa.
Em relação a práticas de gestão, o Moinho Sangalli vem construindo uma proposta de
administração sistêmica, na qual busca trabalhar em rede, ou seja, possuindo um grupo de
profissionais de diferentes segmentos da empresa para a análise e tomada de decisões. Dessa forma,
os profissionais, no organograma, divididos em diferentes áreas de atuação, formam redes que
interagem para definir diretrizes e tomar decisões que afetam as diversas áreas. Tatiana aponta o
objetivo dos gestores com tais mudanças: “Talvez seria ousado no momento dizer que estamos em
uma administração holística, mas entendemos que o caminho seria esse”.
Além disso, a empresa vem desenvolvendo produtos diferenciados, como é o caso da
chamada Farimate, uma farinha que possui as propriedades antioxidantes da erva-mate, produto
consumido pelos gaúchos no chimarrão, bebida típica do estado. O desenvolvimento da Farimate foi
possível pela interação entre a empresa e centros de pesquisa, a partir da qual foi obtida e

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comprovada a funcionalidade do produto. A nova farinha tem recebido atenção da mídia e já resultou
em parceria com uma empresa cliente do Moinho, tendo em vista o desenvolvimento de um novo
produto.
Em relação às práticas de sustentabilidade, Tatiana é a coordenadora e principal motivadora
dessas ações, o que mostra que as ideias e valores pessoais dos novos diretores foram fundamentais
para que a empresa adotasse a nova postura e passasse a se interessar por questões socioambientais.
Para ela, a empresa entende “a sustentabilidade como um todo, e não só a questão de meio ambiente”,
ou seja, é necessário contemplar as dimensões social, ambiental e econômica. No entanto, ao
enunciar as práticas adotadas pela empresa, a gerente de marketing aponta que existe uma ênfase em
aspectos econômicos e sociais: “Acredito que o nosso projeto está mais focado na questão da
sustentabilidade econômica da empresa e no social [...] do que propriamente o meio ambiente, por
incrível que pareça. Até porque a nossa indústria não é uma indústria que produz tanto lixo tóxico,
nem resíduo, e coisas do gênero”.
Para Filipo, práticas de sustentabilidade engrandecem a empresa e demonstram que ela possui
firmeza moral na condução dos seus negócios, servindo de exemplo interno. Desse modo, essa
postura da empresa permite “mostrar para o funcionário o que tu queres dele dentro da tua
organização”. Ou seja, a empresa, ao dar o exemplo de como interage com a sociedade, espera que
os seus funcionários adotem o mesmo tipo de postura em suas condutas.
Assim, os gestores definiram como visão da empresa Moinho Sangalli: até o ano de 2020,
consolidar-se como o melhor fornecedor de farináceos enriquecidos para a indústria agroalimentar.
Por sua vez, a missão é a de produzir farináceos com níveis contínuos de qualidade dentro dos
padrões necessários para os seus clientes. Ainda, os valores organizacionais estão pautados em:
tradição, empreendedorismo, perseverança, comprometimento e sustentabilidade.
Nesse sentido, o maior investimento da empresa é realizado em ações sociais ligadas à
educação, com o objetivo de preparar futuros funcionários para a empresa, já que a região é carente
em termos de mão de obra qualificada. O retorno em termos financeiros, ou seja, a dimensão
econômica do tripé da sustentabilidade, também é considerado ao serem definidas ações. Para a
gerente de marketing, busca-se “sustentar a possibilidade de dar um emprego, uma geração de renda”,
oportunizando o desenvolvimento da comunidade como um todo. Assim, percebe-se que a empresa
busca alinhar seus objetivos econômicos à geração de vantagens para os demais públicos envolvidos,
como a comunidade e os funcionários.
Já em relação às ações ligadas ao meio ambiente, a empresa vem buscando, por meio de um
planejamento eficaz de rotas, diminuir a quilometragem rodada por caminhões ao transportar cargas,
a chamada pegada de carbono. Além disso, também coletou banners juntamente com uma
cooperativa financeira, a fim de reutilizar o material como matéria-prima para a elaboração de outros
produtos. Outra ação realizada com o público externo foi um projeto para a limpeza de um dos rios
da cidade.
Internamente, a empresa separa quatro tipos de lixo (metal, plástico, papel e orgânico).
Tatiana aponta que, como a indústria de farinha de trigo produz poucos resíduos, que podem ser
totalmente reaproveitados, e nenhum subproduto ou refugo tóxico, as possibilidades de melhorias
ambientais são restritas à matéria-prima, ou seja, o trigo proveniente de seus fornecedores. Os
fornecedores de trigo nacional são cooperativas, cerealistas, produtores rurais. Já o trigo importado é
nacionalizado por grandes multinacionais, como Cargill, Nidera, Glencore.
No entanto, como o Moinho Sangalli é um cliente pequeno, não possui muito poder de
barganha diante dos fornecedores para mobilizá-los em questões ambientais, como o uso de energias
renováveis ou agricultura orgânica ou de baixa emissão de carbono. Os diretores acreditam que até
conseguiriam “mobilizar a cadeia”, mas ainda possuem “muito pouca representatividade” para isso.
Para Tatiana, eles estão “muito imaturos ainda para conseguir trabalhar os fornecedores no que diz
respeito a essa questão sustentável”.

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Em relação aos aspectos sociais, a maioria das práticas adotadas é voltada às escolas, sendo
tais ações realizadas desde o ano de 2012 e encabeçadas no projeto “Seja uma fada para a natureza”.
Por meio desse projeto, são promovidas e executadas ações que viabilizam o desenvolvimento
sustentável, beneficiando as pessoas, o meio ambiente e a própria empresa. O símbolo do projeto é a
fada, por ser considerada uma divindade da natureza e parte das árvores, florestas e flores. O Moinho
Sangalli busca, com essa representação das fadas, investir na aproximação com a natureza. Entende,
também, que as fadas têm características em comum com o dia a dia da empresa, como a capacidade
de transformar e de cuidar.
Para que o projeto “Seja uma fada para a natureza” seja bem-sucedido, pressupõe-se o
envolvimento de várias esferas da sociedade (escolas, poder público, iniciativa privada e
profissionais liberais). Entre os parceiros do projeto, podem ser destacados os seguintes: Secretaria
Municipal de Saúde e Meio Ambiente de Encantado, Secretaria Municipal de Educação de
Encantado, Secretaria Municipal de Assistência Social de Encantado, Emater (RS-Ascar), Escola
Municipal Oswaldo Aranha, Escola Estadual Antônio de Conto e Supermercado Dália. O projeto
tem previsão de duração de nove anos, e a seleção das escolas participantes desse e de outros
projetos segue dois critérios básicos: localização, ou seja, devem estar inseridas na comunidade; e a
proximidade com o quadro de funcionários do moinho (os filhos ou netos deles devem estudar ou ter
estudado nessas escolas).
Tatiana conta como o projeto ocorre na prática:

Nós adotamos duas escolas, que são aqui da nossa comunidade. [...] Então, o que a gente
procura? Estamos tentando fazer passar o conceito sustentável para essas escolas. [...] Nós
fizemos um concurso (aí uma coisa mais lúdica, simbólica) elegendo duas "fadinhas", uma de
cada escola. [...] As embaixatrizes da natureza e as fadas acompanham eventos nossos, onde a
gente coloca questões sustentáveis, como também elas participam das oficinas, visitam
conosco certas ações para verem e começarem a participar. E, nas escolas, nós começamos a
ir no ano de 2012, pegamos as crianças que ingressaram naquele ano e começamos a
trabalhar temas com eles. Durante nove anos nós vamos acompanhar a formação dessas
crianças dentro das escolas com temas pertinentes às demandas das escolas e dos alunos.

Entre as ações já realizadas para o projeto, pode-se destacar uma ligada à higiene bucal, na
qual dentistas e farmacêuticos foram às escolas e trabalharam questões como a escovação dentária.
Outro trabalho já realizado com as escolas foi dirigido à questão cultural. A empresa organizou uma
visita à Bienal de Porto Alegre, oportunidade a que, segundo os gestores, “nunca nem os professores
tinham tido acesso”. “Então nós estamos também trabalhando a questão da cultura e tentando
sustentar a questão da educação”, afirma Tatiana.
Também houve práticas com caráter mais filantrópico, nas quais foram doados materiais às
escolas, e uma oficina de culinária para os alunos. Em 2014, a ação foi voltada a “trabalhar o caráter
nutricional”, com a elaboração de “uma horta em cada escola”, em parceria com uma entidade. Já em
2015, foram doados pacotes de farinha de trigo para a Associação Pró-Menor de Encantado, uma
entidade que acolhe crianças em situação de vulnerabilidade social.
Além de interagir com escolas, o Moinho Sangalli também se relaciona com universidades.
Um exemplo é a realização de palestras em uma universidade próxima “falando sobre o processo de
moagem” para o curso de gastronomia, e “depois eles vieram visitar a escola numa semana
acadêmica”, como conta Filipo.
A empresa também procura se relacionar com o restante da comunidade, como ocorreu em
um projeto que incentivava o uso de sacolas retornáveis, realizado em três supermercados. Neste, os
clientes que usaram as sacolas retornáveis participaram do sorteio de prêmios de caráter sustentável,
como bolsas femininas confeccionadas com o material dos banners reciclados. O projeto foi

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acompanhado pelas “embaixatrizes da natureza”, o que promoveu a interação de crianças do projeto


com a comunidade. Além disso, o Moinho Sangalli também apoia eventos comunitários, como os
que ocorrem no Natal e no Dia do Amigo.
A empresa procura impactar com suas ações de sustentabilidade os diferentes públicos com
os quais interage, preocupando-se com questões tanto internas quanto externas à organização e
contribuindo para a diminuição de problemas comunitários, como o desemprego, a exclusão social e
a pobreza. Para Tatiana,

o que é importante nesse projeto na escola e nas ações que a gente faz: sempre a gente
procura dar um caráter sustentável. Em qualquer oficina que se faça, vamos trabalhar com
reaproveitamento de sobras de alimentos, trabalhar com alimentos naturais, buscar inserir nas
receitas os vegetais, as frutas, a farinha, que de qualquer forma é um produto natural.

As ações de sustentabilidade vêm resultando na divulgação da empresa pela mídia, que


reportou algumas das práticas adotadas, o que tem impactado a percepção da comunidade, dos
clientes e de outras entidades sobre a empresa. Filipo percebe um “impacto mais institucional do que
comercial”. Ou seja, a imagem da empresa é promovida mediante esse tipo de ação, mas não é
possível perceber um aumento nas vendas, um retorno econômico, devido a essa nova postura
organizacional. Falta, ainda, para o diretor-presidente, uma conscientização das empresas
compradoras em termos de valorização de quem adota práticas de sustentabilidade.
Em relação aos clientes, existem planos para trabalhar de maneira conjunta em projetos de
sustentabilidade com uma empresa cliente, produtora de biscoitos, o que contribuirá para um
estreitamento da relação entre as organizações. Por outro lado, também foi gerada a oportunidade de
interagir com a Bienal do Mercosul, que soube do projeto pela divulgação na imprensa e entrou em
contato com o Moinho Sangalli para a realização de uma parceria.
Apesar de algumas práticas serem bastante divulgadas, Tatiana aponta que ainda existem
dificuldades nesse sentido. Em 2013, “aconteceram muitas ações que nós não divulgamos, e foi [...]
justamente porque nós tivemos um excesso de trabalho, estamos tendo ainda um excesso de trabalho
por outros envolvimentos da área de marketing, e muitas coisas estão documentadas, mas não estão
divulgadas”, sendo que “no primeiro ano do projeto, 80% das ações que foram feitas não foram
divulgadas”. Isso pode ser devido ao fato de que na empresa não existia pessoal capacitado para
redigir relatórios de sustentabilidade e divulgá-los nos canais corretos. Recentemente, a organização
entrou em contato com uma agência de publicidade a fim de melhorar essa questão. A gerente aponta
que, “agora que a gente contratou uma assessoria de imprensa, nós estamos conseguindo informar,
através do Facebook e do site”. No entanto, percebe-se que boa parte da divulgação de impacto ainda
é feita de modo não intencional, por parte da imprensa.
A divulgação das práticas mostra-se uma dificuldade não apenas em relação aos
consumidores domésticos, mas também no que tange às indústrias com as quais o Moinho Sangalli
se relaciona. A empresa vende seus produtos via representantes comerciais, que nem sempre estão a
par das ações realizadas. Filipo explica que a empresa “não conseguiu ainda vislumbrar que os
representantes também tenham esse entendimento do que é esse projeto todo”, o que dificulta a
transmissão da informação aos clientes.
No que tange ao impacto das ações, em termos sociais, são percebidos resultados positivos
por parte dos gestores, mesmo não existindo um sistema objetivo para esse tipo de mensuração. As
ações da empresa têm gerado interação entre diferentes públicos e dado oportunidades educacionais
diferenciadas, o que contribui para o desenvolvimento da comunidade e, principalmente, dos alunos
contemplados nos projetos. A divulgação das ações pela mídia também coloca a cidade em destaque
e a torna mais conhecida por seu entorno e outras localidades. Além disso, são percebidos impactos
no público interno da organização, de modo que a postura ética da empresa seria determinante para

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que os empregados a percebam como uma entidade que busca melhorar o mundo ao seu redor.
Assim, os impactos percebidos pelos dirigentes da organização relacionam-se primordialmente à
imagem institucional para os diversos públicos envolvidos com a empresa, seja direta, seja
indiretamente.

Reflexões finais
O Moinho Sangalli, a partir da mudança de gestão, passou por uma série de transformações
em prol da sustentabilidade. As principais motivações para a escolha das ações adotadas foram a
formação de mão de obra para a empresa, a diferenciação da marca, o exemplo aos funcionários e a
geração de renda permanente para a comunidade.
As principais práticas sociais adotadas foram o projeto “Seja uma fada para a natureza”
(realizado em escolas da comunidade, com ações como um projeto de limpeza e higiene bucal e
visitas à Bienal de Porto Alegre, a doação de farinha de trigo a entidades carentes, o fornecimento de
materiais para escolas e uma oficina de culinária), o incentivo ao uso de sacolas retornáveis e o apoio
a eventos comunitários.
Em relação a práticas benéficas ao meio ambiente, as principais ações referem-se à separação
de lixo na empresa, limpeza de um rio da cidade, diminuição da quilometragem rodada no transporte
de cargas e coleta de banners para reciclagem. As práticas de sustentabilidade tornaram-se, por vezes,
estratégicas para o negócio. Como resultado delas, podem-se ressaltar o desenvolvimento da
comunidade, a geração de uma imagem institucional positiva para o público externo e interno, a
divulgação das ações na imprensa e a interação com outras empresas e entidades.
Filipo e Tatiana conseguiram cumprir seu objetivo de diferenciar sua empresa com práticas
mais sustentáveis. O Moinho Sangalli vem sendo reconhecido pela comunidade e pela mídia,
chegando a receber em 2014 o “Prêmio Mérito Empresarial do Rio Grande do Sul”, promovido pela
Revista Destaque Gaúcho, com apoio da Câmara Brasil-China-Mercosul. A empresa ajuda a
comunidade e o meio ambiente, sem deixar de considerar suas necessidades internas.
No entanto, o desafio permanece, visto que os projetos devem continuar a ser executados e
ainda existem questões a serem melhoradas, como a divulgação e a busca de retornos financeiros das
práticas adotadas e a mensuração dos resultados sustentáveis da empresa e seu impacto. Diante
dessas considerações, são propostas as seguintes questões para reflexão (2 pts cada questão):
1. O que significa o conceito de sustentabilidade? Quais dimensões existem nesse conceito? Essas
dimensões foram levadas em consideração no caso analisado?
2. Quais oportunidades e dificuldades você vê em empresas de médio porte que desejam adotar
práticas de sustentabilidade?
3. Você concorda com as práticas adotadas pelos gestores para um novo posicionamento da empresa
Moinho Sangalli? Por quê?
4. Como um gestor pode conciliar questões socioambientais com as visões e objetivos de um
negócio?
5. Qual sua opinião a respeito da divulgação de práticas socioambientais em estratégias de marketing?
Existem implicações éticas na utilização, por parte da empresa, dessas práticas como forma de
promoção? Quais?

GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos

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