Matheo de Souza Rolim, 3º Período, Políticas Educacionais
Professor: Marcelo Stein, Data: 01/07/2022 Ensaio sobre a “Problematização da escolarização domiciliar no Brasil e a defesa da escola pública como local de aprendizado democrático”
A nova regulamentação do modelo de escolarização domiciliar
representa, em várias instâncias, um ataque direto à democratização do ensino e uma investida perniciosa aos ambientes escolares públicos e socialmente plurais, além de promover a derrocada profissional da figura docente. O texto base do projeto de lei substituto, recém aprovado na câmara, relatado pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), referente ao PL 3179/12 original, regulamenta a prática da escolarização domiciliar no Brasil e possibilita a implementação de planos educacionais/pedagógicos individuais, desenvolvidos e aplicados de acordo com os interesses de pais e responsáveis. A ideia proposta já é controvertida há muito tempo e é fruto direto de uma série de outros projetos de leis anteriores, desde de 2001 (vide PL 6001/2001 de Ricardo Izar). Entretanto, o parecer da educação domiciliar – ou homeschooling – ganhou mais destaque nos últimos dois anos, em função do isolamento social proveniente da pandemia da covid-19, que compeliu a rede de educação a se adaptar nas modalidades de ensino à distância e ao estudo dentro de casa. Apesar de se apresentar revestida com considerações a respeito de ideias de liberdade de escolha e de proteção dos jovens e crianças, a substância legal prevista nos projetos de escolarização domiciliar interfere diretamente no direito básico à educação, privando as crianças da frequência à escola e ao processo único de socialização e formação cidadã que nela ocorre. A concepção de uma educação não mais comum e coletiva reflete os anseios conservadores de um princípio de governo neoliberal, que prioriza a formação individualista do sujeito e da futura mão-de-obra e que visa, em consonância com a agenda de austeridade fiscal que corre nos últimos anos, inibir-se da responsabilidade intransigente de financiar uma educação pública e de qualidade. O elemento central na constituição retórica da reivindicação do homeschooling é a fabulação esdrúxula dos perigos iminentes dentro dos ambientes de ensino escolares, isto é, a noção de que a criança estando inserida dentro do âmbito escolar estaria propensa a desvirtuar-se dos valores que a família considera invioláveis, pois o ambiente multifacetado poderia, nessa hipótese, influir de modo negativo sob o jovem, de modo a afastá-lo da moral e dos costumes valorizados pelos pais. Entretanto, o intento de evitar o contato das crianças e adolescentes com as temáticas e noções culturais que divergem do modelo instituído traduz-se numa tentativa frustrada de privar o sujeito da realidade tal qual é, inserindo-o numa bolha falsa que distorce sua percepção, enviesando-o e o direcionando à lógica individual, alienada e de competição do mercado, cabendo o complemento: "Logo, se a própria escola é inapropriável, os processos que ali acontecem não podem ser reproduzidos em outros lugares, como em casa ou pela instituição familiar, visto que eles se desenvolvem num espaço aberto de criação e invenção, o qual só pode ser produzido quando diferentes vozes, diferentes sujeitos, diferentes gerações, diferentes etnias, diferentes crenças e formas de vida se encontram. " (TRAVERSINI, Clarice Salete; Problemas da escolarização doméstica: uma defesa da escola pública enquanto espaço comum e democrático. Pro- posições: Campinas, e20200040, volume 33, p. 11, 2022.
Outrossim, os moldes da educação domiciliar trazem embutidos na
privatização do processo pedagógico e educativo o desabono do saber docente e, consequentemente, a desprofissionalização do mesmo. É grande verdade que os professores e pedagogos acompanharão, conforme proposto, em regularidade semestral, o desenvolvimento do ensino e aprendizagem dos alunos, no entanto, sua participação dentro do processo educativo estará reduzida a singelas orientações, ao papel de suporte, ficando a mercê do ensejo dos pais, dos responsáveis ou do preceptor em questão, que, por sua vez, não possuirão, necessariamente, instrução (graduação em pedagogia, licenciaturas, magistério e áreas afins) na atividade docente. Dado o exposto, fica visível como a proposta da escolarização domiciliar pode, se aprovada e instituída, aprofundar de forma ainda mais latente as mazelas de uma educação já há muito sucateada e desvalida, conspirando contra o direito ao ensino democrático e propiciando um cenário de abandono intelectual, social e cidadão por parte do estado. Ao instaurar tal modelo, a dissimulada “liberdade” que se adquire caminha em compasso com a grave responsabilidade para com a formação dos sujeitos que comporão o futuro de nossa sociedade, estando o governo isento e aquém do acolhimento intelectivo e societário desses jovens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do
Investimento nas Escolas Públicas, 2022.
TRAVERSINI, Clarice Salete; Problemas da escolarização doméstica: uma defesa
da escola pública enquanto espaço comum e democrático. Pro-posições: Campinas, e20200040, volume 33, p. 1-24, 2022.