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O texto, assinado pelo deputado Flavinho (PSC-SP), discursa sobre garantir o pluralismo
de ideias no ensino e sobre a necessidade de evitar que os docentes prejudiquem os
estudantes em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas.
Além deste projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, há outros projetos de
lei em andamento: 25 estaduais, 110 municipais, e 13 no Congresso Nacional.
“Os professores não se oporiam a discutir a ética da profissão, como ensinar, equilibrar a
construção de conhecimentos com a função social da escola, debates desejáveis e
naturais. Mas esse texto toma outro caminho, que é violento: o de proibir que se fale em
determinados assuntos”, explica Renata Aquino, mestranda em Ensino de História pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do Professores contra o
Escola sem Partido e do Movimento Educação Democrática.
“Art. 1º Esta lei disciplina o equilíbrio que deve ser buscado entre a liberdade de ensinar e a
liberdade de aprender, no âmbito da educação básica, em todos os estabelecimentos de ensino
públicos e privados do País” – trecho do projeto de lei nº. 7180/2014
Para compreender de que liberdade se fala, vale olhar para os proponentes e apoiadores
do Escola Sem Partido. Criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, foi só em 2014
que o movimento ganhou corpo como projetos de lei. O primeiro foi apresentado por
Flávio Bolsonaro, e o segundo por seu irmão, Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
Embora a bancada evangélica corresponda a apenas 16% do Congresso Nacional, seus
representantes alcançaram postos-chave quando Marcos Feliciano assumiu a presidência
da Comissão de Direitos Humanos e Eduardo Cunha foi presidente da Câmara. Um dos
presidenciáveis para as eleições de 2018 é o conservador extremista, Jair Bolsonaro.
Em maio deste ano, o PL 7180/2014, que tramita na Câmara, recebeu parecer favorável
da comissão especial destinada a analisá-lo.
Esse colegiado era capitaneado pela bancada evangélica, com figuras como Pastor Eurico
(PEN-PE), João Campos (PRB-GO), Delegado Francischini (PSL-PR) e Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP). Flavinho, o relator, é missionário católico na comunidade Canção Nova.
Durante as audiências públicas para debater o texto do projeto, que ocorreram ao longo
de 2017, a comissão ouviu 31 especialistas, entre advogados, educadores, estudantes,
religiosos e familiares.
O professor “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los
para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária”. No resumo, também diz que é preciso
determinar a conduta dos professores na “transmissão dos conteúdos” – trecho do projeto de
lei nº. 7180/2014
“É uma visão pedagógica ultrapassada, que entende o aluno como uma folha em branco,
passivo, e estabelece uma relação hierárquica entre estudantes e professores, e não uma
educação democrática”, diz Russel Teresinha Dutra da Rosa, professora na Faculdade de
Educaçao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
esse é um arcaísmo que assola tanto a direita quanto a esquerda, e reforça que o
professor não transmite conteúdo.
Logo, em uma mesma escola é possível ter contato com visões diferenciadas, uma vez
que todos os professores e colegas de classe são diferentes entre si e carregam consigo
valores diversos, agem de maneiras únicas diante de uma mesma situação, e têm origens
variadas.
“A escola deve ampliar o repertório das crianças em relação à família, mostrar que
existem outros valores e diferentes visões de mundo. E ao longo desse processo, vão
construindo suas próprias visões de mundo. Quanto mais plural e tolerante à diversidade
for esse caminho, mais perto estaremos de uma sociedade democrática”, diz Russel.
Para exemplificar a falácia deste argumento Renata Aquino lembra de um caso ocorrido
em uma comunidade do Rio de Janeiro, no ano passado. Na primeira aula de História de
uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), os estudantes chegaram à escola
cansados após um dia de trabalho. Tentando tornar a aula sobre História Medieval mais
interessante, o professor falou sobre como era o trabalho na época, esperando que o
assunto pudesse despertar o interesse nos alunos, uma vez que eles também trabalham.
“Esse caso mostra como seria cruel ouvir isso de um aluno e ignorá-lo completamente,
uma vez que, segundo o Escola Sem Partido, abordar essa questão, sob qualquer
perspectiva, seria adentrar os campos da educação familiar”, diz Renata.
Situações como essa acontecem cotidianamente. Os alunos interferem, questionam,
contam sobre experiências próprias, ou pelo menos deveriam ser estimulados a participar
da aula. Além disso, costumam ter o tempo todo, na palma da mão, um celular com
acesso às mais variadas informações e pessoas.
“O Escola Sem Partido quer que o professor fale só dos conteúdos curriculares, mas é
difícil dar sentido para a aprendizagem sem falar de temas atuais, do contexto. Ter a
liberdade para discutir questões variadas em sala de aula não é o mesmo que obrigar o
aluno a pensar de determinada maneira. Nós mal conseguimos obrigá-los a fazer a tarefa
de casa, quem dirá a pensar de um jeito ou de outro”, diz Renata.
Educação moral
Daniel Cara defende que a educação escolar deve representar o conjunto da sociedade, e
lembra que a própria Constituição diz que o Brasil precisa ser um país pautado pela
justiça social.
“Se uma família não aceitar a justiça social, por exemplo, não considero justo e adequado
a moral familiar se sobrepor à missão da educação escolar. Se a família tiver uma postura
discriminatória, por exemplo, a moral familiar deve ser enfrentada e não pode se sobrepor
à educação escolar. A família precisa ser considerada como parte da sociedade. Mas não
pode ser maior do que o todo”, diz Daniel.
Educação religiosa
“Se o aluno e sua família acham que chove porque deus quer, não vou poder ensinar
sobre o ciclo da água? Se a ideia é deixar o aluno na tendência que ele já está, então não
há educação”, diz Valdir Barzotto.
Educação sexual
Como resultado, as jovens americanas se tornam sexualmente ativas mais cedo do que as
holandesas e demonstram distanciamento da família neste processo. As holandesas, por
sua vez, apresentam mais experiências sexuais positivas e seguras.
Por aqui, o Escola Sem Partido quer banir a discussão dos colégios. “Essa posição vem de
grupos religiosos mais conservadores, uma vez que grande parte dos proponentes do PL
são vinculados à bancada evangélica do Congresso”, explica Russel.
“Art. 3º As escolas afixarão nas salas de aula, nas salas dos professores e em locais
onde possam ser lidos por estudantes e professores, cartazes com os Deveres do
Professor”– trecho do projeto de lei nº. 7180/2014 em referências às seis obrigações dos
docentes que garantiriam sua aplicação.
Sobre este ponto, Russel resume: “O Escola sem Partido coloca o professor sob suspeita
e reserva aos estudantes e suas famílias o lugar de delator. Essa dinâmica foi muito
comum durantes regimes autoritários”.
Ainda que o PL não tenha sido aprovado, o movimento já gerou um clima de vigilância.
“Muitos estudantes gravam trechos da aula, sem o contexto completo, e difamam os
professores nas redes sociais. Há famílias que intimidam professores pelo seu trabalho
pedagógico e equipes diretivas que afastam ou demitem professores por conta disso”,
conta Russel.
“Essas práticas têm se tornado comum e é muito violento culpabilizar o professor por
tudo”, acrescenta Renata Aquino.
Mas a relação entre alunos, famílias e escolas não deveria ser essa. O texto da LDB
propõe a valorização dos estudantes e seus responsáveis na construção do Projeto
Político Pedagógico (PPP) das escolas, e sua participação nos conselhos escolares,
definindo atividades que vão acontecer na escola, e como serão feitos os investimentos.
Russel explica que é natural que conflitos aconteçam, porque a escola é um espaço social
mais amplo do que a família, onde as crianças entram em contato com o mundo. Por isso,
é preciso que as instituições se aproximem ainda mais, e que a escola faça um esforço de
explicar sua proposta pedagógica e as atividades que serão realizadas.
“A escola é uma janela que abre outras possibilidades e aspectos que a família não
mostra, e não dá para ter plena coincidência de todos os valores, mas dá para ter aliança,
confiança, diálogo. Dá para trazer as famílias para dentro da escola, escutar o que a
família têm a dizer, desmanchar os medos construídos, e deixar claro que
independentemente das variedades de família, todas merecem respeito e lugar na escola.
Assim se faz uma educação democrática”, conclui Russel.