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CAPÍTULO 1: O REINO

O barulho que o despertador fazia era ensurdecedor, mesmo soando extremamente


baixo. Cortava o sono leve que só era possível graças aos comprimidos noturnos. Sentei-me
beira à cama, coloquei os pés descalços sobre o carpete do chão e fiquei a observar a janela.

Outro dia de manhã cinzenta e pouco encorajadora, de clima estranho; nunca faz frio,
nunca faz calor. É sempre um morno abafado e sufocante.

Conhecida como "o fim", a cidade onde vivia parecia sempre repetir os mesmos dias, é
escura, afastada, triste, vazia e abriga a quem não abriga nada no peito, os sem-coração.

Por conta do pseudo desmaio que tomei na noite anterior, as roupas que eu vestia
eram as mesmas que eu usaria no dia de hoje. A mesma camiseta branca, larga e surrada, e o
jeans velho e rasgado de sempre. Nenhuma tentativa de boa aparência.

Caminhei até o banheiro, onde buscava pelos pequenos armários pelos frascos
escondidos de medicamento. Eram atualmente cerca de cinco ou seis, ingeridos sem uma
dosagem exata, era o que caia na palma da mão ao chacoalhar o vidro alaranjado.

Meu celular deixado sobre a porcelana da pia acendeu o visor e pude ler a mensagem
que chegava.

“Park Jimin: Você está atrasado? Eu estou aqui fora.”

Mesmo depois que Jimin mudou-se para outra casa, fez questão de percorrer o
caminho mais longo para que pudesse me acompanhar até a escola.

Não respondi a mensagem, apenas joguei os comprimidos na boca e engoli-os com


auxílio da água da torneira, qual pegava em porções pela mão.

Procurei pela mochila encostada na parede, próximo à porta e apenas desci as escadas
rapidamente, deixando a casa sem responder ao “tenha um bom dia” que recebia dos pais.

O de cabelos castanhos sorriu ao ver-me sair pela porta. Cumprimentou-me, e como


sempre tentava conversar comigo, sempre soando cauteloso com as coisas que dizia, mas
mesma assim ainda era o único com quem eu conseguia ter uma boa conversa.

Jimin mudava completamente quando adentrava o colégio, não que eu não


conhecesse o rapaz brincalhão, popular e carismático do segundo ano, eu conhecia todas as
suas facetas, mas chegava a ser estranho se comparado ao menino que chorava com
constância descontente com si mesmo ou com qualquer outra coisa.

Cumprimentava várias pessoas, colegas que conquistou durante o ano letivo anterior,
dava risada e repetia isso há cada dois passos. Enquanto eu recebia alguns olhares de relance
com expressões não tão felizes quanto recebia Jimin.
Despediu-se de mim quando ouviu soar o breve alarme e deixou-me na porta da classe
qual eu teria minhas aulas a partir deste dia. Era repleta de rostos estranhos, para mim todos
eles pareciam monocromáticos e vazios, como tudo o que via nessa cidade.

Havia grandes janelas ao lado esquerdo da sala, o que prendeu minha atenção melhor
do que todas as outras coisas. Por um lado, me distraía; por outro, me fazia pensar demais.

Por algum motivo a entrada junto do mais baixo ainda me incomodava, e me fazia
pensar sobre tudo o que eu sabia sobre ele. Boa parte da minha vida acabou por ser traçada
com ele, foi a pessoa que mais presenciou todos os meus estágios de tristeza e todos os
problemas que eu tive. Do jeito que é, os sabe de cor.

Jimin me ensinou muita coisa, inclusive me ensinou como amar. O corpo é pequeno,
mas lá dentro tenho certeza que a maior parte é seu coração; e seu combustível é amor. Eu
não me sinto suficiente para alimentá-lo, portanto, sou eu quem o vê sofrer a cada pedaço
estilhaçado no peito. Todas as garotas e os garotos quais passaram por ele, o fizeram chorar
no final.

Quando soou novamente o irritante sinal, minha vontade de deixar aquela sala era
mínima. Vi-me sozinho alguns minutos depois. Tomei coragem e uma boa porção de ar no
peito antes de traçar o corredor até o refeitório. Era um lugar relativamente grande, haviam
centenas de mesas para centenas de pessoas. E em uma delas avistei Jimin, acompanhado de
dois rapazes que acabavam de chegar.

Aqueles dois me notaram primeiro e por fim o moreno virou-se de costas para me ver,
justamente quando eu retomava a ideia de voltar para a classe. Chamou-me pelo nome, me
obrigando a aproximar-me da mesa.

“E Yoongi? Onde ele se meteu?” Foi tudo o que pude ouvir do que falava.

“Você sabe, Jimin, ele está em todo lugar, menos se importando com a escola.”

Jimin riu, movimentando a cabeça em negação. “Ainda me pergunto como ele


consegue passar o ano desse jeito.”

Sentei-me ao lado do menor e este fazia questão de apresentar-me aos outros dois, o
mais alto tinha os cabelos brancos e uma covinha mais aparente que a outra nas bochechas
quando sorria. O outro sorria feito uma criança, vestia um gorro na cabeça e saudava-me com
uma das mãos.

“Esses são Kim Namjoon e Kim Taehyung.” Disse simultaneamente ao cumprimento de


ambos.

“Você vai com nós depois da aula?” Perguntou o mais alto.

Apenas olhei para Jimin como resposta, confuso.

“Você quer vir, Hoseok? Vai ser legal.” Eu sempre esperava algo ruim quando ele dizia-
me isso, mas por algum motivo senti que seria diferente do usual.
[...]

O ultimo sinal tocou, finalmente e apressado Jimin surgiu na porta, chamando-me com
a mão. Juntei rapidamente as coisas da mesa, pus a mochila sobre os ombro direito e fui de
encontro a ele.

Caminhamos até um terreno abandonado, um tanto distante do centro da cidade,


onde encostado nas grades de ferro havia um quarto rapaz, de cabelos coloridos; desbotados.
Aquele tragou uma última vez o cigarro que tinha nas mãos antes de jogá-lo no chão e esfregá-
lo com a ponta do coturno, para então sorrir e vir de encontro a nós. Jimin foi à frente para
então cumprimentá-lo com um abraço.

“Hoseok, esse é Min Yoongi, a pessoa mais sem noção que eu conheço!”

O outro o acertou levemente com o cotovelo, pelo codinome recebido.

Os quatro rapazes conheciam bem o lugar que adentravam, passavam por entre
buracos da grade ou apenas pulavam por cima da mesma. Enquanto Jimin me auxiliava a
passar.

“O que é aqui?” Eu perguntei.

“Aqui é o nosso reino. Onde as melhores coisas acontecem.”

Segurou-me a mão e guiou-me até próximo dos restos do que um dia foi um galpão,
onde se acomodavam os rapazes; entre os colchões velhos e os pedaços de bancos de carro.

“Yoongi, você trouxe isso sozinho? É mesmo um menino de ouro.” Disse Taehyung ao
abrir a caixa térmica e encontrar a mesma cheia de garrafas de cerveja.

Pegou quatro delas e distribuiu entre eles, oferecendo-me uma. Eu recusei. Além de
não conhecer o gosto do álcool, meus remédios me proibiam de ingerir tal coisa por reações
colaterais.

Eu tinha certeza de quem era Jimin, mas era a primeira vez que o via tão confortável. A
tarde caia junto das gargalhadas e as garrafas vazias de álcool, era nítido que se divertiam tão
verdadeiramente como se nada mais no mundo existisse. Tudo parecia passar em câmera
lenta e eu, sem perceber, acabava-me entregando aos risos também.

Era quase noite quando meus problemas apareceram para me infortunar. Senti minhas
mãos tremerem com certa intensidade, fiz-as agarrarem o tecido que sobrava na barra da
camiseta e então sussurrei para Jimin. Ele sempre tinha consigo meus comprimidos para
ansiedade, pois sabia que eu era descuidado para lembrar-me disso.

Entregou-me alguns deles e eu engolia a seco, com certa dificuldade. O ato chamou a
atenção dos rapazes, que questionaram sobre o motivo dos comprimidos.
“Diabetes.” Interrompi Jimin, que ameaçava falar.

Ficaram todos em silêncio, todas as risadas se calaram e o clima pesou sobre meus
ombros. Algo parecia errado.

CAPITULO 2: A ÚLTIMA

“Onde você estava, Hoseok?” Minha mãe perguntava preocupada quando eu chegara
exausto na noite.

Você já perguntou isso ontem, e antes, e antes; eu queria dizer.

“Eu estava com Jimin, mãe.” Foi o que eu respondi, na verdade. A mesma resposta
para as mesmas perguntas. Sem esperar por outro sermão ou aquele silêncio de quando me
julga em pensamento, imaginando todas as coisas ruins que eu poderia ter feito o dia inteiro,
apenas rumei para o quarto.

Joguei tudo que carregava no chão, sem o menor cuidado, antes de atirar-me contra
os lençóis brancos. Encarava o gesso, também branco, do teto e repensava sobre toda aquela
semana. Tudo parecia estranho, desde o colégio até o fato das pessoas me aceitarem como
“amigo” antes mesmo de me conhecer. E pela primeira vez eu não sentia estranho, vigiado,
julgado, não quando eu estava fora do Alcatraz que eram as estruturas do colégio.

Eles apenas queriam viver. E eu queria ser como eles.

“Você vem, Hoseok?”

“Eu encontro vocês lá.”

Estranhamente eu não tinha pressa de nada, provavelmente ainda estava sob o efeito
de algum dos remédios, também não tinha vontade de enfiar-me no canto do banheiro, com
as costas no azulejo frio e dopar-me de medicamento. Eu apenas queria andar lentamente até
aquele lugar.

Assim cheguei ao local, antes mesmo de entrar já podia ouvir as risadas exageradas. O
que me fazia sorrir levemente. E quando me viram pareciam saudar-me comemorativos.
Larguei a mochila num canto sujo e sentei-me próximo de Jimin, como de praxe.

Yoongi era sempre o que estava de pé, falando o que vinha na sua cabeça, era o que
mais animava as pessoas ali. Só não estava a falar mais porque tinha um cigarro na boca.
Havia um menino sentado onde deveria estar o de cabelos coloridos, encolhido,
quieto. Dava apenas um leve sorrir. Tinha a boca rosada e bem cheia, os cabelos castanhos,
um rosto infantil e cicatrizes em seus braços. Aquilo me intrigava de alguma forma, toda
aquela combinação.

“É a última?” A voz de soou atrás de nós, questionando sobre as cervejas.

“Taehyung, você pode viver sem isso.” Namjoon zombava.

“Vá se foder, Namjoon, por que você não vai trabalhar?” A voz roupa soava tão pesada
quanto às palavras e a expressão que tinha era extremamente natural ao cuspir as palavras.

Jimin olhou para Yoongi com os olhos estalados e se comunicavam sem dizer qualquer
coisa, depois desviou para Namjoon, que estava nitidamente ofendido.

“Ninguém está falando dos seus problemas. Você quer machucar alguém aqui?”

“Ei, os dois, já deu!” Yoongi tentava interromper o conflito.

“Eu vou te mostrar como eu machuco.” Taehyung sussurrou antes de virar-se e


caminhar em direção à Namjoon. Seus olhos estavam sem vida, seu rosto não era mais
delicado e a voz rouca se tornou intimidadora.

Ele agarrou Namjoon pela gola da camiseta e o empurrou até uma das paredes que
restavam do galpão, suas costas batiam com força contra aquela, fazia doer em quem assistia.
Acertou-lhe apenas uma vez com o punho fechado e atirou-o no chão, o chutando no
estômago.

Eu estava verdadeiramente assustado com o que eu presenciava, era a primeira vez


que via alguém perder a calma dessa forma. Minhas mãos procuraram a canhota de Jimin e a
agarravam com força. Ele apenas me olhou e pediu para que eu ficasse calmo num tom quase
inaudível.

Levantou-se com pressa, fazendo soltar nossas mãos e correu até Taehyung, tentando
o afastar de Namjoon. Enquanto isso dizia algumas coisas de apelo emocional, quais eu não
entendia. O mais velho apenas parou e, aparentemente irritado, deixava o local.

A velocidade do ocorrido fazia tudo parecer surreal ou incompreensivo. E fazia-me


questionar as coisas que eu não sabia sobre aquelas pessoas, aquele lugar, da mesma forma
como no primeiro dia eu preferi esconder deles algo relevante na minha história. Eu
simplesmente não sabia mais o que fazer e tentava manter o controle a partir do momento
que aquela preocupação acelerava meus batimentos cardíacos e faziam inúteis as substâncias
no meu sangue, pediam por mais.

Eu respirava pesado, me sentia com medo.

Jimin e Yoongi ajudaram Namjoon a sentar-se outra vez, o menino encarava o chão,
debruçado sobre os próprios joelhos, quais abraçavam, e eu ficava sem saber o que fazer nem
saber o que aconteceria.
CAPÍTULO 3:
“Como você se sente?” Me perguntou enquanto caminhava lento, com as mãos nos
bolsos, a cabeça baixa e as palavras assopradas para o ar.

“Confuso.” Não pensei duas vezes antes de respondê-lo. Eu saberia responder essa
pergunta há um tempo.

“Você quer ir ao colégio hoje?”

“Que escolha eu tenho?” Eu rebatia desanimado, chutando alguns pequenos estilhaços


de garrafa no chão.

Ele forçou uma risada e continuou:

“Hoseok, hoje é o dia de você aproveitar.”

Eu ergui meu olhar, encarando-o com o cenho franzido. “Do que você está falando,
Jimin?” Soltei uma daquelas risadas de nervosismo.

“Hoseok...” Ele pausou. Parecia preocupado. “... Hoje é seu aniversário.”

Minha cabeça entrava em um pequeno colapso. Era como se todas as comemorações


desse dia tivessem sido apagadas. Todos os dias eu acordo e checo o dia e as horas, não senti
nenhuma ponta de qualquer sentimento. Eu não me lembrava.

“Vamos, seis horas numa merda de um colégio não vai nos matar, depois teremos o
dia todo.” Apertei o passo.

Ele não se pronunciou mais uma vez durante a viagem até o local, andando ao meu
lado, mas com o olhar completamente desviado.

Chego à escola fomos recebidos pelos outros, que me parabenizavam, me abraçavam


e bagunçavam meus cabelos. Jimin como sempre, havia contado para eles, no entanto não
sabia exatamente se eu deveria me sentir exibido ou estranhamente contente porque há pelo
menos onze anos eu não era de fato parabenizado pelo meu aniversário.

O fato é que eu não gostava de ser parabenizado, eu não queria. Não queria pensar
que mais um ano sobrevivendo a uma vida decadente era algo a se comemorar.

Eu forçava um riso amarelo enquanto todos eles riam e falavam alto, com exceção
Seokjin. Até chegou a sorrir fraco, mas quando me encarou teve aquela expressão mórbida e
os olhos tristes de sempre.

“Nós temos uma surpresa pra você hoje, Hoseok.” Isso me assustava completamente.
Encarei Namjoon – que havia dito – confuso, a sobrancelha arqueada e a desconfiança.

O sinal do início tocou, não houve maiores manifestações sobre a tal surpresa. Isso me
intrigava. Passei as quatro primeiras aulas com aquilo na cabeça, rabiscava qualquer coisa na
folha em branco apenas para respeitar o trabalho do professor, por algum motivo minha
cabeça não queria se esforçar muito no dia de hoje.

Quando o sinal do segundo intervalo berrou, Yoongi e Suga vieram às pressas até
minha classe, chamando-me para fora sem quaisquer explicações.

“Pega suas coisas, Hoseok.”

Eu achava que eles estavam enlouquecendo de vez. Algumas das poucas pessoas ainda
na classe me encaravam negativamente e eu apenas podia fingir não ver.

Nós caminhamos pelos corredores até o encontro dos mais velhos e Seokjin defronte à
pequena porta do almoxarifado. Um dos faxineiros da escola, não tão velho, porém grisalho
apareceu doutro lado da porta e ao invés de dar-nos uma bronca, ele apenas abriu a porta e os
mais velhos jogaram a mochila pra dentro da sala cheia de prateleiras e arquivos.

“O que vocês estão fazendo?”

“O que nós estamos fazendo? Estamos fugindo.”

“Acho que esse não é o melhor termo pra se usar.” Disse ao suspirar, não havendo
outra opção de escolha e tendo que acompanhar-os

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