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Sociologia Da Educação
Sociologia Da Educação
O que você espera deste livro? Quais são suas expectativas em rela-
ção à sociologia? No que a sociologia se aproxima da educação? Essas e
outras perguntas nortearão nossos estudos.
Bom estudo!
Sobre a autora
1 A sociologia e a educação 9
1.1 O que é sociologia? 10
1.2 A sociologia da educação e alguns conceitos básicos 13
1.3 A socialização e seus agentes 14
2 A sociologia da educação 17
2.1 Os primeiros grandes sociólogos: a educação como tema e objeto de estudo 18
2.2 As teorias sociológicas e a educação 24
4 Educação e família 33
4.1 As transformações da família 34
4.2 Educação e família no Brasil 38
5 Concepções de infância e juventude 41
5.1 O sentimento de infância – o trabalho de Ariès 42
5.2 O surgimento das escolas e as visões da infância 44
6 Sociologia da Educação
Sumário
9 A mudança social 75
9.1 Fatores que desencadeiam a mudança 77
9.2 A ação pedagógica e a mudança social 80
10 A estratificação social 85
10.1 Formas de estratificação social 88
10.2 A educação e a estratificação social 91
11 A mobilidade social 95
11.1 Tipos de mobilidade social 96
11.2 Educação como fator de mobilidade social 98
Sociologia da Educação 7
Sumário
8 Sociologia da Educação
1
A sociologia e a educação
Mas por que sempre que se fala em sociologia não falta quem pergunte para que
ela serve? Por que não acontece o mesmo com a maioria das outras ciências? A resposta
está relacionada com a própria natureza dessa ciência que tem o homem em interação
e a sociedade como objeto de estudo. As questões que se colocam de imediato são: por
que isso se tornou necessário? O que teria mudado tanto na vida do homem ou da
sociedade como um todo que demandaria a existência de uma nova ciência para dar
conta de explicar essas transformações? Assim, está feito o convite à reflexão sobre a
relação existente entre sociedade e educação pela perspectiva sociológica.
Sociologia da Educação 9
1 A sociologia e a educação
10 Sociologia da Educação
A sociologia e a educação 1
Vimos, então, que a sociologia é uma ciência e, como tal, deve ter uma base
teórico-metodológica que serve para estudar os fenômenos sociais, tentando explicá-los e
analisando os homens em suas relações de interdependência. Utiliza-se de estratégias e téc-
nica de pesquisa que lhe são próprias e que lhe garante o caráter de cientificidade.
Assim, compreender as diferentes sociedades e culturas é um dos objetivos da sociolo-
gia, que irá tomar como objeto de estudo exatamente essa nova sociedade, que se configurou
por meio das transformações pelas quais passou a humanidade, a partir do final do século
XVIII. Essas mudanças estão relacionadas com as revoluções burguesas que eclodem em
um momento em que a ordem reinante não conseguia mais dar respostas às demandas das
populações cada vez mais empobrecidas e oprimidas, em meio à nobreza, que usufruía de
privilégios estabelecidos às custas do trabalho e da exploração desse povo, durante o cha-
mado Antigo Regime1.
Nesse contexto, a Revolução Francesa constitui-se num dos momentos de maior expres-
são na história do Ocidente – no tocante aos movimentos sociais e políticos – apresentando
uma proposta baseada nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade. Seu poder transforma-
dor se concretizou em várias regiões do mundo e repercutiu a ponto de mudar para sempre
a história do homem e da sua vida em sociedade.
Sendo decisiva para a transição do feudalismo2 ao capitalismo, essa revolução aconte-
ceu num período de violentos conflitos e lutas sociais, levando ao poder uma nova classe
social, a burguesia, que viria a acabar com os privilégios feudais e colocar abaixo a aristocra-
cia que deles usufruía. Essa elite social vivia indiferente à pobreza da maioria, especialmente
as populações rurais, que se debatiam com a alta dos preços, as más colheitas, o êxodo rural
em razão do avanço das atividades têxteis, o descaso e o abandono. As graves repercus-
sões sociais e econômicas desse quadro foram a base que impulsionou os revolucionários.
Essa revolução ultrapassou os limites da França e seus ideais se estenderam por toda a
Europa, ameaçando hierarquias e privilégios.
Outros momentos de ruptura geraram transformações significativas para o mundo.
A Revolução Industrial constituiu-se em outro momento importantíssimo para entender-
mos o contexto do surgimento da sociologia como ciência. Trata-se de acontecimentos que
mudaram a história para sempre.
A partir da instalação definitiva do capitalismo e da nova sociedade industrial, tem-se
um modelo de produção pautado na industrialização, que dissocia tecnologia, natureza e
homem. Ocorreu inicialmente na Inglaterra, que criou as condições políticas e econômicas
que possibilitaram a implantação dos ideais burgueses. Dentre os fatores que contribuíram
para esse pioneirismo, pode-se citar a superioridade tecnológica e científica, a consolidação
1 Termo que designa a organização político-institucional e a ordem social vigente na França, até a
Revolução de 1789, pautada na monarquia absoluta, sociedade estamental e direitos feudais.
2 Feudalismo foi um fenômeno histórico restrito à Europa na Idade Média; tratava-se de um sistema
econômico, político, social e cultural, definido pelas relações servis de produção, em que o senhor é o
proprietário da terra e o servo depende dele, devendo cumprir obrigações servis, tanto da prestação
de serviços gratuitos quanto na entrega de parte da produção agrícola.
Sociologia da Educação 11
1 A sociologia e a educação
12 Sociologia da Educação
A sociologia e a educação 1
As novas formas de organização do trabalho e da família seguiram modificações.
Isso foi decisivo para a constituição da sociologia como ciência, uma vez que será a área do
conhecimento que terá a “missão” de pensar essa nova sociedade que surgia.
Do que vimos até agora, podemos concluir que o homem passa a ser o grande objeto
de estudo da nova ciência – num contexto que estava se tornando cada vez mais racional e
científico – em detrimento às análises baseadas nas explicações e dogmas religiosos, filosó-
ficos e do senso comum. Essa inquietude intelectual estimulou e instigou a reflexão sobre o
homem, a vida social e a sociedade como objetos de estudo.
E assim como existem várias culturas e várias sociedades, tem-se também mais de uma
sociologia. Dentre essas várias sociologias, a sociologia da educação – ciência que investiga
a escola como instituição social, analisando os processos sociais envolvidos – assim como
as demais áreas sociológicas, tem como base as teorias sociológicas. O que importa discutir,
neste momento, é que todas aquelas transformações vividas pela sociedade trouxeram no-
vos temas para discutir a educação.
Xavier Carmuro Pessoa afirma que a sociologia da educação
põe em relevo a transmissão da cultura através da educação sistemática, paras-
sistemática e assistemática, bem como a mútua influência entre a educação e os
grupos sociais, as instituições sociais, a estratificação social, o controle social, o
desvio social, o desenvolvimento social, a mudança social etc. Enfoca, também,
as relações intergeracionais e o condicionamento sociocultural da personalidade.
Estuda, ademais, a escola como instituição social, como grupo social e o status e
papéis na organização escolar. Apresenta, ainda, como a educação se situa nas
diversas formações sociais [...]. Investiga, por fim, as perspectivas da educação.
(1997, p. 15)
Partindo desse conceito, pode-se perceber como o campo de estudos da sociologia da
educação pode ser amplo e diversificado, uma vez que não se pode esquecer que a educação
e o processo educativo não estão descolados da sociedade na qual estão inseridos.
Tanto o educando quanto o educador, assim como todo o sistema educacional, estão
inseridos nesse contexto, sendo produtores e resultados da interação que acontece durante
todo o tempo, construindo social e historicamente os fatos e eventos que serão – ou não –
eleitos pela sociologia para serem analisados. Deve-se frisar aqui que a sociologia pode ter
um caráter conservador ou transformador, conforme a teoria que se busca para pautar as
pesquisas e análises sociológicas.
É importante ressaltar que os primeiros teóricos da sociologia não analisaram diretamen-
te os problemas educacionais, o que não os impediu de perceberem a ligação entre o sistema
escolar e o restante da sociedade, discutindo questões relacionadas à educação, seus diferentes
Sociologia da Educação 13
1 A sociologia e a educação
atores, os projetos educacionais, a questão do poder, a questão curricular, entre outras. A escola
surge como uma instituição cuja função principal é “preparar” o indivíduo para a vida em so-
ciedade, além de desenvolver suas potencialidades e capacidades individuais.
Podemos começar pela noção de interação social, processo por meio do qual o homem
se constrói como ser social, isto é, adquire seu caráter de humanidade, diferenciando-se de
outros seres vivos. Ao estar em relação com outro, o homem concebe sua identidade.
A ideia de processo social é básica para se entender a própria dinâmica da sociedade,
que não é estática. Trata-se da maneira como os atores sociais se relacionam. É a comunica-
ção que garante que o ser biológico se torne um ser social e sociável. Podem ser processos
associativos (que tendem a aproximar) ou dissociativos (que tendem a separar), sendo que
os mais comuns são o isolamento, o contato, o conflito, a competição, a interação, a coopera-
ção, a adaptação, a acomodação e a assimilação. Em diferentes graus, cada um deles implica
uma maior ou menor proximidade entre os indivíduos, de acordo com seus interesses, que
ligam-se à classe social, ao status e aos papéis desempenhados pelos indivíduos.
O conceito de classe social, por sua vez, relaciona-se com mobilidade social, diferen-
temente da noção de estamentos3, que se baseavam em hierarquia e/ou códigos de honra,
muitos ligados à própria condição de nascimento. De acordo com Vieira (1996, p. 58), as
classes sociais
organizam-se em camadas sociais fundadas na separação entre trabalhadores e
proprietários dos meios de produção, às vezes com consciência social correspondente
às suas condições de existência [...] e admitem mobilidade entre si, abrindo-se
aos movimentos sociais e revelando também conflitos, principalmente quanto à
distribuição do poder entre elas, na disputa sobre o domínio econômico, político e
intelectual na sociedade industrial.
Já status social é definido socialmente e diz respeito ao lugar ou à posição que o indiví-
duo ocupa na estrutura social, de acordo com o consenso do grupo social, podendo advir
mais ou menos prestígio, conforme os elementos que o determinam e as funções a ele re-
lacionadas. A partir dessa posição, ao indivíduo caberão determinados papéis, que podem
ser definidos como conjuntos de imagens e expectativas que são ligadas a cada status, deter-
minando como as pessoas deverão se comportar em suas relações com ocupantes de status
superior e/ou inferior.
Um indivíduo desempenha também vários papéis na sociedade, por exemplo, o pro-
fessor que em determinadas sociedades faz parte de uma categoria social de certo prestígio,
além de desempenhar também outros papéis, como de marido, pai, membro de um clube
etc. Na verdade, o que está em jogo aqui é uma relação de poder, visto que o comportamento
3 Estamento é uma camada social semelhante à casta, porém, mais aberta. Numa sociedade esta-
mental, a possibilidade de ascensão social é difícil, mas não impossível como na sociedade de castas.
A sociedade feudal é um exemplo de sociedade estamental (OLIVEIRA, 2003, p. 240).
14 Sociologia da Educação
A sociologia e a educação 1
dos indivíduos está ligado aos papéis que desempenham e ao seu status na sociedade, o que,
por outro lado, implica em normas e sanções que compõem esses papéis. A superioridade
de um indivíduo advém do poder, isto é, da força, do prestígio e do reconhecimento que o
grupo vê nele, com base em sua posição social.
Mas o que vem a ser socialização, fundamental para se entender o processo social e tam-
bém o processo educativo? A criança quando internaliza valores e regras aprendidos com
a família, principal grupo de socialização, está se “capacitando” para a vida em sociedade,
garantindo inclusive a perpetuação do próprio grupo social (entendido como coletividade)
e a formação da sua personalidade. A família é vista como um órgão de controle social e
agente da socialização na medida em que norteia e regula comportamentos (LENHARD,
1985, p. 115).
A socialização é importante para a formação da consciência humana e social, e interna-
lização da cultura, que acontece ao longo da vida inteira. A difusão dos valores comuns que
compõem a cultura de um grupo social se dá de várias formas, especialmente na atualidade,
quando os diversos meios de comunicação, como as redes sociais, colocam-se ao lado da
família e da escola como agentes da socialização. Como existem várias culturas e várias
sociedades, pode-se deduzir que a socialização deve respeitar e considerar essa pluralidade
cultural. E a educação exerce um papel fundamental nesse processo.
Conhecer os aspectos culturais de seu grupo possibilita a transformação de um indiví-
duo em um ser social. A socialização começa na infância e segue pela vida toda, sempre que
se interiorizam aspectos da cultura.
O processo educativo adquire cada vez mais importância ao longo da vida, uma vez
que é pela ação educativa e no contexto da aprendizagem que se aprendem os papéis que se
deve representar. Sempre que houver um processo educativo, haverá socialização.
Dicas de estudo
Filmes:
• GERMINAL. Direção: Claude, Berri, França, 1996, 170 min.
Mostra a realidade dos operários franceses nas minas de carvão, no final do século XIX,
convivendo com a fome, a miséria e as más condições de trabalho, que acabam gerando
conflitos e manifestações contra os patrões. O que acontece nessa mina é um retrato do
que acontecia nas fábricas em geral, nos primórdios da Revolução Industrial. Sem o
amparo de uma rede de proteção social, os trabalhadores eram expostos a todo tipo de
exploração, em nome do alto lucro dos capitalistas. Observe as mudanças que já acon-
teceram na realidade das fábricas até os dias atuais.
• SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção: Peter Weir. EUA, Abril Vídeo, 1989, 128 min.
A história se passa num internato masculino, em meados de 1959, e apresenta um mo-
delo de escola de ensino tradicional, em que tudo acontece com base em concepções
de tempo e espaço predeterminados, num modelo dominador de ensino. Por meio da
Sociologia da Educação 15
1 A sociologia e a educação
prática de um professor que passa a atuar na instituição, tem-se a ideia do que seria um
profissional representante de um novo ideal pedagógico e a discussão de vários dos
conceitos apresentados neste capítulo. Procure analisar o filme sob o ponto de vista dos
conceitos apresentados, tais como poder, status, papel social, ação educativa e socializa-
ção. De que forma eles aparecem?
Leituras:
Todas as obras a seguir são introdutórias aos temas discutidos ao longo do capítulo e
fornecem mais elementos sobre os fatos/eventos decisivos para se entender as profundas
mudanças que se verificaram no mundo, do final do século XVIII ao final do século XIX,
e que contribuíram para o surgimento da sociologia.
• CATANI, Afrânio Mendes. O que é capitalismo? Ed. rev. e amp. São Paulo:
Brasiliense, 2011. (Coleção Primeiros Passos).
• LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas. Das origens a Max Weber
e de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004. 2 v.
• MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2001.
• SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura? São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção
Primeiros Passos).
Atividades
1. Procure escrever, com base no que estudamos até o momento, o que é a sociologia,
destacando qual seria seu objetivo maior.
3. Pense na sua família e procure perceber como ela exerceu sua ação socializadora com
você. Faça um pequeno comentário explicando como isso aconteceu.
16 Sociologia da Educação
2
A sociologia da educação
Sociologia da Educação 17
2 A sociologia da educação
18 Sociologia da Educação
A sociologia da educação 2
definição dá conta de explicar o que é pensar sociologicamente a educação. Mas, até
chegar a isso, muito se avançou.
Auguste Comte (1798-1857) deu o primeiro passo e a quem é atribuído o uso, pela pri-
meira vez, da palavra sociologia1. É de Comte também a preocupação de dotar a sociologia
de um método, preferencialmente alguma coisa bem parecida com os métodos usados pelas
ciências naturais, para que não restassem dúvidas sobre o fato de ser ela uma ciência – a físi-
ca social, como ele a definia inicialmente.
Acreditava ser necessário que fossem elaboradas leis do desenvolvimento social, isto é,
leis que deveriam ser seguidas para que a vida em sociedade fosse possível. Essa maneira de
ver a sociedade (como alguma coisa que poderia ser controlada apenas por normas, regras
e leis) e a sociologia (como a ciência que se encarregaria de fornecer os instrumentos para
isso), se dá no contexto do Positivismo.
Comte priorizou a noção de consenso, que se apoiaria em ideias e crenças comuns, se
não a todos, ao menos à maioria da sociedade, e na supremacia do todo sobre as partes.
Entretanto, não problematizou o consenso, ou seja, não viu o consenso social como algo que
não acontece por si só, mas quando os indivíduos estabelecem relações entre si, durante a
socialização. Também desconsiderou o caráter problemático do consenso, já que o homem é
um ser sociável, apesar de nem sempre essa socialização se dar de forma tranquila ou pací-
fica, existindo os confrontos, as divergências e os conflitos. Finalmente, deve-se lembrar que
a sociedade é dinâmica e não pode ser controlada apenas por um conjunto de leis.
Vamos apontar alguns aspectos centrais das obras dos três grandes sociólogos –
Durkheim, Marx e Weber –, lembrando que muitos outros deram sua contribuição para a
discussão dos fenômenos sociais ligados à educação.
Émile Durkheim (1858-1917), baseado nas contribuições de Comte, publicou os pri-
meiros trabalhos de pesquisa2 na sociologia e mostrou os limites das concepções anteriores,
porque acreditava que, à medida que a sociedade cresce, inclusive em termos numéricos,
aumentam os papéis a serem desempenhados pelos atores sociais, o que acarreta mudanças
nas regras e normas da sociedade.
Durkheim analisou as estruturas e instituições sociais, bem como as relações entre o
indivíduo e a sociedade, considerando as novas relações de poder que se configuravam na
Europa da sua época. A sociedade consumista que surgia e o crescente individualismo preo-
cupavam o autor, que via aí uma forte possibilidade de desagregação social.
Ele via a educação como um processo contínuo e como um caminho em direção à or-
dem e à estabilidade, conforme determinados valores éticos fossem passados. Refletir, co-
nhecer e tentar explicar os processos da ação educativa, sempre considerando sua evolução
histórica, possibilitaria a tomada de decisões que pudessem levar à transformação social.
Em suas obras, Durkheim afirma que a educação é uma parte da sociedade, uma ins-
tituição social, um produto histórico, um reflexo da sociedade na qual se insere, em que
a coletividade se impõe sobre o indivíduo. Ela deve procurar restabelecer o consenso, a
1 Palavra como radical latino socio (sociedade) e o radical grego sofia (saber, conhecimento).
2 Intitulados A divisão do trabalho social, As regras do método sociológico e O suicídio.
Sociologia da Educação 19
2 A sociologia da educação
20 Sociologia da Educação
A sociologia da educação 2
do atendimento à autoridade e do controle da violência” (2002, p. 59). Segundo a autora,
a sociologia orientaria a ação educativa, atribuindo-lhe significado (p. 60). Uma vez que as
práticas educativas são, como os fatos sociais, parte de um todo, se integram para a reali-
zação de um fim comum que, para Durkheim, seria a forma pela qual o indivíduo tomaria
consciência da coletividade e da melhor maneira para agir em comunhão com os demais
membros dessa sociedade.
Outro teórico que muito contribuiu para o desenvolvimento da sociologia e das teo-
rias sociológicas foi Karl Marx (1818-1883), que vê a sociedade como um todo composto de
várias partes, como a economia, a política e as ideias (a cultura). Mas, para ele, a economia
seria a base de toda a organização social e as explicações para os fenômenos sociais viriam
do aprofundamento da análise econômica.
Marx pensou de forma crítica sobre o Estado, que de alguma forma legitimaria a apro-
priação por uma minoria dos meios de produção, com o objetivo de explorar a força de
trabalho do proletariado, classe que para Marx seria revolucionária. Mas, para tanto, deve-
ria conhecer a si mesma em termos teóricos, ao mesmo tempo em que implementaria uma
prática social que seria reflexo dessas escolhas conscientes.
Ele parte da premissa de que é em torno da produção que a sociedade se organiza,
sendo o homem o sujeito de sua própria história, pelo trabalho e pelas atividades criativas
que desenvolve. É pelo trabalho, segundo Marx, que o homem se constrói e é em torno da
produção que toda a sociedade se organiza – as condições de trabalho são determinantes.
Entretanto, para que a transformação se realize, com base na atuação do proletariado, é
preciso que a prática seja orientada pela teoria. Daí a importância da sociologia para Marx.
De acordo com a socióloga Maria Cristina C. Costa (2005, p. 125),
a ideia de uma sociedade “doente” ou “normal”, preocupação dos cientistas so-
ciais positivistas, desaparece em Marx. Para ele, a sociedade é constituída de
relações de conflito e é de sua dinâmica que surge a mudança social. Fenômenos
como luta, contradição, revolução e exploração são constituintes dos diversos
momentos históricos e não disfunções sociais.
A noção de classe social é fundamental na análise que Marx faz dos problemas oriun-
dos, a seu ver, da nova ordem instaurada pelo capitalismo, pautada, segundo ele, na explo-
ração da força de trabalho (classe dominante sobre classe dominada – a burguesia sobre o
proletariado). Para ele, a mudança social estaria relacionada com a luta de classes e os estu-
dos sociológicos deveriam ter como objetivo a transformação social, que só aconteceria com
a destruição do capitalismo e sua substituição pelo socialismo.
A questão da divisão social do trabalho, a luta de classes e o papel desempenhado pela
ideologia das classes dominantes poderiam ter seus efeitos diminuídos com a construção do
conhecimento como forma de superação do que chamou de alienação, conceito extremamen-
te importante para a teoria marxista que, segundo Costa (2005, p. 113), torna-se
uma peça-chave de sua teoria para a compreensão da exploração econômica
exercida sobre o trabalhador no capitalismo. Indústria, a propriedade privada e
o assalariamento alienavam ou separavam o operário dos ‘meios de produção’
Sociologia da Educação 21
2 A sociologia da educação
22 Sociologia da Educação
A sociologia da educação 2
Assim, apesar de não haver escrito sobre educação, Marx trouxe grande contribuição
para a sociologia da educação, principalmente por ter chamado a atenção para o fato de que
o homem é um ser social construído historicamente, sempre que duvida de alguma coisa e
questiona o que parece já estar estabelecido. Podemos pensar então que, segundo essa teo-
ria, a educação é sempre uma via de mão dupla: questiona-se tudo, discute-se, buscam-se
novos caminhos, às vezes passando pelo conflito de interesses. Suas análises da vida social
e do homem repercutem na educação na medida em que apontam para o importante papel
que o educador pode vir a desempenhar, caso esteja convencido da necessidade de sempre
duvidar do ideal de sua prática pedagógica e de questionar a sociedade na qual se insere
(e da qual seus alunos e sua escola também fazem parte). Caso contrário, a educação se tor-
na “uma das mais importantes formas de perpetuação da exploração de uma classe sobre
a outra, utilizada pelo capitalista para disseminar a ideologia dominante, para inculcar no
trabalhador o modo burguês de ver o mundo” (RODRIGUES, 2001, p. 49).
Max Weber (1864-1920) analisa a sociedade de seu tempo, quando o capitalismo se con-
solidou como modo de produção, e trava um diálogo profundo com a obra de Marx, de
quem discorda em muitos pontos. Weber partia do princípio de que, para entender a socie-
dade, era preciso entender a ação do homem, tentando compreender, explicar e interpretar o
social em análises não valorativas, sempre considerando seu caráter dinâmico. Afasta-se de
Marx ao explicar a sociedade com base nas relações estabelecidas pelos homens no capita-
lismo, e não apenas baseado na economia. Para ele, há vários grupos sociais em sociedades
diferentes, com culturas diferentes, que devem ser consideradas, inclusive na ação educati-
va. Ele não nega a luta de classes, mas não enxerga aí todas as causas ou possibilidades de
mudanças sociais.
Sua sociologia compreensiva tem como premissa básica que para entender a sociedade
capitalista em seus sistemas sociais e intelectuais, seria necessário compreender a ação do
homem em interação. Pautado no recurso metodológico do tipo ideal, preocupava-se com o
estudo da ação social e da interação, vista por ele como o processo básico de constituição do
ser social, da cultura e da própria sociedade, sempre partindo de uma base teórico-metodo-
lógica consistente. É o pioneiro nos estudos empíricos na sociologia.
Base da interação social, a comunicação é um aspecto fundamental do pensamento
weberiano e exigiria a compreensão das partes envolvidas. À medida que há uma aceitação
das semelhanças e diferenças entre os indivíduos e uma certa padronização na forma de
pensar e de agir com base em valores e padrões que foram interiorizados tem-se o equilíbrio
social, objetivo maior a ser alcançado na vida social.
Mesmo enfatizando as relações de poder e não negando os conflitos de classe, Weber
discorda de Marx ao afirmar que haveria muitas causas para se explicar o capitalismo – cau-
salidades múltiplas. A realidade poderia ser compreendida pelo fato de que é determinada
por vários fatores que se influenciam mutuamente. Diferente de Marx, para Weber, segun-
do a pedagoga Rita Vilela, o foco da análise “é como os homens (individuais e culturais)
atuaram especificamente na construção desta forma econômica” (2002, p. 84). Daí sua ideia
de uma sociologia compreensiva, uma ciência que deve se reconhecer como analítica, mas,
também, parcial. Conclui que nenhuma ciência poderá dizer aos homens o que devem fazer,
Sociologia da Educação 23
2 A sociologia da educação
mas que sempre poderão dizer “não” a qualquer determinismo, inclusive ao econômico.
Aqui, novamente, se distancia de Marx.
Mais uma vez vale a pena recorrer a Vilela (2002, p. 90), quando a autora diz que “o eixo
da sociologia da educação de Weber está na demonstração de que através dos sistemas esco-
lares (e das práticas sociais no interior desses sistemas) se desenvolve um processo peculiar
de imposição dos caracteres dos grupos sociais e do poder estabelecido”.
Assim, o importante para Weber é entender como e por meio de que tipo de relações so-
ciais se mantém o modelo de sociedade e de que maneira os processos de dominação estru-
turariam a vida social. Considera que os valores cultivados pelo indivíduo dizem respeito
ao seu lugar ideal na sociedade e à sua posição, não apenas ao fato de ser ou não possuidor
dos meios de produção.
Os sistemas de educação serão por ele discutidos, também, com base na tipologia ideal.
E a partir desse recurso metodológico é que elabora o quadro composto por três tipos-ideais
de educação, todos correspondentes a um tipo de dominação que os sustentariam: educação
carismática (um dom), formativa (para orientar atitudes e comportamentos) e especializada
(instrução em busca de conhecimentos e saberes importantes para o exercício dos papéis
sociais). Esse último tipo estaria relacionado à dominação legal e ligado ao processo de ra-
cionalização e burocratização da sociedade do seu tempo.
Mas, talvez, a maior contribuição de Weber esteja no fato de que ele, por meio de suas
análises da escola, trouxe para a sociologia da educação novos temas para serem discutidos,
muitos deles ainda bastante atuais, especialmente aqueles ligados à questão da dominação e
reprodução social. E mesmo não produzindo uma teoria sociológica da educação, em muito
contribui para a percepção do papel e da função da educação – os sistemas escolares e a
ordem burocrática e as diferentes formas de acesso à educação; enfim o processo educativo,
sua estrutura, funcionamento e ideologia.
24 Sociologia da Educação
A sociologia da educação 2
Esse e outros conceitos, tais como hegemonia, de Gramsci, ou de aparelhos ideológicos de
Estado, de Louis Althusser3, decorrem da noção de ideologia. Mas é importante destacar que
vários autores discutiram as relações de poder que acontecem na sociedade.
Para Gramsci, por exemplo, a cultura seria o espaço no qual se travaria a luta de classes
e, portanto, seria por meio de uma revolução cultural que se poderia mudar a estrutura da
sociedade. Destaca, então, o papel fundamental que a escola e os intelectuais exerceriam
nesse processo, estratégias para que o sucesso pudesse ser alcançado. Essa escola, que cha-
mou de única (e unitária do ponto de vista do conhecimento) seria frequentada tanto por
operários quanto por intelectuais, todos recebendo uma formação profissional e a cultura
clássica. Esse processo resultaria na formação do intelectual orgânico, comprometido com
sua classe social e com um saber (erudito e técnico-profissional).
Acreditava que somente dessa maneira não se teria mais a separação entre trabalho
intelectual e trabalho material, possibilitando que esse intelectual fosse promotor da mobi-
lização política que levaria à revolução cultural que, por sua vez, transformaria a sociedade.
Já Althusser identificava-se bastante com o marxismo, sendo, portanto, crítico do capi-
talismo e engajado com as questões do seu tempo e do seu país, especialmente o maio de
19684. Concorda, mas vai além de Marx ao discutir o conflito e fazer uma conexão entre a
educação e o que chamou de aparelhos ideológicos de Estado, certos dispositivos que quando
acionados tendem a manter as classes dominantes no poder. As instituições escolares seriam
um desses aparelhos5 e funcionariam como aparelhos de reprodução e alienação, meios atra-
vés dos quais o Estado exerceria o controle da sociedade, sem utilizar a violência e/ou a
repressão, gerando e mantendo a reprodução social e submetendo o indivíduo à ideologia
dessa classe dominante. A escola seria, então, o aparelho ideológico mais expressivo, até em
função do tempo em que o indivíduo permanece “exposto” à sua influência.
Quando esse processo não atinge seu objetivo, isto é, controlar os indivíduos, “mode-
lando-os” para a vida em sociedade, entraria em ação, segundo Althusser, um dos aparelhos
repressivos do Estado, a polícia, para conter qualquer manifestação de descontentamento
ou resistência ao sistema.
Essa discussão se coloca no momento em que se entende o processo educativo como
uma das maneiras por meio das quais é transmitida a ideologia dominante que, conforme o
momento histórico, pode estar ligada à Igreja ou ao Estado. A escola, vista como instituição,
efetivamente assume esse papel, quer tenhamos ou não consciência disso. A mudança social
Sociologia da Educação 25
2 A sociologia da educação
pode ou não acontecer, segundo os valores que estejam sendo transmitidos e internalizados
pelas crianças e pelos jovens educandos. A educação pode ou não reproduzir a ordem social
vigente, fato para o qual chamou a atenção o sociólogo francês Pierre Bourdieu.
A ideologia se faz presente em todo o sistema educacional, em especial nos livros didá-
ticos e no currículo. Como profissional de educação, certamente você já percebeu o quanto
os livros podem ser veículos de transmissão de valores distorcidos, preconceituosos, até
porque na sociologia, na educação, como em qualquer outra área do conhecimento humano,
sabe-se que não há neutralidade.
Na sua disciplina ou na sua prática pedagógica, já notou ideias e/ou atitudes preconcei-
tuosas? Como você lida com essas situações?
Dicas de estudo
Filmes:
• A ONDA. Direção: Dennis Gansel. Alemanha: Hat Pack Filmproduktion, 107 min.
Para propor uma reflexão sobre o papel da ideologia e como a educação pode ser fun-
damental para propagar ideias, transformar ou manter sistemas já consolidados na so-
ciedade, um professor alemão resolve fazer uma experiência prática sobre o fascismo
e, conforme os alunos aderem à experiência, ele acaba perdendo o controle. Vale a pena
assistir ao filme para entender melhor o poder da palavra, do discurso, da necessidade de
ser aceito a fazer parte de um grupo, algo tão importante especialmente para os jovens.
Leituras:
• CARVALHO, Alonso Bezerra de; SILVA, Wilson Carlos Lima. Sociologia e educa-
ção: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2006.
• OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia de educação. 3. ed. São
Paulo: Ática, 2007.
• SOUZA, João Valdir Alves de. Introdução à Sociologia da educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007.
Atividades
1. Com base no que você viu até aqui, aponte algumas diferenças entre Durkheim,
Marx e Weber quanto à função e o papel da educação na sociedade capitalista.
26 Sociologia da Educação
3
A sociologia da educação
no Brasil
A trajetória da sociologia no Brasil, como não poderia deixar de ser, está rela-
cionada com o contexto histórico-social do país, intercalando momentos de livre
expressão com outros de forte repressão, chegando até mesmo ao banimento das
instituições educacionais.
Não se pode deixar de pensar que, diante desse quadro, a sociologia brasileira
tenha adquirido um caráter particular, marcado pela busca de explicações/análises/
soluções que respondessem às demandas geradas pela sociedade capitalista brasileira,
tão distinta em sua essência de outros países também capitalistas. Lembre-se de que
uma das características do capitalismo é o aprofundamento da divisão social do traba-
lho e a luta de classes. Por mais que a produção dos bens materiais e do próprio conhe-
cimento sejam coletivos, nessas sociedades esses bens tendem a ser distribuídos de
maneira desigual, reforçando, também, as diferenças entre os homens e cristalizando
relações de poder pautadas na submissão, na exploração e na exclusão.
Sociologia da Educação 27
3 A sociologia da educação no Brasil
28 Sociologia da Educação
A sociologia da educação no Brasil 3
A elite que surgia de outros segmentos da sociedade brasileira e que tinha acesso à educação
tentava assim manter seus privilégios. O contexto histórico do final do século XVIII, espe-
cialmente após a Proclamação da República e primeiras décadas do século XX, é marcado
pelo colapso do modelo agroexportador, por uma crescente urbanização, pela industrializa-
ção e por uma certa “desordem” social.
Tal como aconteceu na Europa, as mudanças decorrentes da consolidação do capitalis-
mo também deixam suas marcas na vida social e na mentalidade da população brasileira.
Especialmente com a emergência de novas classes sociais ligadas às novas atividades econô-
micas, ao lado da insatisfação com o modelo de educação que se tinha no país na década de
1920 e a instabilidade política que marca a década de 1930, formava-se o cenário ideal para
o desenvolvimento da sociologia no país.
Na busca por soluções para os problemas que apareciam nessa nova ordem, a socio-
logia passa a fazer parte do currículo do Ensino Médio e Superior. Um pouco mais tarde,
passa a fazer parte também dos cursos de formação de professores. Várias reformas de
ensino aconteceram em pouco mais de 10 anos (entre 1925 e 1935). É por meio das facul-
dades de Pedagogia, após 1930, que passa a fazer parte do currículo regular, como foi o
caso da Faculdade de Educação da Universidade do Distrito Federal (1937), por Anísio
Teixeira. Os cursos de Magistério e Ensino Médio também ensinam a disciplina nesse
momento, o que não se constitui exatamente numa novidade, visto que a sociologia ain-
da associada à moral já era ministrada em alguns cursos secundários, por volta de 1890.
É preciso destacar que nesse momento, e por algum tempo ainda, a educação não era o
foco dos estudos sociológicos.
Somente após 1932, o ensino de sociologia é incentivado como forma de preparar as
novas gerações para o país que surgia após tantas e tão intensas mudanças econômicas, so-
ciais e políticas, e a educação passa, assim, a ter um fim específico. Os problemas brasileiros
pedem soluções urgentes para restabelecer a “ordem”. Aliás, a própria educação passa a
ser vista como um problema social e um fator de mudança. Era preciso propor reformas que
ajustassem a educação à nova ordem social. Mas é fundamental entendermos que, nesse
momento, educadores e pensadores sociais – os cientistas sociais – se distanciam muito,
uma vez que, para estes, a educação não desperta interesse como objeto de pesquisa. Isso só
aconteceria mais tarde, depois de alguns trabalhos sem muito embasamento teórico e com
grandes deficiências em termos metodológicos. Apesar de tudo, no final da década de 1940,
a sociologia se institucionalizava como um campo específico de conhecimento.
Nos anos 1950-1960, com o avanço do nacionalismo e do populismo, formam-se os pri-
meiros sociólogos. Com o objetivo, naquele momento, de analisar os problemas brasileiros
de forma mais independente em termos teóricos, isto é, produzir uma sociologia “abrasilei-
rada”, mais de acordo com as necessidades do país. Nessa conjuntura, a educação é vista
como agente de transformação social e as escolas são analisadas de acordo com suas especi-
ficidades e diferenciações regionais. Isso se explica por toda uma política governamental que
se volta para as diferenças regionais, particularmente entre o Sudeste rico e industrializado e
o Nordeste arcaico e atrasado. Surgem iniciativas tais como a criação das superintendências
regionais (Sudan, Sudene etc.). É estabelecida uma relação entre educação e desenvolvimento,
Sociologia da Educação 29
3 A sociologia da educação no Brasil
enquanto os aspectos sociológicos da educação, como, por exemplo, o estudo da escola como
instituição social, são pouco trabalhados. Age-se como se a educação, a escola e todos os atores
envolvidos no processo educativo estivessem fora da realidade social como um todo. Como
consequência, tem-se uma dispersão dos temas de pesquisa e pouco aprofundamento nos pro-
blemas educacionais propriamente ditos. O analfabetismo é um dos temas que adquire maior
visibilidade, até por conta das funções que eram atribuídas à educação. Mas há mais descrição
do que análise e interpretação dos problemas.
Foi na Universidade de São Paulo (USP) que, nos anos 1960, alguns cientistas sociais
começam a efetivamente se interessar pelo tema educação, muitos norteados pelo funcio-
nalismo1, constituindo centros de estudos com o objetivo de analisar as relações de poder,
particularmente aquelas entre a educação e a estrutura social.
Mesmo não seguindo mais adiante, nesse momento, a sociologia (e também a sociologia
da educação) procura pensar o real, com o objetivo de encontrar maneiras de modificá-lo
quando necessário, sempre partindo da ideia de diminuir as diferenças e as injustiças so-
ciais. Trata-se de fornecer bases teóricas para a ação, inclusive educacional. Ao mesmo tem-
po, tem-se um grande movimento em defesa da escola pública, vista como o caminho para
a democratização do acesso à educação e meio de transformação social.
Infelizmente, o caráter econômico ainda iria direcionar boa parte dos estudos nessa
área, de acordo com o modelo desenvolvimentista da época, que priorizava o desenvol-
vimento econômico sobre o social. Especialmente após o Golpe Militar de 1964, quando
muitos cursos são fechados e a disciplina é suspensa nas escolas e universidades. Muitos
pesquisadores e professores são afastados do trabalho, alguns até do país, por se oporem ao
regime político.
Em razão da repressão imposta pela Ditadura Militar, a década de 1970 é marcada por
estudos quantitativos sobre administração escolar e pouco se fala de temas “incômodos”
como evasão, reprovação ou rendimento escolar. Mesmo assim, aparecem críticas ao mo-
delo econômico e político da época, bem como uma contestação da própria política educa-
cional dos militares, eminentemente voltados para a formação de técnicos e não de pessoas
com espírito crítico.
Diante do quadro social e político desse momento, há um certo pessimismo em relação
ao papel transformador da educação, em sua capacidade de promover mudanças sociais efe-
tivas. Apesar de se ter durante a década de 1970 um bom número de trabalhos em educação,
1 Doutrina que concebe a sociedade como um sistema que deve estar em harmonia para “funcionar
bem” e no qual os conflitos são apenas uma etapa de uma preparação para uma ordem cada vez maior.
Busca relacionar um sistema normativo e a situação que seria definida por esse conjunto de restrições
estáveis e coerentes aos olhos daqueles que não desejam que alguma coisa mude na ordem social.
É vista como uma teoria conservadora.
30 Sociologia da Educação
A sociologia da educação no Brasil 3
não há estudos na área de sociologia da educação; discutem-se teorias da aprendizagem,
teorias do currículo, programas, a atividade docente, entre outros temas.
O desenvolvimento de reflexões de caráter marxista estabelece relações entre algumas
variáveis que antes eram consideradas isoladamente, pouco acrescentando em termos teóri-
cos. É o caso das condições socioeconômicas do aluno e seu rendimento escolar: ao estabe-
lecer essa correlação, tem-se o que se chama de explicação sociológica para os fenômenos da
evasão e/ou da repetência, por exemplo. O sociólogo Roberto Martins Ferreira afirma que é
observada uma mudança em termos de percepção do processo educativo, que é visto como
conjunto de relações externas (interdependência, por exemplo) e internas (o sistema edu-
cacional é um todo composto de partes que têm relação entre si) (FERREIRA, 1993, p. 26).
A preocupação com a democratização do ensino, como já se disse, torna-se o foco
dos educadores e sociólogos, que agora são muito mais críticos, denunciando o quanto o
sistema educacional estava a serviço do poder político. É aqui que teóricos como Pierre
Bourdieu e Louis Althusser, entre outros, divulgam suas teorias, chamadas de teorias do
conflito. Voltando ao exemplo dado, nesse momento, a reprovação e a evasão que a ela se
seguia passam a ser vistas como exclusão, problemas que exigem solução na qualidade de
fenômenos sociais ligados ao subdesenvolvimento brasileiro.
Com a abertura política, como ficou conhecido o período de transição que marcou o fim
da Ditadura Militar no Brasil e que ficou marcado, entre outras coisas, pela promulgação
de uma nova Constituição em 1988 e pelo restabelecimento da ordem democrática (ainda
que muito devagar), consolidaram-se os estudos marxistas e os questionamentos sobre o
caráter ideológico do material didático, por exemplo. Entretanto, não se estuda a dinâmica
interna da escola, nem os movimentos educacionais. O que se tinha eram trabalhos ainda
muito marcados pelos levantamentos estatísticos, sem muita reflexão teórica ou proposições
práticas, a partir dos dados coletados. Outras ciências viriam colaborar com a sociologia da
educação, fornecendo-lhe subsídios em termos metodológicos, indicando procedimentos de
pesquisa mais adequados aos temas que os pesquisadores se propunham a trabalhar.
Com tudo isso, o que se pode notar é que ainda permanece uma certa distância entre os
educadores e os sociólogos, tendo, inclusive, nos anos 1990, aumentado o desinteresse pela
sociologia da educação, apesar do esforço de muitos e do fato de que a maioria dos proble-
mas com os quais o Brasil se debatia há mais de 30 anos permanecem. Apesar do inegável
avanço e melhoria dos indicadores sociais do país, amplamente divulgados pelo governo,
ainda vivemos uma situação de profundas desigualdades sociais, decorrentes da absurda
concentração de renda e da falta de um projeto real de reforma agrária.
Apesar das dificuldades, a sociologia e a sociologia da educação estão consolidadas no
país, em centros de ensino e pesquisa, publicações especializadas e com vários trabalhos
que alcançaram o reconhecimento internacional. Os profissionais da área trabalham no sen-
tido de pensar a realidade brasileira e fornecer subsídios para a implementação de políticas
públicas voltadas para o atendimento das necessidades das populações mais carentes, mas,
sobretudo, para propor temas para debate nacional.
Sociologia da Educação 31
3 A sociologia da educação no Brasil
Dicas de estudo
Filme:
• CENTRAL do Brasil, de Walter Salles Jr. Direção: Walter Salles. Produção: Donald
Ranvaud; Arthur Gohn. Brasil: Europa Filmes, 1998. 105 min.
Procure retirar do filme alguns elementos que demonstram o quanto o acesso à educa-
ção é desigual no país. Avalie o peso do analfabetismo para boa parte da população, que
se vê excluída e privada de seus direitos fundamentais.
Leitura:
• GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artimed, 2005.
Atividades
1. Partindo do que foi apresentado neste capítulo, qual a importância da sociologia da
educação para o Brasil?
A sociologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre porque
somos como somos e porque agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que
encaramos como natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e
que os “dados” de nossa vida são fortemente influenciados por forças históricas e
sociais (GIDDENS, 2005, p. 24).
32 Sociologia da Educação
4
Educação e família
Sociologia da Educação 33
4 Educação e família
É no seio da família que tem início o que se chama de socialização primária, processo por
meio do qual se torna possível a assimilação por parte do indivíduo dos valores, normas e
até mesmo expectativas do seu grupo social. A atitude educadora da família, por exemplo,
está presente nas conversas, na alimentação, no tipo de roupas usadas, nas formas de lazer,
enfim, em todos os momentos de sociabilidade.
1 Para entender esses conceitos, ver, a partir da página 385, o trabalho de COSTA, Cristina. Sociolo-
gia. Introdução à ciência da sociedade. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005.
34 Sociologia da Educação
Educação e família 4
Mais tarde, a escola e outras instituições e/ou outros grupos de relacionamento passam
a dividir com a família a tarefa de socializar o indivíduo, constituindo o que a sociologia cha-
ma de socialização secundária, “que se refere a qualquer processo posterior que induza o indi-
víduo a interiorizar setores particulares do mundo objetivo de sua sociedade” (TEDESCO,
1995, p. 99). A dificuldade nesse processo reside no fato de que opera com indivíduos que já
passaram ou estão passando pela socialização primária e, portanto, a secundária deve estar
em certa concordância com a cultura e a estrutura básica do indivíduo.
É no contexto da aprendizagem que socialização e educação se encontram, uma vez que,
assim como a família, a educação também é um “conjunto de padrões de comportamento
compartilhados pela sociedade e orientados para satisfação das necessidades do grupo
[...] São aquelas que se referem aos padrões de comportamento que orientam as pessoas na
satisfação das suas necessidades sociais básicas” (PESSOA, 1997, p. 52). A sociedade modela
o indivíduo e esse, por sua vez, pode transformar a sociedade em que vive. Isso só é possível
porque, como se viu, o processo de socialização nunca está finalizado e nem é completo.
Família é uma ideia, um modo de ordenar a vida social, uma construção histórica e so-
cial, portanto, dinâmica e sujeita às transformações pelas quais passa a sociedade, ao mesmo
tempo em que pode “formar” pessoas com capacidade de transformar o meio em que vivem.
Em inúmeras discussões teóricas e estudos acerca desse tema, percebemos que o con-
ceito de família se modifica ao longo do tempo, o que demonstra a dificuldade em deter-
minar exatamente o que é família. Mas o que não se pode perder de vista, é que família é
uma construção da subjetividade e, sendo assim, não é possível haver uma só sociologia
da família, da mesma forma que não há uma só história. As transformações que se podem
verificar ao longo da trajetória da família estão ligadas às mudanças de “significados, senti-
mentos e atitudes, consequência de uma transformação cultural muito mais generalizada”
(ANDERSON, 1984, p. 61), ligada ao contexto da modernidade.
De modo geral, pensamos logo no nosso grupo familiar, comumente formado por pai,
mãe e filhos, todos morando na mesma casa. Mas nem sempre foi assim. A história mostra
que a ideia de família e seus arranjos sofreram muitas e profundas mudanças, o que gerou
diversas práticas e representações.
Não seria prudente pensar apenas nessa estrutura familiar, uma vez que o próprio
Censo 20102 mostra novos arranjos desse grupo social que se convencionou chamar de fa-
mília3. Já não se pode pensar exclusivamente na forma apresentada anteriormente, uma vez
que famílias compostas apenas por mãe e filhos, ou pai e filhos, avós e netos, casais homos-
sexuais, ou mesmo pessoas vivendo sozinhas, podem também ser vistas como uma família.
2 Para saber mais sobre esse tema e suas particularidades, você pode acessar o site do IBGE e obter
várias informações sobre a realidade brasileira. Os censos demográficos são planejados para serem
executados nos anos de finais zero, ou seja, a cada 10 anos.
3 Ver SAYÃO, Roseli; GROPPA, Julio. Família: modos de usar. Campinas: Papirus, 2004.
Os autores fazem uma crítica ao discurso prescritivo geralmente dirigido aos pais e comentam os no-
vos arranjos familiares vigentes na sociedade contemporânea.
Sociologia da Educação 35
4 Educação e família
Fonte: ksenia_bravo/iStockphoto.
80
68,8
70
60
50
40
30
20 17,9
10,5
10
2,1 0,7
0
Casal Casal Mulher Mulher Unipessoal
com filhos sem filhos com filho sem filho Feminino
Fonte: Elaborada pela autora com base em IPEA, 2018.
36 Sociologia da Educação
Educação e família 4
Gráfico 2 – Estruturas familiares chefiadas por mulheres em 2015 (em %).
45
40,4
40
35
30
25 23,5
20 17,9
15
10,8
10 7,4
0
Casal Casal Mulheres Mulheres Unipessoal
com filhos sem filhos com filho sem filho Feminino
O objetivo inicial da família era satisfazer as necessidades básicas do grupo social, po-
rém, aos poucos, foi assumindo outras funções, tais como dar apoio à velhice, proteger seus
membros contra agressões de outros grupos, transmitir os conhecimentos práticos acumu-
lados pelo grupo aos membros mais jovens e, principalmente, ensinar a seus componentes
normas, regras e valores que garantem a manutenção da sociedade. Como qualquer outra
instituição social, constitui-se de ideias, comportamentos e relações entre as pessoas. Além
disso, organiza-se em torno de objetivos comuns que visam aos interesses do grupo, os
quais mudam com o tempo.
Ao longo da história, o grupo familiar assumiu diversas formas, a fim de se adaptar
às diferentes condições impostas pelas coordenadas tempo e espaço. Inicialmente, a uni-
dade familiar coincidia com a unidade de exploração/produção, sendo a principal célula
da sociedade capaz, ao mesmo tempo, de procriar e de assegurar praticamente por si só
a sobrevivência dos seus componentes. Isso implicava uma determinada organização que
proporcionava e ajudava a manter a coesão do grupo, por meio de uma rígida disciplina que
respeitava a hierarquia etária e de sexo (normalmente o pai). Assim estruturada, a família
garantia a sobrevivência e a procriação do grupo, além de consumo, proteção, atividades
religiosas e culturais etc.
Em linhas muito gerais, podemos dizer que foi com base nesse complexo de fun-
ções que se construiu o ideal de família, hoje designado como tradicional. Mas como
já se viu neste capítulo, a própria evolução cultural, o desenvolvimento técnico e o
impacto da industrialização, que gerou uma nova estrutura econômica, alteraram ne-
cessariamente esse ideal de família. Deve-se lembrar que família é algo dinâmico, não
universal em sua organização, porém estável por certo período de tempo, mudando de
forma lenta e, por vezes, descontínua, e sempre se traduzindo em diversas formas nas
várias camadas socioeconômicas.
Sociologia da Educação 37
4 Educação e família
38 Sociologia da Educação
Educação e família 4
Os estudos sobre família no Brasil, apesar das divergências entre os autores, apontam
para a predominância da estrutura patriarcal na Colônia, no Império e até na atualidade.
Gilberto Freyre (2003), com seu livro Casa-Grande e Senzala, foi um dos pioneiros na inves-
tigação das formas de organização familiar que havia no Brasil. Concluiu que o modelo da
família brasileira era o patriarcal. Mas outros estudiosos questionaram essa afirmação sob o
argumento de que, particularmente em São Paulo e em outras regiões do sul do país, havia
muito mais famílias nos moldes da família nuclear do que daquela encontrada nos engenhos
pernambucanos de açúcar.
No entanto, de acordo com Samara (1986, p. 7-8), a família brasileira, especialmente dos
séculos XVIII e XIX, “seria o resultado da transplantação e adaptação da família portuguesa
[...]; [gerando] um modelo com características patriarcais e tendências conservadoras e sua
essência”. Esse foi o modelo adotado por Gilberto Freyre para analisar a estrutura do en-
genho de açúcar e da casa-grande no Nordeste brasileiro. A autora chama a atenção para o
fato de que esse modelo não se aplicaria às famílias de São Paulo e outras regiões do país,
que eram nucleares, compostas por estruturas mais simples e poucos integrantes, com di-
ferentes formas de organização familiar. Ela ainda complementa que “essas características
da família paulista não chegaram a representar um sério rompimento na trama de relações
paternalistas que ainda estão presentes nessa sociedade, mesmo se desenrolando fora do
âmbito familiar” (1986, p. 40).
O modelo gilbertiano, segundo Almeida et. al (1987, p. 18),
não se propõe a retratar a realidade como ela é, mas, sim, como ela é pensada
e vivida. [...] Aparece como instrumento pertinente de análise ideológica, na
medida em que é uma construção que encampa uma série de contradições exis-
tentes não só nos limites das unidades familiares, mas que os transcendem, como
são as questões econômicas, afetivas, sexuais, raciais e de poder.
As transformações verificadas atualmente na sociedade brasileira apontam para mu-
danças na estrutura familiar e para novos valores e novas atitudes que tornam a família mais
democrática, na qual não se verifica mais apenas a imposição da autoridade paterna e nem
mãe e filhos se submetendo tão facilmente aos desejos imperativos do pai.
A própria relação família x escola é alvo constante de discussões e análises, não só pela
sociologia da educação, mas também por diversas outras áreas do conhecimento. Seu papel,
como agente primário de socialização, continua sendo fundamental e sua função se amplia
sob certos aspectos, mas diminui em outros.
A família é apontada atualmente como a principal responsável pela desagregação do
grupo e pela falta de um conjunto de valores a serem cultivados em seu seio, transmitidos
e reforçados às novas gerações, o que explicaria, ou ao menos tentaria justificar, alguns dos
problemas pelos quais passa a sociedade ocidental. Mas será que é assim mesmo? Vale re-
fletir um pouco mais.
Sociologia da Educação 39
4 Educação e família
Dicas de estudo
Para saber mais sobre a configuração atual das famílias brasileiras e analisar outros
dados sobre a organização social do país e seus indicadores, consulte o site do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sobre o último Censo.
Leituras:
• PRIORE, Maria Del. Histórias da gente brasileira. São Paulo: Leya, 2016 (volumes
1, 2 e 3)
Trabalhos como a coleção elaborada pela historiadora Mary Del Priore, intitulada
Histórias da gente brasileira, publicada pela editora Casa da Palavra, em 2017, são
interessantes para se conhecer melhor a trajetória do conceito de família e como esta
se organizou ao longo do tempo, em diferentes lugares do mundo e especialmente no
Brasil. Resumida em três volumes, cada um trata de um período da história brasileira:
Colônia, Império e República (1889-1950). A autora apresenta a história de homens e
mulheres comuns, anônimos e desvenda suas intimidades, mostrando o cotidiano e as
organizações familiares, entre outros aspectos da sociedade da época.
• ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
Outra obra importante que trata desse mesmo assunto é o livro História social da crian-
ça e da família, do historiador Philippe Ariés. Essa é mais abrangente e estuda o papel
da criança na sociedade desde a Idade Média até os tempos modernos.
Atividades
1. Indique um aspecto da família em nossa sociedade que tenha mudado significativa-
mente nos últimos tempos. Caracterize essa mudança. O que tem chamado mais a
sua atenção? Pesquise e dê três exemplos de novos arranjos familiares que se vê hoje
na atualidade.
2. Leia o trecho da letra da música dos Titãs e reflita sobre as características da família
que foram apresentadas neste capítulo, e veja quais delas estão presentes.
Família (1986)
Tony Bellotto/Arnaldo Antunes
40 Sociologia da Educação
5
Concepções de
infância e juventude
Sociologia da Educação 41
5 Concepções de infância e juventude
No momento em que se tem uma nova configuração espacial das casas, com áreas
especializadas, como a sala de jantar e o quarto de dormir, são criadas as condições neces-
sárias para o desenvolvimento de sentimentos como aconchego e domesticidade, que antes
não existiam.
A família começa a dispensar seus vários hóspedes e busca a privacidade do “lar”,
conceito que também não existia. A organização da família conjugal demanda novos rear-
ranjos em termos de papéis sociais, bem como determina novas funções para essa família.
Surge, também, a disciplina dentro da vida familiar e, em relação à juventude, sua duração
dependia do tempo que o indivíduo levaria para assumir novas responsabilidades (como
trabalhar e manter sua própria família). Destaca-se, a partir daqui, o progresso da domes-
ticidade e o surgimento da família conjugal, nuclear e doméstica, que passa a ser o modelo
predominante nas sociedades ocidentais até hoje.
42 Sociologia da Educação
Concepções de infância e juventude 5
não era determinante nas relações da família com a criança. Não impedia, por exemplo, que
ela fosse mandada embora para viver longe dos pais, muitas vezes para aprender um ofício.
No final do século XVII é que se pode observar mudanças. De acordo com Ariès, tem
início o que se convencionou chamar de escolarização, quando a escola substituiu a apren-
dizagem como meio de educação. Surgem os colégios, locais para onde as crianças são en-
viadas, mais uma vez sendo separadas da família. A família havia se tornado um lugar de
afetividade e isso repercutiu na vida das crianças na medida em que começou a haver uma
preocupação com seu bem-estar e com a sua sobrevivência. Segundo Ariès (1981, p. 165), a
história da educação mostra que a vida escolástica revela
o progresso do sentimento da infância na mentalidade comum: como a escola e o
colégio que, na Idade Média, eram reservados a um pequeno número de clérigos
e misturavam as diferentes idades dentro de um espírito de liberdade de costu-
mes, se tornaram, no início dos tempos modernos, um meio de isolar cada vez
mais as crianças, durante um período de formação tanto moral como intelectual,
de adestrá-las, graças a uma disciplina mais autoritária e, desse modo, separá-las
da sociedade dos adultos.
A família começou a se organizar e a viver em torno da criança e das suas necessidades.
Essa polarização da família e da profissão será um traço das sociedades ocidentais no século
XIX e que se estenderia até o século XX.
Figura 2 – LOCKEY, Rowland; HOLBEIN Hans. Retrato de Sir Thomas Lucy e sua família entre
1740 e 1744. Óleo sobre tela, 1320 x 750, Charlecote Park, Warwickshire, Inglaterra.
Sociologia da Educação 43
5 Concepções de infância e juventude
ser observadas na forma como as crianças e os jovens eram vestidos e quais os jogos e brin-
cadeiras que eram mais comuns.
Uma das mudanças mais importantes relaciona-se com a maneira como as crianças
e os jovens eram tratados pelos adultos, no que diz respeito à sexualidade. Elas deixam
de ser “brinquedos” dos adultos, os quais percebem a inocência infantil e procuram en-
tão preservar, sobretudo a criança, das “sujeiras da vida”. Assumem também maiores
cuidados com a higiene e com a saúde das crianças. No final do século XIX, a criança
efetivamente passa a ser o foco dos estudos históricos. É nesse contexto que surgem os
estudos de Henry Wallon, Jean Piaget, Lev Vygotsky e as teorias psicogenéticas. Apesar
de explorarem o tema criança/infância de maneiras diferentes, têm em comum o fato de
chamarem a atenção para a relação entre compreender o desenvolvimento da criança,
como se dão as mudanças biológicas e os processos mentais, e de que maneira tudo isso
se reflete na educação.
Compreender o desenvolvimento físico e psicológico da criança passa a ser quase que
uma exigência para a escola e o professor. A partir daí, haveria mais condições de realizar
análises que dessem conta de explicar a sociedade na qual o aluno e o próprio professor
estão inseridos.
Como se disse, os colégios surgem com a ideia de que a criança precisava “ser for-
mada”, uma vez que nascia totalmente despreparada para a vida em sociedade. Aliás,
esse é um traço marcante da infância: a falta. Falta de condições de sobreviver sozinha,
de valores, de regras, de limites. Tudo precisa ser ensinado e não será apenas no seio da
família que esse processo de socialização acontecerá. O local adequado será a escola, que
se transforma e deixa de ser uma comunidade democrática que acolhia a todos que ne-
cessitavam, para constituir uma instituição com hierarquia autoritária, submetida a um
regime disciplinar extremamente severo. A própria necessidade de disciplina é explicada
pela noção de fraqueza da infância, aliada ao sentimento de responsabilidade moral que
os mestres assumem diante das famílias que lhes confiam seus filhos.
Ao analisar a trajetória do surgimento dos colégios, Ariès (1981, p. 169-170) afirma que
no século XIII, os colégios eram asilos para estudantes pobres, fundados por doa-
dores. Os bolsistas aí viviam em comunidades, segundo estatutos que se inspira-
vam em regras monásticas. Não se ensinava nos colégios. A partir do século XV,
essas pequenas comunidades democráticas tornaram-se institutos de ensino, em
que uma população numerosa [...] foi submetida a uma hierarquia autoritária e
passou a ser ensinada no local. [...] Essa evolução da instituição escolar está liga-
da a uma evolução paralela do sentimento das idades e da infância.
Entre os séculos XVII e XVIII, observa-se uma laicização do pensamento e nesse pro-
cesso passam a ser mais reconhecidos alguns valores de caráter social, tais como polidez,
postura, civilidade, em contraposição à fé, à caridade (as chamadas virtudes cristãs).
44 Sociologia da Educação
Concepções de infância e juventude 5
É na Renascença que se pode encontrar uma tendência predominante da educação hu-
manista que
é a ênfase na prudência e no controle dos instintos, como preparação para a cida-
dania. Contrariamente às normas da sociedade feudal, que valorizavam a impe-
tuosidade do jovem guerreiro, os Estados bem organizados [...] exigiam dos seus
cidadãos o autocontrole e a dissimulação. Os jovens precisavam ser educados na
dura escola da disciplina. (CASEY, 1992, p. 187)
A busca da contenção dos impulsos e dos instintos por meio de uma rígida e, por vezes,
até cruel disciplina dá o tom do avanço do processo de escolarização. Tem-se, também, uma
nova percepção das idades, começando a haver uma separação das classes por faixa etária,
procurando agrupar os alunos com base nesse critério. Com um sistema disciplinar cada
vez mais rigoroso, os colégios assumem uma estrutura que em muito se aproxima da atual.
Agora, a duração da infância equivale à duração da escolaridade, que no fim do século XVIII
chega a quatro ou cinco anos. Os colégios passam a ser a moderna expressão de como se
deve tratar as crianças.
Ao seu lado se tem os chamados manuais de boas maneiras ou de civilidade, voltados para o
público pueril, que visavam apresentar as normas de conduta que deveriam nortear os com-
portamentos das crianças no mundo. Alguns desses manuais foram muito bem analisados,
especialmente o de Erasmo, por Norbert Elias (1994) em O processo civilizador, que foca a his-
tória dos costumes, focando seu interesse nas mudanças das regras sociais e no modo como
o indivíduo as percebia, gerando mudanças de comportamento e sentimentos. Utilizando
como fontes os livros de etiquetas e boas maneiras (editados entre o século XIII até a década
de 1930), o autor afirma que desde a Idade Média, quando o controle das pulsões era bas-
tante reduzido, as classes dirigentes foram aos poucos sendo modeladas pela vida social e
a espontaneidade deu lugar à regra e à repressão na vida privada. A universalização dos
códigos ocidentais de conduta significa que esses passam a ser sinônimos de refinamento e
padrão a ser seguido por aqueles que almejavam ascender socialmente.
Deve-se considerar também a contribuição de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) para
a discussão das concepções de infância e o surgimento dos colégios.
De modo geral, pode-se dizer que os humanistas do século XVI rejeitavam com vigor a
alternativa escolar. Acreditavam que não se conhecia a criança direito, não se sabia exatamente
como ela era, o que pensava e quais eram os seus limites. Diante disso, consideravam quase que
uma violência impor-lhe qualquer tipo de educação formal. Seria uma agressão à sua natureza
pura e, ao que se acreditava, à noção de insuficiência ou do caráter incompleto da criança.
Rousseau ressalta as relações entre natureza e sociedade e a moral fundada na liber-
dade; destaca, sobretudo, a primazia do sentimento sobre a razão e acredita na bondade
natural do homem. Diante disso, a civilização é vista por ele como a grande responsável
pela degeneração da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual. Em sua
obra mais voltada para essas questões, Emílio, de 1757, planta as bases da sua filosofia, que
por muito tempo influenciaria vários outros autores que estudariam a criança, a infância ou
a educação. Defende ardentemente a pureza infantil e vê o sentimento como o verdadeiro
Sociologia da Educação 45
5 Concepções de infância e juventude
instrumento do conhecimento e o mundo interior (humano) é que deve ser buscado, e não o
mundo da razão, sempre com o objetivo de transformar a criança em um adulto bom.
Assim, conforme Arbousse-Bastide e Machado, Rousseau tem como pressuposto básico
a crença na bondade natural do homem e atribui à civilização a responsabilidade pela ori-
gem do mal. Afirmam que, para o autor de Emílio, a educação
deve ser progressiva, de tal forma que cada estágio do processo pedagógico
seja adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento. [...] Liberta da
tirania das opiniões humanas, a criança por si mesma, e sem nenhum esforço
especial, identifica-se com as necessidades de sua vida imediata e torna-se au-
tossuficiente. Vivendo fora do tempo, nada precisando das coisas artificiais e
não encontrando qualquer desproporção entre desejo e capacidade, vontade e
poder, sua existência vê-se livre de toda ansiedade com relação ao futuro e não
é atormentada pelas preocupações que fazem o homem adulto civilizado viver
fora de si mesmo.
É necessário, contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela tem uma enorme
potencialidade, não aproveitada imediatamente. A tarefa do educador consiste
em reter pura e intacta essa energia até o momento propício. Nesse sentido, é
particularmente importante evitar a excitação precoce da imaginação, porque
esta pode tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros cuidados devem ser
tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcançados ensinando-se
a lição da utilidade das coisas, ou seja, desenvolvendo-se as faculdades da crian-
ça. Apenas naquilo que possa depois ser-lhe útil. (1978, p. 18)
Você conseguiu perceber como algumas dessas ideias acompanham a pedagogia até
hoje? Nesse momento, o processo educativo para Rousseau é visto como algo negativo, no
sentido do que não deve ser feito. Para ele, somente quando a criança cresce um pouco e
começa a ter consciência de que interage com as outras pessoas é que se torna capaz de ser
educada formalmente. Na verdade, acredita que a educação seja um processo contínuo que
se prolonga pela vida inteira. A criança, para esse importante teórico, aprende por meio do
exemplo, por palavras e por práticas que observa nos adultos. Daí a necessidade dos pais se
preocuparem com as normas de civilidade e boas maneiras de seus filhos, que deveriam ser
preparados para viver em sociedade e “ser civilizados”.
Entramos no século XIX tendo como premissa básica a proteção da infância, da criança
e do adolescente. Surgem instituições para cuidar disso e a educação aparece como um fator
estruturante da sociedade, a partir desse momento. Kuhlmann Jr. (2002, p. 464-465) afirma que
essa distribuição de competências não é algo estanque e corporativo, como se
nota pela ampla gama de setores sociais que interagem em torno das propostas
para a infância. Do ponto de vista da abrangência e do conteúdo das suas pro-
postas, a educação – pelo que é e pelo que deixa de ser, pelo que significa e pelo
que produz – aparece como um fator estruturante da sociedade “moderna”.
46 Sociologia da Educação
Concepções de infância e juventude 5
Os cuidados com a infância passam a ser um traço das sociedades e do Estado moder-
no e a escola como locus privilegiado para se colocar em prática essa concepção de criança
e infância.
Uma das consequências dessa mentalidade é o fato de que, daqui em diante, o ensino
primário e a sua universalização, bem como o saneamento e a higienização, tudo de acordo
com a nova racionalidade científica e tecnológica, estarão a serviço do cuidar, do proteger,
do educar e do ensinar a criança.
Ao se pensar a criança/a infância, o adolescente/a adolescência e o jovem/a juventude, o
que se percebe é a ocorrência de muitas mudanças na forma de ver, tratar, analisar e expli-
car cada uma dessas etapas da vida de um indivíduo. O avanço da tecnologia, as inovações
tecnológicas, a globalização, os novos arranjos familiares e, até mesmo, as novas funções da
família, trouxeram de volta a discussão sobre qual seria o tempo de duração de cada uma
dessas fases da vida do homem.
É interessante observar, também, que essas análises vêm acompanhadas de certa angús-
tia em relação ao futuro das crianças e dos jovens. Isso acontece exatamente pela impressão
que se tem de que, novamente, estão no centro do palco algumas questões relacionadas à
visão da criança e da escola. Não se sabe muito bem o que fazer com todas as novidades
impostas pelo avanço tecnológico, as novas configurações da família, o aumento da inserção
da mulher no mercado de trabalho, a falta de tempo disponível por parte dos pais, enfim,
com o estilo de vida da sociedade ocidental.
Para concluir, depois da humanidade percorrer um longo caminho para perceber que
a criança existia e que exigia novas maneiras de organização da vida social, chegamos aos
dias atuais, tendo em mente certas representações, que não diferem muito daquelas herda-
das dos séculos XIX e XX. Depois de vários autores, de diferentes áreas do conhecimento,
produzirem suas teorias sobre a criança, seu desenvolvimento mental e psicológico, tem-se
uma ampla gama de imagens e saberes sobre o assunto. Para tanto, procure conhecer um
pouco dos trabalhos de Piaget, Wallon, Montessori, Vygotsky, entre outros.
Finalmente, o que não se pode esquecer é que a infância deve ser entendida como um
tempo social, construído historicamente, de acordo com as condições materiais e culturais
que caracterizam determinado tempo e espaço. Desse modo, é possível haver diferentes
concepções de criança, infância e juventude. De acordo com as estruturas econômicas e so-
ciais da época, surge uma ideia de criança e do papel da educação.
O que se observa é que surgem instituições que serão consideradas “adequadas” para
a criança e os jovens e, aos poucos, a escola passa a ser um caminho para formá-los, tornan-
do-os “aptos” ao convívio social.
Ao longo do tempo, ocorreram várias mudanças tanto no conceito quanto na forma de
organização da família. Esse processo histórico acabou, também, definindo novas formas de
se perceber a criança e a infância, dando origem a uma área específica dentro da sociologia
para tratar desses temas: a sociologia da infância.
Sociologia da Educação 47
5 Concepções de infância e juventude
Dicas de estudo
Filmes:
Para compensar você por seu esforço, que tal assistir a alguns filmes que, de alguma for-
ma, retratam o cotidiano infantil e a infância em vários momentos da história? Escolha
um (ou veja todos) e depois tente fazer uma síntese do que pôde perceber do universo
infantil. Quais imagens da criança aparecem em cada um deles? Elas são diferentes
umas das outras?
• ILHA das flores. Direção: Jorge Furtado. Produção: Monica Schmiedt; Nora Goulart.
Brasil: Casa de Cinema POA, 1989. 13 min.
• A VIDA é bela. Direção: Roberto Benigni. Elda Ferri; Gianluigi Braschi; John M.
Davis. Itália: Cecchi Gori Pictures, 1997. 118 min.
• NENHUM a menos. Direção: Yimou Zhang. Produção: Zháo Gu China, 1998. 106 min.
• A PRINCESINHA. Direção: Afonso Cuaron. Produção: Mark Johnson. EUA: Warner
Bros; Baltimore Pictures, 1995. 97 min.
Leituras:
O processo histórico que instituiu uma nova concepção de criança, de infância, de ado-
lescência e de juventude pode ser analisado a partir de diversas abordagens. Assim, apre-
senta-se uma relação de algumas obras que hoje são referência nessa área.
• FRABBONI, Franco. A escola infantil entre a cultura da infância e a ciência pedagó-
gica e didática. In: ZABALZA, M. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre:
Artmed, 1998. cap. 4, p. 63-92.
• RIEDMANN, Adriana. História do percurso da sociologia e da antropologia na área
da infância. Revista Acadêmica de Educação do ISE Vera Cruz. v. 1, n. 2, p. 214-235,
2011.
• PRIORE, Mary Del. História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
• SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Infância Sol do Mundo: a primeira
conferência nacional de educação e a construção da infância brasileira. Curitiba, 1927.
1997. 216 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, 1997.
• FREITAS, Marcos César de. História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006.
Atividades
1. O conceito de família sofreu, ao longo do tempo, várias modificações, de acordo com
as mudanças que ocorreram na sociedade. Sabe-se também que, mesmo sendo uma
criação histórica e cultural, e não algo material, é um conceito que se relaciona com
a sociedade e sua estrutura econômica e política. Como se pode relacionar a ideia de
família moderna com as concepções de criança e infância da atualidade?
48 Sociologia da Educação
Concepções de infância e juventude 5
2. Entramos no século XIX tendo como premissa básica a proteção da infância, da crian-
ça e do adolescente. Explique qual é o papel da educação nesse processo. Pesquise
sobre as condições da infância e da juventude no Brasil. Como estamos tratando
nossas crianças e jovens?
Sociologia da Educação 49
6
A escola como
instituição social
Sociologia da Educação 51
6 A escola como instituição social
Esse novo contexto social trouxe inovações tecnológicas e uma nova configuração das
áreas urbanas. Novos desafios e impasses foram sentidos na forma como essa sociedade
vivenciava o espaço público e o espaço privado, bem como as representações sociais desses
espaços. Sendo uma das instituições mais importantes, a escola também sentiu o impacto
de tudo isso.
Segundo Pozo (2002, p. 30),
a escola como instituição social alcança um novo desenvolvimento, como conse-
quência da Revolução Industrial, da mecanização do trabalho e da concentração
urbana da população, durante o século XIX, consolidando-se no presente século
com a generalização da escolaridade obrigatória e gratuita nas sociedades indus-
triais, o que produz, sem dúvida, mudanças notáveis nas próprias demandas de
aprendizagem geradas pelos contextos educativos.
Um dos aspectos mais importantes do processo de modernização é o que Rago (1993,
p. 15) chamou de processo de racionalização da sociedade, com a “quebra de antigos padrões
de referência e de construção da ‘identidade’ e ‘constituição de uma nova sensibilidade ur-
bana’”. A reafirmação das identidades surge como forma de distinção social e de retraimen-
to para a vida privada. Isso diz respeito às novas formas de sociabilidade, que surgem com
a valorização do indivíduo e a retração do espaço privado, em detrimento dos valores e
do espaço público. Assim, cresce a importância da família como refúgio do indivíduo, que
encontra nela segurança e a possibilidade de ser e de expressar o seu eu, sem as máscaras
necessárias no espaço público.
Uma questão que normalmente é levantada relaciona-se com a suposta falta de valores
éticos e morais que acompanham esse processo. Mas será que, na verdade, o que ocorreu
não foi uma inversão de valores e, assim, uma falta de valores?
O valor de grande impacto nessa conjuntura é o da solidariedade, que conceitualmente
se contrapõe ao individualismo. O que se pode deduzir é que efetivamente novos valores
aparecem como reação a esse mundo massificado e, muitas vezes, até desumano, prova da
capacidade do homem de ajustar-se a mudanças, sejam elas benéficas ou não.
Uma juventude aparece nesse contexto de maneira significativa, adquirindo uma visi-
bilidade que tem sua origem recente1 e cresce à medida que os jovens buscam uma definição
de novos referenciais de comportamento e de identidade na sociedade. Mesmo não pare-
cendo decididos a transformar a realidade social tal como se fazia em contextos anteriores,
por meio de uma revolução, mas interessados em construir e manifestar uma identidade
distintiva, os jovens acabam por marcar sua posição no mundo, até mesmo como forma
de suportar o aumento da competitividade na sociedade atual. Eles próprios não parecem
identificar-se com aquela velha ideia de serem “o futuro do país”. Querem ser aceitos pela
sociedade e poder investir em si mesmos, como forma de suportar o peso desse mundo
centrado no indivíduo. Para isso, como nativos digitais que são, utilizam a tecnologia, espe-
cialmente as redes sociais.
1 Ver a obra de ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. São Paulo: Cortez, 2006.
52 Sociologia da Educação
A escola como instituição social 6
As questões da indiferença política e do individualismo podem ser rebatidas com o
resgate de valores como dignidade, solidariedade, respeito ao próximo, ao espaço público,
ao meio ambiente e a si mesmos, contra o consumismo e as velhas formas de fazer política
que são apresentadas a esses jovens.
Nesse microcosmo que reflete a sociedade como um todo, pode haver um movimento
de revalorização da escola que, com o professor, torna-se novamente um importante agente
da socialização com esses jovens, buscando incentivar o trabalho em equipe e mostrando o
quanto pode ser bom que algumas regras (claras e coerentes, obviamente) sejam seguidas,
valorizando as relações interpessoais em contrapartida ao aumento do individualismo.
Para tentar entender a escola e sua importância, não só no processo de socialização,
é preciso compreendê-la como um espaço sociocultural, o que significa tentar percebê-la por
meio de seus aspectos culturais. Sendo uma instituição dinâmica, que se faz e refaz no dia
a dia por intermédio dos sujeitos envolvidos nesse processo (professores, alunos, direção,
funcionários, comunidade externa, pais e comunidade), não é possível desconsiderar que
todos são sujeitos sociais e históricos. Portanto, a escola é construída social e historicamente
e não se pode perder de vista a constante necessidade de resgatar o papel desses sujeitos.
Ver a escola como um espaço social, histórico e culturalmente construído é uma possibi-
lidade teórica que surge a partir dos anos 1980, em contraposição às antigas análises que, de
certa forma, eram deterministas, isto é, as macroestruturas explicariam a instituição como
um todo, em todos os seus aspectos.
Esse novo caminho aponta para a perspectiva de se analisar a escola, de superar o pa-
radigma do conhecimento dualista, que não focava seu interesse no indivíduo, visto agora
como autor e sujeito de sua própria história e da sociedade na qual está inserido. Assim,
Eszpeleta e Rockwell (1986, p. 58) desenvolvem uma análise em que privilegiam a ação dos
sujeitos na relação com as estruturas sociais. De acordo com as autoras, haveria na escola um
confronto de interesses, contrapondo a organização oficial do sistema escolar de um lado –
que “define conteúdos da tarefa central, atribui funções, organiza, separa e hierarquiza o
espaço, a fim de diferenciar trabalhos, definindo idealmente, assim, as relações sociais” – e
os sujeitos que dela participam de outro, o que cria uma trama própria de inter-relações,
fazendo da escola um processo permanente de construção social.
No momento em que se contemplam o conflito e as tentativas de superá-lo/resolvê-lo
nas análises sociológicas da escola como instituição, como espaço social específico, ela passa
a ser vista como uma peça cujo enredo se faz por seus protagonistas. Um processo de apro-
priação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos múltiplos saberes que dão
forma à vida escolar. Por esse caminho, o aluno passa a ser visto em sua totalidade, sendo
entendido na sua diferença, ou seja, trazendo-se a questão da diversidade como categoria de
análise importante. Trata-se de compreendê-lo como indivíduo que possui uma historicida-
de, com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com
lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios.
Deve-se lembrar que a escola não é a primeira instância do processo de socialização; o
indivíduo já traz em si as “marcas” de sua história de vida, da socialização empreendida no
Sociologia da Educação 53
6 A escola como instituição social
seio da família e do que viveu até em outras esferas sociais, enfim, em sua cultura. Assim,
nessa perspectiva,
nenhum indivíduo nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal, dentro
do projeto de humanidade do seu grupo social, num processo contínuo de pas-
sagem da natureza para cultura, ou seja, cada indivíduo, ao nascer, vai sendo
construído e vai se construindo enquanto ser humano. Mas como se dá esta pro-
dução numa sociedade concreta?
Quando qualquer um daqueles jovens nasceu, inseriu-se numa sociedade que
já tinha uma existência prévia, histórica, cuja estrutura não dependeu desse
sujeito, portanto, não foi produzida por ele. São as macroestruturas que vão
apontar, a princípio, um leque mais ou menos definido de opções em relação
a um destino social, seus padrões de comportamento, seu nível de acesso aos
bens culturais etc. [...]
Ao mesmo tempo, porém, existe um outro nível, o das interações dos indivíduos
na vida social cotidiana, com suas próprias estruturas, com suas características
próprias. É o nível do grupo social, onde os indivíduos se identificam pelas for-
mas próprias de vivenciar e interpretar as relações e contradições, entre si e com
a sociedade, o que produz uma cultura própria. (DAYRELL, 1996, p. 6-7)
É no cotidiano e por meio das experiências que o aluno vivencia, que ele se torna um
sujeito concreto, como resultado de um processo educativo amplo que deve proporcionar
meios para que seja protagonista da produção do seu conhecimento.
É possível, também, empreender a discussão sobre a escola com base na análise das
organizações, fazendo uso de metáforas que podem ser uma alternativa eficaz no sentido de
mostrar o quanto essa instituição pode ser complexa e passível de análises, as mais diversas,
em termos de referencial teórico, podendo ser investigada em uma perspectiva multidisci-
plinar. Aliando a sociologia da educação com as teorias da administração, percebe-se que,
tal como outras organizações, o estabelecimento de ensino é uma organização complexa,
que congrega atores diversos, exercendo várias funções, mas com objetivos em comum.
Sendo seu objetivo maior a formação do homem consciente2, por meio de uma edu-
cação voltada ao desenvolvimento da autonomia intelectual, ao fortalecimento do pensa-
mento crítico e ao comportamento ético, entende-se que o aluno precisa de liberdade para
aprender. O respeito à individualidade é visto como fundamental para o bom andamento
do processo de aprendizagem do aluno. Assim, a vida organizacional da escola não deve
ser vista de forma mecânica: todos devem ser convidados e incentivados a participar do
processo educativo.
2 Sobre isso, ver: LENVAL, H. Lubienska de. A educação do homem consciente. 2. ed. São Paulo:
Flamboyant, [19--].
54 Sociologia da Educação
A escola como instituição social 6
Recorrendo à obra de Gareth Morgan (1996), intitulada Imagens da organização, podemos
pensar a escola sob outra ótica. O autor faz uso de metáforas para explicar como é possível en-
tender as organizações. São elas: organização vista como máquina, cérebro, organismo, cultu-
ra, sistemas de governo, prisão psíquica, fluxo e transformação, e instrumento de dominação3.
Segundo o autor, pode-se observar que as máquinas “não são planejadas para a inovação”
(MORGAN, 1996, p. 38), enquanto as organizações, vistas como cultura, têm mais instrumen-
tos para lidar com a mudança, uma vez que são construídas e reconstruídas socialmente.
Dessa forma, a metáfora mais próxima da imagem da escola que poderíamos conside-
rar como sendo a ideal é a da organização vista como cultura. A cooperação, a interdepen-
dência, os interesses e os objetivos compartilhados e a ajuda mútua, entre os vários atores
que nela atuam, são pontos a serem salientados e que confirmam essa ideia. Os significados
compartilhados orientam a vida organizacional. Na verdade, o aluno aprende a se conhecer
e a se avaliar. À medida que se dá a troca com o professor, visto como um facilitador da
aprendizagem, o aluno analisa seu desempenho, faz as correções necessárias em termos de
conteúdo, mas, sobretudo, cresce seu grau de consciência sobre si mesmo, em uma relação
mediada pela colaboração professor/aluno e aluno/aluno.
Essas são características de organizações vistas como cultura, já que um conjunto de
objetivos comuns e valores compartilhados estão na sua base. Mesmo quando o conflito
surge, ele é administrado no sentido de acolher as possíveis diferenças com o objetivo de
acrescentar, de somar, e nunca de segregar e/ou excluir.
Mas não se deve esquecer que sempre há a necessidade de conjugar as metáforas para
melhor analisar a organização escolar, uma vez que ela pode simultaneamente incorporar
elementos de mais de uma metáfora. Porém, uma organização complexa como a escolar
pode (e deve) ser vista como cultura, isto é, um conjunto de sistemas de significado comum
(MORGAN, 1996, p.138), lembrando sempre que a realidade é construída socialmente e,
sendo assim, está em permanente (re)construção. Pensar sociologicamente a escola pode ser
um caminho para não perdermos essa perspectiva.
3 Procure nesse livro as características básicas de cada metáfora, para melhor compreender como
avaliar a escola onde você atua. De que tipo ela será?
Sociologia da Educação 55
6 A escola como instituição social
56 Sociologia da Educação
A escola como instituição social 6
do aluno, estimulando a formação de um espírito crítico e o aprendizado de habilidades
e competências que o levem ao pleno exercício da cidadania. Alunos e professores, vistos
como sujeitos socioculturais, ao desempenharem um papel ativo no cotidiano, acabam por
elucidar o que a escola é, com seus limites e possibilidades, num diálogo ou conflito cons-
tante com a sua organização.
A escola deve estar a serviço de seus alunos e da comunidade/sociedade na qual está
inserida, sem que isso signifique atender aos interesses de qualquer classe social em parti-
cular. O desenvolvimento do aluno como sujeito sociocultural e seu aprimoramento como
ser social são resultados da oportunidade de acesso ao conhecimento, às relações sociais e às
diversas experiências culturais.
Dicas de estudo
Filme:
• QUANDO sinto que já sei. Direção Antonio Sagrado; Raul Perez; Anderson Lima.
Brasil: Despertar Filmes, 2014. 78 min.
Nesse documentário são apresentadas propostas educaionais inovadoras realizadas no
Brasil. Traz depoimentos de alunos, professores e outras pessoas envolvidas nos proje-
tos, todos tendo como objetivo provilegiar a autonomia e a liberdade de escolha. Muito
interessante para se pensar a realidade da educação brasileira.
Leituras:
Os autores a seguir apresentam uma retrospectiva histórica da escola e discutem o seu
papel como instituição social. Além disso, analisam de forma crítica o papel da sociolo-
gia da educação e da escola na sociedade.
• DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?
Campinas: Autores Associados, 2003.
• HAECHT, Anne Van. Sociologia da educação: a escola posta à prova. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
Atividades
1. Explique por que a escola se tornou um importante objeto de estudo para a sociolo-
gia. Qual tem sido, ao longo do tempo, sua função social?
Sociologia da Educação 57
7
A escola e o controle social
Você já pensou como seria a sociedade se não existissem normas e regras baseadas
nos valores aceitos e já consagrados por ela e que devem ser seguidas por todos?
Percebeu que tipo de relação está por trás do que estamos discutindo?
Trata-se de uma relação de poder, na qual alguém que o exerce impõe aos outros
indivíduos o seu ponto de vista ou as suas regras. Mesmo quando se está falando em
sociedade, sempre há alguém que efetivamente desempenha o papel de controlar os
demais. É interessante observar que o controle social não tem um agente específico,
pelo contrário, pode acontecer de várias formas.
Sociologia da Educação 59
7 A escola e o controle social
Como agente primeiro de socialização, a família é um dos mais importantes órgãos dos
quais a sociedade dispõe para o controle social, transmitindo e regulando comportamentos
de todos os seus membros e tentando impedir que haja desvios e/ou inadequação. Tem tam-
bém a função de perpetuar padrões de comportamentos e valores já aceitos pela sociedade.
Além de suas outras funções, a família também assume esse papel de socializar, de
“preparar” o indivíduo para o convívio social, ensinando-o a como se comportar e cola-
borando com a sua reeducação, isto é, ajudando a “recuperar” aquele indivíduo que, por
alguma razão, não apresentou o comportamento social esperado.
A ação educativa, tanto da família quanto da escola, acontece a todo o momento, seja
no cotidiano, seja de forma programada. Esse é o caso, por exemplo, do currículo escolar, na
maioria das vezes pensado para atender a demanda de formar determinado tipo de aluno –
nem sempre com a preocupação de formar cidadãos – ou do regimento escolar, cuja função
é normatizar a vida na escola.
Deve-se reforçar a ideia de que o processo de socialização é o que transforma o ser
biológico em um ser social, em um indivíduo apto para a vida social. Esse processo só é pos-
sível, ou melhor, torna-se mais bem-sucedido, quando esse indivíduo conhece os modos de
pensar, sentir e agir que norteiam a organização social na qual está inserido. Ou seja, alguém
precisa ensinar o indivíduo a se comportar.
Com a transmissão de um modelo a ser seguido, pode-se ter uma padronização dos
comportamentos, pensamentos, sentimentos e nas atividades do grupo social. Isso significa
que os padrões foram reconhecidos e, a partir disso, podem ser aceitos e interiorizados.
Mas Souto (1985, p. 117) chama a atenção para o fato de que a padronização “apenas reduz
os limites das diferenças individuais. Ela não os elimina de modo total. É do interesse da
sociedade que essas dessemelhanças persistam até certo ponto: delas, muitas vocações nas-
cem, e as semelhanças e diferenças se completam, enriquecendo o todo social”. Não se pode
desconsiderar o papel da diversidade na sociedade.
Para se viver em sociedade, é preciso respeitar e obedecer a certas regras e normas e
a determinados padrões de comportamento que já são consagrados como sendo aqueles
adequados e aceitos como a maneira correta de conduta. Trata-se de saber o que é per-
mitido ou proibido fazer. Há também toda uma série de procedimentos que são “espe-
rados”, ou seja, são desejados pelo grupo social. Espera-se que o indivíduo, ao conhecer
esses padrões de comportamento, reproduza-os corretamente, preferencialmente sem
muitos questionamentos.
Segundo Lenhard (1985, p. 81), padrões sociais de comportamento são “regularidades
que a sociedade impõe, mediante uma coação que pode variar entre intensa e aberta, por um
lado, e suave e sutil, por outro”. Ainda de acordo com o autor, esses padrões “diferenciam-
-se, uns dos outros, segundo o grau de obrigatoriedade com que são impostos e segundo a
sua persistência”. Assim, o que se pode entender é que esses modelos de comportamentos,
que servem de base para o desenvolvimento do grupo social e para a avaliação do próprio
grupo, estão profundamente ligados à questão do poder.
60 Sociologia da Educação
A escola e o controle social 7
Para Pessoa (1997, p. 90),
os padrões de comportamento são elaborados de acordo com os interesses do
estrato social dominante e sujeito às mudanças derivadas das alterações na cor-
relação de forças da sociedade. Diante dessa realidade, é permitida uma certa
variedade de comportamento, que atenda à diferenciação entre as pessoas. [...]
Meios adotados pela sociedade objetivando a conformidade pelos seus membros
dos padrões socialmente aprovados.
Uma vez que exista a imposição de um padrão de comportamento, pode-se imaginar
que haverá alguém ou um determinado grupo que disponha de mecanismos para controlá-
-lo, estabelecendo-se uma relação de força de acordo com o desejo e/ou interesse de quem
exerce o poder. Afinal, na sociologia em geral, o controle social pode ser entendido como
um conjunto heterogêneo de recursos materiais e simbólicos disponíveis em uma socie-
dade para assegurar que os indivíduos se comportem de maneira previsível e de acordo
com regras e preceitos vigentes. Esse aspecto é importante para entendermos por que cer-
tos comportamentos considerados desviantes podem ser tão fortemente combatidos: eles
podem abalar a ordem estabelecida e até mesmo questionar a própria estrutura de poder.
O grau de obrigatoriedade dos padrões de comportamento pode ser definido por usos,
costumes, moral e lei. Pense numa escala crescente em termos do constrangimento ou da
força que é imposta ao indivíduo: vamos dos costumes às leis, sendo esta última a forma
que mais se aproximaria da obrigação. Todos são obrigados a respeitar certas leis; entretan-
to, entendemos que nem todas, caso sejam desrespeitadas, implicam danos morais sérios
para o grupo social.
Os costumes, chamados de mores pelos sociólogos, têm uma forte conotação moral e
estão ligados ao que a sociedade considera como sendo o aceitável. Finalmente, os usos são
aqueles padrões seguidos pelos membros de um grupo de uma forma quase “natural”, sem
que haja a necessidade de imposição social mais explícita. É o caso, por exemplo, de se res-
peitar os horários convencionados pelo grupo para se fazer as refeições. Os usos e costumes
mudam mais rapidamente e com mais facilidade do que as leis, as quais demandam muitas
discussões antes de serem alteradas.
A persistência ou a mudança de padrões de comportamento dependerá bastante da
importância que a sociedade dá para certos valores, podendo mudar com facilidade ou até
mesmo transformar-se num tipo de tradição.
Sociologia da Educação 61
7 A escola e o controle social
62 Sociologia da Educação
A escola e o controle social 7
palavras convencionais, a tradição, as multidões. São, ainda, meios de controle informal: a
cerimônia, a arte, a lisonja, a bisbilhotice, a zombaria, o louvor etc.” (p. 119-120). Em muitos
momentos, basta que alguém seja alvo de zombaria ou do afastamento de seu grupo social
para que reveja determinado comportamento que foi considerado inadequado e, portanto,
fora dos padrões esperados.
É importante lembrar que os comportamentos ditos adequados estão fortemente relacio-
nados ao que se entende por papel social, já que as normas e regras de conduta são estabe-
lecidas de acordo com as expectativas em torno da(s) função(ões) que o indivíduo tem na
sociedade. É o papel social que de certa maneira “amarra” os sistemas de conduta, dando-
-lhes legitimidade e garantindo a estabilidade social. Conforme o indivíduo não consiga se
adequar e/ou não aceite o(s) papel(éis) que lhe foi(foram) atribuído(s), pode reagir de forma
a desestabilizar o sistema social como um todo, provisória ou permanentemente.
Uma vez que a cultura é apreendida durante o processo de socialização, é nesse mo-
mento também que se pode aprender os papéis que deve desempenhar dentro da organi-
zação social. Cada indivíduo desempenha vários papéis sociais simultaneamente, cada um
deles implica um conjunto de regras e normas que lhe constituem. Assim, o exercício desses
papéis traz consigo uma série de obrigações. É o caso do homem que é, ao mesmo tempo,
filho, irmão, marido, pai, empresário, amigo, membro de um clube etc. Ao se tornar pai, por
exemplo, a sociedade espera dele um determinado tipo de comportamento: deverá prover,
cuidar, zelar, acarinhar e acompanhar a vida de seu filho em todos os momentos.
Entretanto, considerar qualquer comportamento que se desvie minimamente das normas
e regras socialmente aceitas não significa que estejamos necessariamente falando de um com-
portamento desviante. Mas, por outro lado, considerar o imobilismo, a não reação a algum
tipo de estímulo ou mesmo a apatia como um comportamento “adequado” é desconsiderar o
caráter dinâmico da sociedade, que na verdade está sempre sendo refeita e reconstruída.
Na tradição crítica, a escola teria exatamente a função de promover a mudança social,
mas tem a tarefa de tentar formar cidadãos conscientes de suas atribuições como seres so-
ciais. Só assim poderá, por seus pensamentos e comportamentos, atuar no sentido da trans-
formação social.
Entendendo comportamento como o conjunto de atitudes e reações que tem o indiví-
duo inserido em seu meio social, recupera-se a ideia – central na sociologia – de que as
relações humanas definem-se no próprio meio, baseadas em cada contexto. Isso quer dizer
que nem sempre é possível manter um nível de relacionamento baseado na harmonia, uma
vez que cada indivíduo estará sempre em busca de satisfação dos seus próprios interesses.
Por mais que ele entenda como fundamental manter um comportamento dentro do que se
espera, tendo em vista os papéis sociais que desempenha e a posição social que ocupa por
conta da valorização desses papéis, em algum momento pode começar a achar que deve ou
precisa mudar. E o primeiro sinal de mudança poderá ser visto no seu comportamento.
Outro aspecto relaciona-se com o fato de que é preciso que a sociedade possa contar
com um certo grau de conformidade dos comportamentos. Essa conformidade se realiza
Sociologia da Educação 63
7 A escola e o controle social
quando os comportamentos estão de acordo com valores, crenças e modos de pensar que a
própria sociedade estabeleceu como sendo os traços fundamentais da sua cultura.
Para observar o grau de conformidade do grupo, em termos comportamentais, a socie-
dade conta com diversos mecanismos de controle social, que podem levar à uniformidade
das condutas de seus membros ou impor sanções aos desvios. Como vimos, o controle social
pode ser positivo ou negativo. No primeiro caso, tem-se os estímulos aos comportamen-
tos “adequados”, ou melhor, aceitáveis, tais como as recompensas, os elogios e os prêmios.
No segundo caso, do controle negativo, tem-se os castigos, as sanções e até mesmo o isola-
mento do indivíduo que demonstre um comportamento desviante. O controle social pode
ser formal (artificial e organizado, quase sempre institucionalizado) ou informal (natural e
espontâneo). Pode ser, ainda, interno (que se originam da própria maneira de ser do indi-
víduo ao longo do processo de internalização dos valores aceitos pelo seu grupo social) ou
externo (que têm origem fora do indivíduo).
Mas, segundo Pozo (2002, p. 192),
a forma mais simples da aprendizagem social é, possivelmente, a aquisição de
habilidades sociais. Comportar-se em sociedade exige não só dominar certos có-
digos de intercâmbio e comunicação cultural, mas dispor de certas habilidades
para enfrentar situações sociais conflitantes ou não habituais. [...] Todos nós es-
tamos usando continuamente, sem ter consciência delas, habilidades sociais que
adquirimos, de modo implícito, como parte de nosso processo de socialização.
Esse conjunto de habilidades e a interiorização dos padrões comportamentais que re-
gem a sociedade é que possibilitarão ao indivíduo viver em sociedade e colaborar para a
manutenção da coesão dessa própria sociedade.
Mas, para que isso ocorra, é necessário que as normas sejam explicitadas e aceitas pelos
indivíduos; caso contrário, pode haver o risco de ocorrer desvios de comportamento apenas
porque algumas normas estavam implícitas, ou seja, não foram verbalizadas. Conforme Vila
Nova (1985, p. 54), “o poder de coerção das normas não depende, no entanto, da sua expli-
citação verbal. Se isso ocorresse, as normas registradas nos códigos legais seriam necessa-
riamente mais fortes do que as normas consuetudinárias, isto é, consagradas pelo costume”.
Assim, para que o controle social seja eficaz, é fundamental que os indivíduos acredi-
tem nas normas e regras estabelecidas, que as interiorizem sem pensar em recompensas,
elogios, compensações de qualquer tipo. Diante dessa ideia, pode-se entender por que, por
exemplo, tantos alunos se sentem injustiçados quando sofrem algum tipo de punição na es-
cola. Na maioria das vezes, eles nem ao menos conhecem o regimento escolar e, mesmo que
em alguns casos até o conheçam, não participaram de sua elaboração e devem apenas aceitar
suas regras, preferencialmente sem muita discussão. Aí surgem os problemas.
64 Sociologia da Educação
A escola e o controle social 7
Dicas de estudo
Leitura e filme:
• ORWELL, George. 1984. São Paulo: Cia das Letras, 2009 [1949].
• 1984. Direção: Michael Radford. Produção: Simon Perrey. Roteiro: Jonathan Gens;
Michael Radford. Inglaterra: Umbrella Filmes, 1984. 113 min.
Tente captar nessa história algumas das ideias trabalhadas neste capítulo, especialmen-
te o conceito de controle social. Leia a sinopse do filme e bom trabalho!
Depois da guerra atômica, o mundo foi dividido em três estados e Londres é a ca-
pital da Oceania, dominada por um partido que governa de forma totalitária e que
tem total controle sobre todos os cidadãos, sob a liderança do chamado “Grande
Irmão”, uma “entidade” que, através de telões, controla a privacidade de todos
os cidadãos do país. Winston Smith é um humilde funcionário do partido que se
apaixona por Julia, numa sociedade totalitária onde as emoções são consideradas
ilegais. Eles tentam escapar dos olhos e dos ouvidos do “Big Brother”, sabendo das
dificuldades que teriam que enfrentar. Winston e Julia desafiam, com seu amor,
o próprio sistema, que prega o ódio como maneira de subjugar seus oponentes.
Prazeres simples (porém ilegais), tais como provar geleia com pão e beber café
“de verdade”, passam a fazer parte da rotina do casal, que redescobre o valor da
fidelidade e do calor humano.
Disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_20784_1984-Nineteen.Eighty.Four.html>.
Acesso em: nov. 2017. Adaptado.
Atividades
1. Como se pode definir o controle social? Diferencie crime de marginalidade, dando um
exemplo de cada um desses fenômenos na realidade brasileira.
Sociologia da Educação 65
8
A escola e o desvio social
Sociologia da Educação 67
8 A escola e o desvio social
De acordo com a teoria sociológica, alguns fatores facilitam o desvio social, a começar
por uma falha no próprio processo de socialização, a existência de sanções fracas, a não
compreensão total das normas por parte dos atores sociais, a execução injusta ou corrupta
da lei, entre outros. O que devemos entender é que nem sempre o fato de haver um conjunto
de punições e sanções (físicas, econômicas, religiosas ou sociais) é suficiente para garantir
que não haja desvios de comportamento na sociedade.
O mais interessante seria que os códigos de postura previamente estabelecidos bastas-
sem para regular a vida em sociedade. Em vez de instituir recompensas e/ou prêmios para
os casos de conformidade, esses códigos deveriam servir de motivação para os indivíduos.
Mas não é o que se observa em alguns momentos. Por quê? Porque, muitas vezes, o objetivo
daquele que apresenta um comportamento desviante é exatamente romper com a ordem
preestabelecida, fazendo com que os códigos de conduta deixem de ser mecanismos que
perpetuam a socialização. Esse rompimento pode estar relacionado ao desejo de mudança
ou até de transformação da sociedade em que ele vive. O indivíduo pode não concordar
mais com determinadas normas e regras que deixaram de ser significativas para ele, como
sujeito da ação social, e, com isso, apresentar um comportamento desviante.
Apesar de ao longo da história a “ideia” de desvio social sempre existir, somente na
década de 1950 surgiu o conceito de desvio nas Ciências Sociais, em lugar de noções como
desorganização ou patologia social.
Esse conceito vai além da ideia de delinquência ou criminalidade, uma vez que, quando
se fala em desvio, fala-se também em sanções, que não se referem necessariamente a sanções
penais ou legais. Uma simples reprovação por meio de um olhar (como aquele que o pai dá
para o filho quando quer repreendê-lo por um determinado comportamento) pode ser vista
como uma sanção social.
Mas, para que se configure um desvio, é preciso que o indivíduo apresente um compor-
tamento que infrinja alguma norma ou regra aceita pelo seu grupo social.
As teorias sociológicas do desvio podem ser agrupadas em três correntes principais:
da regulação social, da contradição social e as culturais. A mais tradicional considera a oposição
entre os desejos ou as pulsões individuais e as regras impostas pela sociedade à qual o indi-
víduo pertence e que lhe impõe determinado padrão de comportamento. Quando a socieda-
de falha ao tentar conter esses impulsos e de certa forma regular as “paixões” humanas, os
laços do indivíduo com a sociedade são rompidos e tem-se o desvio.
De acordo com as teorias da contradição social, a motivação para o desvio é um produto
social; não se aceita a ideia de que essa motivação estaria inscrita na natureza humana.
Finalmente, para as teorias culturais, o desvio seria produto da aprendizagem cultural
e, em razão desse processo, possibilita o conflito entre o que o indivíduo interioriza como
sendo as normas de seu grupo e as normas legais dominantes da sociedade.
O importante é saber que a sociologia, tendo por base um debate em relação à moral
hegemônica, questionou os valores que orientavam a classificação de certos comportamen-
tos como anormais. Essa trajetória conceitual deu origem a outra forma de análise, privile-
giando a discussão em torno das diferenças, da concepção acerca do “outro”, do diferente
68 Sociologia da Educação
A escola e o desvio social 8
em determinada sociedade. Assim, a partir da segunda metade do século XX, o desvio dá
lugar às diferenças como categoria de análise, questionando os critérios de classificação de
desvio social.
A esta altura, você deve estar se perguntando: o que seria um comportamento desvian-
te? A ideia do que é um comportamento desviante deve ser relativizada, isto é, analisada
pelo viés dos valores da própria sociedade que estabeleceu o padrão a ser seguido, e não
com base em valores e conceitos de fora, de outra sociedade. O que é considerado desvio
para um grupo social pode não o ser para outro. E mais: só é considerado um desvio en-
quanto não for majoritariamente aceito pela sociedade. Quando essa aceitação ocorre, deixa
de ser um comportamento desviante.
Esse exercício de se colocar no lugar do “outro”, relativizar, questionar, nem sempre é
fácil e, muitas vezes, é esquecido. Relativizar significa, em linhas gerais, colocar-se no lugar do
outro, procurar compreender alguma coisa sob o ponto de vista daquela pessoa ou daquela
sociedade. Isso nem sempre é fácil, especialmente quando dessa atitude depende a solução de
um conflito. Por conta disso, nem sempre o que num determinado momento é visto como um
desvio, se analisado mais detidamente pode ser visto como tal. Portanto, além de relativizar,
é preciso analisar se determinado comportamento realmente pode ser visto como desviante,
ou seja, se ele realmente pode ser encarado como uma transgressão das normas em vigor num
dado sistema social.
A simples existência desse conjunto, explícito ou implícito, de normas de conduta nem
sempre agrada a todos os indivíduos que compõem o grupo ou a sociedade. Quem não
aceita a imposição da norma, e, em razão disso, adota um comportamento de transgressão,
passa a ser marginalizado, visto como um desviante, alguém que depois de certo tempo
pode ficar estigmatizado como quem não se comporta da maneira esperada.
É preciso lembrar, no entanto, que pode se tratar apenas de um indivíduo que está
tentando mudar para transformar a sociedade em que vive. O que pode variar bastante é a
maneira como esse suposto marginal é visto pela sociedade, isto é, o quanto seu comporta-
mento se distancia do de outras pessoas, supostamente bem ajustadas às normas e regras
sociais. Em alguns casos, basta apenas orientar o suposto infrator para que ele deixe de
apresentar o comportamento indesejado.
O papel da educação com relação aos comportamentos desviantes muitas vezes é exa-
tamente exercer a reeducação, ou melhor, realizar uma ação corretiva. Cumpre bem seu
papel quando consegue transmitir às gerações mais novas a noção do que é e do que não é
socialmente aceitável. Daí se pode retomar a ideia da escola como sendo uma instituição de
controle social.
Quando se fala no papel do professor e das imagens que a sociedade faz dele e que ele
tem de si, não se pode confiar que mudanças constantes não sejam necessárias. Muitas ve-
zes, a própria sociedade espera que ele promova essas mudanças, começando pela tentativa
Sociologia da Educação 69
8 A escola e o desvio social
de tentar adequar as condutas de seus alunos ao meio em que vivem. Mas, para isso, é pre-
ciso duvidar sempre, não permitir que certos valores, opiniões e práticas se cristalizem no
dia a dia da sala de aula.
É importante aprender a observar o familiar por meio do estranhamento deste. Ao in-
corporar os usos ou costumes na sua prática pedagógica sem refletir sobre a função destes,
o professor está apenas reproduzindo uma ordem social que nem sempre é a melhor para
toda a sociedade. Com essa atitude, pode estar apenas atendendo aos interesses de um de-
terminado grupo, reproduzindo a desigualdade, a exclusão e a injustiça social.
Até a imagem do bom professor é construída com base no tipo heroico, dotado de uma
personalidade especial, que luta contra a instituição escolar para desempenhar seu papel den-
tro do mais alto nível de comprometimento estético-ético-político de transformação social.
As diferentes imagens e representações sociais que o cinema, por exemplo, apresenta do
bom(a) professor(a) (visto como a base de “uma boa escola”) tentam dar conta da imagem ideal
que se faz dele, que estaria apenas trabalhando para tornar mais fácil, para seus estudantes, a
transição entre a escola e o mundo, não estando ele envolvido em transformações que possam
recriar radicalmente as escolas e outras instituições sociais como agências responsáveis pelo
desenvolvimento da justiça. Falta um engajamento, no sentido de transformar o sistema e
não apenas questioná-lo, começando por discutir os padrões de comportamento que esse
sistema impõe ao grupo. Isso é importante porque se os indivíduos, no caso os alunos, não
considerarem que o padrão de comportamento imposto é justo, farão de tudo para contestá-lo
ou até mesmo mudá-lo.
70 Sociologia da Educação
A escola e o desvio social 8
Então, não se pode ignorar que ao ter que lidar com um comportamento desviante, a
sociedade de certa maneira está assumindo que falhou. Em algum momento, ao longo do
processo de socialização ou de controle social, implementados por qualquer que seja o agen-
te (família, escola, Igreja, Estado etc.), houve uma falha em transmitir aos seus membros as
diretrizes para o convívio social. Especialmente a família perdeu muito da sua capacidade
de influenciar seus membros, no que se refere a adotar um determinado tipo de compor-
tamento. Como já afirmamos, o que estabelece o limite do aceitável é a própria cultura do
grupo e os valores que a orientam. É por isso que se torna imprescindível que os componen-
tes do grupo, os membros da sociedade, conheçam esses valores, caso contrário, poderão
apresentar um comportamento que será considerado desviante, sem entender muito bem
por qual motivo isso aconteceu.
Ainda em relação à conformidade, deve-se observar também que, em alguns casos,
ela pode estar relacionada com o fato de um grupo não aceitar um padrão normativo da
sociedade mais ampla como sendo seu, o que acarreta comportamentos que podem ser
vistos como desviantes. E isso não significa que não sejam capazes de seguir a ordem vi-
gente ou que não consigam participar da vida em sociedade, mas que simplesmente estão
questionando a ordem estabelecida. O comportamento desviante passa, portanto, a ser
quase uma estratégia de ação social.
Na vida escolar, recorre-se ao regimento da escola para deixar claro aos alunos, desde
o primeiro dia, qual é o padrão de comportamento esperado, sob pena de vir a sofrer com
as consequências de uma eventual conduta inadequada. Nem sempre eles concordam com
todas as normar e regras que estão ali prescritas, mas no momento em que efetivam a ma-
trícula naquela instituição escolar, fica subentendido que as aceitaram. Mas isso não signi-
fica que não questionará ou até mesmo não infringirá aquelas com as quais não concorda,
muitas vezes, com o objetivo de instigar a comunidade a discutir e analisar melhor aquilo
que está determinado como sendo o correto, como o melhor para todos. Agir em conformi-
dade é o resultado da aceitação e pode ser causada por interação, isolamento, hierarquia,
controle social, ideologia ou certos direitos adquiridos pelo indivíduo.
Mas isso não pode ser confundido com conformismo, que é a atitude de quem se con-
forma com todas as situações sociais, incluídas as normas e regras impostas, sem necessa-
riamente pensar sobre elas. O fato de aceitar, sem maiores questionamentos, os padrões de
comportamentos impostos, pode ser um sinal de alienação. Segundo Chauí (1984, p. 41),
a alienação social é o desconhecimento das condições histórico-sociais concre-
tas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de ou-
tras condições históricas anteriores e determinadas. Há uma dupla alienação:
por um lado, os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida
social com suas instituições, mas, por outro lado e ao mesmo tempo, julgam-se
indivíduos plenamente livres, capazes de mudar suas vidas individuais como
e quando quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas.
No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade; no segundo caso,
ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações.
Sociologia da Educação 71
8 A escola e o desvio social
Assim, quando o indivíduo está de alguma forma questionando o que lhe é imposto,
inclusive as normas e regras impostas por seu grupo e que orientam a vida social, ele pode
estar querendo apenas exercer seu direito de fazer sua própria história e não ceder ao con-
formismo, quando não acredita naquilo que lhe foi apresentado como sendo “o certo”.
A alienação pode levar ao imobilismo, que diz respeito ao fato de o indivíduo preferir o
que está estabelecido. Temos exemplos claros de imobilismo nos governos e na vida pública
de modo geral. Certos problemas sociais que incomodam e/ou prejudicam a população, por
mais que causem transtornos, nem sempre levam as pessoas a agirem para que sejam efeti-
vamente resolvidos. Isso é um caso típico de imobilismo.
A contrapartida do imobilismo é a resistência, ou seja, a postura de quem resolve não só
questionar, mas também se posicionar claramente contra ou a favor de algo. As revoluções
e os movimentos sociais são exemplos de resistência, de um momento em que os compor-
tamentos mudam em razão de uma mudança nos valores que norteavam a sociedade e que
passam a não atender mais à socialização.
Mesmo os casos de desvio sendo fenômenos universais, eles podem variar de uma so-
ciedade para outra, em forma e conteúdo. Independentemente do grau de avanço de cada
sociedade, sejam elas mais primitivas ou mais complexas, sempre existirão os comporta-
mentos desviantes e os mecanismos adequados (ainda que, em certos casos, adequados não
seja necessariamente sinônimo de eficazes) para controlar esses desvios.
É preciso tomar cuidado e não olhar para os comportamentos desviantes como se todos
eles fossem ruins para a sociedade, sempre negativos. Isso porque eles podem ser o prenún-
cio de alguma coisa nova e que se mostrará melhor para o grupo. Conforme Giddens (2002,
p. 214-215),
seria um erro olhar para o desvio segundo uma perspectiva totalmente negativa.
Qualquer sociedade que reconheça que os seres humanos têm valores e preo-
cupações diversas deve encontrar espaço para os indivíduos ou grupos cujas
atividades não estão em conformidade com as regras seguidas pela maioria.
As pessoas que desenvolvem ideias novas nos campos da política, da ciência, da
arte ou outras áreas, são muitas vezes olhadas com suspeição ou hostilidade por
aqueles que seguem as normas ortodoxas. Por exemplo, os ideais políticos de-
senvolvidos durante a revolução americana – liberdade individual e igualdade
de oportunidades – depararam-se, na altura, com a resistência feroz de muitos,
embora hoje sejam universalmente aceitos.
O desvio às normas dominantes de uma sociedade implica coragem e determi-
nação, mas é frequentemente um processo crucial para garantir as mudanças que
são mais tarde consideradas como sendo de interesse geral.
Pode-se citar como exemplo o indivíduo que se recusa a aceitar e seguir o regimento de
um clube que não aceita mulheres em seu quadro de sócios e propõe-se muitas vezes a infrin-
gir essa regra, para que ela seja colocada em discussão e possa talvez ser revista, na medida
em que a causa ganhe mais adeptos. Dessa forma, aquilo que inicialmente foi visto como um
desvio de comportamento se transforma em prática política e exercício de cidadania.
72 Sociologia da Educação
A escola e o desvio social 8
Outra questão que diz respeito ao desvio é pensar quem irá ditar as normas e regras
que irão orientar a vida de determinado grupo social. Essa é certamente uma relação de
poder, uma vez que não basta determinar que seja aceitável, correto ou desejável em termos
de comportamento social; é preciso também conseguir fazer com que os indivíduos sigam
esse padrão estabelecido e, de preferência, que façam isso sem maiores questionamentos.
É possível que esse poder esteja relacionado com diferenças de idade, sexo, etnia, condição
econômica, posicionamento político, entre outras que, na maioria das sociedades, determina
também a posição que o individuo ocupará na organização social.
Trazendo a discussão para a educação, é possível perceber que essa relação de poder
reflete-se concretamente na escola. Por exemplo, determinada reação indesejada dos alunos
pode estar relacionada a uma estrutura, a qual, muitas vezes, engessa a criatividade destes,
estabelecendo um regime de força por meio de uma disciplina rígida ou da falta de flexibi-
lidade para tratar de questões que são postas em discussão, inclusive na imposição de um
currículo descolado da sua realidade, entre outros fatores.
Com o enfraquecimento da família como agente primário de socialização, foi inevitável
que o controle social também passasse a ser exercido por outros agentes, entre eles a escola.
Abre-se espaço para que surjam novas necessidades sociais, novos valores, novas normas,
novas ideologias e novos padrões (de comportamento, de consumo etc.). O indivíduo pode
se sentir ainda mais pressionado a se comportar dessa ou daquela maneira, diante de tan-
tos papéis que desempenha e tantas obrigações que passa a ter, o que pode gerar tensões e
desequilíbrio social.
É nesse cenário que se encontra a questão da violência e da criminalidade, que afeta
especialmente os jovens. Por meio de diversos estudos, estabeleceu-se a relação entre baixo
desempenho escolar e comportamentos desviantes. Muitos jovens estão se tornando seres
antissociais que desafiam a escola e a sociedade como um todo. Mas não há dúvidas tam-
bém em relação às mudanças que acontecem na vida desses jovens quando são acolhidos
pela escola e suas necessidades imediatas (e não estamos falando apenas de comida) são
atendidas. Mesmo quando a realidade não muda por completo, muitas vezes, basta que eles
percebam que estão sendo “vistos” e ouvidos, para que seus comportamentos desviantes
tendam a desaparecer, dando lugar a atitudes produtivas e transformadoras. A escola preci-
sa desenvolver habilidades diversas em seus alunos, para que esses tenham mais condições
de socializar-se no grupo e na sociedade.
Dicas de estudo
Filmes:
• ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Roteiro: Richard
LaGravenese. Produção: Danny DeVito; Michael Shamberg; Stacey Swaunk. EUA:
Paramount Pictures, 2007. 124 min.
Propomos aqui uma reflexão sobre a questão do desvio social sob duas vertentes, apre-
sentadas em dois filmes distintos. A primeira diz respeito à imagem ideal do professor
que é apresentada no cinema. Esse professor seria aquele que conseguiria de alguma
Sociologia da Educação 73
8 A escola e o desvio social
Leituras:
• BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
• CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni (Org.). Juventude e políticas so-
ciais no Brasil. n. 1335. Brasília: Ipea, 2008.
• VELHO, Gilberto. Desvio e divergência. 8. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Atividade
1. Vimos, ao longo deste capítulo, que os indivíduos podem ou não seguir as normas e
que isso se deve a diferentes fatores. Muitas vezes, fazem isso por não perceber o quan-
to estão sendo coagidos a agir de determinada forma. Em outros casos, questionam
as normas sociais e, por conta disso, podem não seguir algumas delas, ou até mesmo
transformá-las. Em todos esses casos, temos posicionamentos bem claros desses indi-
víduos. Tendo em vista esse contexto, como você diferencia conformidade, conformismo
e resistência? Dê um exemplo de cada uma dessas situações.
74 Sociologia da Educação
9
A mudança social
Talvez uma das capacidades mais fantásticas do ser humano seja a sua possibilidade
de mudar o próprio mundo segundo suas necessidades e/ou interesses. A mudança social
é aquela que resulta da ação humana, do homem em interação na sociedade, e que produz
modificações ou transformações nas estruturas sociais, nas relações entre os indivíduos
e, em última instância, na mentalidade que orienta essa sociedade. Reforça o dinamismo
do contexto social e garante que a cultura não seja algo dado como pronto. Aliás, uma das
mais importantes características da cultura é o fato de que ela é construída e reconstruída
ao longo do tempo.
Sociologia da Educação 75
9 A mudança social
76 Sociologia da Educação
A mudança social 9
Por suas características, as estruturas sociais podem ser fundamentais para aumentar
a possibilidade de ocorrência de mudanças sociais. Entre as várias fontes de mudanças, as
desigualdades sociais são consideradas muito importantes, porque tendem a desencadear
descontentamento, frustração e revolta, o que acaba por mobilizar os indivíduos e/ou gru-
pos para alterar a realidade.
Quando a sociedade é marcada também por conflitos étnicos e culturais mais intensos,
gerando preconceito, intolerância e até mesmo exclusão, a possibilidade de desencadear
um processo de mudança social é mais concreta. Minorias (que normalmente são a maioria
absoluta da população) tendem a buscar mudanças que possam lhes garantir o pleno exercí-
cio da cidadania. Essas mudanças acontecem de forma lenta e, muitas vezes, marcadas por
confrontos violentos, que tendem a transformar as estruturas sociais. É por essa razão que se
diz na sociologia que mudança e controle social andam quase sempre juntos, com o objetivo
de tentar manter o equilíbrio social.
Assim, a mudança social está ligada a transformações na forma de organização e fun-
cionamento de uma sociedade e pode ser facilmente observável ao longo do tempo. Percebe-
se que as mudanças acontecem quando um indivíduo ou um grupo se torna sujeito da sua
própria trajetória por meio de sua ação social. Em muitos casos, há a presença de uma perso-
nalidade que, por sua maneira de ser, seu espírito de liderança, acaba se colocando à frente
na condução do processo de mudança, mobilizando o restante do grupo ou segmentos da
sociedade. Mas isso só acontece porque, de alguma forma, há, previamente, condições ne-
cessárias para que a mudança ocorra; especialmente as situações de desigualdade e opres-
são são fatores determinantes para o sucesso dessa liderança.
Além disso, deve-se considerar a ideologia que está por trás de determinada transfor-
mação da sociedade, visto que, para a sociologia, é um fator importante para a análise dos
processos de mudança social. De acordo com Vila Nova (1985, p. 111), “os fatores ideológi-
cos podem, entretanto, ser encontrados entre as causas rigorosamente sociais de mudança
da sociedade.”
As mudanças sociais têm algumas características que poderiam ser resumidas assim:
• são permanentes;
• são sempre coletivas, uma vez que de alguma maneira afetam todo o grupo social;
• alteram a estrutura social;
• podem mudar a história do grupo ou de toda a humanidade e reforçam o papel de
sujeito da história do homem, já que ele é quem promove as transformações sociais; e
• podem ser localizadas e mapeadas no tempo.
Pela mudança alteram-se as relações sociais de forma mais ou menos intensa. Mas sem-
pre surge um quadro novo, depois que em algum momento se questionou o que estava
estabelecido, na busca de outra organização social.
Sociologia da Educação 77
9 A mudança social
78 Sociologia da Educação
A mudança social 9
a atitude reformista ou progressista é a que vê com agrado a mudança moderada.
É o desejo de mudança gradativa dos modos de vida existentes e das instituições.
A atitude revolucionária é a que defende transformações profundas, até com o
emprego de métodos violentos, no sentido de mudar o status quo. (2003b, p. 90)
Os mais conservadores quase sempre desejam apenas reformas, enquanto aqueles que
desejam o avanço da sociedade buscam promover a mudança social ou até mesmo a revolu-
ção (que é mais profunda).
Ainda segundo Oliveira (2003b, p. 90), “mudanças gradativas não destroem as institui-
ções sociais existentes. Geralmente, visam apenas melhorá-las. Já as mudanças profundas e
violentas alteram todo o sistema de relações sociais”.
Entre as tantas transformações sociais que podem ser apontadas como geradoras de mu-
dança social, tem-se, por exemplo, o novo ritmo de trabalho da sociedade industrial e a maior
inserção da mulher no mercado de trabalho. Essas são mudanças que efetivamente alteram o
perfil da sociedade. As inovações tecnológicas também são importantes, porque sempre tra-
zem outras formas de ver o mundo e novas formas de relações sociais, podendo inclusive pro-
porcionar uma nova mentalidade, que se traduzirá em novas maneiras de organização social.
Mas não se pode esquecer que mudanças de mentalidade não só são mais difíceis de
acontecer, como também demoram mais a aparecer. A dificuldade se deve ao fato de que,
dependendo do impacto que porventura possam gerar, acabarão por encontrar resistência.
Muitas vezes, não interessa para alguns indivíduos e/ou grupos que a sociedade mude.
Os fatores que podem derterminar mudança são geográficos, biológicos, demográficos,
climáticos, sociais e culturais. Ao se analisar a mudança social, deve-se considerar o que
muda, qual a fonte geradora da mudança, o seu ritmo, como ela aconteceu, em que condi-
ções, quais foram os agentes da mudança, em qual direção ela ocorreu, além de verificar se
ela pode ou não ser controlada.
Desse modo, quando se fala em mudança social, não se deve pensar apenas nos fatores
de transformação como algo sempre tranquilo ou harmônico. O conflito, como já afirmamos,
também tem um aspecto transformador, promotor de mudanças sociais. E algumas vezes
ele serve para prevenir outro conflito, que poderia ser ainda maior e causar mudanças inde-
sejadas na sociedade.
A história da humanidade está repleta de exemplos de momentos em que toda a ordem
social foi modificada, por meio de eventos marcados por grande tensão e confronto, como
foi o caso, por exemplo, da Revolução Francesa, que mudou o rumo da vida em sociedade.
Assim, deve-se sempre tentar perceber o potencial transformador de uma situação de con-
flito, ao invés de entendê-lo simplesmente como um momento de desestabilização social.
Afinal, desestabilizar pode ser o primeiro passo para a mudança.
Um dos traços das sociedades modernas é sua capacidade de mudar e de aceitar com
mais facilidade as mudanças, algo que era difícil nas formas de organização mais antigas
ou “primitivas”1, mais resistentes às mudanças ou a qualquer coisa que pudesse alterar o
equilíbrio social. Nem todos gostam do novo ou do desconhecido.
1 Cuidado com o uso dessa expressão, para que não dê uma ideia de superioridade de uma sociedade
ou de uma cultura sobre a outra, uma vez que não há como comparar coisas que são apenas diferentes.
Sociologia da Educação 79
9 A mudança social
Por intermédio da mudança social e de sua ação recíproca sobre a educação, há pessoas
mais capacitadas para a crítica social e para a promoção de mudanças. Mas deve-se lembrar
sempre da ideia de que a educação tende a ser considerada como um elemento conservador
da sociedade. Segundo Oliveira (2003b, p. 90), “uma análise mais detalhada da correlação
entre estrutura social e educação levaria, inclusive, a registrar a posição de retaguarda da
escola em relação aos ideais e aos modos de vida da estrutura social a que serve”.
Como abordamos anteriormente, a educação não pode ser analisada descolada do con-
texto social no qual se insere, porque é resultado dele, isto é, espelha essa realidade. No con-
texto do capitalismo industrial, para alguns teóricos da sociologia, a educação teria, então, a
função de reproduzir a estrutura da sociedade de classes e a cultura das classes dominantes,
que tende a ser a hegemônica. Ainda de acordo com Oliveira (2003b, p. 91), deve-se enten-
der que “o papel reprodutor da educação reside fundamentalmente em legitimar a escala
de desigualdades com um argumento ‘natural’: a capacidade medida por meio do êxito
escolar. Desse modo, o sistema educativo reproduz as desigualdades existentes”. Portanto,
o autor considera que a educação será sempre um canal de reprodução da vida social, sem
condições de manter-se neutra diante da sociedade na qual se insere.
A sociologia da educação, desde a sua institucionalização, procurou deixar claro que a
educação jamais poderia ser bem analisada se fosse vista como se estivesse acima ou fora
do restante do contexto social. Há uma interdependência entre os setores da sociedade, e
é assim que cada um deles precisa ser visto para se compreender os fenômenos sociais de
maneira mais completa. E, lembrando mais uma vez do caráter dinâmico da sociedade, con-
clui-se que qualquer mudança nas outras estruturas sociais irá gerar mudanças na educação.
Assim, é importante observar que o processo educativo por si só não é capaz de pro-
mover a mudança social, mesmo que esse seja o objetivo do professor. Isso porque são de-
senvolvidas várias formas de controle social que atuam sobre a escola, no sentido de não
permitir que ocorram mudanças indesejáveis. Como acontece com qualquer outra institui-
ção social, a escola também está submetida a um conjunto de valores, normas e regras, que
tem como objetivo a manutenção da “ordem”. Isso pode levar à perda do dinamismo e da
capacidade de inovar que a escola eventualmente poderia ter.
Querer formar cidadãos mais críticos demanda uma prática pedagógica coerente com o
propósito de possibilitar que a escola se constitua em um espaço de criatividade, de produ-
ção de um conhecimento que venha a ser emancipador e forme indivíduos com consciência
crítica. O papel do professor é fundamental nesse processo, uma vez que ele também deve
ter a consciência de que é um sujeito social. E, ao favorecer o desenvolvimento da consciên-
cia crítica nos educandos, a escola pode contribuir para formar sujeitos capazes de transfor-
mar a sociedade em que vivem.
A escola, como outras instituições sociais, é um reflexo da sociedade na qual está inse-
rida; portanto, sempre que ocorre uma mudança social, ela também se modifica, de manei-
ra mais ou menos lenta. É possível que as mudanças possam acontecer também por meio
80 Sociologia da Educação
A mudança social 9
do processo educativo, ao se procurar dar subsídios para que os educandos possam lutar
por sua cidadania, opondo-se então a uma eventual tendência conservadora da sociedade.
A escola pode deixar de ser um agente conservador, de consolidação do status quo, e trans-
formar-se numa instituição voltada para a transformação.
Roberto Ferreira (1993, p. 220) afirma que
se a educação atua como agente promotor de mudança, essa atuação se dará
devido à força das ideias e das atitudes que ela difunde (e que) o potencial
transformador da educação está no sucesso que tem em fazer com que sejam
aceitas socialmente ideias e práticas que contribuem para desencadear ou ace-
lerar o processo de mudança em algumas esferas da vida social. A educação,
num sentido mais amplo, e a escola, num sentido mais restrito, têm grande
poder de difundir novas visões, valores e atitudes que podem alterar radical-
mente as instituições sociais [...] ela tem condições de fazer com que as causas
necessárias à mudança – conflito, ideias, inovações tecnológicas etc. – se tor-
nem socialmente efetivas.
Trata-se do potencial transformador da educação, que pode ser concretizado inicial-
mente com a adequação do currículo à realidade de alunos e escola.
Talvez por meio da valorização do currículo (vinculado à prática) e da busca do auto-
conhecimento e autoestima do jovem, poderia-se conseguir o fim da indisciplina, do tédio
e chegar a uma sociedade que, por ter priorizado a educação, é menos consumista, mais
voltada para o outro, mais interessada em cultura, mais solidária e, finalmente, libertária.
Considerar que o desenvolvimento socioeconômico também é fator decisivo para a promo-
ção de mudanças sociais constitui-se em outro aspecto fundamental para a consolidação da
educação como agente de mudança.
A prática pedagógica, quando conectada com os interesses dos alunos e com a realidade
que os cerca, aumenta a possibilidade de envolvimento desses estudantes com os problemas
que caracterizam sua sociedade. A conscientização progressiva sobre a realidade pode mo-
bilizar o indivíduo, ajudando-o a perceber que nem toda mudança que signifique progresso
se traduz em mudança real das relações sociais ou na maneira como a sociedade está estru-
turada, assim como nem todo desenvolvimento econômico se traduz em desenvolvimento
social. Pérsio de Oliveira (2003b, p. 93) traduz muito bem essa percepção ao afirmar que
na verdade, para promover educação para uma sociedade em mudança, como
instrumento de modernização, é necessária a prévia tomada de uma clara deci-
são: educa-se para a mudança, como parte e fator dela. Educa-se não só para que
os indivíduos desempenhem melhor os mesmos e antigos papéis, mas, sobre-
tudo, para que desempenhem novos papéis em uma sociedade que se renova,
tornando-se eles mesmos fatores conscientes da renovação social. Em suma, edu-
cação para uma sociedade em processo de mudança social exige a mudança da
estrutura social, para atender às novas e crescentes exigências de homens cada
vez mais educados.
O atendimento individual é fundamental nesse processo de conhecer melhor o aluno,
uma vez que a proposta maior deve ser a de formar cidadãos conscientes de si e do mundo
Sociologia da Educação 81
9 A mudança social
que os cerca. Dessa forma, poderíamos falar em uma mudança social voltada para o bem
da coletividade, e não só como algo perturbador, que ameaça, desestabiliza e não aponta
caminhos novos a serem seguidos.
Mudança social diferencia-se de processo social, porque a mudança diz respeito à evolu-
ção social, enquanto o processo é um conjunto de fatos, acontecimentos e ações que constituem
a própria mudança. Nesse sentido, falar em mudança social que leve a um mundo melhor im-
plica, necessariamente, começar a questionar os padrões de comportamento e os valores que
os sustentam. Caso contrário, não se está falando de mudança, mas apenas de evolução social.
A mudança social, quando vista como uma transformação definida e contínua, pode sig-
nificar crescimento, desenvolvimento, ajuste, avanço e/ou adaptação, podendo também ser
simples acumulação, retrocesso e até mesmo regressão, decadência, ruína ou degeneração2.
Várias mudanças operadas na sociedade atual trazem transformações, geram impasses
e apresentam desafios que se expressam também nas práticas pedagógicas e na convivência
no interior da escola. O processo pedagógico, em seus múltiplos aspectos, é gestado nesse
contexto e, muitas vezes, tem se mostrado impotente para enfrentar alguns dos problemas
decorrentes da sociedade contemporânea.
Dicas de estudo
Filme:
• NÓS que aqui estamos por vós esperamos. Direção e produção: Marcelo Masagão.
Brasil: Um Minuto, 1999. 73 min.
Este filme faz uma retrospectiva dos principais fatos que marcaram o século XX e que
de alguma maneira mudaram o mundo.
Leituras:
• BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2. ed. São Paulo: Fundamento, 2008.
• ______. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento, 2008.
Essas duas obras de Blainey retratam os principais fatos históricos e as mudanças so-
ciais e culturais que surgiram ao longo da história do mundo.
• DOMINGUES, José Maurício. Do Ocidente à Modernidade: intelectuais e mudan-
ça social. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003.
Nesta obra, são apresentados diversos artigos que discutem o Brasil à luz das teorias sociais.
• HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções: 1789-1848. 23. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
Hobsbawm aborda neste livro as revoluções Francesa e Industrial, mostrando como am-
bas causaram importantes modificações na sociedade europeia, do fim do século XVIII a
meados do XIX, e discute sua repercussão pelo mundo.
2 Ver mais sobre o assunto em: LAKATOS, E. M. Sociologia geral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
82 Sociologia da Educação
A mudança social 9
Atividades
1. Defina o que vem a ser a mudança social e aponte o papel da sociologia nesse processo.
2. Aponte alguns fatores que podem levar à mudança social e explique como ocorrem
esses processos.
Sociologia da Educação 83
10
A estratificação social
Sociologia da Educação 85
10 A estratificação social
86 Sociologia da Educação
A estratificação social 10
Esses ideais orientam também o modo de vida contemporâneo, e vários fatores contri-
buem para dinamizar esse processo, tornando-o algo concreto para os indivíduos. A existên-
cia do processo eleitoral baseado no voto universal, por exemplo, é uma das formas de fazer
valer na prática o ideal de igualdade.
Nas modernas sociedades, os meios de comunicação de massa são instrumentos, por
meio dos quais as questões da igualdade e da fraternidade são apresentadas e discutidas
com o objetivo de constituir uma nova sociedade, na qual as diferenças de posição social não
se reflitam na negação da cidadania.
Em termos culturais, também é possível perceber a influência da estratificação social,
especialmente pelo papel que a indústria cultural exerce sobre a sociedade. Observa-se a
hegemonia dos valores ligados às classes mais abastadas e “bem-postas” na sociedade, em
detrimento dos valores das camadas populares, especialmente da periferia das grandes ci-
dades. Na maioria das vezes, o que se difunde como o modelo a ser seguido é o estilo de
vida – os valores a ele agregados – da classe dominante. Além disso, se mantém na socie-
dade o paradigma de que a posição social é algo que precisa ser preservado, especialmente
quando o objetivo é o de ascender socialmente. Ferreira (1993, p. 139) afirma que é inegável
o “princípio de que as melhores posições na estrutura devem ser obtidas e mantidas por
meio da competição. A lei deve assegurar que todos, independentemente de sua origem ou
condição social, tenham o direito de ocupar posições mais elevadas”.
Mas o que se observa é que mesmo em um contexto no qual as diferenças sejam defendidas
e desejáveis, em nome do multiculturalismo1, as hierarquias sociais e, consequentemente,
as desigualdades sociais, econômicas, étnicas, políticas, culturais, religiosas, de gênero e
sexuais permanecem.
A estratificação social persiste tanto em termos de oportunidades para indivíduos
oriundos das camadas sociais mais baixas na pirâmide social, quanto de tratamento legal.
As unidades prisionais abarrotadas de indivíduos que fazem parte desse grupo são uma
prova do que se diz. A maioria dos ocupantes das cadeias no país são representantes de seto-
res da sociedade brasileira que são excluídos social, econômica e culturalmente, o que reflete
bem a sociedade estratificada e hierarquizada, marcada pelas contradições sobre o que deve
ser feito para tentar mudar essa realidade. São em sua maioria pessoas pobres, negras ou
pardas, homens, jovens, com baixa escolaridade e sem emprego formal.
Movimentos em defesa da igualdade e da diversidade cultural são a marca da contem-
poraneidade e, ao serem analisados pela sociologia, colocam em discussão a própria estrutu-
ra da sociedade brasileira, baseada na estratificação, sobretudo econômica. O objetivo maior,
tanto dos estudos acadêmicos quanto da sociedade civil organizada, é buscar a universali-
zação dos direitos, garantindo a permanência e a preservação das especificidades culturais2 .
Sociologia da Educação 87
10 A estratificação social
Para algumas pessoas a estratificação social é naturalizada, isto é, é vista como algo
que realmente constitui a sociedade, que, por sua vez, seria “naturalmente” desigual. Essa
percepção não considera as causas da desigualdade e muito menos as razões pelas quais
uns são “mais iguais” do que os outros. De acordo com esse ponto de vista, essas diferenças
estariam ligadas às capacidades de cada um, e não ao contexto social do qual é parte inte-
grante. Como a própria história mostra, em todos os tempos e sociedades sempre existiram
sociedades estratificadas; por isso, tem-se a ideia de que ela é parte da organização social em
si, e não resultado da ação dos indivíduos sobre o meio social.
88 Sociologia da Educação
A estratificação social 10
Mas a estratificação social e suas implicações em termos de garantias e direitos indi-
viduais podem ser vistas como resultado da forma de exploração e de dominação de uma
classe/um grupo sobre outra/o. Por meio de diversos mecanismos, tais como a ideologia,
as políticas públicas, a inoperância do Estado ao realizar seu papel de garantir a todos os
direitos fundamentais, enfim, pelos processos históricos que se concretizam o tempo todo
no meio social, a hierarquia se mantém. Diante desse quadro, o que se vê são indivíduos que
não conseguem ascender socialmente, independentemente de sua vontade e/ou capacidade.
A estrutura da sociedade na qual estão inseridos não permite que isso ocorra.
Os fatores que estabelecem uma hierarquização na sociedade e, por consequência, uma
estratificação social são vários. Partindo-se do que foi apontado sobre o conceito de estrati-
ficação, pode-se dizer que um dos primeiros critérios é ser ou não proprietário de determi-
nados bens. Outra forma de estratificação é aquela decorrente da profissão dos indivíduos,
já que algumas desfrutam de maior prestígio na sociedade. E não se pode esquecer daquela
variável que se constitui como uma das mais relevantes em termos de estratificação: a rique-
za – quanto mais rico for o indivíduo, mais alta será sua posição na estrutura social.
Quanto à sua caracterização, a estratificação social pode ser de três tipos:
• estratificação econômica: tem como base a posse de bens materiais, fazendo com
que haja pessoas ricas, pobres ou em situação intermediária – as chamadas “clas-
ses médias”;
• estratificação política: baseada na relação de poder que se estabelece na sociedade
– grupos que têm e grupos que não têm poder de condução política da sociedade;
• estratificação profissional: baseada nos diferentes graus de importância atribuídos
a cada profissional pela sociedade.
Os sistemas sociais mais conhecidos quando se fala em estratificação são a escravidão,
as castas e os Estados, que se constituem na divisão da população por meio da lei; no en-
tanto, há também a estratificação baseada nas diferenças de classes sociais. Na escravidão
um indivíduo detém a posse de outro, que passa a ser propriedade sua, condição imposta
à força. Esse sistema caracterizou algumas civilizações da Antiguidade e se estendeu até
há pouco mais de um século em países como o Brasil, por exemplo. A escravidão dos
negros trazidos da África marcou profundamente o caráter nacional e as relações sociais
entre brancos e negros no país. Constituiu-se no mais cruel sistema de estratificação social,
exemplo de desigualdade extrema.
O sistema de castas é característico da Antiguidade, mas atualmente ainda é encontrado
em algumas regiões da Índia, como produto de uma tradição segundo a qual a autoridade
emana dos deuses e é exercida pelos seus representantes na Terra, constituindo um sistema
de governo chamado de teocracia. O poder político nesse caso está vinculado ao poder re-
ligioso. Além disso, a posição do indivíduo na sociedade é determinada pelo nascimento e
a sociedade indiana é marcada pela presença de grupos sociais fechados e endógamos, ou
seja, um sistema em que o indivíduo se casa com alguém do seu próprio grupo. Em razão da
importância da linhagem na organização da sociedade na Índia, até a escolha da profissão
segue a tradição da atividade exercida pelo pai. Com tudo isso e diante da rigidez desse
Sociologia da Educação 89
10 A estratificação social
sistema, o indivíduo “adquire ao nascer sua posição social, além de direitos e deveres es-
pecíficos, não podendo ascender socialmente mediante qualidades pessoais ou realizações
profissionais” (OLIVEIRA, 2003a, p. 122).
A estratificação da sociedade indiana é marcada pela divisão nas seguintes castas, se-
gundo explica Oliveira (2003a, p. 122):
• brâmanes: composta pelos sacerdotes e mestres, cuja função é a preservação dos
princípios divinos da ordem social. Situam-se no topo da estrutura;
• chátrias: formada pela aristocracia militar e governantes de origem principesca.
Sua função é de proteção da ordem estatal e do saber sagrado;
• vaixiás: são os comerciantes, artesãos e camponeses, que exercem a função produ-
tiva na sociedade;
• sudras: casta mais baixa antes dos párias, são os encarregados do trabalho braçal
de produção e executores de trabalhos manuais pesados;
• párias: casta composta pelos miseráveis da Índia, não têm direito a nenhum privi-
légio e são considerados impuros e renegados pela estrutura, formando a camada
mais baixa da sociedade indiana.
Outra forma de estratificação é a sociedade estamental, isto é, baseada em estamentos
(grupos sociais com status jurídico próprio), em critérios ligados à honra e à linhagem do
indivíduo, valores culturais que marcaram a Idade Média e o feudalismo. Nesse sistema
chegava a haver possibilidade de mobilidade social vertical, ainda que em poucos casos,
especialmente por meio da concessão de títulos de nobreza, emancipação, pelo casamen-
to ou quando o indivíduo era recrutado pela Igreja. A organização social era marcada por
três categorias: a nobreza e o clero, ocupando a ponta da pirâmide (Primeiro Estado); os
homens livres – comerciantes, artesãos e camponeses livres –, membros da chamada bur-
guesia comercial (Segundo Estado); e, na camada mais baixa, os servos (Terceiro Estado).
Não é preciso dizer que esta última era a camada mais populosa, o que não significava
que tivesse algum tipo de privilégio e muito menos participação na condução da vida do
país. A possibilidade de ascensão social vertical nesse sistema era mínima.
A última forma de estratificação é aquela caracterizada pela sociedade de classes, pró-
pria do sistema industrial-capitalista, produto da Revolução Industrial e da Revolução
Francesa. Da primeira, em especial, surgiu a classe que se constituiria sujeito da história nes-
ses dois processos: a burguesia, que ascendeu rapidamente por conta dos ganhos conquis-
tados com a atividade comercial e buscou adquirir também prestígio social, aliando-se aos
reis que governavam os nascentes Estados nacionais. Enquanto lhe interessou essa aliança,
soube tirar proveito e, quando não mais, soube mobilizar as camadas pobres da sociedade
e promover as chamadas revoluções burguesas, na França e na Inglaterra. Esse é um exemplo
de mobilidade social conquistada por meio do poder econômico.
Nas sociedades de classes, a estratificação social se organiza da seguinte forma:
• burguesia: desde o seu surgimento, é a classe que detém a posse do capital e dos
meios de produção. É composta por industriais, comerciantes, proprietários de
terras e banqueiros;
90 Sociologia da Educação
A estratificação social 10
• classe média: ou melhor, as classes médias, uma vez que hoje se pode encontrar
uma hierarquização dentro do que se convencionou chamar de classe média. Sua
composição também é bem variada (profissionais liberais, militares, servidores
públicos etc.);
• classe trabalhadora: formada por todos os indivíduos que têm apenas sua força de
trabalho e que constitui a maioria da população.
A sociedade apresenta também uma estratificação baseada em outros fatores, tais como
cor da pele, etnia, religião ou características ligadas à questão de gênero. Mas o importante é
saber que, seja qual for o tipo de estratificação que defina a organização de uma sociedade,
ela é sempre resultado de desigualdades. Além disso, pode se estender por diversas áreas,
como, por exemplo, na diferença de acesso aos direitos básicos do cidadão, ao mercado de
trabalho, à cultura, ao lazer e à educação.
Entendendo a estratificação social como forma de organização que acontece por meio
da divisão da sociedade em camadas sociais distintas, ela se define com base nas diferenças
entre indivíduos e/ou grupos sociais.
Falar em estratificação social no Brasil é falar de um dos países mais desiguais do mun-
do, em um momento no qual os requisitos para ascender socialmente se tornam cada vez
mais complexos. Há algumas décadas, ter um diploma universitário era quase uma garantia
de mobilidade social; hoje se sabe que só o diploma não basta. São necessárias outras habi-
lidades e uma formação mais ampla para conseguir o mesmo resultado, em uma sociedade
e em um mercado cada vez mais competitivos. Principalmente em países como o Brasil, os
critérios e códigos definidores e sinalizadores das hierarquias e dos status se tornam com-
plexos e pluralizam-se.
Discutir a estratificação e as desigualdades sociais que marcam o país e sua relação com
a educação demanda uma análise sobre o papel da escola e dos educadores nesse processo.
É preciso lembrar que tanto a instituição quanto o profissional são construtores da própria
sociedade na qual estão inseridos. Assim, quando se analisa a relação entre educação e es-
tratificação social, é possível observar que
a estrutura social de uma sociedade é um modo essencial para o estudo da edu-
cação, uma vez que ela se reflete no modo como se distribuem os benefícios da
educação entre os alunos das várias classes sociais, em face da diferença de apro-
veitamento escolar, das variadas aspirações e do próprio conteúdo da educação.
(PESSOA, 1997, p. 100)
Um exemplo disso é a coexistência do ensino público e do ensino privado, sendo o se-
gundo superior ao primeiro.
Quando se fala em estratificação social e educação, deve-se pensar, inicialmente, em ana-
lisar a posição ocupada pela família do educando na estrutura social, pois ela é determinante
Sociologia da Educação 91
10 A estratificação social
92 Sociologia da Educação
A estratificação social 10
uma prática que, forjada na vida em sociedade, caracteriza-se pelas contradições, pelo
conflito, pelas dúvidas e hesitações e, sobretudo, pela necessidade de responder às inúme-
ras demandas da sociedade complexa da atualidade e que, às vezes, implicam mudança.
Diante, por exemplo, da facilidade de manipulação de toda informação apoiada na
tecnologia hoje disponível, é preciso que a escola busque novas metodologias de ensino.
Entretanto, elas precisam estar inseridas no contexto socioeconômico-político-cultural em
que a escola se situa, para que realmente estejam a serviço da educação. A utilização peda-
gógica das novas tecnologias de informação pode auxiliar a relação cognitiva dos alunos
com os objetos de conhecimento e facilitar a comunicação em sala de aula.
Mas tudo isso só terá valor se houver o apoio de um professor capacitado para utilizar
esses novos recursos e que possa orientar seus alunos nesse contexto da cultura da mídia e
da informação, no qual se percebe uma naturalização das tecnologias e uma tecnologização
da natureza. Sem esse apoio, o que se terá é o acirramento da competitividade que já marca
a sociedade atual, quando os jovens são bombardeados com ideias de investir em si mesmos
como forma de serem aceitos no mundo e, assim, poder ascender socialmente.
Finalmente, isso tudo só fará sentido se puder ajudar o indivíduo a compreender me-
lhor as mudanças sociais, saber como e por que ocorrem e, sobretudo, pensar e até mesmo
decidir sobre o tipo de sociedade que deseja.
Dicas de estudo
Filme:
• GHANDI. Direção e Produção: Richard Atteborough. Reino Unido; Índia: National
Film Development Corporation of India, 1982. 190 min.
O filme Gandhi tem como objetivo mostrar como é a realidade de uma sociedade estra-
tificada em um sistema de castas e sua influência no cotidiano do país – a Índia.
Música:
• GABRIEL o Pensador. Pra onde vai. Alexandre Dantas; Alexandre Lucas; Gabriel
o Pensador [Compositores]. In: ______. Quebra Cabeça. Produção: Memê. Rio de
Janeiro: Sony Music, 1997. CD (57 min). Faixa 5 (5 min 59 s).
Escute a música Pra Onde Vai?, de Gabriel O Pensador e Memê. Ao falar da morte de
um jovem na rotina violenta de uma grande cidade, a letra discute uma sociedade
que exclui, discrimina e rotula os indivíduos com base na posição social que ocupam.
Relacione a história contada com o conteúdo deste capítulo.
Leituras:
• AGUIAR, Neuma (Org.). Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e partici-
pação política. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2007.
Neste livro, a autora investiga as dimensões da desigualdade social, tomando-as como
objeto de estudo e como fenômenos que conformam diversos processos sociais.
Sociologia da Educação 93
10 A estratificação social
Atividade
1. Após analisar o filme e a música indicados acima, conceitue estratificação social e
aponte algumas características de uma sociedade socialmente hierarquizada.
94 Sociologia da Educação
11
A mobilidade social
Sociologia da Educação 95
11 A mobilidade social
Como todo processo social, a mobilidade é algo dinâmico, sujeito às consequências das
transformações que ocorrem na sociedade. Esse processo pode ser muito bom para os in-
divíduos e/ou grupos sociais, conforme o tipo de mobilidade. Assim, quando a situação
econômica ou social permite e há maiores condições para que a mobilidade social aconteça,
96 Sociologia da Educação
A mobilidade social 11
principalmente quando ela é vertical ascendente, a própria sociedade ganha com isso, na
medida em que por meio desse processo podem ser diminuídas as desigualdade sociais.
Mobilidade social é o movimento de um indivíduo ou de um grupo de uma posição
para a outra e pode ser horizontal ou vertical e ascendente ou descendente. A mobilidade
vertical ascendente é aquela na qual o indivíduo sobe na escala social. Por outro lado, pode
também haver um movimento negativo, quando o que se verifica é uma queda de posição
o que implica quase sempre em perda de prestígio e de poder, quando não, o empobreci-
mento; a isso chamamos de mobilidade vertical descendente e, tal como a ascendente, pode ser
também inter e intrageracional. A mobilidade horizontal diz respeito às mudanças de posição
no interior da sua classe social, isto é, quando o indivíduo muda de posição mas perma-
nece na mesma classe. É o caso do indivíduo que se casa com alguém que é da sua classe
social. Mudanças de valores (de conservadores para mais progressistas) também podem
ser consideradas mobilidade horizontal. A classificação está relacionada com o período da
vida do indivíduo em que ocorre a mobilidade social; no primeiro caso (intergeracional),
diz respeito aos casos em que os filhos acabam ocupando melhores posições que seus pais
na escala social, enquanto o segundo (intrageracional) refere-se à variabilidade de posições
ocupadas pelo indivíduo ao longo da sua vida.
Nas sociedades antigas, as possibilidades de mobilidade social eram escassas e limita-
das quase sempre à propriedade de bens materiais e/ou simbólicos, como, por exemplo, os
indivíduos que se tornavam feiticeiros em sua tribo. Ao ocupar essa posição, ele ascende so-
cialmente e com isso ganha respeito e prestígio. Mas as sociedades industrializadas urbanas
dos dias atuais são muito mais heterogêneas sob todos os aspectos.
Quanto mais aberta e democrática for uma sociedade, mais facilidade de ascensão social
ela oferece aos indivíduos e grupos sociais. Entretanto, isso não impede que as oportunidades
não sejam iguais para todos, especialmente quando se tratar de mobilidade vertical ascendente.
Pode-se exemplificar com caso do indivíduo oriundo da classe dominante social, po-
lítica e economicamente em sua sociedade e que consegue não só ter acesso à educação de
forma plena, como também exercer o poder local por conta dos demais atributos – riqueza,
educação, prestígio social.
A complexidade das atividades econômicas, particularmente com a expansão do setor
terciário1, implementada, sobretudo, pelo avanço da informática e das comunicações, faz
surgir novas profissões e novos tipos de atividades que exigem maior qualificação profis-
sional. “Nas sociedades contemporâneas, dois fatores criaram as condições favoráveis para
a mobilidade social. O primeiro é a complexificação das atividades econômicas. O segundo
é a complexificação e ampliação das atividades governamentais.” (FERREIRA, 1993, p. 150).
À medida que o indivíduo busca especialização, vê aumentar suas chances de ascensão so-
cial, isto é, de mudar sua posição na estrutura social.
Outro aspecto que deve ser considerado ao se falar em mobilidade social é o papel que
o Estado pode desempenhar nesse processo, por meio da ampliação das políticas públicas
1 Os três setores da atividade econômica de um país são aqueles que dinamizam a produção: o se-
tor primário (a agricultura e o extrativismo), o setor secundário (a indústria) e o setor terciário (comér-
cio e serviços). A tendência no mundo atual é o crescimento do setor terciário na economia mundial.
Sociologia da Educação 97
11 A mobilidade social
voltadas para a área social ou por medidas econômicas que impliquem mudanças na es-
tabilidade do país. Ao longo da história do Brasil, houve vários momentos em que, sob o
pretexto de equilibrar a economia, que apresentava problemas, especialmente alta inflação,
foram lançados planos econômicos que prometiam mudar a situação econômica do país e
trazer benefícios para toda a população, o que nem sempre aconteceu. O que se viu depois
de algum tempo é que na maioria das vezes o resultado foi o empobrecimento da população,
com a consequente mobilidade descendente, e não o contrário.
Quando uma crise econômica assola um país, a tendência que se observa é uma signi-
ficativa queda no ritmo da mobilidade social. Desemprego, emprego informal, queda da
renda familiar, evasão escolar (em razão da necessidade que todos os membros da famí-
lia trabalhem) e outros problemas relacionados à falta de estabilidade econômica acabam
agravando a estratificação e dificultando a mobilidade. Essa situação pode comprometer a
ascensão social de toda uma geração, que é afetada pela crise quando está no auge de sua
capacidade produtiva.
O resultado desse processo é o aumento das desigualdades sociais. Num círculo vicioso,
quanto mais abaixo na pirâmide social o indivíduo se encontrar, mais dificuldade enfrentará
para ascender verticalmente e, consequentemente, as desigualdades se mantêm. Há também
os casos daqueles momentos em que a mobilidade social ocorre no interior de um grupo ou
de uma sociedade; mas o que se verifica é que muitos sobem pouco e poucos sobem muito,
quadro que agrava ainda mais as disparidades. Quase sempre é o caso em que aqueles que já
eram ricos ficam ainda mais ricos, enquanto os pobres perdem ainda mais poder aquisitivo.
98 Sociologia da Educação
A mobilidade social 11
a um bom desempenho nos estudos”. Para as camadas economicamente menos favoreci-
das da população de um país, a educação é vista como única forma de ascensão social.
Como forma de compensar as desigualdades de renda e o pouco prestígio social, as famílias
mais pobres veem na educação a oportunidade que seus filhos têm de “subir na vida”.
Assim como a estratificação, o processo de mobilidade social pode ser analisado por
meio de várias teorias sociais. Sob o ponto de vista do materialismo histórico de Marx, a
educação não seria agente de transformação social de melhoria social coletiva, visto que
aconteceria apenas para alguns indivíduos e não para o conjunto da classe trabalhadora, e a
estrutura social não seria alterada de forma significativa pelo sistema educacional.
Diante desse quadro, Oliveira (2003a, p. 57) observa que:
nas sociedades atuais, há uma tentativa cada vez mais acentuada para pro-
porcionar condições de igualdade de oportunidade em educação, a partir do
princípio democrático de que todos são iguais perante a lei. Mas, ao mesmo
tempo, entende-se que tal igualdade de oportunidade não pode ser realizada
em uma sociedade democrática meramente pela promulgação de decretos-
-leis sobre educação. Há necessidade, principalmente nos países subdesen-
volvidos, de maiores investimentos no campo da educação (construção de
mais escolas, melhor aparelhamento dessas escolas e melhor remuneração do
seu corpo docente).
Um aspecto que se deve considerar também é que, à medida que se acirra a competição
entre os indivíduos, há uma tendência da própria sociedade em cobrar de seus governos
uma ação mais efetiva em termos de educação, isto é, universalizando seu acesso e pro-
porcionando uma educação de qualidade. Por mais que seja preciso algum tempo para se
poder notar os resultados de políticas voltadas para a área da educação, isso não pode ser
argumento para não se começar a fazer alguma coisa no sentido de facilitar a vida daquelas
pessoas que desejam ter acesso a uma melhor formação.
No mundo cada vez mais competitivo das sociedades capitalistas industriais organiza-
das, onde a competição é estimulada e valorizada, “a possibilidade de mobilidade ascenden-
te fez com que a educação se tornasse uma reivindicação social” (FERREIRA, 1993, p. 151),
sendo considerada cada vez mais importante para a sociedade.
Mas não se pode negar que, para haver possibilidades de ascensão social a um maior
número de indivíduos, é preciso existir boas escolas no país, com ensino de qualidade e
voltado aos interesses do cidadão, e não apenas aos do sistema econômico da sociedade.
Quando a sociedade passa por um momento de crescimento econômico, a escola volta
a ser discutida e torna-se alvo de políticas públicas direcionadas para a capacitação da mão
de obra que o mercado exige. Pode acontecer também que a demanda seja por qualquer tipo
de trabalhador, por conta da ampla oferta de vagas que se verifica (mobilidade estrutural).
Mas o importante é observar se o crescimento econômico que porventura aconteça se reflete
também em desenvolvimento social.
As estatísticas do desenvolvimento social e econômico veem na mobilidade ascendente
um sinal do acúmulo e da distribuição menos desigual da riqueza entre a população. Não
Sociologia da Educação 99
11 A mobilidade social
se pode pensar a mobilidade somente como variação das condições materiais que um indi-
víduo tem ao longo de sua vida. Ela é também um retrato da sociedade e de sua estrutura.
Além disso, a escola pode ter mais prestígio na sociedade de acordo com o tipo de formação
que ofereça. É interessante pensar sobre o que diz Pérsio Oliveira (2003a, p. 57) a esse respeito:
embora exista para servir a sociedade, preparando os jovens em padrões aceitos,
compete à escola também ajudar na tarefa de seleção social, usando-se esse ter-
mo e sentido estritamente neutro e sem quaisquer implicações de privilégio. As
escolas não obtêm a consideração da sociedade a que pertencem somente através
dos próprios esforços, por mais importantes que sejam. Muitas vezes, conquis-
tam prestígio porque preparam os alunos para carreiras muito procuradas e para
as quais outras escolas não os preparam. Em outras palavras, a posição de uma
escola é, em parte, determinada pelas oportunidades de carreiras que oferece, de
onde se infere que sua função seletiva não é tão somente uma questão intelectual,
pela qual se reúnem em uma escola os alunos de um nível semelhante de capaci-
dade, senão também uma questão social e econômica.
Entre os autores que analisaram a educação e seu papel nas sociedades, Pierre Bourdieu
(1989), particularmente, chamou a atenção para o fato de a educação poder se constituir
num mecanismo de reprodução social, isto é, de manter e até mesmo legitimar as desigual-
dades sociais e de certa forma inviabilizar a mobilidade social.
Segundo ele, a camada dominante da sociedade impõe sua cultura aos demais segmen-
tos da população, que acabam internalizando esses valores e desvalorizando os seus, sem se
dar conta disso. Ao valorizar os valores, crenças, estilos de vida, hábitos e símbolos da ca-
mada dominante, a escola “legitima” essa cultura e impõe esses valores às demais camadas
da sociedade, o que Bourdieu chamou de violência simbólica.
O sistema educacional, ao priorizar o capital cultural2 de uma camada social, acaba
reforçando que existem marcas de distinção, isto é, formas pelas quais os indivíduos se
destacam dos demais. Essas marcas de distinção podem estar relacionadas ao gosto (ligado
à alimentação, ao vestuário e à moda, às formas de lazer etc.), às atitudes e aos comporta-
mentos em sociedade e aos hábitos em geral. Os indivíduos procuram se diferenciar uns
dos outros por meio da roupa que usam, das comidas que consomem, do tipo de programa
que fazem em seus momentos de lazer e outras situações desse tipo. Isso é a explicitação do
capital cultural do grupo ao qual aquelas pessoas pertencem. Assim, tornam-se marcas de
distinção social, portanto, hierarquizando os indivíduos.
Por tudo isso, conclui-se que a mobilidade social é um conceito dinâmico e que deve ser
analisado e compreendido com base nas informações recolhidas dentro da sociedade que
é investigada. Mas essas análises não podem, de forma alguma, prestar-se a ser mais um
elemento de discriminação social.
2 Conjunto de valores e símbolos que o indivíduo assume ou consome em decorrência do seu há-
bito, que é determinado pela posição social que ele ocupa na sociedade e que o leva a pensar e agir de
acordo com essas disposições.
Dicas de estudo
Filmes:
• MARIA Antonieta. Direção e roteiro: Sofia Coppola. Produção: Sofia Coppola;
Ross Katz. França; EUA; Japão: Columbia Pictures do Brasil, 2007. 123 min.
Leitura:
• BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2014.
Para aprofundar seus estudos, vale a pena ler essa obra, que revela mais sobre a socio-
logia da educação de Pierre Bourdieu.
Atividades
1. Pense sobre as afirmativas abaixo e responda:
2. Relacione o nível de instrução dos pais com a qualidade de ensino que é ministrada
a seus filhos. Quem tem mais chances de mudar de posição social? Você observa esse
fenômeno na sua família?
O que você entende por movimento social? De quantos movimentos sociais você
consegue se lembrar neste momento? Todos os dias, aparecem nos meios de comunica-
ção e no nosso cotidiano vários exemplos desse tipo de ação social. Esse movimento é
um tipo de ação social voltada para uma causa e/ou um tema em especial, quase sempre
com o objetivo de promover alguma mudança social. O que move essas pessoas que se
engajam em movimentos sociais? O que elas pretendem? Você já participou de algum
tipo de ação social coletiva? Qual era (ou ainda é) o seu objetivo?
1 Vista por muitos autores como uma fase vivida pela sociedade ocidental, a partir dos anos 1970,
como uma situação de crise, momento em que os grandes sistemas filosóficos parecem perder repre-
sentatividade. Teve reflexos em vários setores (arte, música, literatura etc.), questionando paradigmas e
representando uma nova era do capitalismo, gerando o que podemos chamar de sociedade pós-moderna.
seus interesses tenham uma abrangência social significativa e que busquem a resolução de
suas reivindicações nas instituições, ou seja, no âmbito das decisões políticas.
Constituindo-se, de modo geral, em formas de organização da sociedade civil, orga-
nizações populares, os movimentos sociais são multifacetários e sofrem mudanças em sua
forma de organização, mobilização e relacionamento com as instituições que compõem a
sociedade global.
A urbanização é um dos fatores determinantes de muitos problemas sociais, especial-
mente aqueles relacionados com a falta de infraestrutura das cidades, tais como moradia,
serviços de saúde, transportes, segurança pública e educação. As cidades cresceram muito
rapidamente e não houve tempo nem recursos suficientes para dar conta de toda a popula-
ção que migrou para os grandes centros em busca de uma vida melhor. Desses problemas
resultaram outros, como os choques decorrentes do confronto entre várias culturas diferen-
tes, a desagregação familiar que pode acompanhar a migração (é o caso, por exemplo, dos
pais de família que abandonam mulher e filhos), a dificuldade de viver em cidades grandes,
a falta de apoio governamental etc. O resultado final dessa equação é sempre o mesmo: de-
sigualdade e injustiça social.
como já foi dito), as desigualdades sociais, a pobreza e a escalada da violência nos centros
urbanos. Conforme Scherer-Warren (1993, p. 22), as mudanças verificadas tanto na rea-
lidade dos países latino-americanos quanto de outros lugares do mundo, sobretudo nos
países socialistas, explicam por que “as modificações históricas conduzem ao repensar
das teorias”.
Para alguns autores, não se deveria mais trabalhar com a noção de que os movimentos
sociais só poderiam ser conduzidos pelas classes, uma vez que a posição dos indivíduos nas
relações de produção “não determina, necessariamente, suas outras posições com relação às
questões ambientais, de direitos humanos etc.” (DIMENSTEIN; RODRIGUES; GIANSANTI,
2008, p. 253). Esses autores preconizam a adoção da categoria movimentos sociais “rompen-
do com a ideia de que a identidade dos atores é determinada apenas pela estrutura social
(camponeses, trabalhadores, burgueses)” e propondo que
os estudos dos novos movimentos sociais considerem que a dimensão política
da transformação da sociedade está presente em toda prática social – não mais
se restringindo à atuação da classe operária dos sindicatos ou partidos políti-
cos. Assim, com o advento dos novos movimentos sociais, o enfoque nas classes
perde importância para a cultura, que adquire papel mais ativo na constituição
de sujeitos históricos que agem coletivamente como protagonistas da transfor-
mação social. Um resultado desse processo é que a organização desses novos
movimentos pela ampliação dos direitos de cidadania, por exemplo, se realiza
de forma mais espontânea na esfera da cultura, isto é, à margem dos sindicatos
e dos partidos políticos.
O que realmente deve nortear a discussão a respeito dos movimentos sociais é a busca
pela compreensão dos elementos culturais (sobretudo étnicos e políticos) que compõem
seu ideário e caracterizam as formas de mediação entre os movimentos, o poder público
e a sociedade em geral, sem esquecer de avaliar o impacto das novas tecnologias da infor-
mação e da comunicação, que modificaram a sociedade como um todo e que, certamente,
exerceram e ainda exercem influência sobre a forma de organização e articulação dos mo-
vimentos sociais.
No quadro desenhado pela desigualdade e pela injustiça social, os movimentos sociais
surgem como forma de luta e/ou resistência. Independentemente da discussão teórica em
torno do conceito de movimento social, o que se deve observar é que esse tipo de ação social
não está necessariamente vinculado a formas de luta, mas pode ser também uma forma de
chamar a atenção para um fato e dar sinais de que não se esquecerá dele.
Podemos citar outros exemplos de movimentos sociais, tais como: o movimento hippie,
o movimento gay, os movimentos pacifistas, a Klu-Klux-Klan, o movimento da Tradição,
Família e Propriedade (TFP) etc. Todos têm em comum o fato de terem ido buscar na ação
coletiva a solução para os seus problemas e lutar por eles de forma organizada, seja para
preservar, seja para transformar a sociedade. Segundo Gohn (1997, p. 19-20),
os movimentos sociais são fenômenos históricos decorrentes das lutas sociais.
Colocam atores específicos sob as luzes da ribalta em períodos determinados.
Nesse sentido, pode-se dizer que os movimentos sociais não são necessariamente um
produto da ação educativa, muito embora possam encontrar no meio educacional um terre-
no fértil para sua consolidação e/ou desenvolvimento.
As sociedades capitalistas industriais exigem um preparo dos indivíduos que os tor-
ne aptos a participar do processo produtivo. A escola seria então a encarregada, desde o
século XVIII, de formar cidadãos de acordo com a nova ordem política e as exigências do
capitalismo e das indústrias. Esse processo, ao longo da história, possibilitou a muitos
uma ascensão social antes inimaginável nas estruturas que antecederam a emergência do
capitalismo. Mas trouxe, também, problemas ligados a essa nova ordem social, política,
econômica e cultural. Essas demandas se tornaram a motivação básica dos movimentos
sociais e que se refletiram na educação.
No Brasil ou em qualquer outra sociedade, o sistema educacional está inserido no con-
texto do sistema global capitalista, que atualmente se encontra em crise, e isso exige um pro-
jeto educacional voltado para a emancipação humana, até como caminho para a resolução
da crise. Mas como se constrói um projeto emancipatório? Antes de tudo, questionando a
sociedade, o indivíduo e seu envolvimento com as demandas dessa sociedade e, sobretudo,
questionando a educação em seus múltiplos aspectos (estrutura física, capital humano/do-
cente, projeto político-pedagógico, currículo, avaliação etc.).
Ao se fazer essa avaliação da educação, é importante pensar que não basta formar in-
divíduos preparados apenas para o processo de produção capitalista, mas que não questio-
nam as relações sociais e os processos sociais. Nesse sentido, a escola pode ser um espaço de
reflexão acerca do papel da ação individual e das ações coletivas como promotoras da trans-
formação social. O que queremos é a emancipação da educação como princípio educativo
e a formação de um sujeito da emancipação como objetivo. A escola pode contribuir para
despertar nos jovens o desejo pela participação política como forma de mudar a realidade.
A superação da desigualdade pede a formulação de um projeto emancipatório que pre-
tenda construir uma nova sociedade que vá além do valor, do dinheiro, da mercadoria, do
trabalho, do Estado e da política. E isso pode acontecer de forma organizada, por meio dos
movimentos sociais, preferencialmente sem violência.
O nível de organização e o grau de violência são alguns dos aspectos que caracteri-
zam os movimentos sociais em geral. Mas um dos fatores que deve ser sempre considerado
quando se fala em movimento social é tentar perceber se há uma ideologia que oriente a sua
ação. Quando a resposta é negativa, é provável que se esteja tratando de uma manifestação
popular momentânea, um protesto contra alguma coisa muito específica e quase sempre
emergencial. É o caso, por exemplo, dos moradores de um bairro que vêm sofrendo há dias
pela falta de água e nenhuma providência é tomada pelos órgãos competentes. Diante do
imobilismo do governo, resolvem bloquear uma rua do bairro e atear fogo em pneus. É uma
manifestação e, por mais que seja legítima, talvez não esteja utilizando a melhor forma de
luta. Mas, se depois desse episódio os moradores começarem a conversar e resolverem criar
uma associação e, posteriormente, uma associação de moradores da região, aí sim tratar-se-á
Dicas de estudo
Filme:
• O VIOLINO vermelho. Direção: François Girard. Roteiro: Don McKellar; François
Girard. Produção: Niv Fichman. Canadá; Reino Unido; Itália: FilmFour Ltda;
Sidecar Films & TV; Téléfilm Canada, 1998. 140 min.
Ao contar a história de 300 anos de um violino que se torna raro, esse filme também
demonstra a história da própria humanidade, com seus fatos e eventos marcantes, in-
clusive de mobilização popular, como a Revoluções Francesa e Chinesa.
Leituras:
• GOHN, M. G. Movimentos sociais e educação. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
• ______. Movimentos e lutas sociais na História do Brasil. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2013.
• ______. Novas teorias dos movimentos sociais. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2014.
• ______. Teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 2015.
A autora dessas obras, Maria da Glória Gohn, é uma das maiores estudiosas dos mo-
vimentos sociais no Brasil e propõe uma interpretação dos movimentos sociais ou dos
movimentos populares por meio de uma análise dos paradigmas acerca de tais movi-
mentos e de suas trajetórias societária e política.
Atividades
1. Defina movimento social, caracterize-o e explique seus principais objetivos.
2. Pesquise na internet a letra da música “Da lama ao caos”, de Chico Science e Nação
CHICO Science. Da lama ao caos. Chico Science [Compositor]. In.: ______. Da lama
ao caos. Produção: Liminha. Rio de Janeiro: Sony Music, 1994. CD (46 min 11s). Faixa
7 (4 min 31s).
Finalmente, deve-se definir, de forma sintética, a política sob vários aspectos. De modo
geral, ela é a arte dos cidadãos organizarem sua vida em comum, por meio de uma estrutura
(pólis) e suas relações de poder, isto é, as relações de poder e de dominação no interior de uma
sociedade. Na sociologia, pode ser definida como uma parcela menor da sociedade, que se or-
ganiza e domina os demais não organizados, constituindo relações de poder e de dominação.
O Estado é uma das instituições políticas e é objeto de uma das Ciências Sociais.
Constitui-se numa das formas de controle social adotadas pelas sociedades de modo geral
há muito tempo. Por meio de um governo supremo, exerce autoridade sobre seu povo, den-
tro do seu território delimitado e com direitos de regulamentação da ordem social e econô-
mica do país. Uma de suas funções é estabelecer e garantir que as normas e regras sociais
sejam cumpridas pelos cidadãos.
Mas é preciso observar que nem todo governo é sinônimo de Estado. Há casos em que
um povo tem um governante, o qual não é reconhecido, interna e/ou externamente, por-
que chegou ao poder por vias antidemocráticas, como um golpe de Estado, por exemplo.
Há também o fato de que alguns povos não têm um território e o seu governo se estrutura
com bases instáveis, com grande dificuldade de integrar-se à comunidade internacional em
razão dessa situação1.
Assim, conceitualmente, Estado é o poder político organizado no interior da sociedade,
organizada política e juridicamente, com estrutura administrativa, com governo próprio,
com soberania sobre um território delimitado. Estado é uma instituição social permanente,
enquanto o governo é transitório.
O Estado é uma das principais partes da estrutura social e também uma das mais in-
fluentes sobre todo o andamento e a organização da sociedade. Tem importantes funções
internas e externas, ligadas à administração pública e às relações internacionais.
Alguns povos, devido a uma série de fatores, dominados por outros povos, também
podem ser analisados como sociedades sem Estado: os curdos do Iraque, o povo checheno
e, o mais conhecido, o povo palestino. Ou seja, a ausência de um poder político, legítimo
ou legitimado pela coletividade, leva uma sociedade ao “Estado Natural” ou a uma crise de
conflitos políticos.
Ao conceito de Estado ligam-se os conceitos de soberania e autonomia. A soberania do
Estado é assegurada pelo monopólio da regulamentação da força dentro de suas fronteiras; só
ele tem autoridade e poder legítimos para regulamentar o uso da força, em qualquer circunstân-
cia. O conceito de soberania vincula-se ao poder, a uma autoridade suprema ou independente.
Quando se fala em soberania nacional, trata-se do direito exclusivo de uma autoridade a um
território, sobre indivíduos, sendo um atributo de um governo ou de uma agência de controle
político. Pode também ser exercida por um indivíduo, como no caso, por exemplo, de um rei
1 Conflitos árabes/israelenses, por exemplo, que têm suas bases na disputa entre palestinos e ju-
deus. Israel é um país criado em 1948, pela ONU, que abriga judeus de várias partes do mundo.
Uma das características mais marcantes da sociedade atual é seu alto grau de racionali-
zação, isto é, cada vez mais ela se organiza em função do melhor aproveitamento do tempo.
A busca incessante do lucro e de uma maior produtividade submete todos os setores da vida
social às mais variadas formas de planejamento. A educação não fica fora dessa tendência e
nem escapa dessa racionalização. Decide-se tudo, antecipadamente. Mas é possível se per-
guntar como se pode garantir o “sucesso” de um esquema assim quando se está tratando de
seres humanos e de um processo tão especial quanto o processo educativo.
Sendo a educação um dos agentes de socialização dos indivíduos, ao planejar cada eta-
pa do processo, não se estaria retirando dele sua principal característica que é o dinamismo,
o qual possibilita os rearranjos necessários ao longo do caminho? Essa é uma questão a ser
considerada quando se pensa o papel do Estado na educação, em especial no que se refere
ao planejamento e às políticas públicas voltadas para a área. Segundo Ferreira (1993, p. 18),
“decide-se antecipadamente que tipo de aluno se quer criar, que conteúdos ele deve domi-
nar e que cidadão se espera que a criança se torne; planeja-se o currículo, os conteúdos e as
atividades que melhor contribuirão para a obtenção do produto desejado”.
Uma das formas mais efetivas de atuação do Estado se dá por meio da implementação
de políticas públicas na educação, muitas vezes direcionando o processo educativo como
um todo para o atendimento de seus próprios interesses. Mas há outras formas concretas
de intervenção do Estado na educação, que acontecem pela manutenção propriamente dita
das instituições escolares, da concessão de bolsas e outras formas de créditos para educação
e da normatização do sistema educacional como um todo. Os projetos educativos são um
exemplo desse fato. No caso do Brasil, é possível notar uma forte participação do Estado na
educação, até como agente do processo educativo.
Ao longo da história, a atuação do Estado na educação no Brasil passou por várias fases.
Durante a Colônia (1500-1822), não havia uma separação entre Estado e Igreja e isso se refle-
tia na forma como se organizava a educação no país. Inicialmente, o principal objetivo dos
primeiros educadores – religiosos jesuítas, em sua maioria – que para cá vieram era catequi-
zar os indígenas e, mais tarde, “formar” os nativos e filhos dos colonos portugueses. Os colé-
gios se espalharam pelo território brasileiro, quase sempre nos moldes do modelo europeu.
Durante o Império (1822-1889), o poder real amparava-se e era controlado por uma elite
agrária composta por grandes fazendeiros, que passaram a exigir que o poder central construís-
se escolas e colégios para os seus filhos estudarem. Surgem colégios, como o Pedro II no Rio de
Janeiro, e algumas faculdades de Direito e Medicina em outros estados, todos administrados
pelo Estado e tendo como característica o fato de serem públicos e gratuitos. Predomina o ensi-
no de cunho religioso, situação que só iria mudar significativamente com a República (1889 aos
dias atuais), quando a escola se torna laica, isto é, separada da Igreja.
No contexto do Positivismo, seria de se esperar que a separação entre Estado e Igreja
acontecesse, ao lado de outras profundas mudanças na estrutura social brasileira da época.
Com o advento da República começa um período de grande efervescência política, social e
cultural no país. Esse é o momento em que o Estado assume a obrigação de garantir educa-
ção elementar, expressa inclusive pela Constituição de 1891. Aumentam os investimentos,
muito embora isso não mude a situação real do que era, naquele momento, um privilégio
de poucos. Especialmente as classes sociais que ascendiam em razão da sua atividade eco-
nômica, como os grandes comerciantes urbanos e fazendeiros de café, viam a educação de
seus filhos como uma maneira de garantir que essa ascensão econômica se traduzisse tam-
bém em ascensão social. “Ser bacharel”, naquele momento, era um traço de distinção social
importantíssimo para os grupos dominantes, que desejavam impor seus valores e modo de
vida ao restante da sociedade ou simplesmente dominá-la.
Após a Revolução de 1930, encabeçada por Getúlio Vargas, aumenta a demanda por
educação e, consequentemente, a participação do Estado nessa área. O ainda novo processo
de industrialização brasileiro eleva a chamada burguesia industrial e comercial aos mais
altos postos de comando no país e impõe seus interesses, inclusive na educação. Segundo
Ferreira (1993, p. 174), “os interesses desses grupos logo se manifestam no sistema edu-
cacional. O grupo Escola Nova propôs profundas transformações no sistema educacional.
Entre outras coisas, esse grupo proclamava que somente a tecnologia e a indústria consegui-
riam trazer o progresso para a humanidade”. Há, nesse momento, uma busca por uma for-
mação mais especializada que pudesse atender às necessidades de mão de obra nas fábricas.
Mas um dos momentos mais significativos em termos de mudanças na educação bra-
sileira, patrocinado pelo Estado, aconteceu durante o período da Ditadura Militar (1964-
1985), quando se valoriza a formação tecnicista e profissionalizante, sobretudo com a Lei
n. 5.540/1968, que reformula o Ensino Superior tendo por base o modelo americano, e da
Lei n. 5.692/1971, que reformula o Ensino Primário e o Médio dentro da linha da profis-
sionalização. É preciso lembrar que essas e outras tantas mudanças implementadas pelo
Estado na educação no Brasil, nesse período, acontecem em meio a uma forte repressão
política e quase nenhum espaço para discussões entre os atores envolvidos, especialmente
os professores, em sua maioria privados de participar politicamente da vida nacional.
Dicas de estudo
De acordo com o Art. 205 da Constituição Federal de 1988, “A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie-
dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cida-
dania e sua qualificação para o trabalho”. Sendo a educação um bem público, é orientada,
regulamentada e fiscalizada por outros documentos básicos: a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação, além de pareceres e resoluções
dos Conselhos de Educação.
Faça um pesquisa para conhecer as bases que regem a educação no Brasil. Depois, pro-
cure analisar, de acordo com os documentos investigados, quais são algumas das atri-
buições do Estado em relação à educação no país e o que diz a Constituição Federal
sobre esse direito básico.
Leitura:
• PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). História da cidadania. 4. ed. São
Paulo: Contexto, 2008.
Essa é uma obra de referência, que apresenta textos escritos por alguns dos principais
intelectuais brasileiros, os quais analisam as bases da cidadania moderna, descrevem
sua expansão e, em seguida, trazem a questão para o Brasil.
Atividades
Para entender melhor o papel e as funções do Estado, responda às seguintes questões:
Mas o problema começa quando se observa que as taxas de desenvolvimento não são
as mesmas em todos os países do mundo. Pelo contrário, as desigualdades surgem, inten-
sificam-se e comprometem o próprio processo. Essa variação pode ser relacionada com a
capacidade que cada país tem de utilizar seus respectivos Estados para formular estratégias
nacionais de desenvolvimento, o que permite que possa ter condições de competir no mer-
cado global. Para se manter competitivo, um país não pode apresentar taxas de crescimento
econômico muito inferiores às de outros concorrentes no mercado internacional.
Atrelado ao conceito de desenvolvimento está o de subdesenvolvimento. Para alguns
estudiosos do tema, prevalece a ideia de que o subdesenvolvimento é um estágio rumo ao
desenvolvimento; assim, acreditam que os países subdesenvolvidos podem se tornar de-
senvolvidos. Para outros, o subdesenvolvimento pode vir a ser uma situação permanente
em determinados países. A distribuição desigual de poder, a riqueza e o prestígio (que
não raro andam juntos, pois quem detém o poder econômico geralmente detém também o
poder político) sempre geram desigualdade social. Quando poderosos oprimem e subju-
gam outros grupos, privilégios estão sendo mantidos, em um círculo vicioso de exclusão
e mais desigualdade.
O que se vê no Brasil, e em vários lugares do mundo, é que a desigualdade nem sem-
pre impede o crescimento econômico, mas sempre compromete o desenvolvimento social.
No Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, divulgado em 2017, com base em da-
dos de 2015, o Brasil ocupa a 79a posição em uma lista de 188 países.
Mas o que são os chamados indicadores que definem quais são os países subdesen-
volvidos? Tem-se os indicadores econômicos e os indicadores sociais e políticos. Oliveira
(2003a, p. 94) apresenta uma das classificações dos indicadores do subdesenvolvimento.
• Indicadores vitais:
◦◦ insuficiência alimentar;
◦◦ grande incidência de doenças;
◦◦ intensa natalidade e altas taxas de crescimento demográfico.
• Indicadores econômicos:
◦◦ Baixa renda per capita;
◦◦ predominância do setor primário sobre o secundário;
◦◦ problemas na agricultura;
◦◦ problemas na indústria;
◦◦ concentração de renda;
◦◦ problema no setor externo;
◦◦ subemprego.
Em contraposição aos indicadores econômicos, nos quais se pode incluir o Produto
Interno Bruto (PIB), tem-se os indicadores sociais e de desenvolvimento humano, como o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera o PIB per capita – depois de cor-
rigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país –, a longevidade e a educação. A renda
é mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina
Ao ter consciência do seu atraso, muitas vezes a própria população passa a exigir mu-
danças e ações mais concretas, por parte sobretudo do Estado.
Mesmo não sendo o único fator determinante do desenvolvimento, o papel da edu-
cação se desdobra em vários níveis. Essa relação entre educação e desenvolvimento já foi
profundamente comprovada por órgãos nacionais e internacionais, que chamaram a aten-
ção para os riscos de não se investir na educação como condição para deter o aumento das
desigualdades e o avanço da pobreza.
As implicações do desenvolvimento econômico do país de certa maneira aparecerão
na educação, de uma forma ou de outra, particularmente quando se avalia os resultados do
processo educativo. Na verdade, há uma interdependência entre o processo educativo e o
desenvolvimento social de um país.
Mudanças sociais que levem a população a ter uma melhor condição de vida nem sem-
pre acontecem, porque a própria mudança pode ser reacionária, conservadora ou progres-
sista. Apenas no último caso se pode falar em avanços em direção ao desenvolvimento so-
cial, do contrário, o que se tem é a manutenção do status quo.
2 Hoje não se adota mais essa terminologia em razão do colapso do socialismo, ocorrido a partir
de 1989, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. O Primeiro Mundo era formado
pelos países ricos, capitalistas, alinhados com os Estados Unidos; o Segundo Mundo seria composto
pelos países socialistas; e o Terceiro Mundo era constituído pelos demais, os países pobres, localizados
em sua maioria nas Américas (Central e do Sul), África e Ásia.
É claro que não é por acaso que hoje temos aproximadamente 78% da população mun-
dial vivendo nas regiões mais pobres do mundo. Na verdade, a explicação deve ser busca-
da nas origens do próprio subdesenvolvimento, que está ligado à evolução do capitalismo.
Nesse processo, alguns países enriqueceram às custas da exploração de outros, especial-
mente durante o processo de colonização, desde o século XVI, quando Portugal e Espanha
resolveram se lançar ao mar em busca de novas terras para expandir seus mercados e novos
produtos para incrementar seu comércio. Foram seguidos por outros países, como França,
Itália, Bélgica, Holanda e, sobretudo, Inglaterra. Ao longo de quase quatro séculos, os paí-
ses europeus constituíram colônias de exploração3 em países da América, África e Ásia.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, teve início a descolonização afro-asiática, tra-
zendo com ela o agravamento da situação das ex-colônias que foram “abandonadas à própria
sorte”. Suas economias estavam aniquiladas, as atividades industriais (quando existiam) esta-
vam defasadas, assim como a agricultura tinha baixa produtividade e todos tinham enormes
dívidas externas. O que fazer então?
Em 1951, a ONU divulgou um relatório que já denunciava as desigualdades entre os
países, chamando a atenção especialmente para os novos países surgidos no processo de
descolonização. A realidade era alarmante. Ali viviam 68% da população mundial, mas ape-
nas 17% da renda mundial estava nas suas mãos. Isso é o que chamamos de concentração de
renda, fenômeno muito conhecido por todos nós brasileiros, ou seja, aquela situação em que
a maioria vive com muito pouco enquanto uma minoria acumula a maior parte da riqueza
nacional, o que só agrava o subdesenvolvimento.
A solução para esse problema não é fácil e tampouco será implementada sem o envolvi-
mento dos países ricos, que, afinal, são um dos grandes responsáveis por essa situação. É preciso
que esses países se conscientizem da sua responsabilidade diante das desigualdades mundiais
e colaborem para diminuir as disparidades entre os países subdesenvolvidos e entre esses e o
mundo desenvolvido.
3 Aspecto do processo de colonização europeu, baseado na exploração dos recursos naturais dos
países transformados em colônias, sem a preocupação de estruturar a economia desses países para seu
próprio benefício. O objetivo era única e exclusivamente enriquecer a metrópole.
4 Para saber mais sobre esses indicadores, consulte o site do MEC – Indicadores Demográficos e
Educacionais. Disponível em: <ide.mec.gov.br>. Acesso em: 18 abr. 2018.
a exigir do Estado que ele cumpra com seu papel de promotor de políticas voltadas para o
desenvolvimento social e econômico da sociedade. Sem isso, não há mudança social, nem
mobilização que se reflita em uma maior participação política, enfim, melhoria da qualidade
de vida da população. Compreender a sociedade na qual a educação está inserida é essencial
e contribui para o exercício pleno da cidadania. Conhecer seus direitos e deveres é um co-
meço para exigir do Estado e da própria sociedade um compromisso maior com a promoção
do desenvolvimento social, que passa, como se viu, pela educação.
Dicas de estudo
Documentário:
• NUNCA me sonharam. Direção: Cacau Rhoden. Roteiro: Tetê Cartaxo; Cacau
Rhoden. Produção: Marcos Nisti; Estela Renner; Luana Lobo. Brasil: Maria Farinha
Filmes, 2017. 84 min.
Esse documentário tem como objeto a situação das escolas públicas de Ensino Médio
do país. Apresenta alguns dos muitos problemas enfrentados pelos jovens brasileiros,
tais como gravidez precoce, violência de todo tipo, pobreza, desagregação familiar etc.
Leitura:
• LAZZAROTTO, Bruno; BRONZO, Carla. Desigualdades educacionais e pobreza.
Belo Horizonte: PUC-Minas, 2013.
Atividades
1. São considerados pobres os países que têm baixos níveis de desenvolvimento huma-
no, econômico e social. Países em desenvolvimento, como o Brasil, também podem
ter indicadores baixos. Explique qual a relação entre pobreza, desenvolvimento eco-
nômico e desenvolvimento social.
Diante do quadro exposto até aqui, é momento de esclarecer o que se entende por “me-
nos iguais”: são aquelas pessoas que não desfrutam dos mesmos bens e serviços aos quais as
camadas privilegiadas economicamente têm acesso, tais como boas moradias, bom serviço de
saúde, boas escolas etc. Enfim, aquelas que, contrariando todos os discursos vigentes, são a
prova viva de que não se pode falar em justiça social ou em democracia racial no Brasil.
As desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira, construídas social e his-
toricamente, têm uma múltipla causalidade. Como se viu no início deste texto, o próprio
passado colonial e escravista deixou sua marca nas estruturas sociais, desdobrando-se
em racismo, preconceitos, exclusão e negação da cidadania para a maioria da população.
Particularmente o racismo, ao transformar “diferenças físicas e culturais em desigualdade,
exclusão e separação, prestou-se muito bem ao papel de justificar privilégios econômicos e
sociais conquistados por meio da subordinação e da exploração dos grupos humanos consi-
derados biologicamente inferiores” (QUEIROZ, 1995, p. 95).
Conceitos como identidade, alteridade, diferença e multiculturalismo, além da própria
concepção de cultura, todos tão caros às Ciências Sociais, são hoje cada vez mais importan-
tes para se discutir as condições de vida de uma população. Não existe uma cultura e nem
a cultura, é disso que vai tratar o multiculturalismo. Nenhuma sociedade é homogênea e,
portanto, sempre haverá a relação com o “outro”. O que não se pode aceitar é que se trate
a desigualdade como sendo fruto de características físicas ou de diferenças econômicas,
religiosas ou culturais.
Na busca de um ensino de qualidade e com o objetivo de construir um projeto político-
-pedagógico promotor da cidadania dos educandos, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) contemplam a discussão sobre pluralidade cultural, multiculturalismo, ética, mas
não apontam muitos caminhos para mudar as condições do acesso desigual à educação e
nem à questão dos vários tipos de preconceitos que encontramos na sociedade brasileira.
O documento nem ao menos deixa claro o que se pode entender por identidade nacional,
conceito fundamental para se pensar um país miscigenado como o Brasil. Mas isso não im-
pede que se veja os PCN como um avanço na tentativa de solucionar alguns dos grandes
problemas do Brasil e da educação por meio de um ensino de mais qualidade e comprome-
tido com o exercício pleno da cidadania.
Podemos pensar esse assunto inclusive sob o viés da ideia de currículo escolar e da forma
como os conteúdos são escolhidos e como serão trabalhados em sala de aula. O que se deve
ressaltar é que qualquer proposta educacional e curricular que não trate dessas questões estará
Dica de estudo
Música:
• Analise a letra da música “Haiti”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, fazendo uma
reflexão sobre a realidade do Brasil e as desigualdades socioeconômicas que ca-
racterizam o cotidiano de milhares brasileiros. Se possível, faça isso ao som da
própria música.
Haiti
Caetano Veloso e Gilberto Gil
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
[...]
CAETANO Veloso. Haiti. Caetano Veloso; Gilberto Gil [Compositores].
In.: Tropicália 2. Produção: Liminha; Caetano Veloso; Gilberto Gil, Rio de Janeiro:
Warner Music Group, 1993. (42 min 05s). Faixa 1 (4 min 19s).
O que não se pode contestar é que efetivamente os problemas sociais podem compro-
meter a sociedade em sua coesão e equilíbrio. O aumento da violência que se verifica hoje
nas grandes cidades brasileiras constitui um exemplo de situação que pode abalar os valores
da sociedade e produzir mudanças indesejáveis.
Mas esse não é o único grave problema social que acomete o Brasil, e a maior parte
deles pode ser analisada sob a premissa básica de que são traços da colonização do país que
ainda se mantêm na estrutura social brasileira. Pode-se começar pensando na maneira como
aconteceu a ocupação territorial do Brasil: as pessoas foram se concentrando nas regiões li-
torâneas, no Nordeste e Sudeste, demorando um pouco mais para ocupar as demais regiões
do país. E o que isso significou? Resultou em um maior desenvolvimento de determinadas
atividades econômicas e da urbanização ao longo do litoral, gerando um “quase esqueci-
mento” das demais regiões.
Sempre houve no Brasil uma relação entre poder econômico e poder político, que na
prática se refletiu em uma forma de administrar o país baseada na defesa dos interesses
dos grupos dominantes, em detrimento do restante da população. É nesse contexto que se
consolidam por aqui o paternalismo, o nepotismo, o clientelismo e, sobretudo, a corrupção.
Dessa maneira, foi aumentando o número de grandes proprietários de terras por todo o
país, prejudicando os pequenos produtores rurais, particularmente aqueles que produziam
alimentos e que abasteciam as cidades. Quando a situação chegava a um ponto em que esses
produtores não viam mais perspectivas de trabalho e qualidade de vida no campo, migravam
para a cidade, num fenômeno chamado êxodo rural. A concentração de terra aumentou com a
concentração de renda, as quais são hoje os maiores problemas do Brasil e talvez aqueles de
solução mais difícil.
Problemas estruturais como esses inevitavelmente se refletem na educação, porque não
há como separar o sistema educativo da sociedade à qual ele serve. Há um certo consenso
na sociologia e nas demais áreas que tomam a educação como objeto de estudo de que “a
análise da situação educacional do país aponta para a necessidade de se expandir o ensino
de modo a superar o atendimento desigual das camadas sociais, fruto de uma forte concen-
tração de renda” (PESSOA, 1997, p. 197).
Outro traço da colonização ainda presente refere-se à questão da cidadania, não exercida
plenamente no país. Algumas pessoas, por sua situação econômica mais privilegiada, conside-
ram-se “melhores do que as outras” e garantem para si mesmas alguns privilégios, aos quais a
maioria da população não tem acesso.
Então, como analisar questões como essa? Procurando estabelecer relações de causa e
efeito entre os fenômenos sociais que desencadeiam problemas. A solução das discussões
e análises serve de base para as políticas públicas que deverão ser implementadas. E nisso,
mais uma vez, o pensar sociologicamente faz a diferença.
Um dos traços mais marcantes do sistema educacional brasileiro é o fato de que todas
as decisões sempre foram tomadas “de cima para baixo”, isto é, trata-se de um sistema de
ensino que começou com aqueles que detinham o poder. O primeiro ato oficial de ensino no
Brasil é representativo dessa postura: em 1759, o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas,
sua não conseguir aprender. No âmbito da sociedade como um todo, há um grande prejuízo
para a força de trabalho, que não está preparada para atender as demandas do mercado, o
que acaba prejudicando o ritmo do desenvolvimento socioeconômico do país.
Para algumas pessoas prevalece a lógica de que apenas por meio da escola a criança
pode se tornar um indivíduo pleno, bem preparado, satisfeito e realizado com sua trajetó-
ria de vida. Rubem Alves1 mostra sua preocupação com essa ideia que orienta alguns pais
e professores: de que somente o fato de frequentar a escola é suficiente para garantir um
futuro feliz às crianças e que será na escola que eles aprenderão tudo sobre a vida e sobre
o que mais quiserem saber. Ao assumirem essa postura, a ilusão de que os professores res-
ponderão a todas as perguntas permanece na mente das crianças. No entanto, analisando-se
como funcionam as escolas e qual a filosofia que sustenta o processo educativo de modo
geral, sabe-se que isso não ocorre dessa maneira, e, portanto, o desencanto e a frustração em
relação à escola por parte do aluno é quase que esperado.
Por essa razão é que se vem buscando, já há algum tempo, promover reformas educa-
cionais que levem a uma escola promotora da cidadania e menos preocupada com a trans-
missão de conteúdos e preparação para o mundo do trabalho. Formar cidadãos conscientes
passa a ser o objetivo maior.
A crise qualitativa da educação compromete não só esse projeto, como também a cons-
tituição de uma cidadania construída sobre bases mais sólidas, até porque nenhum país tem
educação de qualidade sem garantir o acesso à escola para toda a população. Em se tratando
de política pública, uma educação voltada para uma minoria da população, ainda que seja
de excelência, não é de qualidade. A qualidade deve estar atrelada à universalidade, isto é,
o acesso à educação tem que ser uma realidade para toda a população.
Nesse processo não se pode deixar de considerar as necessidades e os problemas re-
lacionados ao professor e à carreira docente. Pensar os vários aspectos ligados à formação
desses profissionais, suas condições de trabalho, remuneração, reconhecimento social, pos-
sibilidade de se reciclar periodicamente, entre outros, torna-se primordial para a mudança
da realidade educacional do Brasil.
Além da atenção que deve ser dispensada à formação dos professores, a qualidade da
educação passa também pela criação e pelo bom aparelhamento de bibliotecas, avaliação
dos livros didáticos, materiais e capacitação para classes de aceleração. É preciso também
ampliar e diversificar a produção de materiais específicos para o professor e melhorar a
gestão das escolas e do sistema educacional.
Muito tem sido feito no sentido de reverter o histórico quadro de problemas educa-
cionais, em uma ação conjunta entre Estado e sociedade civil, com reformas e mudanças
em várias áreas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) abriu todas as possibilidades
no plano normativo: flexibilidade, direito de aprender, consideração pela experiência do
aluno e ensino prático, que faz sentido para a vida, além da autonomia e avaliação para
1 Ver livro indicado na relação das sugestões de leitura, Pinóquio às avessas, obra que sustenta
esse ponto de vista.
Uma das ideias mais difundidas quando se fala em educação e processo ensino-apren-
dizagem é a que diz respeito ao fracasso escolar. Pelos mais diferentes motivos, um aluno
não consegue acompanhar o ritmo dos colegas e acaba “ficando para trás”, sem entender
muito onde ou por que fracassou. Na maioria das vezes, o fracasso escolar, que pode se
refletir na repetência ou na evasão, marca para sempre a vida desse aluno e o desestimula a
continuar estudando.
Diante desse quadro, é importante que currículo e estratégias pedagógicas contemplem
a diversidade social e cultural dos educandos, para que possam desenvolver suas habilida-
des e vejam a escola como algo que tem sentido, e não como algo que não se relaciona em
nada com a sua realidade. A escola “expulsa” os alunos quando os conteúdos não fazem
sentido para eles, levando ao fracasso escolar.
O fracasso social pode ter suas origens no fracasso e no abandono escolar. Mas quando
a escola reconhece as especificidades de seus alunos, valoriza suas habilidades e possibilita-
-lhes oportunidades, contribui para que diminuam as chances de que esses alunos venham
a apresentar comportamentos antissociais.
Esse é um problema sério, mas torna-se mais dramático em um país como o Brasil,
onde as condições geradas pelo subdesenvolvimento impõem a necessidade de se buscar
soluções para o problema. É nesse contexto que a sociologia da educação desempenha um
papel fundamental, na medida em que possibilita refletir “sociologicamente” sobre a ques-
tão do fracasso escolar, desmistificando o problema. Empregar diferentes variáveis em suas
análises, fazendo as devidas relações entre elas, como, por exemplo, relacionar os maus
desempenhos escolares com o nível de renda das famílias dos estudantes, é uma leitura da
realidade que abre novas possibilidades na busca por soluções.
Vale lembrar o que diz Pedro Demo (1985, p. 58) quando pensa o que é educar. O autor
começa fazendo uma pergunta:
educar é ciência ou é arte? Digo que educar é também ciência, mas é principal-
mente arte. Por várias razões: porque não é produto, mas processo; porque não
é só técnica, mas principalmente criatividade; porque não é treinamento, auto-
promoção; porque não é instrumentalização, mas formação. [...]. Não se produz
um educando de fora para dentro. Não pode ser um produto da domesticação,
do treinamento, a moldagem externa. Deve ser consequência criativa de um pro-
cesso de desenvolvimento das potencialidades, no qual o ator fundamental é o
educando, que se cria, não o educador, que é somente motivador.
Essa ideia é compartilhada por Pozo (2002, p. 273), que diz que a função do professor é
ajudar os educandos a superarem suas dificuldades ao mesmo tempo que vai se tornando
dispensável quando seu aluno conduz sua aprendizagem.
Para ele, o mestre deve fazer
com que o aprendiz chegue a ser autônomo e exerça o controle pleno de sua
aprendizagem, quer dizer, que seja mestre de si mesmo. Dessa forma, fazendo
com que o aluno seja, como deve ser, o protagonista principal de sua aprendiza-
gem, o professor ficará relegado a esse estranho papel de ator secundário que só
nos grandes filmes se pode apreciar, em fugazes, mas decisivas aparições, que
imperceptivelmente, marcam com sua sombra o curso de todo o filme e, a seguir,
permanecem vigorosas em nossa memória.
Quando o processo de ensino e aprendizagem acontece como descrito acima, dimi-
nuem as chances de fracasso escolar, especialmente de repetência e evasão.
Desde a colonização foi cultivada no Brasil uma cultura da repetência, atribuindo ao
aluno que fracassava a inteira responsabilidade por isso, sem questionar o papel da família
e da escola nesse processo. Todo o processo de avaliação era pensado no sentido de “medir”
os conhecimentos adquiridos/decorados e não refletir sobre a produção do conhecimento
realizada pelo próprio aluno. Deve-se lembrar que o professor também era formado dentro
dessa mesma mentalidade. Assim, muitos acreditavam que escola boa era a escola que re-
provava e que a avaliação não era um processo contínuo, que não se restringe apenas a pro-
vas periódicas, mas diz respeito também aos valores que sejam cultivados na convivência.
Um dos primeiros mitos que devem cair por terra (felizmente) é aquele que relaciona
o fracasso escolar ao nível de inteligência do educando. É uma pena que nem sempre o
próprio aluno perceba isso e acabe tendo um sentimento de inferioridade diante do seu fra-
casso. A explicação sociológica explicita as verdadeiras causas dos resultados ruins e retira
da criança e do jovem o estigma da “burrice”. É o que acontece com um aluno repetente ou
que desiste de ir à escola dizendo: “não vai dar certo mesmo, porque eu é que sou burro e
não consigo aprender nada”.
Uma das questões mais sérias nessa discussão sobre o fracasso escolar é a que diz
respeito à responsabilidade da família nesse insucesso. Lembre-se mais uma vez que as
Dicas de estudo
Filme:
• O ESPELHO tem duas faces. Direção: Barbra Streisand. Roteiro: Richard
LaGravenese; André Cayatte; Gérard Oury. Produção: Arnon Milchan; Barbra
Streisand. EUA: Phoenix Pictures; Columbia Pictures, 1996. 126 min.
Este filme, produzido em 1996, é inspirador quando se pensa nas mudanças que aconte-
ceram daquela época para cá e como isso se reflete na prática docente. Conta a história
de um casal de professores da Columbia University que troca experiências no sentido
de perceber o que seus alunos querem em sala de aula.
Leituras:
• ALVES, Rubem. Pinóquio às avessas. São Paulo: Verus, 2005.
Livro voltado para o público infantil, mas que interessa a todos que se interessem pela
educação. O autor parte do clássico da literatura infantil para fazer uma crítica à escola
Atividades
1. Explique de que maneira o grau de instrução dos membros da família pode interferir
no sucesso escolar dos filhos.
Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário conhecer um pouco mais dessa prática. As enor-
mes exigências de atualização, as novas tecnologias, as novas exigências da família, da escola e
da sociedade em relação à formação dos indivíduos colocam para o professor novas obrigações.
Mas a realidade da maioria desses profissionais já é um desafio constante, fora todas
essas novas demandas: longas jornadas de trabalho, a exigência de formação continuada, a
baixa remuneração, a dificuldade de se atualizar, a violência dos alunos etc. são alguns dos
problemas enfrentados no dia a dia. Ao listar-se os problemas da educação brasileira, o que
se percebe é que boa parte deles é herança da colonização. A educação no Brasil foi negli-
genciada por séculos e, quando mereceu alguma atenção, foi para atender a interesses das
classes dominantes, e não para buscar soluções para a exclusão da maioria da população do
processo educativo.
Ao longo do tempo, o professor foi visto de diversas formas e assumiu diferentes res-
ponsabilidades. Dentro da estrutura formal da escola, isto é, sua organização como institui-
ção, o professor é uma das partes do sistema educacional. No entanto, ele é muito mais do
que isso, uma vez que conduz o processo educativo dentro da sala de aula junto de seus alu-
nos, influencia-os, aprende com eles, troca experiências num processo de interação social
constante. Ao concretizar-se a interação entre professor e aluno, um aspecto que chama a
atenção são os papéis que cada um deles desempenha. Deve-se lembrar que, como qualquer
papel social, esses também não são dados, mas sim construídos, nas relações no interior da
escola, onde a sala de aula aparece como o espaço privilegiado. Mas deve-se lembrar que
cada um percebe a sociedade de acordo com o seu grupo de referência e os conhecimentos
acumulados por ele ao longo de gerações. As condições em que isso ocorre podem variar de
acordo com o momento histórico e conforme o contexto, mas em todos os casos acontecem
conflitos e cooperação entre os vários atores envolvidos. Nesse sentido, o professor tem po-
der e o exerce de formas variadas, de acordo com os objetivos que estabelece para si e para
seu trabalho.
Mas, infelizmente, alguns professores não percebem a sala de aula como um espaço
diferenciado para a efetivação de relações e processos sociais. Estabelecem com seus alunos
uma relação linear, hierárquica, previsível, marcada pelo excesso de normas e regras que
devem ser seguidas (pelos alunos) e por um conjunto de princípios dados pela instituição
ou pelo próprio professor, sem questionamentos. Isso se deve ao fato de que alguns profes-
sores veem seus alunos de forma homogênea, desconsiderando as diferenças em termos de
interesses pessoais, as expectativas em relação à escola etc.
O professor, ao não considerar as várias relações e sentidos existentes na sala de aula,
pode não se dar conta de que seu papel não é apenas ensinar, transmitir conteúdos, mas tam-
bém participar ativamente do processo de socialização e construção do conhecimento dos seus
alunos. É preciso que haja na sala de aula espaço também para a manifestação das individua-
lidades, do conflito, da crise e das dúvidas. E isso só acontece quando o professor se torna um
interlocutor para seus alunos e não apenas uma figura no exercício de sua autoridade.
Por meio desse processo é que a aprendizagem e o processo educativo se tornam signifi-
cativos para o educando. Cada sujeito envolvido – professor, aluno, direção da escola, funcio-
nários, comunidade externa – contribui de alguma forma para a construção dessa realidade,
o processo educativo (alunos, pais, colegas professores, direção e funcionários da escola) e in-
vestigar os temas mais relevantes para a comunidade na qual se insere. Isso é importante, visto
que a sociedade e a escola são marcadas pela coexistência de múltiplos saberes, que podem
ser assimilados e mais bem explorados à medida que mais se souber sobre eles. A pesquisa se
mostra um meio pelo qual se pode não só conhecer e aprofundar esses saberes, mas também
incorporá-los à prática educativa.
Outro aspecto fundamental relaciona-se ao surgimento e à proliferação de novos meios
de comunicação – os multimeios –, que exigem do professor não só domínio dessas tecno-
logias, mas, principalmente, uma tomada de consciência no sentido de se adequar e poder
tirar proveito desses novos componentes do processo educativo escolar. Isso porque
as novas tecnologias desenvolvem-se em um contexto político e social profun-
damente diferente do contexto do capitalismo industrial e do Estado-Nação.
Nesse sentido, é importante observar que passamos do otimismo inicial, com
o qual se viu a expansão das novas tecnologias e seu impacto na democracia e
na igualdade social, para visões pessimistas que prenunciam cenários de exclu-
são, de conflito e de difusão de novas formas de fundamentalismo autoritário.
(TEDESCO, 2004, p. 10)
Será que os cursos de formação de professores conseguem dar subsídios para lidar com
essa realidade? Como agentes da socialização e também produtos dela, os professores se
relacionam o tempo todo com essas novas formas de linguagem, assim como seus alunos.
De acordo com Tedesco (2004, p. 24), “o problema para a educação na atualidade não é onde
encontrar a informação, mas como oferecer acesso a ela sem exclusões e, ao mesmo tempo,
aprender a ensinar a selecioná-la, avaliá-la, interpretá-la, classificá-la e usá-la”. Deve-se sem-
pre lembrar que quando se está falando de informação não necessariamente se está falando de
conhecimento, os quais não são sinônimos. Além disso, é preciso questionar também em que
sociedade esse enorme volume de informações circula e a quem serve.
Tedesco (2004, p. 96) afirma que
o acesso a grandes quantidades de informação não assegura a possibilidade
de transformá-la em conhecimento. O conhecimento não viaja pela internet.
Construí-lo é uma tarefa complexa, para a qual não basta criar condições de aces-
so à informação. Hoje, para poder extrair informação útil do crescente oceano de
dados acessível na internet, exige-se um conhecimento básico do tema investiga-
do, assim como estratégias e referenciais que permitam identificar quais as fon-
tes são confiáveis. Por outro lado, não devemos esquecer que, para transformar
a informação em conhecimento, exige-se – mais que qualquer outra coisa – pen-
samento lógico, raciocínio e juízo crítico.
Assim, o problema dos docentes pode ser desdobrado em vários outros temas, tais
como: a relação número de matrículas x número de professores, as condições de trabalho, a
remuneração, as condições e possibilidades em termos de aperfeiçoamento profissional, o
domínio e o uso das novas tecnologias, entre outros.
todo que é a sociedade, a qual se integra em medida que ambos têm um fim comum, que é
a socialização do indivíduo. É uma das instituições sociais e, desse modo, também um pro-
duto histórico. A educação, de acordo com Durkheim, para possibilitar a vida social, teria
como um dos seus fins garantir uma certa homogeneidade entre os membros da sociedade.
Segundo Tura (2002, p. 51), o professor, para Durkheim,
é um transmissor de saberes [...] valorizados e essenciais à continuidade socie-
tária. É um agente da formação integral dos alunos e, por isso, tendo o domínio
das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo, pode
criar as condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a
importante função social do mestre, de contribuição essencial para a formação
de futuros cidadãos.
Assim, os fins da educação também seriam determinados pela própria sociedade na
busca pelo consenso, pela manutenção dos valores básicos que a sustenta e que garantem
sua existência. A educação seria então um tipo de socialização “sistematizada”, algo pauta-
do na disciplina e numa autoridade – o professor.
Marx, por sua vez, não via na atividade do educador a possibilidade de transformação
social da qual a sociedade necessitava, porque, segundo ele, o próprio educador era parte
do sistema e, portanto, não teria condições de encaminhar a superação do capitalismo. Dizia
que a atividade do educador tem limites, dados por sua subjetividade como ser social e pelo
fato de ser ele também um sujeito que é educado pelo sistema no qual se insere. O homem é
muito mais do que o resultado do meio em que vive e só pode ser entendido plenamente se
forem consideradas suas condições materiais de existência. Para Marx, a escola definitiva-
mente não é o lugar no qual pode ter início a transformação revolucionária.
Finalmente, para completar o quadro referencial básico, resta analisar brevemente como
Weber vê a educação e o papel do professor. Em linhas gerais, Weber, mesmo não tendo consi-
derado diretamente a educação como objeto de estudo, nos dá algumas pistas para podermos
entender como via o processo educativo. Um dos traços mais claros é o fato de acreditar que
por meio da educação e dos sistemas escolares se dava a imposição da cultura, dos valores da
camada dominante da sociedade, o que lhe garantiria sua legitimação e reprodução social.
A inculcação desses valores e o acesso diferenciado aos bens culturais e materiais estariam
relacionados com a classe social do indivíduo e, sendo assim, haveria diferentes bens culturais
para diferentes grupos sociais, de status também diferentes. Na verdade, o que Weber diz é
que a educação, de certa forma, reproduz as desigualdades que se verifica na sociedade, por
meio de mecanismos de dominação e da burocratização dos sistemas escolares.
Diante disso, vale retomar um pouco a reflexão sobre o papel do professor na sociedade
atual. O que se pode perceber é que a escola, o professor e o sistema educativo como um
todo não se colocam mais apenas como agentes socializadores, como agentes da mudança.
São mediadores no processo de construção do conhecimento. E, finalmente, a própria cultu-
ra escolar é vista como mais uma forma de conhecimento, concorrendo com outros meios e
tecnologias de produção e de transmissão do saber. Assim, é preciso destacar que as novas
tecnologias e as novas metodologias incorporadas ao saber docente modificaram o papel
tradicional do professor, o qual percebe hoje que sua prática pedagógica precisa estar sendo
qualquer, mas que tem sua especificidade, uma vez que é um dos principais agentes de
uma instituição fundamental no processo de socialização e formação do indivíduo – e,
como tal, precisa se comprometer com o processo de constituição de uma sociedade mais
justa e igualitária.
Dicas de estudo
Filmes:
Assista aos filmes indicados a seguir, procurando perceber cada um deles o tipo de
professor que é retratado e qual é a sua proposta pedagógica (considere também o filme
indicado no capítulo 8, Escritores da liberdade).
• GÊNIO indomável. Direção: Gus Van Sant. Roteiro: Ben Affleck; Matt Damon.
Produção: Lawrence Bender. EUA: Miramax Filmes, 1998. 126 min.
Um professor universitário ajuda um aluno brilhante que está fora da escola a superar
sua realidade difícil, realizar seus sonhos e conquistar seu espaço no mundo.
Leituras:
As obras referenciadas a seguir são voltadas para o professor, propondo a discussão de
vários temas que fazem parte do seu cotidiano e da sua formação profissional.
• MASETO, Marcos T. O professor na hora da verdade: a prática docente no ensino
superior. São Paulo: Avercamp, 2010.
• SACRISTÁN, José Gimeno (et al.). Educar por competências: o que há de novo?
Porto Alegre: Artmed, 2011.
• MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/
Brasília, Cortez/Unesco.
• GOMES, Nilma Lino; GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz (Org.). Experiências
étnico-culturais para a formação de professores. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
A concepção de cultura tem uma longa trajetória na sociologia, mas de modo geral
é definida como sendo um conjunto de padrões concretos de comportamento (com-
posto por costumes, usos, tradições, hábitos etc.) construídos social e historicamente e
que servem de referência para um grupo ou uma sociedade. Essa produção acontece
por meio da interação entre os indivíduos e se constitui em um elemento chave da
identidade de determinado grupo ou sociedade.
desempenhar um papel importante nesse processo. Questões étnicas, raciais, religiosas, eco-
nômicas, políticas (relacionadas ao exercício do poder) ou de classes sociais não podem ser
usadas para tentar justificar qualquer tipo de submissão, exclusão e/ou segregação, sob pena
de estarmos ignorando a importância da diversidade para a humanidade.
O não reconhecimento do outro é a base do etnocentrismo e das atitudes hostis para
com esse outro, procurando sempre desvalorizá-lo. Com comportamentos desse tipo, o que
não está sendo considerado é que há uma grande diversidade cultural que só enriquece a
convivência humana e que deve ser valorizada. Na verdade, não existem civilizações, ra-
ças ou religiões superiores ou inferiores, nem melhores ou piores. Há apenas a diferença.
Sempre que fizermos algum comentário ou tomarmos uma atitude baseados num juízo de
valor, estaremos sendo etnocêntricos e, consequentemente, preconceituosos. Reconhecer,
compreender, respeitar e preservar a diversidade não significa aceitar a desigualdade.
Recentemente, inclusive no ambiente escolar, as ideias de respeito e tolerância tam-
bém vêm sendo discutidas, questionando os próprios termos. Por que se diz que as pessoas
devem ser tolerantes com o diferente? isso passa uma impressão de superioridade – visto
que tolerar o próximo apenas reflete uma atitude de bem e não necessariamente o reconhe-
cimento do próximo, e pode acontecer também uma falsa aceitação da diferença, que não
traduz a tomada real da consciência de sua importância. Em consonância com Tomaz Tadeu
da Silva (2000, p. 88),
do ponto de vista mais crítico, as diferenças estão sendo constantemente pro-
duzidas e reproduzidas através de relações de poder. As diferenças não devem
ser simplesmente respeitadas ou toleradas. Na medida em que elas estão sendo
constantemente feitas e refeitas, o que se deve focalizar são precisamente as rela-
ções de poder que presidem sua produção.
Assim, ainda de acordo com o autor (p. 89), é necessário analisar os “processos pe-
los quais as diferenças são produzidas através de relações de assimetria e desigualdade”.
Até porque são essas relações de poder que estratificam e hierarquizam uma sociedade,
determinando quem pode e quem não pode ter o direito de exercer a cidadania. Critérios
como etnia/raça, religião, escolaridade, poder econômico, entre outros são utilizados para
promover essa distinção social que acaba por gerar a exclusão e as desigualdades sociais.
Tem-se, então, as chamadas minorias, que nada mais são do que o conjunto dos cidadãos aos
quais, por alguns daqueles critérios, foram ou estão sendo negados direitos básicos como,
por exemplo, educação.
É preciso esclarecer o que se entende por minorias, já que se vai trabalhar com questões
que afetam de perto essas camadas da população que, na maioria das vezes, são maioria em
termos numéricos, demográficos, mas minorias quando se trata de direitos e acesso a bens
e serviços sociais e culturais. Pelo contrário, pode-se estar fazendo referência a um grupo
majoritário nesse sentido, mas que não desfruta de sua cidadania de maneira plena ou é
excluído da sociedade.
ameaça, se visto como uma tentativa de oprimir e eliminar as diferenças culturais. Mary Del
Priore apresenta uma definição que vale a pena incorporar. Diz a autora:
nas democracias pluralistas, assistimos a um movimento generalizado de incre-
mento das identidades particulares. Minorias, populações autóctones, grupos
de migrantes e imigrantes manifestam seu desejo de reconhecimento cultural.
“Viver junto” é uma questão cada vez mais premente.
O termo “multiculturalismo” designa tanto um fato (sociedades são compostas
de grupos culturalmente distintos) quanto uma política (colocada em funciona-
mento em níveis diferentes) visando à coexistência pacífica entre grupos étnica e
culturalmente diferentes. Em todas as épocas, sociedades pluriculturais coexisti-
ram e, hoje, menos de 10% dos países do planeta podem ser considerados como
culturalmente homogêneos. Por outro lado, o tratamento político da diversidade
cultural é um fenômeno relativamente recente. (DEL PRIORE, 2002, p. 1)
Esse tratamento político vem sendo praticado em várias instâncias, inclusive na educa-
ção, ao se promover reformas e adotar diretrizes (inclusive curriculares) que proponham a
incorporação da questão da diversidade ao processo educativo.
Como se disse anteriormente, as atitudes preconceituosas não têm nenhum embasamen-
to científico e são julgamentos baseados na aparência, no comportamento ou nos valores de
um indivíduo ou de um grupo. Podem ser reforçadas, sistematicamente, por manifestações
que se repetem às vezes de forma muito sutil na vida social. Ao trabalhar com educação, é pos-
sível perceber que isso acontece inclusive nos livros didáticos, que trazem conteúdos racistas
ou abordagens extremamente preconceituosas com relação a populações de etnias diferentes,
mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais e grupos LGBT. Como se pode avan-
çar dessa maneira? Os professores podem colaborar nesse sentido, procurando desvendar e
mostrar para os alunos o quanto o preconceito pode ser dissimulado e sem sentido.
Dicas de estudo
Filmes:
Que tal um pequeno festival de cinema sobre diversidade cultural, choque cultural,
multiculturalismo e intolerância racial?
Assista aos filmes indicados a seguir e procure apreender de cada um deles os valores
que estão gerando conflito e/ou discriminação. Observe também o contexto histórico
em que se dão esses confrontos.
Qual é a proposta dos filmes em termos de transmissão de valores humanos e éticos?
Como é tratada a questão das diferenças culturais? E as dificuldades de comunicação
entre os “diferentes”?
• MISSISSIPI em chamas. Direção: Alan Parker. Roteiro: Ben Affleck; Matt Damon.
Produção: Lawrence Bender. EUA: Miramax Filmes, 1989. 128 min.
• SETE anos no Tibet. Direção: Jean-Jacques Annaud. Roteiro: Becky Johnston. Produção:
Jean-Jacques Annaud; Iain Smith; John H. Williams. Ingalterra; EUA: Mandalay Pictures;
Reperage & Vanguard Films, 1998. 135 min.
• HOTEL Ruanda. Direção: Terry George. Roteiro: Terry George; Keir Pearson. Produção:
Terry George. Reino Unido; África do Sul; Itália: Metropolitan FilmExport; Lions Gate
Filmes Inc.; United Artists, 2004. 120 min.
Leituras:
Cada uma das obras a seguir indicadas propõe uma discussão sobre o tema cultura e seus
desdobramentos, como, por exemplo, diversidade cultural, multiculturalismo e identida-
de, assuntos que não podem ser deixados de lado quando se propõe pensar a educação
na atualidade.
• GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz.
Jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos. 4. ed. Autêntica, 2006.
• ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrimo? 12. ed. São Paulo: Brasiliense,
1996.
• CANDAU, Vera Maria; MOREIRA, Antonio Flávio. Multiculturalismo: diferen-
ças culturais e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
Atividade
1. Defina cultura, diversidade cultural e multiculturalismo.
1. A sociologia e a educação
3. Deve constar na redação que por meio da socialização que ocorre no meio familiar, o in-
divíduo vai aprender a viver em sociedade, ou seja, serão transmitidos valores, normas e
regras que norteiam a vida na sociedade na qual você se insere. Pense no que sua família
lhe passou ao longo de toda a sua vida.
2. A sociologia da educação
1. Os três autores têm visões bem diferenciadas e até mesmo antagônicas sobre
como tratar os fatos sociais e analisar as questões trazidas pela consolidação
do modo capitalista de produção.
Apesar de não haver escrito nenhuma obra específica sobre educação, pode-
-se perceber nos escritos de Karl Marx algumas referências críticas ao papel
da educação na sociedade capitalista e sua superação. Para ele, a educação
estaria marcada por choques e conflitos de valores, interesses e convicções
que muitas vezes são irreconciliáveis, uma vez que espelham as reações so-
ciais permeadas pela luta de classes.
Max Weber, assim como Marx, também não adotou a educação como seu
objeto de análise, mas deixou sua importante contribuição ao trazer elemen-
tos fundamentais para a compreensão do sistema escolar dentro da buro-
cratização típica da sociedade capitalista. Essa burocratização, apoiada em
elementos de dominação e controle, segundo ele, afetaria a instituição esco-
lar, garantindo a manutenção das estruturas sociais. Apresenta novos temas
para discussão e análise, muitos dos quais até hoje contemplados pela socio-
logia da educação como, por exemplo, a questão da reprodução social. Não
vê a educação como o meio através do qual se daria a transformação dessa
sociedade – até porque essa não é a essência de sua sociologia, que pretende
mais compreender a sociedade do que transformá-la.
4. Educação e família
2. A música passa uma ideia da família nuclear modelo, formada por pai, mãe
e filhos, eventualmente com a presença de outros parentes, norteada por um
forte padrão moral, voltada para o aconchego proporcionado pela rotina.
É isso que garante a união e a mobilização de seus componentes sempre que
se faz necessário, em emergências, por exemplo. O que se percebe também é
um sentimento de certo modo antagônico em relação à família, ou seja, em
alguns momentos pode ser alguma coisa muito boa e, em outros, vir a ser
algo que eventualmente aborrece, irrita e gera frustração.
1. Entre as várias definições para esse termo, na sociologia, controle social pode
ser entendido como um conjunto heterogêneo de recursos materiais e sim-
bólicos disponíveis em uma sociedade para assegurar que os indivíduos se
comportem de maneira previsível e de acordo com as regras e preceitos vi-
gentes. O crime é uma categoria de desvio social definida como a violação de
normas ordenadas em lei criminal apoiada pelo poder e autoridade do Es-
tado. Assim, crime e desvio social não são exatamente sinônimos. Exemplo:
2. Uma vez que para se viver em sociedade é preciso que se respeite, que se obe-
deça a certas regras e normas, que se adote determinados padrões de com-
portamento já consagrados como sendo aqueles adequados e aceitos como a
maneira correta de conduta. Trata-se de saber o que é permitido ou proibido
fazer. A educação assume também o papel de socializar, de “preparar” o in-
divíduo para o convívio social, ensinando como ele deve se comportar e co-
laborar na reeducação, isto é, ajudando a “recuperar” aquele indivíduo que
por alguma razão não apresentou o comportamento social esperado. A ação
educativa da escola, assim como a da família, acontece a todo o momento, no
cotidiano, nos momentos mais banais e/ou também de forma programada,
organizada de maneira sistemática.
1. Fala-se de conformidade quando a ação social é orientada para uma norma (ou
por um conjunto de normas) que define os limites do comportamento consi-
derado permitido, delimitado, definido ou esperado. Conformismo é a atitude
de quem se conforma com todas as situações sociais, incluídas as normas e
regras impostas, sem necessariamente pensar sobre elas. Já resistência é o ato
de contestar e lutar para mudar ou abolir determinadas normas e/ou regras
consideradas inadequadas e/ou injustas.
9. A mudança social
2. Pesquisas mostram que quanto menor for o índice de escolaridade dos pais e/
ou da família, mais a educação é valorizada, por ser vista como o único meio
de mobilidade social. Assim, os pais costumam investir na educação de seus
filhos, porque acreditam que dessa forma eles ocuparão uma posição melhor
que a sua na escala social. O complemento da resposta é de caráter pessoal.
1. Pode-se definir movimento social como sendo uma ação coletiva, um com-
portamento coletivo orientado para a solução dos problemas sociais e satisfa-
ção das necessidades a ele ligadas. O desejo de cooperar e/ou exigir soluções
para esses problemas é o que leva também as pessoas a participarem dessas
ações. Na maioria das vezes, não estão vinculados a alguma instituição social
e sempre professam algum tipo de ideologia que motiva seus membros e os
mantêm unidos em torno de um mesmo propósito. Os movimentos sociais
são unificados, tendem a ser duradouros, constituem uma ação unificada,
baseada na solidariedade entre seus membros, têm uma ideologia e uma
perspectiva acerca de aonde querem chegar.
agente de controle social, uma vez que pode regular as relações entre todos
os indivíduos que compõem uma sociedade. Uma de suas funções é estabele-
cer e garantir que as normas e regras sociais sejam cumpridas pelos cidadãos.
2. Os negros foram trazidos para o Brasil para serem escravizados, em uma reali-
dade de profunda exploração e violência. A abolição da escravatura significou
inclusão na sociedade em termos sociais, políticos e econômicos. Milhões de
negros foram “libertados” e a maioria saiu das senzalas para povoar as favelas
e cortiços nas maiores cidades da época. Em nenhum momento, naquele con-
texto, perguntou-se o que eles iriam fazer sem acesso a empregos, moradias e à
educação, por exemplo. O resultado desse descaso foi que a maioria desses ne-
gros libertos tornou-se mão de obra barata nos centros urbanos, muitas vezes
caindo na marginalidade. Na tentativa de corrigir esse erro histórico, surgem
políticas afirmativas que buscam criar condições de acesso à educação para os
indivíduos e grupos que, sob condições “normais” da sociedade, não conse-
guiriam chegar ao ensino superior, como os afrodescendentes.
co. Essa condição tem ser extensiva à maioria da população. Caso contrário,
isso só irá favorecer as classes sociais economicamente dominantes. O cresci-
mento econômico não pode ser confundido com desenvolvimento humano.
2. O saber docente é plural, isto é, composto por vários outros saberes, resul-
tantes da experiência, da formação acadêmica propriamente dita e do senso
comum. Nesse sentido, seria interessante vincular a prática e a pesquisa à
docência. A sociedade e a escola são marcadas pela coexistência de múltiplos
saberes, que podem ser assimilados e mais bem explorados à medida que
mais se souber sobre eles. A pesquisa se mostra como um meio por meio do
qual se pode não só conhecer e aprofundar esses saberes, mas também incor-
porá-los à prática educativa.
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