Você está na página 1de 6

Orvácio Deolindo da Cunha Marreca, Tenente-Coronel reformado da PM,

publicou em 1940 o livro intitulado Histórico da Polícia Milita do Pará: desde seu
início (1820) até 31 de dezembro de 1939. Essa obra foi produzida em
atendimento à solicitação, convite do Comandante-Geral, Coronel César Rômulo
Silveira Júnior, do Exército Brasileiro.

Em verdade, esta foi a quarta tentativa desse empreendimento, três


anteriores que não lograram êxito. O primeiro intento, teve a comissão nomeada
a 01/12/1917, BG nº 179, no Comando do Coronel Cileno. Estavam nessa
comissão: 1º TEN José Vicente França Cavalcante, incumbido do registro
histórico desde suas origens até 31/12/1916, contando ainda com um 1º SGT e
um CB de Esquadra. A segunda tentativa, publicava no BG 1467, de 13/09/1928,
cuja comissão era composta por: Major Manoel Roberto de Azevedo
Vasconcelos, Chefe do Estado-Maior; Major José Castro Medeiros, comandante
do Grupo Misto; Capitão Antônio José da Silva; 1º TEN José de Oliveira Mélo; e
1º TEN José Vicente de Moraes Carapajó. Era comandante-geral o Coronel
Alberto Odorico de Mesquita. A terceira tentativa, no comando do Coronel
Manoel Ferreira Coelho, publicou no BG nº 96, de 02/02/1938, a comissão
composta dos seguintes oficiais: TEN CEL Alberto Odorico de Mesquita, Capitão
Valdemar Siqueira de Barros e Arouck, 1º TEN Bartolomeu Gonzaga da Igreja e
2º TEN Júlio Otéro Henrique Seabra e Miguel Osório.

A quarta tentativa, na verdade não compôs uma comissão, mas se


constituiu num convite dirigido ao TEN CEL Orvácio Marreca e foi feito pelo
Comandante-Geral, Coronel César Rômulo Silveira Júnior que colocou à
disposição do convidado o 1º TEN Ajudante do Comando Geral, José de Oliveira
Mélo.

Marreca em sua escrita adota uma fórmula simples e direta, colocando à


esquerda do texto o ano e à direita deste, os fatos que os mesmos se referem,
o que de mais importante aconteceu.

É na página 43 que Marreca narra a criação de um Corpo de Polícia, em


1820, transcrito abaixo:

1820. Decorria o ano de mil oitocentos e vinte. Estávamos sob a


administração da Primeira Junta Provincial, no sistema
constitucional que obedecia a Junta Governativa do Maranhão,
quando investido da autoridade de inspetor geral das tropas de
linha da Província, o Marechal de Campo, Manoel Marques,
desligou dos Corpos e autoridades militares, noventa e duas
praças que ficaram imediatamente às suas ordens e com elas
organizou um Corpo de Polícia com as atribuições, dadas pelo
Regulamento que baixou com o Decreto de 10 de dezembro de
1801, à Guarda Real de Polícia de Lisboa (Marreca, 1940: p. 43).
Daí em diante, percorre a história dando saltos cronológicos, sem
pormenorizar os acontecimentos. Salta para 1822 quando foi criada uma
Companhia de Bombeiros; depois para 1831 quando é criado o Corpo de
Municipais Permanentes e, posteriormente em 1835 quando, durante a
Cabanagem, o presidente Cabano Pedro Viangre reorganizou o Corpo de
Municipais Permanentes (Marreca, 1940: p. 43).

Em seguida, ele vai quase que ano a ano descrevendo as modificações de


nome da força policial, seu efetivo, e os respectivos comandantes que foram se
sucedendo. Mas sobre a Cabanagem o autor nada mencionou.

Traz referência da criação do Corpo Provincial de Voluntários da Pátria, em


1865, pela Lei nº 477, de 25 de fevereiro, que colocou a disposição das forças
imperiais o Corpo Provincial de Caçadores de Polícia.

Em seguida, o Decreto de 07/01/1861. Foi a 15/03/1865 que o TEN CEL


Joaquim Cavalcante de Albuquerque Belo foi promovido a este posto e a 29
seguiu para a Guerra do Paraguai com um corpo de mil voluntários,
denominando-se no campo de batalha de 13º Corpo de Voluntários da Pátria.

Sobre os acontecimentos da Guerra do Paraguai percorre somente a


narrativa acerca de como ficou o policiamento da cidade.

Já sobre a Guerra de Canudos sua narrativa é mais farta até porque ele
(autor) foi protagonista, no posto de alferes seguiu para os sertões de Canudos.
Registrou que eram 640 o número de combatentes, divididos em dois corpos: o
1º Corpo sob o Comando do Coronel Sotero de Menezes, e o 2º Corpo sob o
Comando do TEN CEL Antônio Sérgio Dias Vieira da Fontoura.

A narrativa dele não deixa dúvidas de sua participação: “Chegamos à Baía,


finalmente a 16 do mesmo mês (agosto de 1897), numa segunda-feira” ...
“Arribamos acampamento a 21 (sábado), com destino à Queimadas, primeira
praça de guerra, tendo tomado o trem na estação da Calçada” (Marreca, 1940:p.
77).
A tropa chegou a Queimadas no dia 22 de agosto, onde permaneceu por
oito dias, devido à falta de viaturas para o transporte. Seguiu a 30 de agosto para
Monte Santo deslocando-se todos a pé.

A 4 de setembro, após percorrerem diversas vilas, chegaram a Monte


Santo, onde permaneceram até o dia 13 de setembro, quando levantou
acampamento com destino a Canudos (idem: p. 81) e, nesse deslocamento,
lembrou Marreca de terem encontrado Euclides da Cunha, no povoado de
Caldeirão, ainda distante de Canudos.

Chegaram a Canudos a 16 de setembro e até o dia 25 não haviam tomado


parte nos combates, mas nesses 9 dias Marreca relata o alvejamento de alguns
policiais militares do Pará terem sido alvejados pelos jagunços.

Registra Marreca que ele próprio se encontrava de licença médica,


convalescendo, quando soube da operação que estava sendo montada para
invadir Canudos, orquestrada pelos Coronéis Silveira, Comandante da Artilharia,
e Sotero de Menezes, Comandante da Brigada Militar do Pará, que sentiram a
necessidade de fazer frente a um grupo de jagunços que se aproximavam e
colocavam em perigo o flanco coberto pela força policial paraense. Diante dessa,
situação o Alferes Marreca renunciou à licença médica que cumpria para tomar
parte nos combates (Marreca, 1940: p. 87). A única referência original da
participação da PMPA no combate de 25 de setembro é de sua pena. É ele que
registra o ferimento do Coronel Sotero de Menezes, a passagem do comando ao
TEN CEL Fontoura, e as medidas deste para estimular a tropa a seguir em frente,
culminando com a vitória, mesmo sob duras perdas de vidas e muitos feridos
entre os policiais paraenses.

Ainda se percebe certa inovação literária em sua narrativa, pois assim ele
descreve “Combatentes salpicados de sangue, com a morte dita, dos olhos...
todos se empenhavam na luta com louco ardor” (Marreca, 1940: p. 90).

O resultado, segundo ele, foi o de ocupar cerca de 200 casas e ainda o


hasteamento dos pavilhões nacional e do Pará, por ordem do TEN CEL
Fontoura, havendo encontrado o casebre mais alto para o fazê-lo, isso já por
volta das 14h00 com a tropa já muito exausta (Marreca, 1940: p. 91).
Arthur Oscar, o general comandante de todas as forças na expedição de
Canudos, não tendo conhecimento dessa investida sobre o arraial, nem tão
pouco autorizado, determinou a retirada de todas as tropas, a que o TEN CEL
Fontoura desobedeceu, indo falar com os Coronéis Silveira e Sotero de Menezes
a respeito, os quais demoveram o general Arthur Oscar dessa decisão, havendo
por bem autorizar a permanência da tropa paraense e amazonense nesse flanco,
com a ordem de resistir e manter as posições.

Marreca ainda registra o saldo negativo por parte da PMPA, contabilizando


um total de 54 baixas, sendo 19 mortos e 35 feridos, entre estes o próprio
comandante da força policial paraense.

O êxito que Marreca atribuiu ao combate de 25 de setembro está descrito


deste modo: 1 – apertou o cerco a Canudos; 2 – retirou dos jagunços o
abastecimento de água; 3 – permitiu que as forças legalistas pudessem se
abastecer de água sem correr o risco de serem alvejados pelos jagunços; 4 –
ocupou 200 casebres, retirando dos jagunços parte de importante território de
operações; 5 – permitiu que a tropa de artilharia, a comando do Coronel Silveira
deixasse o seu posto de vigilância por não mais ser necessário cobrir o flanco,
agora ocupado (Marreca, 1940: p. 95).

Decorreram mais dois combates (o de 1º de outubro e o de 5 do mesmo


mês) que puseram fim à Revolta de Canudos. Concorda Marreca com Euclides
da Cunha que Canudos não se rendeu, mas não que à frente dos seus últimos
ocupantes renhiam dentes cerca de 4 mil combatentes legalistas, mas que houve
apelo humanitário em parte, mas também se cometeu atrocidades.

O combate de 1º de outubro não trouxe o êxito que se esperava, quando o


general Arthur Oscar teria dito que Canudos cairia naquele dia e seria este o seu
último combate, pois perderam as tropas legalistas 567 militares. Nesse
combate, a tropa do Pará teve 5 perdas, sendo 2 mortos e 3 feridos. A renhida
luta absorveu boa parte da tropa legalista, tendo uma completa desorganização
na linha de batalha, o que permitiu aos jagunços ceifarem muitas vidas, quando
eles entrincheirados no terreno sob as carcaças de animais mortos, passavam
desapercebidos pela tropa.
A 2 de outubro, pela madrugada, os conselheiristas içaram bandeiras
brancas havendo de imediato o cessar fogo, ocasião em que se renderam cerca
de 600 mulheres e muitas crianças que transpuseram para o lado da tropa aliada,
ficando sob a custódia destes como prisioneiros de guerra.

Canudos não se rendera, segundo Marreca, pelo fato de que, em seguida


a essa rendição cerca de meia dúzia de combatentes não depuseram suas
armas e continuavam em combate até serem neutralizados em definitivo, tendo
seus últimos combatentes lutado até o fim (Marreca, 1940: p. 99).

Já no dia 05, essas forças foram vencidas e no dia 06 foram destruídas as


últimas casas do arraial de Canudos.

Choca a qualquer um que leia o escrito de Marreca a narrativa acerca das


execuções que se seguiram, quando a tropa policial militar custodiava os presos,
diariamente, vinham do comando da expedição ordem para que os prisioneiros,
previamente escolhidos, cavassem suas próprias covas ao que se seguiu a
degola dos mesmos e a incineração dos corpos com querosene. Não fica claro,
contudo, se os integrantes da polícia paraense tomaram parte nessa carnificina
ou se assistiu passível a esses atos.

Relata ainda que posteriormente fora encontrado o cadáver de Antônio


Conselheiro, por baixo de um velho sino, insepulto, mas sem marcas de
ferimento em combate, levando a crer que tenha sido envenenado ou ainda
tenha sofrido morte por desinteria, frequente entre os combatentes (Marreca,
1940: p. 99-100).

Finalmente narra a ordem de regresso dada a 7 de outubro para a cidade


de Salvador, onde chegaram a 15 de outubro e a 16 tiveram a permissão para
seguirem viagem a Belém, cuja viagem se deu a 23 de outubro, partindo de
Salvador no vapor “Planeta”.

A chegada a Belém se deu a 4 de novembro, com grande pompa da


municipalidade os heróis de Canudos foram recebidos na cidade. Por parte do
governo deu-se a promoção de oficiais e sargentos.

O ponto alto da narrativa de Orvácio Marreca é, sem sombra de dúvida, a


Guerra de Canudos, pois os detalhes posteriores, embora ricos como relatos
históricos, consistiram apenas na enumeração dos feitos históricos, sem uma
análise mais acurada. Dessa forma ele avança com relatos que vão remontar até
o ano de 1939.

(a) Ronaldo Braga Charlet – Tenente Coronel


PM/ Chefe do PM-2 do EMG/ Editor Executivo da Revista Científica da PMPA/
Instrutor de História da PM ao CFO 2022, Pel. Alfa, Bravo e Echo.

Referências:
MARRECA, Orvácio Deolindo da Cunha. Histórico da Polícia Militar do
Pará: desde o seu início (1820) até 31 de dezembro de 1939. Belém: Oficinas
Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1940.

Você também pode gostar