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CRIANDO UMA TEORIA


DE POLICIAMENTO

Este livro examina a polícia no mundo moderno, descrevendo e tentando expli-


car variações nos padrões de operação e atuação policiais. A análise parte do exame
das relações entre polícia e sociedade - de que modo uma afeta a outra. O grande
objetivo deste livro é definir proposições gerais sobre o funcionamento da polícia
baseadas na comparação de informações históricas e contemporâneas. Mais especifi-
camente, este livro aborda três questões: Como os sistemas policiais modernos se de-
senvolveram? Que tarefas cabem à polícia? E quão independentes são as forças poli-
ciais, enquanto atores sociais? Estes tópicos - evolução, função e política - compõem
as principais divisões do livro.

POLÍCIA E CONHECIMENTO ACAD.ÊMICO

Antes de tratar das conceituações fundamentais que formam a base tanto da or-
ganização quanto das análises deste livro é necessário falar algo sobre o lugar que ele
ocupa no acúmulo de conhecimento acadêmico a respeito da polícia.
De um modo geral, a polícia ainda não havia sido submetida a uma análise com-
parativa. Até muito recentemente nem historiadores nem cientistas sociais haviam
reconhecido a existência da polícia, quanto mais o importante papel que ela desem-
penha na vida social. Praticamente tudo que havia sido escrito sobre policiamento
foi feito pelos próprios policiais, que apenas contavam histórias ou davam pequenas

-
notícias. Os índices dos livros de História da maioria dos países nem mesmo trazem

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PADROES DE POLICIAMENTO

. o sobre o tema. 0 s re
t ze volumes do Cambridge Modern History (1911), por
um tÓpie . p l' •a Historiadores renomados, escrevendo sobre o tem.
l não têm o item o 1c1 . - , .
exemp º• . . m sistematicamente qualquer mençao à policia, e não
m que viveram, ignorara .
Pº e _ . . Os grandes cronistas romanos apenas a mencionam breve-
0 r ue esta nao ex1st1sse.
P q
mente embora as 1g1 ias
v· T fossem uma força expressiva desde o ano. 6 d.C. (Reynolds '
'
1926: 26-28). Uma no ve
tá I exceção a este padrão de descaso . crónico
. é ,a .história da
Rússia . que de d'ica bas tante espaço para o desenvolvimento da policia do Czar
.' ) Há uma lição a ser aprendida aqui. A Polícia só é ~ UID-
(Flonnsky, 19 53 · ,. . .
.
te eventos dE m icos - - =='
át de renre« ão.p.oht1ca, como o Terceiro Re1ch, a Comuna
_ de Pa-
.
ns em 1872,ascon r ta-revoluções na Europa de 1848-1849 _ e a confirmaçao
._ , . do gover-
no Me1J1 ... no Jap a·o por volta de 1870. Por esta mesma razao, esp1oes • .e pohc1a
- - 2Qlítica
-
•,~ mo;ca,tenrão historicamente do que as pessoas dedicadas à patrulha
c ~ ~- =-- ---,----
. u· Asrot·neiras manutenções da ordem e prevençao
- -:-· -_- ----
de cnmes sao comumente
~ fill~ 1 . . ..
-
ignora das, ai·nda que representem uma parte mUito . mais importante da vida diária
dos cidadãos do que a repressão política.
Felizmente O descaso com o papel da polícia mudou dramaticamente durante a
última década, pelo menos nos países de língua inglesá. Até então o melhor de uma
safra pobre eram estudos ingleses (Critchley, 1967; Hart, 1951; Reith, 1938, 1948,
1952, 1956). Nenhum deles anterior à Segunda Guerra Mundial. Atualmente o estu-
do histórico da polícia ganhou popularidade, produzindo diversos estudos regionais
excelentes, uma gama de artigos e até mesmo comentários na literatura . Por mais que
esta atividade recente esteja aquecida entre os historiadores, ainda é cedo para saber
se isso não passa de um modismo de vida curta.
Os cientistas sociais têm sido ainda mais irresponsáveis do que os historiadores
ao estudar a polícia. Nos Estados Unidos, do começo da Segunda Guerra Mundial até
meados da década de 60, apenas seis artigos sobre a polícia apareceram no American
Sociological Review e no American Journal of Sociology, dois no Public Administration
Review; e nenhum no American Política/ Science Review (Earle, 1973, p. 15). Estes ar-
tigos eram muito pouco analíticos, tendo sido descritos por um comentarista. como
"pragmáticos e experimentais, e também, às vezes, de incentivo, especialmente no que
se refere à moralidade pública e obediência às leis" (Pfiffner, 1962). Cientistas políti-
cos, mesmo comparativistas trabalhando internacionalmente, ignoraram a polícia
completamente. Nas palavras de David Easton e Jack Dennis, a polícia "caiu num es-
tado tão periférico no que se re,ere
, a· c1encia
· · · po l'1t1Ca
· que e, VIrtua
· 1mente 1mposs1ve
· ' 1

-
encontrar uma discussão teó · b d b · 1
. nca em asa a so re as diversas funções que e a ocupa
em sistemas pol'f1 "(196
Kos 9, p. 210). Desde meados da década de 60 esta situação

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C RIA N DO U MA TE O RIA DE PO LI C I A M ENT O

mudou, em especial com sociólogos e um número limitado de cientistas políticos e


economistas examinando as funções da policia na sociedade. Estudos internacionais
comparativos, entretanto, ainda são raros, como pode ser percebido pelo fato de que
o texto European Police Systems ( 191 S), de Raymond Fosdick, ainda é merecidamente
considerado fundamental. Das 175 dissertações sobre a polícia escritas entre 1974 e
1979 nos Estados Unidos, apenas 6 abordavam forças estrangeiras, e uma delas trata-
va da ocupação americana na Alemanha ( University Microfilms, 1979).
O pouco interesse sobre a polícia nos meios acadêmicos é, de fato , curioso. Cau-
sa especial perplexidade no caso dos cientistas políticos. A manutençào da ordem é a
função essencial do governo. Não apenas a pró pria legitimidade do govern o é em
grande parte determinada por sua capacidade em manter a ordem, mas também a
ordem funciona como critério para se determinar se existe de fato algum governo.
Tanto conceituai quanto funcionalmente, governo e ordem andam juntos ' . Embora
os cientistas políticos tenham reconhecido a importância de se estudar as contribui-
ções do governo - seu output-eles frequentemente têm ignorado sua responsabili-
dade central. Isto se reflete no fato de que há numerosos estudos sobre legislações,
cortes, exércitos, gabinetes, partidos políticos e burocracia em geral, mas dificilmente
um sobre a polícia. As atividades policiais t a m b é ~ -
de numa socie.dade_argani.zada, a.fg&-essencial para se determ inar a rcp.u11..çãa..de..um
governo. Embora governos imponham restrições de outras maneiras, a maneira pela
qual eles mantêm a ordem certamente afeta de modo direto a liberdade real.
Escritores populares de ficção mostraram possuir uma noção muito mais preci-
sa da importância e presença da polícia no dia-a-dia. A polícia aparece frequente-
mente em Chaucer, Shakespeare, Hugo, Dostoiévski, London, Conrad e Greene, nem
sempre como personagens centrais, mas sempre como personagens com valores sóli-
dos no drama da vida.
A discrepância entre a importância da polícia na vida social e a atenção dada a
ela pelo meio acadêmico é tão impressionante que exige explicação'. Que fatores de-
vem ser considêrados para a falha constante do meio acadêmico em lidar com a polí-
·cia? Eu sugeriria quatro. Primeiro, a polícia raramente desempenha um papel impor-
tante nos grandes eventos históricos. Não estão envolvidos em batalhas épicas,
marchas heróicas ou retiradas espetaculares. Suas atividades são rotineiras <lema.is,

1. Max VVeber disse que a característica fundamental do Estado moderno é seu "monopólio do uso legítimo da
força física dentro de um dado território", e Leon Trotski disse que "todo Estado é fundado na força" (Gerth e

-
Mills, 1958, p. 78).
2. Charles Reith descreveu notavelmente esta negligência em seu livro pioneiro, TI1e Blind Eye of History ( 1952).

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DE POLICIAMENTO
pADR OES

. d · e sua clientela é comum demais para compor 0


é disseminada ema1s . . . .
sua presença Er.l~ não e)abo~ gera1s, mas~ dedica a
assunto de um g rande drama. ~
modo mui!Q -- _, __ r, ,1,,cti
O destmo das nações não de- -

p~ bl as humanos-de- um- d -de suas - atividades. S1gm . .fi1cat1vamente,


. quando a
pende e1arame n te dos resu ta osaior na política, 0 meio acadêmico presta atenção a
1
Im
Pº ricia
. desempenha . dum pape
, d zenove ou na Alemanha do século vmte. . Certamen-
1
ela, com o na Rússia . o secu o e do interesse acadêmico pela polícia nos Estados
t ecente
te ' também, 0 cresc1men
, oença
r por trás do confronto social. . Se a Guerra do V1etnã .
Unidos . deve-se a dsua pres . . . _ .
t stos violentos e d1scnmmaçao social, nem espalhado tu-
não tivesse causa o pro e andes cidades sera, que o interesse . do me10. academ1co
, . te-
multos assusta dores em gr ' . , . .
. •d t- rontamente' A atenção do me10 academ1co pode estar segumdo a
na surgi o ao P · _
't,·ca da política mais de perto do que eles estao preparados para ad-
corrente dram a
mitir.
Segundo, p_olid ament~ é...uma..at-iv-idade..gLamol!rosa, ~ stígio . ..$.yas
ta_rtlas, ~Q.Eluelas lig ~ à investig_ação criminal~ são_m açantes_.~ ~.
conduzidas por pessoas bastante comuns em instalações freqüentemente de mau gos-
to ou decrépitas. Policiais em todo lugar falam com pesar que entrar para a polícia
não é o melhor meio de conhecer pessoas interessantes. Mais ainda, ao contrário da
carreira militar, os oficiais em postos mais altos normalmente não têm uma forma-
ção escolar superior. Ao estudar a polícia, é difícil considerar seus membros como
importantes ou destacados socialmente. Embora a situação esteja mudando, o poli-
ciamento ainda é visto na maioria dos países como pouco profissional. Assim, tanto ·
em termos de importância política quanto de posição social, a polícia dificilmente se ·
qualifica como membro da elite que o meio acadêmico tão abertamente coloca como
o centro de suas atenções.
Terceiro, o pa]icjamento tamb~m pode ter sido-r.i~gligenciado porque é repug-
QgU.te..m..Q.LalmeJlle. Coerção, controle e opressão são sem dúvida necessários na socie-
dade , mas na-o sao - agra dave1s.
' · Em b ora a guerra também não seja algo agradável, pelo
menos ela pode parecer h er ó.1ca. os guerreiros· podem dramaticamente
. entrar em ba-
talhas
. . por grandes causas ta·s d · • .
, 1 como emocracia ou libertação nac10nal. É mais . d1frcil
., .
Justificar
d . . do mesmo mod 0 0 t ra ba1h o po 11cial,
· . amda
. que possa ser verdade 3. A ativida-
. et pohc1al
, . representa o uso d e fiorça d a sociedade
. contra ela mesma, e de algum modo
is o
so do e mais. vergonhoso
d' . e embara d
çoso O que usar a força contra estrangeiros. O fracas-
me10 aca em1co em estud ar a ativ1 . 'd ade policial
. . talvez represente uma negação

3
- Os ofi ciais militares também podem ser negligenciados e pelas mesmas razões ()anowitz, 195 9 , P· 15 ).

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CR IAN DO UMA TEORIA DE POLICIA~I EN TO

da necessidade de coerção em assuntos domésticos. Reflete uma ce rta re.lutància cm se


associar a forças controladoras, conservadoras, qu e refletem o status q110.
Quart~ ~~eles i!:!!eressad.os_em conduzir estu.dGS-se0r-e-a- polkia cnfr<:!!1-!_m
enormes probleruas.pcitic_gs. Não apenas o acesso;\ polfçia_é...pFoblemMiw-n•u11í!..LQ-
ria dos r-a íses, como também o material de documentaç ~cole.:
tado, cataloga~ ponibilizado em~eÇ_as. Neste ponto h.\ um círcul o vicioso
funcionando. Como há pouco interesse, a demanda pelo tipo de ajuda bibliográfica
que facilita o trabalho acadêmico analítico é pequena . Como res ult ado, para es tudar
a polícia é necessário uma paciência desmedida para colher informações, o que por
sua vez reduz a vontade de ter a polícia como um objeto de es tudo acadêmico.
Em resumo, um acadêmico que estuda a polícia deve estar disposto a reali za r
um trabalho de campo intensivo em ambientes cheios de desconfiança, dobrar a
intransigência burocrática, tornar-se politicamente suspeito e socialmente malvisto.
Apenas um punhado de acadêmicos se dispôs a passa r por isso.

FORMAS DE POLICIAMENTO

Para estudar a polícia, primeiro é necessário reconhecê-la em sua diversidade


histórica ao redor do mundo. Não é fácil fazer isso. A polícia se apresenta numa gran-
de variedade de formas, do Departamento de Polícia da cidade de Nova York até a
"'Polícia do Povo" (Druzinikii) da ex-União Soviética, da Gendarmerie francesa até o
·Regimento Policial Armado Provincial na índia, do xerife de condado americano até
o Lensman rural norueguês. Além disso, diversas agências que não são normalmente
associadas com a polícia possuem, mesmo assim, poderes "policiais". A Guarda Cos-
teira dos Estados Unidos e a Alfândega e o Serviço de Imigração e Naturalização, por
exemplo, estão autorizados a prender e deter. Para confundir mais, certos indivíduos
também executam funções policiais - detetives e guardas de segurança, milícias, pos-
ses comitatus e associações de prevenção ao crime na vizinhança. Historicamente a
ordem pública tem sido mantida por cavaleiros na Europa medieval, samurais no Ja-
pão, vigilantes nos Estados Unidos, "bandos treinados" entre os índios Cheyenne,
potwaris na Índia, hans na China e Hundreds na Inglaterra. Será que todas essas or-
ganizações podem ser consideradas "policiais'; e assim objetos de estudo apropria-
dos? A menos que haja algum acordo quanto ao significado de "polícia", assim como

-
dos sinais possíveis pelos quais ela possa ser reconhecida, quaisquer generalizações a
respeito da polícia podem ser contestadas.

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PADRÕES DE POLICIAMENTO

Sempre que a palavra polícia for usada neste livro, ela irá se referir a pessoas au-
torizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo
através da aplicação de força física. Esta definição possui t_[ês partes essenciais: força
f~ if?, uso interno e autor~-'.iletiv.a, Tendo em vista que definições nunca sã;
certas ou erradas, exceto em relação ao uso, mas são usadas por conveniência, por
que eu insisto nesses elementos ao definir o termo polícia? •
A competência exclusiva_da. polícia é o uso de força física , real ou por am ~ ça,
para afet~ 0 comportamento. A polícia se distingue, não pelo uso real da força, mas
por possuir autorização para usá-la. Como disse Egon Bittner (1974), "o policial, e
apenas O policial, está equipado, autorizado e requisitado para lida r com qualquer
exigência para a qual a força deva ser usada para contê-la". Mesmo quando não usam
de força, ela está por trás de toda interação que acontece (Shearing e Leon, 1975).
Outras agências podem recomendar medidas coercivas e mesmo direcionar seu uso,
como fazem, respectivamente, as legislações e cortes mas os policiais são os agentes
executivos da força. Eles a aplicam de fato. Embora os polici_aj s não sejam os únicos
ª 8-:Etes _da sociedade_CQ.11LP!!:.!!.llis.ão_p_ara _ç_plocar as mãos nas pessoas-de mo~ a
controlar seu comportamento, eles seriam irreconhecíveis como policiais se não ti-
v;;;;; es~ autoridade. - - - -- -
A estipulação de uso interno da for_ça é e~ en~ ial para excl~ir exércitos. Ao mes-
mo tempo, quando formações militares são usadas para a manutenção da ordem den-
tro da sociedade, estas devem ser vistas como força policial. De fato, a separação da
polícia das instituições militares é uma questão que deve ser discutida.
Autorização por.!!!]1_g!!J2.Q_é o tercei ~o elemento definidor. É necessário para que
se possa excluir do termo polícia as pessoas que utilizam de força dentro da socieda-
de para propósitos não-coletivos. Isso inclui assaltantes, rebeldes e terroristas, tanto
quanto, quando é o caso, pais, empregadores, proprietários de terras, professores e
membros da igreja. Outro modo de exemplificar isso é que a polícia não se cria sozi-
nha; ela está presa a unidades sociais das quais deriva sua autoridade. Hoje estamos
acostumados a pensar na polícia como uma criação do Estado, mas um pouco de
reflexão mostrará que isso é muito restritivo. Vários tipos d~ rupo~ autori~am um_
u~o-~ terno da for~ ue é aceito como legítimo. As pessoas estão sujeitas a tipos dife-
rentes de policiamento, cada uma definida por um tipo diferente de unidade social.
Nos Estados Unidos a polícia pode ser autorizada pelo governo central, Estados, con-
dados, cidades, e grupos de interesse privado; na África, por tribos, países, cidades e

-
movimentos revolucionários; no Sudeste Asiático por vilarejos, Estados, castas e tri-
bos. Grupos capazes de autorizar policiamento devem ser vistos como aninhados um

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CRIANDO UMA TEORIA DE POLI C IAMENTO

dentro do outro, como quebra-cabeças chineses. Isto se aplica não só às complexas


sociedades modernas, mas também sempre que as pessoas devem lealdade a múlti-
plos grupos sociais inter-relacionados. Unidades sociais que autorizam força policial
variam em tipo e tamanho. Dentre as mais importantes se encontram fomUias, dàs,
tribos, grupos de interesse e comunidades territoriais. O Estado não é o único tipo de
comunidade que pode criar uma força policial.
A base social da autoridade policial não determina, entretanto, como esta auto-
ridade pode ser organizada. Por exemplo, autoridade policial frequentemente é
implementada na forma de fronteiras territoriais por grupos que nào se constituí-
ram em termos territoriais, tais como tribos e associações. Universidades, companhias
mineradoras e exércitos exercem autoridade policial dentro de áreas geográficas mes-
mo quando a presença individual não é definida pela habitação. O contrário também
se aplica. Países podem exercer autoridade policial sobre seus membros mesmo fora
de suas fronteiras. Do mesmo modo, dizer que um grupo social autoriza uma ação
policial não significa que esta é executada de modo unificado. O poder policial pode
ser delegado a outros tipos de agências sociais - tais como igrejas, negócios, ligas e
famílias - ou ser descentralizado para subordinar grupos do mesmo tipo - como no
caso de Estados a cidades, condados, províncias e distritos. Autorização por uma uni-
dade social não define, de modo algum, a natureza ou a organização da direção da
comunidade.
Na prática, é claro, costuma ser bastante difícil saber se as pessoas que fazem uso
de força numa comunidade foram devidamente autorizadas a exercê-la. A diferença
entre força policial e criminosos é uma questão de discernimento. A confusão ocorre
quando a autoridade é disputada. Guerra civil é um exemplo claro, assim como a
competição entre burocracias num Estado com relação ao uso de força. Também
ocorre quando a lealdade das pessoas muda para outros grupos, e assim a autoridade
de um é eclipsada por outro. Tribos são submetidas a Estados, ligas a municipalidades,
famílias extensas a grupos de interesse econômico, igrejas a Estados e clãs a tribos.
Uma condição chave das mudanças políticas ao longo da história é a competição en-
tre grupos pela autorização e exercício do poder policial.
A confusão em reconhecer uma força como sendo policial acontecerá mais co-
mumente quando o governo é presente e a autoridade implícita. Ainda assim os cos-
tumes podem autorizar policiamento tanto quanto estatutos. Os cavaleiros das Casas
medievais eram um tipo de polícia, porque eles mantinham a ordem e levavam os
criminosos perante a corte dos lordes. O mesmo se aplica aos guerreiros das tribos

-
indígenas americanas, que expulsavam pessoas da comunidade sob ordens dos con-

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PADROES DE POLICIAMENTO

.b . A •m como para os familiares que podiam, de acordo com os costu


selhos tn ais. ss1 . ,. . -
mes, pumr . as pessoas que haviam fendo um membro _ da , .fam1ha. Algum. tipo de po11- .
.
ciamento . . se mpre que a aplicação de coerçao
eXJstm . . f1s1ca
. era considerada legltim a
pela comum a e.ºd d Uma vez que a existência da leg1t1m1dade
. , . é problemática,
, . inevi·t a-
. _
velmente 1rao surgi •r questionamentos sobre a ex1stenc1a
.. da policia. Devemos
. . acei·t ar
essa poss1'bilºd
1 ade, a menos que eliminemos o requ1S1to de que o pohc1amento impl'1-
ca na autorização por um grupo.
Problemas específicos ocorrem, então, quando a força policial perde legitimida-
de e não é mais aceita pelos membros da comunidade. Ela deixa de constituir uma
força policial? Certamente não, pelo menos não imediatamente. Sua condição de es-
tar agindo pela comunidade é necessária conceitualmente para que esse policiamen-
to possa existir, tanto quanto quatro patas são necessárias na definição de um cavalo.
Mas sempre existem exceções. Algumas forças policiais perdem sua legitimidade tan-
to quanto cavalos perdem suas patas. Em casos assim não é contraditório dizer que
uma determinada comunidade possui uma força policial inaceitável, ilegítima, não-
autorizada, até mesmo ilegal. Entretanto, um grupo armado que nunca tenha agido
pela comunidade ou tenha deixado de fazê-lo há muito tempo não pode ser conside-
rado uma força policial 4 •
Mas legitimidade, que implica aprovação, não é o único indicador de autoriza-
ção pela comunidade. Certamente deve-se dizer que existe atividade policial quando
uma nação ocupa outra ou uma minoria domina uma maioria através da força. Mes-
mo quem foi subjugado não poderá afirmar que a polícia não está agindo em nome
da comunidade, apenas porque o controle desta comunidade foi apropriado indevi-
damente. Autorização, epl ãq, pode _significar reconhecimento da situação enqua!:)!Q..
medida_da_con~_!lidade. A situação enquanto principal agente da comunidade pode,
ela mesma, ser imposta através da força. Falta legitimidade, mas não presença.
Para reiterar, a força policial é autorizada por um grupo social a aplicar força
física dentro desse grupo. Sem esses elementos, a polícia não existe. Há, então, socie-
dades que não possuem forças policiais neste sentido minimalista? Não muitas. É
possível imaginar grupos sociais, até mesmo sociedades inteiras, que funcionam den-
tro de uma base consensual, na qual a participação dentro da sociedade requer sub-
serviência a normas grupais e a violação destas resulta em ostracismo voluntário. De

4
. Tanto minha definição de polícia quanto a definição de lei por E. Adamson Hoebcl observam a relação entreª

-
autorização da comunidade e a aplicação da força física . "Uma norm a social é legal se sua negligência ou mfra-
ção ocorrem regularmente, como ameaça ou de fato, pela aplicação de força física por um indivíduo ou grupo
com o privilégio socialmente reconhecido de assim fazê-lo" (Kobben, 1969, p. 120).

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CRIANDO UMA TEORIA DE POLI C IAMENT O

um modo geral, entretanto, tais associações voluntárias normalmente funcionam


dentro de grupos sociais involuntários maiores, tais como fomilia, tribo, associações
profissionais, vilas, nações ou Estado. Os principais fundamentos das afiliações têm
sido sempre, e em todo lugar, garantidos por restrições flsicas contra seus membros,
ainda que apenas na forma limitada de exclusão da comunidade. Levando cm consi-
deração, então, que o homem é um animal social involuntário, o policiamento é pra-
ticamente universal. Embora seja possível imaginar sociedades sem ele, elas são ex-
tremamente raras. Uma delas pode ser os Nuer do Sudão. Conforme descrito por E.
E. Evans-Pritchard, essas pessoas tinham uma língua e costumes comuns e reconhe-
ciam umas às outras como seres distintos. Ao mesmo tempo, não havia pessoas auto-
rizadas a resolver conflitos dentro do grupo, utilizar a força ou impor o fim de brigas
(1940). Embora a tribo Nuer fosse uma associação involuntária, exercia uma autori-
dade praticamente nula (Nair, 1962, cap. 1).
A definição de força policial usada aqui erra deliberadamente por sua amplitu-
de. A vantagem é que assim permite um estudo comparativo de uma grande varieda-
de de instituições que utilizam a restrição através da força na sociedade. Isto é espe-
cialmente importante se for estudado o desenvolvimento das instituições policiais
através do tempo. Se, por exemplo, apenas as características exclusivas da polícia con-
temporânea tornam-se requisitos para a definição de força policial, então torna-se
necessário excluir qualquer análise histórica. Por outro lado, a amplitude da defini-
ção cria um problema para se administrar tantos dados. Pode ficar muito difícil tra-
çar a evolução de todos os tipos de atividade policial. Qual a melhor saída?
A solução é escolher as características da atividade policial que sejam mais im-
portantes ou interessantes no mundo contemporâneo e analisar seu desenvolvimen-
to, buscando especificamente os fatores históricos responsáveis por seu surgimento.
Como resultado, essa estratégia requer que voltemos no tempo a partir dos formatos
contemporâneos, ao invés de examinar mutações históricas em todos os tipos de ins-
tituições policiais. Para a grande maioria das pessoas, a~12oliciais mais auto!_i-
tárias e importantes em suas vidas são aquelas públicas, es~ializadas, ~ BJ.QfJáSlg_-
E~ i:ês_carai:.tetisticas são guase um sinónimo de policiamento moderno -
quase, porque o policiamento privado vem se expandindo tão rapidamente que em
alguns países seus membros são tão numerosos quanto os da polícia pública. Uma
vez que as características de caráter público, especialização e profissionalização ca-
racterizam a polícia que possui a maior atuação percebida contemporaneamente, es-
sas serão as características dá atividade policial que escolhi para análise inicialmente.

-
Embora seja útil pensar nessas características de forma dicotómica - pública/priva-

23
PADRÕES DE POLICIAMENTO

da, especializada/não-especializada, profissional/não-profissional -, elas abrangem


ainda várias gradações entre um extremo e outro. O desenvolvimento de cada uma
dessas características será analisado em detalhes no Capítulo 2. Por hora, examine-
mos conceitualmente suas relações na definição de polícia.
Pública ou privada refere-se à natureza da agência policial. É fácil confundir isso
com autorização pela comunidade, que é um dos elementos da definição de polícia.
A autorização para agir em nome da comunidade não resulta numa agência pública.
Autorização e agência são conceitualmente distintas. Unidades sociais soberanas
'
como Cidades-Estado ou países modernos, nem sempre possuem uma força policial
formada, paga e controlada pelo governo, mesmo que tenham códigos legais defini-
dos. Roma, no princípio da República, aproximadamente no século três antes de Cris-
to, deixava a aplicação da lei na mão dos cidadãos (Kunkel, 1973, p. 29; Lintott, 1968,
cap. 2). Vítimas e seus familiares tinham permissão para capturar pessoas que tives-
sem lhes feito mal e administrar a punição condizente. O policiamento em Roma es-
tava nas mãos dos indivíduos, mas certamente seria um erro dizer que Roma não
tinha uma força policial no sentido de pessoas autorizadas pela comunidade para usar
legitimamente coerção física em assuntos pessoais. De um modo similar, hoje nos
Estados Unidos há um número igual de grupos policiais privados e públicos; áreas
territoriais importantes, como locais de negócios e hotéis são quase exclusivamente
policiados por agentes privados. E mesmo assim não seria possível dizer que esses
locais não são policiados legitimamente. A questão é que a freqüência com que a apli-
cação de força física é confiada pela comunidade a grupos privados, em oposição às
agências públicas, e as circunstâncias nas quais isto ocorre são pontos a serem deter-
minados empiricamente.
Especialização, também, não deve ser confundida com os elementos de definição

-
de polícia. Uma força po!i,ci_ale.s.pecgjizada se co~ entra aplicaçª o de fo ~ça; J!l11a
força policial não_!SP~.cializada_p.Qill!Lautorizgç-ª-º-.p,ara fa_~er uso ge força,..mas é..ca-
p~ , zer muitas outrat,.coJsas-também. As polícias da França e Prússia, durante os
séculos dezoito e dezenove, eram instrumentos de regulamentação governamental
para todos os fins, realizando inspeções sanitárias, checando pesos e medidas, emi-
tindo permissões de moradia e garantindo suprimentos de comida adequados. Em
sociedades menores e menos complexas o policiamento freqüentemente é feito pelos
líderes, às vezes com o auxílio de guerreiros, responsáveis pelo governo de um modo
geral. Mesmo em Nações-Estado modernas, como veremos no Capítulo 6, a polícia
faz muitas outras coisas além de restringir o comportamento através de força física.
Além disso, outras agências governamentais podem ser autorizadas a aplicar a lei atra-

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CRIANDO UMA T EO RI A DE PO LI C I A M ENTO

vés de meios físicos mas não são especializados nisso. Nos Estados Unidos, por exem-
plo, agências como o Serviço Postal, a Guarda Costeira e o Serviço de Parques Nacio-
nais aplicam a lei para alcançar objetivos mais amplos. Elas realizam um serviço es-
pecializado, mas não são especializadas em serviço policial. <2.22!ici.a.mE._nto se tor(!a
e~ ecializado guando as agências §~o clirecio.nadas a se c9.11&ent.rar..pcinc.ipalmcntcJ1a
ap.licação_de..focça física,
As características de público/privado e especializadas/não-especializadas podem
ser combinadas, na prática, de diversas maneiras. A Patrulha Estadual do Colorado é
uma polícia especializada pública; os agentes da Receita Federal Americana (A mc -
rican Internai Revenue Service) são uma polícia pública não-especializada; os deteti-
ves da agência de detetives Pinkerton formam uma força policial especializada priva -
da; e membros familiares que empregam a força para solucionar conílitos executam
um tipo de policiamento privado não-especializado.
PmftJ..$Jmiza~ão refere-se a uma.p.rmu:ª-~º explícita para r!alizarjl!_nções ex-
clusivas da atividade polici'!l. O termo é embaraçoso, especialmente a partir do mo-
mento em que passou a significar, nos meios policiais, um tipo de condição desejada,
ao invés dos atributos comportamentais alcançados. Racionalização, no sentido de
uma auto-administração consciente, pode ser um termo mais adequado, mas tam-
bém possui conotações que atrapalham seu significado. A profissionalização envolve
recrutamento por mérito, t~ inamento formal, e;:gJucão na carreira estrutu n1.da,_g_is:
ciplina sistemática e _!.rabalho em tempo inte~. O espectro da profissionalização
contra a não-profissionalização alcança as outras duas categorias. Embora a maior
parte da polícia pública especializada seja profissional, sob certos aspectos, o policia-
mento privado também pode ser profissional, tanto quanto uma força policial não-
especializada.
Os três grupos de atributos referentes à agência, foco e racionalização são
logicamente distintos; podem ocorrer em qualquer combinação. Desde que uma
combinação específica corresponde ao conceito de polícia moderno, uma parte
importante da análise que se segue será determinar se emergiram historicamente em
uma seqüência específica. As agências públicas tomaram o lugar das agências privadas
antes ou depois da especialização? A especialização ocorreu antes da profissionaliza-
ção? Tornar-se pública foi um fator necessário para a profissionalização?
A Figura 1 resume esquematicamente os conceitos empregados. Os atributos de
força física, âmbito interno e autorização social (números 1, 2 e 3) definem o concei-
to de polícia. Todos os três devem estar presentes para que possa existir polícia. Uma

-
vez que um tipo especial de polícia, a moderna, tende a ser majoritariamente pública,

25
PADRÕES DE POLICIAMENTO

especializada e profissional, estes atributos (4, 5 e 6) são essencia ·


, . . - - is para a anál"
evolução da policia. Mas esses atributos nao sao necessários para a . 1 ise da
, . , . - . - . . stmp es exist , .
da pohcta. Agenc1as que sao privadas, nao-espectahzadas e não-pr fi . . enc1a
. . . . o 1ss1onats
ser consideradas como polteia1s tanto quanto as públicas ' especial·1zad as e rofi podem.
nais, desde que façam uso da força em sua comunidade legitimame n t e. p tssto-

Figura 1
Conceitos Básicos

A. Elementos definidores
1. Aplicação de força fisica
2. Âmbito
3. Autorização

Intern o
Extern o
Não pela p. e.x., exército s
Pela co munid ade
Co munidad e p. ex. ,
crime, revo ltas

P OLICIA

D. Ca racterísti cas Mo dernas

4. Palrocíno (AgC' ncia ) 5. Foco 6. llacionali1..aç3o

1Privado [ Especializa do] 1 N.ão-rspccia li1.adol Pro fissional 1 Não- profi ss io nal [

POLICIA MODERNA

C. G racterist icas tóp icas pa ra estudo

i .Estnnur;i 8. f1_1rça 1O. Posicion.i mcnlo político


9. Função

26
CRIANDO UMA TEORIA DE POLI C IAMENTO

Ao mesmo tempo, forças policiais também variam em outros aspectos, tais como
estrutura, treinamento, emprego de força, reputação, poder e composição social.
Qualquer tentativa de descrever e explicar o policiamento além das definições enci-
clopédicas exige uma limitação da análise a alguns poucos tópicos mais importantes.
Neste livro estes tópicos serão estrutura, força , função e posicionamento político
da polícia (números 7, 8, 9 e 10). Sua inclusão se justifica apenas por sua espe-
cificidade. São questões que as pessoas normalmente consideram importantes quan-
do sistemas policiais são comparados. Embora todas as organizações policiais pudes-
sem ser comparadas sob esses aspectos, apenas as modernas - públicas, especializadas
e profissionais - serão analisadas. De outro modo seria impossível realizar este livro.

ORGANIZAÇÃO DO LIVRO

A análise da polícia contida neste livro baseia-se nas considerações do que é es-
sencial teoricamente, historicamente contemporâneo e de interesse contínuo. A Par-
te I aborda a evolução histórica. O Capítulo 2, especificamente, analisa o surgimento
das organizações policiais públicas, especializadas e profissionais. O Capítulo 3 des-
creve a estrutura das forças policiais modernas e examina as razões das diferenças
apresentadas. O capítulo 4 discute os padrões de crescimento das forças policiais, con-
centrando-se em pessoal. A Parte II examina o trabalho realizado pelas forças policiais
modernas. O Capítulo 5 começa com uma análise do que é o trabalho policial, como
deve ser conceituado e quais são as fontes de informação existentes a esse respeito.
Elabora alguns dos principais padrões de variação no trabalho policial dentre as for-
ças policiais nacionais. O Capítulo 6 desenvolve uma teoria que explica as variações
existentes no trabalho policial. Pode ser mais correto dizer que eu avalio se uma teo-
ria mínima é possível, dado o que se conhece atualmente sobre o trabalho policial. A
Parte III, Política, examina as relações recíprocas entre a polícia e seu sistema político
interno. O Capítulo 7 explora as tentativas dos países em tornar a polícia mais res-
ponsável. O Capítulo 8 reverte essa perspectiva, examinando o papel que a polícia
desempenha na vida política.
A análise da evolução policial na Parte I toma como base uma coleção de mate-
riais históricos ricos mas incompletos. De um modo geral, a pesquisa usa materiais de
pesquisa disponíveis em inglês, embora uma parte tenha sido especialmente traduzida
de fontes estrangeiras. Eles refletem de um modo bastante preciso o estado de conhe-
cimento do desenvolvimento policial nos seguintes lugares: na Europa: França, Alema-

27
r.s D E poLICIAMENTO
PA DR O <-

. H nda Noruega e Rússia; na América do Norte· C d


ctanha, Háha, oIa , . . . . ana á e
nha, Grã-Br . . . f día Japão e Chma; e numa mescla de impérios antigo
U ·dos· na A51a. n , s, so.
Estados ni ' • 1.emporáneos do Terceiro Mundo. Como era de se
. cs comuns e pa1ses con espe-
c1edad . varia enormemente de lugar para lugar. Com exceçã d
alidade do matcria 1 . . . o e
rar, a qu d , cs documentos escritos sobre a pol1CJa são escassos s
no número e pais ' . ' e não
um peque to oficiais. o material documentáno e analítico é maior t
os documen s . , a u-
contarrn 05 d lJ 'dos A Grà-Bretanha nào fica muito atrás, e o Canadá t
te nos Esta os ni · em
a1mcn ' · .d . 1 Franra Holanda e Países l:scandínavos estão começand
el.horado rap1 amen e. y ' • . oa
m . as agora. Há um matcnal considerável no Japão, quase todo e
estudar a po1íc1a apen . f . m
te é analítico e quase sempre oficial. A ndia também possui
•a ,onês, mas raramen .. . re-
J 1 , . li . . ntes cm grande parte descnt1vos, assim como uma grande qu
latórios O 1c1a1s excc 1e , , , . . . an-
·r1·tuosos e cntcnosos sobre pohc1amcnto.
tidade de rc 1atos csp1 , .
'nformação disponível sobre a evolução h1stónca da policia é fra
Uma vez que a l . . g-
·J d uali'dadc variada e meu próprio conhccuncnto das mudanças n
ment a, a e e q ' , . as
. ,~ • s soci·a 1·5 hi stóricas cm todos esses pa1scs é obviamente deficiente as pro
c1rcuns... nc1a · ' •
posições desenvolvidas não podem ser consideradas conclusiva_s. Ao con trárío, elas re-
prcscnt...·•m um"" tentativa
· informal de encontrar
. padrões gerais
. de desenvolvimento ,
assim como explicações gerais para esses padrões. Espero sinceramente que as pessoas
com um conhecimento mais profundo sobre esses países ou com outras experiências
complcmcnlcm esses achados ou mesmo os refutem. Essas proposições marcam O co-
meço, mais do que a conclusão, de um diálogo sobre a evolução histórica da polícia, Se
csla lcnl aliva inicial de uma análise histórica comparativa é conceitualmente segura e
n:1o foz um mau uso da informação disponível, uma pesquisa subseqüente feita por
outros, seja movida por respeito, pena ou indignação, será mais fácil.
Cu também evitei delibl'rndamente urna abordagem dedutiva de pesquisa basea-
do num paradigrm teórico pr<>prio ou perspectiva ideológica. Nosso conhecimento
hisl6rico da pol ícia é, na melh or das hipóteses, tão incompleto que operar a partir de
pcrspcc rivas teóricas especificas atrapalha, ao invés de auxiliar, a experiência. Neste
cst,1gio de conh eciment o, acredito que seja mais sábio elaborar definições teóricas a
partir de uma npreciaçílo criativa de fatos variados, mesmo correndo o risco de atuar
cm níveis muito baixos de ge11eralizaç.10, do que se preocupar com encaixar partes
empíri cas em parndigma s maiores. Uma vez que algumas das conclusões detalhadas
'. 11 ªi:5 lnrdc silo surpreendentes - anliintuitivas, se quiser- acredito que os resultados
1ust,n cam essa abordagem.
A infornrnç~ ' ' 0 ut'I'·
11zac1í1 nn Parte li para descrever e explicar o trabalho po 1icia · ·1
conlcmpor:in('O V'e m, cm , grn11 de parte, de minha . .
própria pesquisa intensiva • em d'1·

28
C RIAND O U MA TEOR I A DE POLIC I AMENT O


ve rsos países asiáticos, europeus e norte -amencnnos no fi na Idos •1nos
• 70 · especifica-
mente lndia, Japão, Cingapura, Ceilão, França , Grã-Bre lanh:i. Noruega. H~landa'. ~-
nadá e Estados Unidos. Embora os paises escolhidos para estudo ,lbraniam Vl'l nos
continentes, culturas, e graus de desenvolvimento económico, eles nJo con 5 lituem
uma amostra global representativa . Embora os dados coletados demonst rem O gran-
de grau de variação do trabalho policial no mundo moderno, eles não podem ser
usados para provar, mas apenas sugerir razões para essa variaçJo.
O acesso à polícia de qualquer país é problemático, uma vez que seu trnbalho
freqi.lentemente é politicamente sensível e protegido para preservar o direito de con-
fidência dos cidadãos. Este fator inílui mais do que qualquer o utra razão para as li -
mitações da amostragem . Alguns pa íses podem se tornar mais abertos devido a um
esforço maior, mas em outros não vale a pena nem mesmo tentar. Poucos paises não
ofereceram restrições de algum tipo à pesquisa. Posso até sugerir que a disposiç:\o de
um país para permitir acesso aos registros, pessoal, e operações policiais sào um in-
dicador excelente do grau de abertura da vida política e boa reputação de seus regi-
mes. Ser um acadêmico local, por sinal, não minimiza o problema . Na ve rdade, ocorre
o contrário. Acadêmicos locais representam uma ameaça muito maior às in st ituições
policiais. O acadêmico estrangeiro, pelo menÓs, irá embora e publicará o estudo em
seu próprio país. Mesmo quando o acesso é permitido, não é sempre que há coope-
ração dos membros da polícia . Como outras burocracias, as forças policiais são des-
confiadas; elas têm seus próprios interesses a proteger. Antes que o acesso se torne
uma interação produtiva, os oficiais da polícia devem aprender a confiar no pesqui-
sador e aceitar a importância da pesquisa.
A Parte III retorna às abordagens iniciadas na Parte I de busca por padrões de
relacionamento recíproco entre a polícia e a sociedade, e então cria definições teó-
ricas sobre os fatores que resultam em características distintas para esta interação
de país para país. Mais uma vez, embora a informação utilizada seja mais extensa
do que em qualquer outro tratamento da polícia, a análise resultante constitui mais
um princípio informal da construção de uma teoria do que urna abordagem con-
clusiva.

O livro conclui com um capítulo sobre o futuro do policiamento no mundo


moderno. Nele eu revejo as percepções adquiridas sobre o funcionamento da polícia
e seu desenvolvimento, mencionadas nos capítulos anteriores. Em seguida apresento
um esquema analítico que delineia as escolhas estratégicas que os países têm que to-
~ar no controle do crime e sugiro os procedimentos mais prováveis em diferentes
circunstâncias sociais.

29
PADROES DE POLICIAMENTO

·t s consideram bastante importante no estudo d


tópico que mlll O • • . ª poJíc· ª e. 1
Um . nfrentar responsabilidades. Embora seJa, sem d, .
á . rela uva para e uv1da ai
sua efic eia , . constituindo a preocupação dominante do serv· gu-
a uestão cnuca, . iço paliei 1
ma, um q , . d polícia no tempo ou no espaço simplesmente não d ª,
. - na eficac1a a po ern
vanaçoes _ s são bem conhecidas pelos especialistas na quesr ser
determinadas. As razoe , . ao, ernbora
• ignoradas na pratica.
111
normaJmente
. . sejab ·
a prevenção do cnme e a me lh ona· d a segurança públº .
Pnmeiro, em ora , . ica seiarn
. d onsabilidade da policia em todo o mundo, outros critérios t ,
considera as resp . , 1. , . arnbern
. d . portantes, tais como respeito a e1, ausencia de campo t
são considera os irn - . . r arnento
. . _ de confiança pública, demonstraçoes de simpatia e preocupaç~ b
,moral, cnaçao _ ao, a er-
e qualificado capacidade para a resoluçao de problemas gerais
tura a con tro l ' . , prote-
- d . .d de dos processos políticos e tratamento igualitário das pessoa J 1
çao a integn a . s. u gar
licial é um processo multifacetado e controverso cui·os el
desempen ho Po ' ementas
0
udam de lugar para lugar e de época para época.
m Segundo, assumindo que o combate ao crime é a principal característica do de-
sempenho policial, não é possível confiar nas informações a seu respeito. A medida
habitual é a quantidade de crimes relatados à polícia. Mas na verdade os índices de
crimes relatados são extremamente instáveis, mesmo quando o processo de registro
não é deliberadamente manipulado. Para complicar mais ainda, um trabalho policial
ativo e cuidadoso pode ter o efeito paradoxal de aumentar, ao invés de diminuir, 0
número de crimes relatados. Os índices de crimes relatados são, assim, muito pouco
confiáveis para serem usados como medida da eficácia policial. São tão comuns os
problemas com os índices relata·dos, que o ônus da prova deveria deixar de recair
sobre os céticos e sim sobre seus usuários. Pesquisas sobre vitimização solucionam
alguns dos problemas encontrados com as estatísticas sobre crime relatado, mas têm
suas próprias dificuldades, especialmente o baixo índice de resposta dos pesquisados.
Também são muito caras, o que explica por que apenas um punhado de países as
5
tenha realizado, todos eles considerados ricos pelos padrões mundiais • No momento
atual, não constituem uma alternativa prática ao se comparar variações na criminali-
dade objetiva.
Terceiro, o crime, que aparece numa variedade enorme de formas, foi ligadoª
diversos fatores que não têm nada a ver com a atividade policial - idade, sexo, raça,
re nd ª•desemprego, industrialização, urbanização, senso de comunidade, valores, de-

0
E ano
5. No d de .1982 ' AUS[raT13 • Bé1gJCa,
. Canadá, Dina marca, Finlândia, Grã-Bretanha, Japão, Noruega, H Jªnda. .e
. . · Freqüc 11 t emente 111ex1ste
-stª. os .Unidos • . uma equivalência perfei ta entre as amo stras da pesquisa
· eª s J·unsd1·
çoes po11c1a1s.

30
C RI ANDO UMA TEO RI A DE POL I C IAM El'ITO

3 4
sorganização psicológica e oportunidade (Radzi nowicz e King. 1977, caps. e ). As-
sim, qualquer teste sobre a utilidade da policia deve assegura r que fa tores como os
mencionados existam na mesma proporção das épocas e locais comp:irndos. Inter
nacionalmente, o grau de variação entre esses fatores é tüo grande que um teste sobre
a eficácia da polícia, mesmo se fosse possivel construir uma med ida de criminalidade
confiável, é praticamente impossível. Mesmo dentro de cada pois, a compa ração c:n·
tre diferentes jurisdições policiais no que diz respeito o essas variações normalmente
é complexa demais para ser viável.
Quarto, medidas de eficácia tais como taxas de solução de crimes, que normalmen-
te traduzem a proporção entre o número de prisões e o número de crimes relatados.
são completamente artificiais. Não apenas se baseiam em números de crimes relata•
dos que não são confiáveis, como medem o que a policia faz - realizar prisões - e não
o que a polícia alcança com isso - a prevenção dos crimes. Taxas de solução de crimes
podem ser consideradas medidas da eficácia policial apenas se punir for considerado o
objetivo primário da polícia. Se sua razão de ser for a proteção do público, então as taxas
de solução de crimes não oferecem informação relevante.
Dados os graves problemas metodológicos que um teste sobre a eficácia da poli-
cia enfrenta, não é de surpreender que tentativas para ligar as variações na forma de
policiamento com os índices de criminalidade normalmente tenham falhado (Clarke
e Heal, 1979; Wycoff, 1982; Wycoff e Manning, 1983). As práticas, estruturas e níveis
de força atuais da polícia são literalmente injustificados em termos de fazer jus à res-
ponsabilidade universalmente confiada a ela de controlar o crime - não porque a
polícia pode não ser útil de fato, mas porque não é possível determinar se ela o é. A
verdade nua e crua é que confiar no que a polícia está fazendo atualmente para prote-
ger a sociedade é uma questão de fé, não de ciência. O uso contínuo de estatísticas
sobre os crimes relatados e taxas de solução de crimes como indicadores da utilidade
da polícia constituem um golpe na ingenuidade pública. Tais estatísticas são as uvas
podres da polícia. Infelizmente, julgamentos sobre a eficácia policial continuarão a se
basear mais na capacidade de autopromoção da polícia do que em conexões com-
provadas entre a atividade policial e a segurança pública.

- 31

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