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Este presente relatório tem como objetivo a análise sistemática das obras de autoria por
Fernando Novais, João Fragoso e Manolo Florentino, Luiz Felipe de Alencastro e Ângelo
Carrara. Busco identificar suas teses defendidas, seus argumentos que a sustentam, eventuais
críticas e pontos de debates entre os autores, dando enfoque à perspectiva marxista à agro-
indústria do açucar e a escravidão como alicerces do sistema econômico colonial.
Começamos com o capítulo três, intitulado “A Crise do Antigo Sistema Colonial”, do livro
de Fernando Novais Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808)
Acerca das relações coloniais o autor estabelece dois níveis essenciais. O primeiro se
encontra na legislação ultramarina europeia e o segundo nas relações comerciais entre si
(NOVAIS, p. 58).
“A legislação não faz na realidade mais que tentar levar à prática os princípios formulados
pela teoria mercantilista” (NOVAIS, p.59).
O mercantilismo não é, efetivamente, uma política econômica que vise ao bem-estar social, como se diria
hoje; visa ao desenvolvimento nacional a todo custo, Toda forma de estímulos é legitimada, a intervenção do
estado deve criar todas as condições de lucratividade para as empresas poderem exportar excedentes ao máximo.
(NOVAIS, p. 61)
Assim é clara a posição das colônias, segundo a visão de Novais, elas constituem-se como
reservas econômicas, de modo a garantir a autonomia das metrópoles frente à alta
concorrência entre os Estados europeus (Novais, p. 61- 62).
“Estado absolutista, com extrema centralização do poder real, que de certa forma unifica e
disciplina uma sociedade organizada em “ordens”, e executa uma política mercantilista de
fomento, do desenvolvimento da economia de mercado, interna e externamente” (NOVAIS, p.
63)
Novais entende que a Expansão Ultramarina permitiu a superação dos limites impostos
pela economia mercantilista ao fim da Idade Média (NOVAIS, p. 63). Com o fim da
estruturação feudalista, configura-se o que o autor denomina de “fase intermediária” que
convém chamar de “Capitalismo mercantil” (NOVAIS, p. 62).
Produzir para o mercado europeu nos quadros do comércio colonial tendentes a promover a acumulação
primitiva de capital nas economias européias exigia formas compulsórias de trabalho, pois do contrário, ou não
se produziria para o mercado europeu (os colonos povoadores desenvolveriam uma economia voltada para o
próprio consumo), ou se imaginasse uma produção exportadora organizada por empresários que assalariassem
trabalho, os custos da produção seriam tais que impediriam a exploração colonial (NOVAIS, p. 102).
Se a isto se agrega a natureza mercantil da produção colonial escravista, também marcada por uma frágil
divisão de social do trabalho e por débil circulação de numerário, estaremos frente às precondições para a
preeminencia daqueles agentes que, no Brasil, detinham a liquidez do sistema - o capital mercantil residente.
(FRAGOSO, FLORENTINO, p. 20)
Apoiados pelos tratistas e funcionários régios de Angola, Costa da Mina e Guiné, os mercadores da América
portuguesa facilitam a venda de escravos africanos - por meio de crédito aos fazendeiros - a fim de controlar a
comercialização dos produtos agrícolas. e A falta de numerários nas conquistas e o adensamento das trocas
atlânticas dão forma direta ao crédito. (ALENCASTRO, p. 37)
Angelo Carrara, porém, refuta essa noção. Ao citar Pedro Puntoni, Carrara expõe que a
percepção de numerários escassos se limita a momentos de crises e tensões e mesmo assim
atribuem o fato a uma questão estrutural ao basear seus argumentos na ausência de salários
característica do sistema escravista (Carrara, p. 31)
Ou seja, para Carrara, a baixa monetização é na verdade causada pela crise dos preços nos
produtos de exportação, sobretudo o açúcar, em uma economia dependente das flutuações do
mercados externo (Carrara, p. 31 - 32). “falta de metal sonante não é o mesmo que crise
econômica, mas uma consequência desta, e que é antes um contundente testemunho da rígida
dependência externa da economia açucareira” (CARRARA, 2009, p. 92 - 94)
Carrara acaba por concordar com Amaro Cavalcanti que, “em lugar de escassez, avaliava
que o montante do meio circulante no Brasil adequava-se às necessidades da sua economia.”
(Carrara, p. 35).
O autor defende uma desconstrução do ideal de “moeda” circulante e suas manifestações
no Império Portugal como meio de troca. “Tangas, xerafins, pardaus, pardaus de ouro ou
santomés, bazarucos e rúpias na Índia portuguesa; patacas em Macau; zimbos e cauris em
Angola (Sousa, 1967, p.16-43; Boxer, 1973, p.99; Alencastro, 2000, p.256-258); cacau e pano
de algodão no Estado do Maranhão e Grão Pará; e nas áreas de mineração do Brasil, ouro em
pó.” (CARRARA, p. 34).
Segundo Carrara, a quantidade de moeda circulante depende fundamentalmente do patamar
em que as atividades econômicas se encontram. Cidades com maior produção de produtos
comerciais teriam um montante monetário maior em comparação com zonas primordialmente
focadas em produção de subsistência (Carrara, p. 36). Não se trata apenas da moeda, mas de
qual moeda está se tratando (Carrara, p. 36)
A despeito das diferenças de fontes, metodologias e objetivos, há um elemento comum à quase totalidade dos
trabalhos aqui elencados: a escassez monetária durante o período colonial, razão pela qual o crédito constituiria
recurso indispensável. Para a historiografia anterior à década de 1980, outro consenso era a subordinação dos
grandes produtores rurais aos comerciantes. No entanto, a partir do momento em que a pesquisa histórica
começou a incorporar fontes seriais e quantitativas, o mercado de crédito no período colonial revelou-se muito
mais complexo. (CARRARA, p. 43)
Concluindo, a moeda no período colonial possui manifestações mais diversas que apenas o
ouro, a prata e o cobre amoedado (CARRARA, p. 36).
“A prática do escambo, a adoção de mercadorias diversas como meio de pagamento – em
particular o açúcar –, e o apelo ao crédito teriam viabilizado as poucas trocas internas,
tornando irrelevante a discussão sobre a maior ou menor circulação de moeda metálica”
(LIMA, p. 347).
As queixas em relação à falta de moeda metálica por parte dos senhores de engenho se dá
em tempos de crise nos mercados europeus (LIMA, 2021, p. 349), a crise instiga a preferência
por moedas metálicas por parte dos comerciantes metropolitanos em detrimento da permuta
de açúcar por outros produtos (LIMA, 2021, p. 349). Entretanto, no que diz respeito ao
poderio colonial, a falta de numerário seria a causadora da baixa arrecadação de impostos que
por fim resultou na queda de preços dos “produtos da terra” (LIMA, 2021, p. 349).
Como solução para o problema, reivindicavam (i) o uso de açúcar como moeda, (ii) o “levantamento” da
moeda corrente e (iii) a adoção de uma moeda provincial. Essas três propostas visavam aos mesmos objetivos:
aumentar o poder de barganha dos produtores de açúcar e a arrecadação de tributos.” (LIMA, 2021, p. 349).
O papel do açúcar como moeda foi muitas vezes usado para sanar disputas entre produtores
e mercadores (LIMA, 2021, p. 349).
Pedro Antonio Vieira em seu artigo “A inserção do “Brasil” nos quadros da economia-
mundo capitalista no período 1550-c.1800: uma tentativa de demonstração empírica através
da cadeia mercantil do açúcar” já havia tentado demonstrar como atividades comerciais tidas
como independentes, principalmente o tráfico de escravos africanos, estavam na verdade
subordinadas a “cadeia mercantil do açúcar” (Vieira, 2009, p. 499).
“Para usar a expressão do mesmo Alencastro, esta força de trabalho era uma “mercadoria ancilar”. Em
suma, todos os negócios que ela cria ou que se criam em torno a ela, são, em última instância, uma criação da
mercadoria para qual ela é um meio, um insumo: o açúcar” (VIEIRA, 2009, p. 507).
Bibliografia
CARRARA, Angelo Alves. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil (século XVII).
Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2009.