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Universidade Federal de Santa Catarina

Clarissa Nunes Brasil Pinto. Matrícula: 17208042

América Portuguesa - 2022.1

Professor: Tiago Kramer de Oliveira

Este presente relatório tem como objetivo a análise sistemática das obras de autoria por
Fernando Novais, João Fragoso e Manolo Florentino, Luiz Felipe de Alencastro e Ângelo
Carrara. Busco identificar suas teses defendidas, seus argumentos que a sustentam, eventuais
críticas e pontos de debates entre os autores, dando enfoque à perspectiva marxista à agro-
indústria do açucar e a escravidão como alicerces do sistema econômico colonial.

Começamos com o capítulo três, intitulado “A Crise do Antigo Sistema Colonial”, do livro
de Fernando Novais Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808)

“Noutras palavras, é o sistema colonial do mercantilismo que dá sentido à colonização


europeia entre os Descobrimentos Marítimos e a Revolução Industrial” (NOVAIS, p. 58).
Novais defende a necessidade do estudo do sistema colonial, seus mecanismos, vida política e
econômica e contradições, para que se pudesse compreender as manifestações de sua crise
(Novais, p. 57).

Acerca das relações coloniais o autor estabelece dois níveis essenciais. O primeiro se
encontra na legislação ultramarina europeia e o segundo nas relações comerciais entre si
(NOVAIS, p. 58).

“A legislação não faz na realidade mais que tentar levar à prática os princípios formulados
pela teoria mercantilista” (NOVAIS, p.59).

Partimos do ideal metalista, ou seja a concepção de riqueza medida através da quantidade


de metais nobres presentes na Nação (NOVAIS, p. 60), ideia esta que Novais caracteriza
como “orientadora da política econômica” (Novais, p.61) pois se torna a razão da política
tarifária e protecionista dos Estados colonizadores (Novais, p. 61).

O mercantilismo não é, efetivamente, uma política econômica que vise ao bem-estar social, como se diria
hoje; visa ao desenvolvimento nacional a todo custo, Toda forma de estímulos é legitimada, a intervenção do
estado deve criar todas as condições de lucratividade para as empresas poderem exportar excedentes ao máximo.
(NOVAIS, p. 61)

Assim é clara a posição das colônias, segundo a visão de Novais, elas constituem-se como
reservas econômicas, de modo a garantir a autonomia das metrópoles frente à alta
concorrência entre os Estados europeus (Novais, p. 61- 62).

Portanto, as relações metrópole-colônia visam adequar a expansão colonizadora nos


moldes da política mercantilista seguindo a mentalidade absolutista predominante na época
(NOVAIS, p. 62). Entretanto, é preciso se aprofundar nas conexões entre a Colonização e as
características típicas da Era Moderna.

“Estado absolutista, com extrema centralização do poder real, que de certa forma unifica e
disciplina uma sociedade organizada em “ordens”, e executa uma política mercantilista de
fomento, do desenvolvimento da economia de mercado, interna e externamente” (NOVAIS, p.
63)

Novais entende que a Expansão Ultramarina permitiu a superação dos limites impostos
pela economia mercantilista ao fim da Idade Média (NOVAIS, p. 63). Com o fim da
estruturação feudalista, configura-se o que o autor denomina de “fase intermediária” que
convém chamar de “Capitalismo mercantil” (NOVAIS, p. 62).

“Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista,


expansão ultramarina e colonial são, portanto, partes de um todo” (NOVAIS, p. 66). Segundo
o autor, todos estes conceitos são resultado das tensões sociais causadas pela desintegração do
feudalismo (NOVAIS, p. 66). A necessidade das economias coloniais como amparo externo
se dá de forma a promover a Acumulação Primitiva de capital (NOVAIS, p. 67).
“Tratava-se, em última instância, de subordinar todos ao rei, e orientar a política da realeza
no sentido do progresso burguês” (NOVAIS, p. 67). Segundo Novais, a Colonização surgiu
como produto resultante da expansão comercial (Novais, p. 67), processo esse que
eventualmente atingiria a cadeia de produção artesanal e/ou manufatureira
“Efetivamente, ao se transitar do comércio para a colonização, passava-se da comercialização de bens
produzidos por sociedades já estabelecidas para a produção de mercadorias e montagem de uma sociedade
fiova. Engajava-se assim, a ocupação, povoamento e valorização de novas áreas, e sua integração nas linhas da
economia européia. A exploração ultrapassava dessa forma o âmbito da circulação de mercadorias, para
promover a implantação de economias complementares extra-européias, isto é, atingia propriamente a órbita da
produção.” (NOVAIS, p. 68).

Seguindo esta linha de raciocínio, a Colonização tem um objetivo puramente comercial


(NOVAIS, p. 68), promover a acumulação capitalista e a ascensão da burguesia (NOVAIS, p.
69). Desta forma, o processo de exploração por parte das nações colonizadores foi elemento
essencial na formação do capitalismo industrial (NOVAIS, p. 70).
“Foi efetivamente exclusivista o comércio que se montou com a abertura das novas rotas
oceânicas no início da Época Moderna” (NOVAIS, p. 72). O monopólio do comércio nos
moldes do absolutismo, onde o Rei era tido como único empresário (NOVAIS, p. 74)
reforçava portanto, os mecanismos de funcionamento do Antigo Sistema Colonial (NOVAIS,
p. 72) assim garantindo a aceleração do acúmulo de capital mercantil (NOVAIS, p. 74) e
influenciando diretamente a produção colonial (NOVAIS, p. 77)
Em razão dos interesses monopolistas da burguesia mercantilista do Reino de Portugal, foi
proibida a presença de estrangeiros nas ilhas coloniais (NOVAIS, p. 78).
Percebe-se pois a política seguida astutamente pela Coroa portuguesa: liberdade de comércio na fase inicial,
para estimular a vinda de recursos e capitais para a instalação da produção colonial; enquadramento no sistema
exclusivista quando a economia periférica entrava em funcionamento. (NOVAIS, p. 78)

Para Novais, este é um denominador comum entre as potências colonizadoras, o autor


argumenta que Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França basearam sua política
comercial em duas fases, a primeira seguindo uma ordem absolutista, monopolista e
exclusivista, seguida pela aplicação de uma ordem nos moldes do mercantilismo (Novais, p.
78 - 88).
“O "exclusivo'' metropolitano do comércio colonial consiste em suma na reserva do
mercado das colônias para a metrópole, isto é, para a burguesia comercial metropolitana.”
(NOVAIS, p. 88). O sistema, portanto, ampliava os lucros ao máximo, pois promovia uma
transferência monetária da colônia para a metrópole ao mesmo tempo que concentrava os
lucros na camada burguesa empresarial (NOVAIS, p. 89). O autor novamente dialoga com o
conceito marxista de incentivo à acumulação primitiva nesse ponto (NOVAIS, p. 89)
“O sistema colonial em funcionamento, configurava uma peça da acumulação primitiva de
capitais nos quadros do desenvolvimento do capitalismo mercantil europeu.” (NOVAIS, p.
92).
Já na obra de Fragoso e Florentino, em seu livro de autoria conjunta, O arcaísmo como
projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial
tardia: Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1840. os autores atribuem a concentração de renda
desigual, persistente até hoje no Brasil, ao sistema econômico ligado à hierarquia social
excludente (Fragoso, Florentino, p. 18) e defendem que a economia não pode ser analisada
sem considerar outros aspectos que diz respeito ao funcionamento da sociedade, devido sua
natureza arcaica (Fragoso, Florentino, p. 18).
“Os próprios mecanismos de ascensão social implica recriar o padrão social excludente”
(FRAGOSO, FLORENTINO, p.19). É preciso se atentar a condição particular da metrópole
portuguesa: Apropriação dos excedentes, contra a efetivação do capital mercantil
metropolitano na colônia (ao menos em nível estrangeiro) e, como Novais já havia citado, a
criação de uma sociedade e economia nos moldes do Antigo Regime (FRAGOSO,
FLORENTINO, p. 19)
Fragoso e Florentino identificam a aparelhagem que permite a soberania da elite mercantil
como terra, alimentos e mão de obra em grande oferta e a preços reduzidos (Fragoso,
Florentino, p. 20).
Na base desta incorporação estava a existência de uma fronteira aberta, um mosaico de produções não
capitalistas que garantiam o abastecimento interno; além do crescimento do tráfico atlântico de escravos,
continuamente alimentado por sua vinculação estrutural à produção da diferenciação social na própria África
subsaariana (FRAGOSO, FLORENTINO, p. 20)

Ao contrário de Novais, que caracterizava a economia colonial como dependente (Novais,


p. 107), Fragoso e Florentino defendem uma economia “de natureza atlântica, cujos
lineamentos não-capitalistas lhe permitia desfrutar certa autonomia frente às pulsações do
mercado internacional” (Fragoso, Florentino, p. 20)
Os autores trazem o conceito de ideal aristocrático, ao tratar da acumulação promovida
pelo sistema, ou seja, “transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras,
homens e sobrados” (FRAGOSO, FLORENTINO, p. 21).
Os autores discorrem que a acumulação para a elite mercantil foi promovida em um
primeiro momento através de extenso sistema de privilégios políticos (FRAGOSO,
FLORENTINO, p. 65).
“A formação da primeira elite senhorial fez-se pelo controle de cargos políticos e
administrativos e por meio de estreitas alianças” (FRAGOSO, FLORENTINO, p. 66)
Para Novais, com a introdução da economia açucareira, as colônias americanas passaram a
se constituir em função do mercado europeu, antes meramente voltada ao consumo de
subsistência dos colonos pioneiros (Novais, p. 93).
“É a produção para o mercado europeu que domina o processo colonizador” (NOVAIS, p.
94). Sua adequação ao quadro econômico europeu permitia a acumulação primitiva capitalista
de modo a favorecer a classe burguesa (Novais, p. 97) argumento central no texto de Novais.
“Ora, isto obrigava economias coloniais a se organizarem de molde a permitir o
funcionamento do sistema de exploração colonial, o que impunha a adoção de formas de
trabalho compulsório ou na sua forma limite, o escravismo.” (NOVAIS, p. 97 - 98)
Fragoso e Florentino atribuem o aumento da produção de açúcar, sobretudo no Rio de
Janeiro, à geopolítica do século XVII (Fragoso, Florentino, p. 63). Sobre a conjuntura
internacional a crise econômica generalizada na Europa, a União Ibérica, a invasão holandesa
do Nordeste (Fragoso, Florentino, p. 63) e a participação importantíssima do Rio de Janeiro
na retomada da Angola em 1648 (Fragoso, Florentino, p. 64), igualmente contribuíram para a
formação da elite senhorial e da valorização da mão de obra escrava (Fragoso, Florentino, p.
64)
“As primeiras décadas do Seicentos representaram a época do que podemos chamar de
acumulação primitiva da economia de plantation do Rio” (FRAGOSO, FLORENTINO,
p.65). Fragoso e Florentino deixam claro que a produção de açúcar foi fator decisivo na
inserção da capitania do Rio ao mercado atlântico (Fragoso, Florentino, p. 74 - 75).
Novais refuta o argumento “que os europeus haviam “recorrido” ao trabalho africano
porque escasseava a população na mãe-pátria com que povoar o Novo Mundo” (Novais, p.
98). Novais afirma que o essencial era a exploração de modo a promover a aceleração do
acúmulo primitivo de capital metropolitano e não o povoamento (Novais, p. 99). Assim, do
mesmo modo que a transição do feudalismo para o trabalho assalariado libertava os
produtores de seus laços servis na Europa, o mesmo apresenta movimento contrário no
Ultramar (NOVAIS, p.101).

Produzir para o mercado europeu nos quadros do comércio colonial tendentes a promover a acumulação
primitiva de capital nas economias européias exigia formas compulsórias de trabalho, pois do contrário, ou não
se produziria para o mercado europeu (os colonos povoadores desenvolveriam uma economia voltada para o
próprio consumo), ou se imaginasse uma produção exportadora organizada por empresários que assalariassem
trabalho, os custos da produção seriam tais que impediriam a exploração colonial (NOVAIS, p. 102).

De acordo com a perspectiva de Novais ficam então elencadas as etapas do processo de


colonização: povoamento inicial de forma a garantir a posse de terra em face da concorrência,
seguida pelo direcionamento da produção para o mercado europeu e finalmente a introdução
da escravatura africana (Novais, p. 104).
Novais ainda argumenta que o motivo da melhor adaptação do negro a lavoura se dá mais
uma vez como mecanismo da acumulação de capital pois, “os ganhos comerciais resultantes
da preação dos aborígenes mantinham-se na colônia, (...) a acumulação gerada no comércio de
africanos, entretanto, fluia para a metrópole” (Novais, p. 105).
O texto de Fragoso e Florentino faz uma crítica a abordagem de Novais referente a
demanda de mão de obra suprida pelo continente africano, que supostamente desconsidera
suas motivações, os autores afirmam que o africano deve ser analisado para além de sua
chegada ao Brasil (Fragoso, Florentino, p. 118).
“Em Fernando Novais encontramos a afirmação de que os escravos e o tráfico atlântico seriam mais
adequados aos fins últimos da acumulação primitiva européia. Que motivos presidiriam tal adoção, se a
escravidão travava o giro do capital, se o cativo tinha de ser permanentemente mantido e se, por fim, ao não
permitir o exercício do clássico mecanismo da dispensa do fator trabalho, a escravidão impedia o ajustamentio
da mão de obra às flutuações do mercado?” (FRAGOSO, FLORENTINO, p. 121)

Para Fragoso e Florentino, apesar de em um primeiro momento, o trabalho compulsório


aborígene tenha servido à exploração colonial, no cerne da transição para a escravidão
africana está a alta lucratividade do tráfico transatlantico (Fragoso, Florentino, p. 121 - 122).
O comércio negreiro, um dos setores mais rentáveis do comércio colonial, determinaria não a opção pela
escravidão em geral, mas sim pelos escravos africanos, o que não necessariamente significa que as flutuações da
demanda por negros passassem a ser ditadas pela oferta dos mesmos. Novais, como outros, elude a dinâmica da
face africana no circuito atlântico, embora nele esta última assuma feições estruturais (FRAGOSO,
FLORENTINO, p.122)
Sobre as consequências do escravismo Novais afirma o ultramar como uma economia
dependente (Novais, p. 107) dividida em dois setores: O primeiro de exportação centrado para
o mercado europeu, e o segundo de subsistência (Novais, p. 106), sendo a concentração de
renda sob a camada senhorial que permite seu pleno funcionamento (Novais, p. 107).
“Em suma: a economia colonial mercantil escravista tem necessariamente um mercado
interno reduzidíssimo. (...) não tinha condições de auto estimular-se, ficando ao sabor dos
impulsos do centro dinâmico dominante” (NOVAIS, p. 110).
Fragoso e Florentino argumentam que mesmo durante a transição do século XVII para o
século XVIII a hierarquia excludente, a escravidão e a produção direcionada ao mercado
externo tenderam a prevalecer, porém, com novas formas de acumulação associadas ao capital
mercantil (Fragoso, Florentino, p. 85). “Isso não significa dizer que o Rio de Janeiro deixou
de viver um ambiente de antigo regime (...) afinal, o próprio mercado não passara a ser auto-
regulado” (FRAGOSO, FLORENTINO, p. 85) porém a complexidade comercial da capitania
aumentou significativamente, o que ajudou o antigo sistema de benesses políticas perder força
(FRAGOSO, FLORENTINO, p. 85)
No entendimento de Novais, o sistema colonial foi peça chave para a ultrapassagem do
mercantilismo para o capitalismo industrial (Novais, p. 112), nos deparamos portanto com
uma contradição estrutural, pois ao contribuir para a ampliação dos níveis de consumo e
produção, o próprio sistema promove sua crise (Novais, p. 114).
“Assim, pois, chegamos ao núcleo da dinâmica do sistema: ao funcionar plenamente, vai
criando ao mesmo tempo as condições de sua crise e superação.” (NOVAIS, p. 114)
Para Alencastro em O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, Portugal
assume papel decisivo no tráfico negreiro devido à sua posição privilegiada entre a Europa e
suas zonas mercantis (Alencastro, p. 29 - 30).
“Na ausência de um excedente regular incorporável às trocas marítimas, a Coroa -
secundada pelo capital nacional e estrangeiro - estimula a produção de mercadorias para a
economia-mundo, dando origem a uma forma mais avançada de exploração colonial.”
(ALENCASTRO, p. 30)
No quadro das proporções assumidas pelo tráfico negreiro, Alencastro elabora três
principais dimensões:
Primeiro, o tráfico de africanos se constitui em uma rede interligada de Portugal ao Oriente
Médio e Extremo (ALENCASTRO, p. 30) “Lisboa devia saldar suas trocas com remessas de
ouro (para o império otomano), prata (para o Extremo Oriente), cobre (para a Índia), metais
dos quais Portugal era pouco provido.” (ALENCASTRO, p. 30).
Em segundo lugar, Alencastro também afirma que o comércio de escravos é um dos setores
mais rentáveis da economia colonial, gerador de lucros para o Tesouro Régio (Alencastro, p.
30).
“Em terceiro lugar, o tráfico surge como o vetor produtivo da agricultura das ilhas
atlânticas" (ALENCASTRO, p. 32). Acreditava-se que a produtividade e arrecadação
aumentariam ao substituir o trabalhador livre pelo escravo africano (ALENCASTRO, p. 33).
“Estimulada pelos incentivos fiscais inscritos no alvará de 1554, a edificação de engenhos é ainda ajudada
pelo alvará de 1559, permitindo que cada senhor de engenho importasse 120 africanos pagando apenas um terço
das taxas. Medidas que atraem para as plantações brasileiras um segmento do fluxo negreiro até então dirigidas
ao Caribe” (ALENCASTRO, p. 34)

Sobre os níveis de assentamento da estrutura escravista assume diversos patamares.


Destarte, o poder da metrópole em relação ao Tráfico transatlântico inviabilizam a
possibilidade de concorrência econômica entre Brasil e África, a produção torna-se
complementar. “O Brasil produzirá açúcar, o tabaco, p algodão, o café; a África fornecerá os
escravos” (ALENCASTRO, p. 35)
Outras fontes de renda para o Tesouro Régio também passam a ser empregadas através de
diversas taxas e impostos cobradas sobre os cativos (ALENCASTRO, p. 35- 36).
“O conflito entre o produtivismo mercantil dos colonos e a evangelização (...) dos
indígenas exercida pelo clero será apaziguado pelo tráfico negreiro” (ALENCASTRO, p. 36)
ainda que temporariamente.
Os mercadores conciliam os benefícios de um cenário com poucos compradores e muitos
vendedores de açúcar (oligopsônio) ao oligopólio do negócio de escravos (ALENCASTRO, p.
37), aqui entra a utilização de créditos para a compra e venda de escravos, assunto também
tratado por Ângelo Carrara em “O crédito no Brasil no período colonial: Uma revisão
historiográfica.”
O tráfico negreiro também serviu como mecanismo de destravamento da produção
(ALENCASTRO, p. 38) aumentando a demanda agrícola na esfera macroeconômica
(ALENCASTRO, p. 38) e interferido na esfera microeconômica também pois:
“Dado que os lucros potenciais das fazendas e engenhos servem de garantia para a compra de novos fatores
de produção (escravos), o excedente é investido produtivamente (...). Desde logo as unidades coloniais
incorporam um mecanismo apto a garantir o crescimento regular das atividades. Simultaneamente, fica
assegurada a transferência da renda do setor produtivo para o setor mercantil, fator crucial para a realização da
exploração colonial.” (ALENCASTRO, p. 38)

Segundo Alencastro, a oferta regular, o recurso ao crédito, à compra antecipada e a maior


imunidade dos africanos em relação às epidemias trazidas pelos europeus, razão da alta
mortalidade entre os indígenas, são motivações que facilitam o posicionamento sociológico
dos escravos e a exploração colonial (Alencastro, p. 39 - 40). “Segue-se um processo de
repovoamento colonial e mercantil fundamentalmente baseado no implante de colonos
europeus e de escravos africanos” (Alencastro, p. 40).
Finalmente, a moeda escassa circulante parece ser um consenso entre os autores:
A produção colonial orienta-se necessariamente para aqueles produtos que possam preencher a função do
sistema de colonização no contexto do capitalismo mercantil; (...) Para além, naturalmente, metais nobres, para
que a expansão da economia de mercado se não travasse por escassez de numerário. (NOVAIS, p. 92-93)

Se a isto se agrega a natureza mercantil da produção colonial escravista, também marcada por uma frágil
divisão de social do trabalho e por débil circulação de numerário, estaremos frente às precondições para a
preeminencia daqueles agentes que, no Brasil, detinham a liquidez do sistema - o capital mercantil residente.
(FRAGOSO, FLORENTINO, p. 20)

Apoiados pelos tratistas e funcionários régios de Angola, Costa da Mina e Guiné, os mercadores da América
portuguesa facilitam a venda de escravos africanos - por meio de crédito aos fazendeiros - a fim de controlar a
comercialização dos produtos agrícolas. e A falta de numerários nas conquistas e o adensamento das trocas
atlânticas dão forma direta ao crédito. (ALENCASTRO, p. 37)

Angelo Carrara, porém, refuta essa noção. Ao citar Pedro Puntoni, Carrara expõe que a
percepção de numerários escassos se limita a momentos de crises e tensões e mesmo assim
atribuem o fato a uma questão estrutural ao basear seus argumentos na ausência de salários
característica do sistema escravista (Carrara, p. 31)
Ou seja, para Carrara, a baixa monetização é na verdade causada pela crise dos preços nos
produtos de exportação, sobretudo o açúcar, em uma economia dependente das flutuações do
mercados externo (Carrara, p. 31 - 32). “falta de metal sonante não é o mesmo que crise
econômica, mas uma consequência desta, e que é antes um contundente testemunho da rígida
dependência externa da economia açucareira” (CARRARA, 2009, p. 92 - 94)
Carrara acaba por concordar com Amaro Cavalcanti que, “em lugar de escassez, avaliava
que o montante do meio circulante no Brasil adequava-se às necessidades da sua economia.”
(Carrara, p. 35).
O autor defende uma desconstrução do ideal de “moeda” circulante e suas manifestações
no Império Portugal como meio de troca. “Tangas, xerafins, pardaus, pardaus de ouro ou
santomés, bazarucos e rúpias na Índia portuguesa; patacas em Macau; zimbos e cauris em
Angola (Sousa, 1967, p.16-43; Boxer, 1973, p.99; Alencastro, 2000, p.256-258); cacau e pano
de algodão no Estado do Maranhão e Grão Pará; e nas áreas de mineração do Brasil, ouro em
pó.” (CARRARA, p. 34).
Segundo Carrara, a quantidade de moeda circulante depende fundamentalmente do patamar
em que as atividades econômicas se encontram. Cidades com maior produção de produtos
comerciais teriam um montante monetário maior em comparação com zonas primordialmente
focadas em produção de subsistência (Carrara, p. 36). Não se trata apenas da moeda, mas de
qual moeda está se tratando (Carrara, p. 36)
A despeito das diferenças de fontes, metodologias e objetivos, há um elemento comum à quase totalidade dos
trabalhos aqui elencados: a escassez monetária durante o período colonial, razão pela qual o crédito constituiria
recurso indispensável. Para a historiografia anterior à década de 1980, outro consenso era a subordinação dos
grandes produtores rurais aos comerciantes. No entanto, a partir do momento em que a pesquisa histórica
começou a incorporar fontes seriais e quantitativas, o mercado de crédito no período colonial revelou-se muito
mais complexo. (CARRARA, p. 43)

Concluindo, a moeda no período colonial possui manifestações mais diversas que apenas o
ouro, a prata e o cobre amoedado (CARRARA, p. 36).
“A prática do escambo, a adoção de mercadorias diversas como meio de pagamento – em
particular o açúcar –, e o apelo ao crédito teriam viabilizado as poucas trocas internas,
tornando irrelevante a discussão sobre a maior ou menor circulação de moeda metálica”
(LIMA, p. 347).
As queixas em relação à falta de moeda metálica por parte dos senhores de engenho se dá
em tempos de crise nos mercados europeus (LIMA, 2021, p. 349), a crise instiga a preferência
por moedas metálicas por parte dos comerciantes metropolitanos em detrimento da permuta
de açúcar por outros produtos (LIMA, 2021, p. 349). Entretanto, no que diz respeito ao
poderio colonial, a falta de numerário seria a causadora da baixa arrecadação de impostos que
por fim resultou na queda de preços dos “produtos da terra” (LIMA, 2021, p. 349).
Como solução para o problema, reivindicavam (i) o uso de açúcar como moeda, (ii) o “levantamento” da
moeda corrente e (iii) a adoção de uma moeda provincial. Essas três propostas visavam aos mesmos objetivos:
aumentar o poder de barganha dos produtores de açúcar e a arrecadação de tributos.” (LIMA, 2021, p. 349).
O papel do açúcar como moeda foi muitas vezes usado para sanar disputas entre produtores
e mercadores (LIMA, 2021, p. 349).
Pedro Antonio Vieira em seu artigo “A inserção do “Brasil” nos quadros da economia-
mundo capitalista no período 1550-c.1800: uma tentativa de demonstração empírica através
da cadeia mercantil do açúcar” já havia tentado demonstrar como atividades comerciais tidas
como independentes, principalmente o tráfico de escravos africanos, estavam na verdade
subordinadas a “cadeia mercantil do açúcar” (Vieira, 2009, p. 499).
“Para usar a expressão do mesmo Alencastro, esta força de trabalho era uma “mercadoria ancilar”. Em
suma, todos os negócios que ela cria ou que se criam em torno a ela, são, em última instância, uma criação da
mercadoria para qual ela é um meio, um insumo: o açúcar” (VIEIRA, 2009, p. 507).

No território colonial, a cadeia mercantil do açúcar abrangeu desde o plantio de cana, os


equipamentos do engenho, suas técnicas, a obtenção de madeira para a lenha até os insumos
necessários para o transporte e embalagem do açúcar para consumo (VIEIRA, 2009, p. 524).
À medida que a demanda agro-açucareira aumentava, a importação de insumos da Europa
deixava de ser necessária (VIEIRA, 2009, p. 524).
“Ao suprir as demandas da agroindústria açucareira esta “oferta ou produção interna”, que
Fragoso e Florentino (2001) mostram ser pujante na segunda metade do século XVIII, se
tornava parte inseparável da cadeia mundial do açúcar.” (VIEIRA, 2009, p. 524).

Bibliografia

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Prefácio”; “O aprendizado da colonização”; “Conclusão


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LIMA, Fernando Cerqueira. Oferta e demanda de moeda metálica no Brasil colonial (1695-
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VIEIRA, Pedro Antonio. A inserção do “Brasil” nos quadros da economia-mundo


capitalista no período 1550-c.1800: uma tentativa de demonstração empírica através da cadeia
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