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Reflexos do direito autoral nas criações do designer gráfico

Paulo Gomes de Oliveira Filho

A abrangência da lei autoral

Toda e qualquer criação intelectual ― inclusive, portanto, as desenvolvidas pelo


designer gráfico ― que tenha criatividade e originalidade, que seja exteriorizada e
lançada em um suporte físico, é protegida pela lei autoral. A ideia que não foi
transformada em criação efetiva não constitui obra intelectual protegida.

As obras intelectuais protegidas podem ser expressas em qualquer meio ou fixadas em


qualquer suporte, tangível ou intangível, tais como: textos de obras literárias,
artísticas ou científicas; composições musicais, com ou sem letra; obras audiovisuais,
obras fotográficas; obras de desenho, pintura, gravura, escultura, ilustrações;
adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como
criação intelectual nova.

Não são protegidas como obras intelectuais os métodos, projetos, esquemas, planos
ou regras para realizar atos mentais, jogos, negócios e as que contenham informações
de uso comum, como: calendários, agendas, cadastros ou legendas.

Tipos de obras intelectuais

Coautoria: criada em comum por dois ou mais autores;

Anônima: quando não se indica o nome do autor por vontade dele ou por ser
desconhecido;

Inédita: que não tenha sido objeto de divulgação;

Originária: a criação primeira ou original, não baseada em qualquer outra criação


anterior;

Derivada: a que, constituindo criação intelectual nova (contendo elementos de


criatividade e originalidade), resulta da transformação da obra originária;

Coletiva: a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física


ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela
participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem em uma criação
autônoma.

Autoria da obra intelectual

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Autor é sempre a pessoa física. A pessoa jurídica nada cria, de fato. Daí ser o autor
somente a pessoa física do criador ou criadores. A pessoa jurídica pode vir a ser
apenas titular dos direitos autorais patrimoniais.

Presunção de autoria

Considera-se autor da obra intelectual, inexistindo prova em contrário, aquele que


tiver indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização, independentemente de
seu registro em órgãos para esse fim.

Titular dos direitos autorais sobre obras derivadas

Titular desses direitos é quem adapta, traduz, arranja ou orquestra “obra caída no
domínio público”. O autor da obra derivada passa a ser titular de direitos autorais
sobre a obra já “adaptada”. Poderá haver tantas obras derivadas quanto forem os
arranjos e adaptações.

No campo de design gráfico, é muito comum haver um “redesenho” da criação


anterior de outro designer. Muitos pensam que é uma obra derivada, mas é uma obra
derivada irregular, já que a obra anterior não caiu em domínio público.

A obra só pode ser alterada ou “redesenhada” mediante prévia e expressa autorização


do primeiro designer ― uma vez que, como veremos, o direito de alteração da obra
faz parte dos chamados “direitos morais”, estes inalienáveis e irrenunciáveis.

Obras caídas no domínio público

Caem no domínio público e, portanto, podem ser utilizadas por qualquer pessoa:

1. As obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos


patrimoniais. A legislação regulamenta estes prazos e períodos;

2. As de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;

3. As de autor desconhecido.

Direitos nas obras coletivas

A obra coletiva, criada por duas ou mais pessoas, mas organizada e desenvolvida por
outra pessoa, física ou jurídica, normalmente decorre da atuação de uma pessoa
jurídica ― escritórios de criação, estúdios etc. ― que põe seus funcionários ou
prestadores de serviços para desenvolver os trabalhos solicitados pelos clientes.

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As pessoas físicas ou jurídicas organizadoras detêm o direito de uso e podem
conceder tal utilização a seus clientes, de forma onerosa ou gratuita. Aos autores,
pessoas físicas, remanescem os direitos morais.

Registro das obras intelectuais

Toda obra intelectual é protegida independentemente de registro.

É facultado ao autor registrar sua obra, dependendo da modalidade, na Biblioteca


Nacional, na Escola Nacional de Música, na Escola de Belas Artes da UFRJ, no Conselho
Federal de Engenharia, Conselho Regional de Arquitetura e no Instituto Nacional da
Propriedade Industrial, que é onde se faz o registro de desenho industrial.

“O registro de desenho industrial protege a forma ornamental plástica


aplicada a um produto, seja objeto tridimensional, seja um conjunto de
linhas e cores bidimensional. Para ser protegido, é necessário que ele
apresente um resultado visual novo e original, assim como o produto
ornamentado possa ser fabricado em escala industrial (não seja uma
mera obra de arte).

Para saber se um desenho é novo e original utiliza-se uma busca de


anterioridade na internet e no próprio INPI. O mesmo acontece com o
registro de marcas e nomes fantasias de produto ou empresa. Existem
registros que são complementares.

Por exemplo, um telefone pode ser passível de proteção por patente


(dispositivo novo e inventivo), por desenho industrial (forma externa
nova e original), por marca (nome distintivo do produto) e por direito
autoral (manual do produto).

Da mesma maneira, produtos cujo design manifesta um grau significativo


de expressão artística, como no caso de certos tipos de joias, peças de
vestuário ou objetos funcionais de decoração, poderão merecer proteção
tanto por desenho industrial como por direito de autor.”

Fonte: DANNEMANN, Gert Egon. Desenho Industrial: o que fazer?


Porque fazer? Como fazer?: um guia prático sobre como proteger seu
desenho industrial. Rio de Janeiro. SEBRAE/RJ, 2008

Se a obra for de natureza que comporte registro em mais de um desses órgãos, deverá
ser registrada naquele com que tiver maior afinidade (por exemplo, criação que

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envolva ilustração e texto: tanto pode ser objeto de registro na Escola de Belas Artes
como na Biblioteca Nacional).

O registro para proteção de criações do designer tem orientação e exigências


específicas em cada órgão e custos financeiros.

Direitos autorais morais e patrimoniais

Os direitos autorais morais e patrimoniais pertencem a quem criou a obra, exceção


feita à obra coletiva.

São direitos morais intransferíveis, inalienáveis e irrenunciáveis os de:

1. Reivindicar a autoria da obra, demonstrando ser o seu real autor;

2. Vincular seu nome à obra, mediante a exigência de fazer constar o seu


“crédito autoral” em qualquer forma pela qual ela seja utilizada;

3. Conservar a obra inédita;

4. Assegurar a integridade da obra, opondo-se a qualquer modificação ou prática


de atos que possam prejudicá-los como autor em sua reputação ou honra.
Discute-se se eventuais alterações, que não impliquem em efetivo prejuízo ao
seu criador, possam ou não ser executadas sem a prévia autorização do criador
da obra primeira;

5. Modificar a obra, antes ou depois de utilizada. Nesse caso, a modificação da


obra realizada para terceiros (tais como logomarcas etc.) depende também da
concordância de seu usuário;

6. Retirar a obra de circulação ou suspender qualquer forma de utilização já


autorizada.

O autor poderá repudiar a autoria do projeto alterado sem o seu consentimento, mas,
no caso de obra arquitetônica, o autor não pode impedir que o proprietário do imóvel
altere o projeto e proceda as reformas que bem entender.

Os direitos patrimoniais são transferíveis e alienáveis. Podem ser cedidos a terceiros


de forma onerosa ou gratuita.

No caso de design gráfico, o que tem ocorrido em alguns casos é que, além dos
direitos patrimoniais, o designer acaba autorizando, no próprio instrumento de cessão
de direitos patrimoniais, a alteração de sua obra original por terceiros.

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Duração da proteção aos direitos patrimoniais

Caso não tenha transferido os direitos patrimoniais a terceiros, o autor detém, além
dos direitos morais, os patrimoniais, durante toda a sua vida. A exceção diz respeito
às obras fotográficas e audiovisuais em que o direito patrimonial vigora durante
setenta anos, a partir de 1o de janeiro do ano seguinte à sua primeira divulgação.

Com o falecimento do autor e caso ele não tenha transferido em vida os direitos
autorais patrimoniais, esses direitos são transferidos aos herdeiros, por herança,
também por setenta anos contados de 1o de janeiro do ano subsequente à morte do
autor, obedecida a ordem sucessória do Código Civil.

Quem publicar obra anônima passa a deter os direitos patrimoniais sobre ela pelo
prazo de setenta anos, a contar da primeira publicação.

Não constitui ofensa aos direitos autorais:

1. A reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de


qualquer natureza, ou de obra integral quando plástica, desde que a reprodução não
seja o objetivo principal da nova obra e que não prejudique a exploração normal da
obra reproduzida, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos
autores;

2. São livres as paródias ou paráfrases que não forem reproduções da obra originária
nem lhe implicarem descrédito;

3. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser


representadas livremente por meio de pinturas, desenhos, fotografias e
procedimentos audiovisuais. Monumentos e obras de arte, como dito acima, poderão
ser reproduzidos por esses meios sem qualquer prévia autorização de quem quer que
seja.

Transferência dos direitos de autor

1. Apenas os direitos autorais patrimoniais podem ser transferidos, total ou


parcialmente, já que os morais são inalienáveis e irrenunciáveis;

2. A transferência ou cessão somente poderá ser feita mediante documento escrito,


não sendo admitida a cessão verbal;

3. A cessão poderá ser de direito sobre obras futuras, limitada a um prazo de cinco
anos (ou seja, sobre as obras que forem criadas nesse prazo). É comum que as

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empresas que prestem serviços criativos ― como os escritórios e estúdios de design ―
obtenham de seus colaboradores e/ou prestadores de serviços a cessão de direitos
autorais de obras futuras. Essa cessão pode constar no próprio contrato de trabalho ou
em contrato especialmente elaborado para tal fim;

4. A cessão só será válida para o país em que se firmou o contrato, salvo se constar do
contrato sua validade para outros países;

5. A cessão só valerá para modalidades de utilização já existentes na data do


contrato. Se outras formas de uso forem criadas após essa data, elas não estarão
abrangidas pela cessão;

6. Se não houver especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será


interpretado restritivamente, ou seja, entender-se-á que a utilização concedida é
limitada apenas àquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato;

7. A cessão, total ou parcial, presume-se onerosa, podendo, entretanto, se


expressamente previsto, estabelecer-se sua gratuidade;

8. O contrato de cessão deverá conter os elementos essenciais do seu objeto e das


condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço;

9. A cessão poderá ser averbada ao lado do registro da obra nos órgãos já citados.
Caso a obra não esteja registrada em nome do autor, o documento de cessão poderá
ser registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Utilização da obra de arte plástica

1. O adquirente de obra plástica, a não ser mediante prévia estipulação escrita pelo
autor, não poderá reproduzi-la e nem permitir sua utilização para qualquer finalidade
comercial;

2. A autorização para reprodução de qualquer forma, inclusive publicitariamente, de


obra de arte plástica deve ser feita por escrito e se presume onerosa, mas, como foi
dito, para casos de cessão e permissão, também poderá ocorrer gratuitamente.

Sanções às violações dos direitos autorais

1. Apreensão dos exemplares reproduzidos fraudulentamente (aí inserida a falta de


autorização, o plágio, a utilização além do consentido etc.) e suspensão da divulgação
ou uso, além de indenização;

2. Quando se deixar de indicar o “crédito autoral” na utilização de obra alheia, além


de responder também por danos morais e patrimoniais, o infrator estará obrigado a

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divulgar-lhe a identidade nos mesmos veículos, com iguais tempo/espaço e
abrangência da divulgação ilegal.

Sobre o autor

Paulo Gomes de Oliveira Filho é advogado formado pela USP, com pós-graduação pela
mesma universidade e pela Universidade de Paris, é titular do escritório Paulo Gomes
de Oliveira Filho Advogados Associados, que atua fundamentalmente na área de
direitos intelectuais.

Paulo Gomes de Oliveira Filho em O Valor do Design: guia ADG Brasil de prática
profissional do designer gráfico. São Paulo: Editora SENAC e ADG, 2003. 71 – 77

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