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UNIDADE I – DOS CRIMES CONTRA A

PROPRIEDADE INTELECTUAL

FRANCISCO GERALDO MATOS SANTOS


DOUTORANDO EM DIREITO – UFPA
MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA – UFPA
ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL PENAL
(IDJ/SP)

A proteção eficiente à propriedade intelectual é um instrumento poderoso de


desenvolvimento” (Manuella Santos)
1.1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

• Engloba bens moveis e imóveis


Propriedade material • Recebe proteção no título II da parte especial do CP

ou corpórea

• Bens e direitos incorpóreos (interesses juridicamente tutelados,


com alguma expressão econômica;
Propriedade imaterial • Recebe proteção no título III da parte especial do CP
Mas o que são, portanto, bens ou direitos
incorpóreos?
Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 3. ed., v. VII, p. 331)
afirma que são “ideações criadoras ou entidades ideais consideradas em
si mesmas ou abstraídas da matéria (corpus mechanicum) na qual ou
pela se exteriorizam (e da qual se distinguem, por assim dizer, como a
alma do corpo)”.
Entendendo a lógica das expressões....

Direitos autorais
Propriedade
intelectual
Propriedade
Propriedade industrial
imaterial

Art.s 11 a 21 CC e
Direitos de
título I da parte
personalidade
especial do CP
Propriedade intelectual

Propriedade industrial Direitos autorais

Objeto de
- Lei 9279/96 a) Patente
disciplina
“Violação de direito
- Proteção de software b) Desenho industrial
autoral” (art. 184)
(Lei 9609/98) c) marca
1.2. HISTÓRICO DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS
AUTORAIS NO BRASIL
• Código Criminal do Império (1830) resumia a tutela da propriedade imaterial à violação do direito do autor, considerado como modalidade
sui generis de furto (Art. 261)

• Código Penal Republicado de 1890 dedicou um capítulo (Dos crimes contra a propriedade litteraria, artística, industrial e comercial”)
dividido em três seções com vários crimes.

• Código Penal de 1940, em sua redação original procurou regulamentar dos arts. 184 a 196, criminalizando a violação ao direito autoral
(184), usurpação de nome ou pseudônimo alheio (185), os crimes contra o privilégio de invenção (187 a 190), delitos contra as marcas de
3º indústria e comércio (192 a 194) e as infrações ligadas à concorrência desleal (196)

Com a Lei 10695/2003 alterou e somente deixou o art. 184 e 186 (que cuida da ação
penal), revogando os demais.
1.3. REFERÊNCIA CONSTITUCIONAL: ART. 5º

XXVII - aos autores pertence o direito XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
exclusivo de utilização, publicação ou a) a proteção às participações individuais em
reprodução de suas obras, transmissível aos obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
herdeiros pelo tempo que a lei fixar; humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento
econômico das obras que criarem ou de que
participarem aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e
associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
2. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL: ART. 184 CP –
ELEMENTOS DO TIPO
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Forma § 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou
qualificada processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete
ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Forma § 2º Na mesma pena do § 1 o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga,
qualificada introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com
violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda,
aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem
os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas
ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para
Forma recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com
qualificada intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do
artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação
dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 4º O disposto nos §§ 1 o, 2 o e 3 o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao
Exceção ou direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de
limitação ao 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para
direito de autor
uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de
1º.7.2003)
2.1. VALOR PROTEGIDO (OBJETIVIDDE
JURÍDICA)

Volta-se, o art. 184, especificamente a proteção dos direitos


autorais e seus conexos.
O art. 7º da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais enumera
os direitos compreendidos na noção de “autorais”.
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e
ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção,
organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
E o que são direitos conexos?

São chamados de “vizinhos”, “análogos”  protegem os


artistas, intérpretes e executantes, os produtores de
fonogramas e os organismos de radiofusão.
2.2. TIPO OBJETIVO
2.2.1. MODALIDADE FUNDAMENTAL (Art. 184, caput)
Violar direitos de autor e os que lhe são conexo

Desrespeitar,
ofender, infringir, Norma penal em branco homogênea(ou em
transgredir sentido lato)  Lei nº 9610/98 (arts. 22 a 45)

Nesse caso, é infração de menor potencial ofensivo e somente se processa mediante queixa.
Art. 24 da lei
Morais
9610/98
Direitos
autorais
Art. 28 da lei
Patrimoniais
9610/98
Direitos morais do autor (art. 24)
Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam
prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização
implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por
meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente
possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
Direitos patrimoniais (art. 28)

Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e


dispor da obra literária, artística ou científica.
2.2.2. FIGURAS QUALIFICADAS
a) Violação de direito autoral ou conexo com intuito de lucro (§1º)  REPRODUÇÃO
§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por
qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização
expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os
represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

- Crime de forma vinculada  reprodução.


- Ação penal pública incondicionada
- Pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa
- Afasta-se a incidência da lei 9.099/95 e seus institutos benéficos
E se as cópias forem grosseiras?
Súmula 502 do STJ  “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em
relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e
DVDs piratas.”
“(...) Irrelevante, para caracterização do delito, a qualidade da falsificação, estando
configurado o crime do art. 184, §2º do CP, mesmo que a falsidade seja grosseira. 2. Venda
de CDs e DVDs falsificados, se de um lado é conduta tolerada por parte da sociedade, por
outro, causa desastrosas consequências para aqueles setores relacionados com a produção
de CDs e DVDs, não sendo hipótese de aplicação da teoria da adequação social. Recurso da
defesa improvido” (TJRS, AP 7004127905, 5ª CCr, Rel, Gaspar Marques Batias). Assim
também tem entendido o TJSP.
E se forem muitos CDs/DVDs falsificados?
Responde por conduta única
Súmula 574 - STJ: Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua
materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externo do
material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem.
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE
DIREITO AUTORAL. PERÍCIA POR AMOSTRAGEM. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE EVIDENCIADA. 1.
A Terceira Seção desta Corte de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.456.239/MG, processado sob o rito do art. 543-C
do Código de Processo Civil, firmou compreensão de que "é suficiente, para a comprovação da materialidade do delito
previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, a perícia realizada, por amostragem, sobre os aspectos externos do material
apreendido, sendo desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente".
2. Com efeito, não é necessário o exame e a descrição individualizada de cada um dos produtos apreendidos em poder
do agente, visto que os arts. 530-A a 530-G do Código de Processo Penal não preveem maiores formalidades para a
apuração dos crimes contra a propriedade imaterial, podendo a falsificação, portanto, ser constatada por simples exame
visual sobre aspecto externo do produto. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”
b) Comercialização do original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido
com violação do direito do autor ou conexos (§2º)
§ 2º Na mesma pena do § 1 o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui,
vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou
cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito
de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga
original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos
direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
- Objeto material: original ou cópia de obra intelectual ou fonograma;
- Requer não tenha sido o sujeito ativo responsável pela reprodução;
- Tem que haver ânimo de lucro.
A oferta para locação de fonogramas ou videofonogramas originais para
uso exclusivamente doméstico (DVDs de obras cinematrográficas ofertadas
em locadoras) constitui infração do §2º?

a) Cezar Roberto Bitencourt  não está prevista no tipo penal;


b) Guilherme Nucci, Andre Estefam, Rogério Sanches  constitui crime, posto que o
material é para uso doméstico, e não comercial, ainda que em locadora.
c) Oferecimento ao público sem autorização (§3º)
§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo,
fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao
usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um
tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda,
com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa,
conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor
de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº
10.695, de 1º.7.2003)
3. CAUSA DE EXCLUSÃO DE ADEQUAÇÃO
TÍPICA (§4º)
§ 4º O disposto nos §§ 1 o, 2 o e 3 o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação
ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº
9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só
exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela
Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
4. DEMAIS EXCLUDENTES
a) Erro de proibição
- A realidade mostra que todas as pessoas envolvidas na venda de produtos “piratas” tem
plena noção da clandestinidade de sua profissão, tanto que constantemente se veem sob a
mira das autoridades pública  prevalece que não é possível (em regra)
“o erro de proibição se desvanece sempre que o autor age às ocultas, tomando especiais
cautelas para que ninguém perceba sua conduta. Esses aspectos servem para exteriorizar o
dolo de que estava imbuído. Na verdade, quem desconhece o injusto atua às claras e
naturalmente, sem recorrer a camuflagem” (RTJE107/150, do extinro Tribunal de Alçada
Criminal de SP).
b) Erro de tipo
Requer tenha a pessoa os objetos de contrafação insciente de que se trata, por exemplo, de
cópias “pirateadas”. André Estefam pondera que “imaginar alguém efetuando a reprodução
de um fonograma ou videofonograma ou vendendo-o a terceiros, sem conhecer que se trata
de cópia não autorizada, é algo difícil de se conceber”.
c) Estado de necessidade
Exige-se que o perigo seja atual e inevitável.
Eventual desemprego ou crise econômica não constitui hipótese a
legitimar a prática de ilícitos penais.
O TJSP já decidiu pela impossibilidade de incidência do estado de
necessidade.
5. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E
ADEQUAÇÃO SOCIAL
“A Terceira Seção deste STJ, no julgamento do Resp n. 1193196/MG, sedimentou
entendimento no sentido de inaplicabilidade do princípio da adequação social e da
insignificância ao delito descrito no art. 184, §2º do Código Penal, sendo considerada
materialmente típica a conduta” (STJ, 5ª Turma, HC 437023, j. 17/04/2018).
6. TIPO SUBJETIVO

Dolo
Nas figuras qualificadas, há elemento subjetivo específico:
exige-se o intuito de lucro.
7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A realização integral típica dá-se com a violação dos direitos autorais, mediante a
reprodução não autorizada (§º), a venda, o aluguel, a exposição à venda etc. (§2º) ou o
oferecimento ao público (§3º). Cuida-se, portanto, de crime de mera conduta, no caso do
caput, e formal, nas figuras qualificadas, porquanto exige-se o intuito de lucro (direito ou
eventual), o qual não é necessário para a consumação.
É possível tentativa, por ser crime plurissubsistente.
8. AÇÃO PENAL: art. 186

Na forma simples (caput do art. 184) Ação penal privada


Hipótese do §3º do art. 184 Ação penal pública condicionada à representação
Nas hipóteses das qualificadoras ou se for em Ação Penal Pública Incondicionada
detrimento das entidades de direito público,
autarquia, empresa pública, sociedade de
economia mista ou fundação instituída pelo Poder
Público

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