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154- G e s ta lt-te r a p ia c o m c ria n ç a s: t&oHxQj & p>iafec< 3/_______________ _ _ _ _ _______ Uiciana A çt iúir

discriminação das necessidades do cliente e das possíveis intervenções fa-


cilitadoras.

b. As entrevistas iniciais com a criança

O objetivo das entrevistas iniciais com a criança é o de, antes de tudo


estabelecer um vínculo de confiança de m odo que se possa criar um a base
onde a relação se desenrolará. N ada é mais im portante nesse m om ento,
uma vez que sem ele dificilmente conseguiremos desenvolver algum tipo
de trabalho.
Para que esse vínculo se estabeleça é fundam ental que adotem os uma
postura de acolhim ento, aceitação e respeito10 pela criança e sua form a de
estar naquele m om ento, independente do que possa acontecer. Isto significa
que não podem os estabelecer apriori a forma como a entrevista vai acon-
tecer e precisamos estar preparados para lidar com uma grande diversidade
de situações tais com o a criança não querer entrar na sala, querer entrar
somente acom panhada da mãe ou outro familiar, não querer brincar, sen-
tar-se am uad a num canto, não querer sair no final da sessão, querer levar
para casa um ou mais objetos da sala, não atender a nenhum a solicitação
do psicoterapeuta, com portar-se como se não estivesse vendo e/ou ouvindo
o psicoterapeuta, chorar, querer sair antes da sessão finalizar, sair da sala
inúmeras vezes, vomitar, ter dor de barriga, quebrar coisas, ter um a crise de
raiva, tentar m achucar o psicoterapeuta ou se machucar, etc.
Todas estas situações e tantas outras quantas forem as crianças com
quem vamos trabalhar são passíveis de acontecer e, na verdade, acontecem
com m uito mais freqüência do que a literatura costuma apontar. C ostu-
mamos dizer que se as crianças pudessem estar de outra forma, talvez não
estivessem ali, dian te de nós, iniciando um processo terapêutico. Isto pare-
ce óbvio de se dizer, porém , muitas vezes alim entamos expectativas irreais
acerca das possibilidades da criança com portar-se no espaço terapêutico,
particularm ente em u m contato inicial.
D iante de todas as situações descritas e quaisquer outras que se pos-
sam apresentar, nossa postura de acolhimento, aceitação e respeito pelas
possibilidades da criança m antêm -se inalterada. Conform e já enfatizamos
( ^ M ^ d X í^O - & A c o m p re e n sã o d i a g n o s t ic a e m G e s ta .lt - te ra p ia c o m c r i a n ç as

■anteriormente11, possuir um a visão de hom em solidamente assimilada é f u n - ,


damental para nortear nossa prática, particularm ente nos m om entos mais
adversos. Se acreditarmos de fato que a criança é um ser de potencialida-
des, que ela possui uma sabedoria organísmica que guia seus ajustamentos
criativos, que suas fronteiras se encontram configuradas da m elhor forma ’
possível, que seu com portam ento é a expressão de onde ela se en c o n tra .
no m om ento e que só podem os encontrá-la na fronteira, não vamos ter
dificuldade de colocar em prática tais princípios. Cabe assinalar aqui que
esses princípios não significam ausência de lim ites12. Faz parte das regras
do espaço terapêutico, por exemplo, não levar nenhum brinquedo para casa
e tal regra será m antida apesar da insistência da criança. O que vai ser aco-
lhido, aceito e respeitado é a sua necessidade de levar algo .do consultório
e os sentim entos articulados a esta necessidade, bem como os sentimentos
despertados pela apresentação do limite.
E im portante destacar que o que vai ser perm itido ou não para a
criança deve obedecer rigorosam ente nossos critérios básicos de limites no
espaço terapêutico13 e nunca nossa própria vontade, baseada em nossos va-
lores, julgamentos, expectativas ou necessidades.14 A ssim, diante de um a
criança que não aceita separar-se da mãe na sala de espera e insiste em levá-
la ao espaço terapêutico, acolhê-la, aceitá-la e respeitá-la em seu m omento
é perm itir que ela possa estar conosco dessa forma, um a vez que o fato da
mãe acom panhá-la em nada afeta nossos critérios de limites neste espaço
e ainda nos perm ite iniciar trabalhando o que provavelmente se constitui
na questão prim ordial para a criança, a saber, sua dificuldade de separação
e discriminação com relação à sua mãe. O que faria não aceitarmos a im -
possibilidade da criança em deixar a mãe na sala de espera? Nossa pressa de
estabelecer um víinculo com a criança, sem a mãe? Nossa crença de que se
ela não quer ir conosco sozinha para a sala quer dizer que não somos bons o
suficiente? Nosso incôm odo com a presença da mãe? Estas e outras razões
que por ventura possamos identificar ao nos perguntarm os sobre nossas
atitudes diante da criança que nos chega dizem respeito às nossas dificul-
dades pessoais e não estão baseadas em nossa visão de hom em e nem numa
postura terapêutica fenomenológica.
C om base nesses princípios, não im plementam os qualquer tipo de
sedução ou tentativa de persuasão como, por exemplo, oferecer recompen-

aBHuaannmnBinnnstmonirainirenniiiHiminiiiíninnniriiiiiirnitn^tiií^fiii^nmii?
G e s ta lt- te ra p ia co m c ria n ç as: fy.OH.LQj L uc hui a Afina i'

sas caso a criança entre ou perm aneça no espaço terapêutico ou nos diri-
girmos a ela falando como “anim ador de festa”. E preciso que fique claro
desde o início que a criança não vai entrar e/o u permanecer no espaço para
nos agradar ou agradar aos pais. A escolha de entrar e de permanecer será
sempre da criança. Verificamos que um a vez m antidos os princípios básicos
da aceitação e respeito praticam ente todas acabam por se permitir entrar e
experim entar essa nova situação.
C ostum o realizar uma espécie de “aquecim ento” quando recebo uma
criança pela prim eira vez. Após me apresentar, convido o responsável que a
trouxe para realizarm os um passeio pelas dependências da clínica, ajudan-
do-m e a apresentar-lhe o espaço. Com o essa pessoa já esteve comigo antes,
ela já conhece o iocal e agora está pronta para servir de “ajudante” nesse con-
tato inicial com o am biente que é totalm ente desconhecido pela criança. Ao
chegarmos finalm ente à sala onde realizaremos nosso encontro, pergunto
então à criança se ela pode nos levar de volta à sala de espera onde a mamãe,
ou quem quer que esteja com ela, vai ficar esperando enquanto nós volta-
mos para ficar um pouco mais aa sala de brinquedos. C om isso, a maioria
das crianças volta à sala sem problemas, pois ela já se encontra ambientada,
teve o suporte do responsável no contato inicial com o ambiente e com a
psicoterapeuta, percebe que pode escolher o que fazer e será respeitada em
qualquer decisão que tomar.
Essa percepção precoce do respeito que tem os pela criança é funda-
mental para o estabelecimento de um vínculo d e confiança. D esde o p ri-
meiro m om ento ela percebe que não estamos lá sim plesm ente para forçá-la
a fazer algo, porque não queremos que ela faça isso ou aquilo, mas estamos
ali para prestar atenção e respeitar o que ela precisa e quer fazer.
Ao entrarm os na sala, apresentamos o espaço, os recursos lúdicos dis-
poníveis, o que podemos realizar ali e o tem po que dispomos para isso. Fala-
mos sucintam ente do motivo pelo qual estamos nos encontrando e abrimos
espaço para a criança pronunciar-se a respeito. Caso ela queira falar, acolhe-
remos aquilo que vier; caso não queira, farem os o mesmo, assinalando sua
escolha de não falar naquele m om ento e indagando-a sobre o que gostaria
eu tão de fa zere /o u falar.
Q restante da sessão segue de forma absolutam ente singular já que a
únii ii regra de condução é acom panhar a criança em suas escolhas, b isean-
(S ^ p ífc u ío - 6 ____________________ _________ A compreensão diagn ostica em G es talt-tera pia com crian ças

do-nos no critério da econom ia de intervenções uma vez que nos encon-


tram os no m om ento de compreensão diagnostica, cujo objetivo é observar
a forma como a criança funciona no mundo, com seus limites e recursos. O
rundam ental é que o campo da entrevista seja configurado prioritariam ente
pela criança, e por isso, vamos trabalhar com entrevistas livres e não estru-
turadãs7Isso significa nenhum tipo de planejamento apriori, tanto no que
diz respeito a técnicas utilizadas, quanto a recursos lúdicos ou atividades ._E
preciso seguir a com unicação da criança, acom panhando-a e facilitando-lhe
que se m ostre da m elhor m aneira possível, observando-a a partir das cate-
gorias diagnosticas.
A com panhá-la significa interessar-se genuinam ente pela criança e o
que ela tem a mostrar, aceitar seus convites, sugestões e pedidos desde que
não quebrem o critério de limites, assinalar com descrições aquilo que ela
está m ostrando e fazer poucas perguntas. M uitas perguntas em um prim ei-
ro m om ento podem ser extrem am ente persecutórias para a criança e não
dão espaço para verificarmos o que ela traria se não estivesse sendo “interro-
gada”. Geralm ente, um a profusão de perguntas atende mais às necessidades
e ansiedades do psicoterapeuta do que se apresenta com o algo para facilitar
à criança. Axline (1986), a respeito da prim eira sessão de Dibs, comenta:
"Sentei em uma cadeirinha perto da porta. Dibs permaneceu no meio da
sala, de costas para mim, torcendo as duas mãozinhas. Esperei. Tínham os bas-
tante tempo. Não h avia pressa para executar qualquer coisa. Poderia brincar
ou não brincar. Conversar ou manter-se silencioso. Aqui, não fa ria nenhuma
diferença."(p.37) (o grifo é nosso)
E também sobre a possibilidade do psicoterapeuta esperar que Gre-
enspan (1993) nos alerta a respeito da prim eira entrevista:
"Para tornar-se um bom observador e não interferir, você deve seguir o
princípio de tolerar o desconforto tanto na criança quanto em você. (...) Se uma
criança mostra ansiedade e você a apóia com demasiada rapidez, em vez de dei-
xá-la exibir esse sentimento, você não observará como ela maneja a situação por
conta própria." (p. 153)
Isso é particularm ente im portante para psicoterapeutas que, por não
tolerarem o desconforto inicial da sessão, não perm item que a criança tome
a iniciativa e preenchem esses m inutos iniciais com perguntas, sugestões ou
longas explicações a respeito do espaço terapêutico e da função do psicote-
158 G e s ta lt- te r a p ía co m cria nç as: & PA/XtíC<I/ Lucumn /\i;t;ia r

rapeuta, o que a m aioria das crianças ou não entende inicialmente ou não


quer saber.
C ornejo (1996) com enta algo que nos parece óbvio mas que, muitas
vezes, principalm ente o psicoterapeuta iniciante, no afã de “extrair” infor-
mações e relatos m irabolantes da criança, pode sim plesm ente perder de vis-
ta. D iz ela:
“M uitas vezes as crianças não gostam defa la r dos seus conflitos. Uma das
razões é por que muito dos seus problemas se referem às suas famílias, sobretudo
aos seus pais ou problemas que existem em sua casa; e para elas, fa la r algo de sua
fam ília com uma pessoa que não pertence a ela pode gerar muita culpa e mal estar.
A diferença para um adulto é que um adulto quando trabalha algum problema
com seus pais, não os encontram logo depois na sala de espera... ”(p.64)
C om isso, reforçamos o pressuposto básico da psicoterapia com crian-
ças que privilegia a linguagem lúdica em detrim ento da linguagem verbal.
Esperar que um a criança fa le sobre seus problem as e questões costuma ser
algo bastante frustran te para o psicoterapeuta e uma ameaça para o vínculo
com a criança, já que pode fazer com que ela sinta-se exigida e pressionada
a agir de um a form a que não lhe convém.
G reen span (1993) descreve três m om entos da entrevista com a crian-
ça: u m m om ento inicial onde os principais objetivos são o estabelecim ento
de vínculo: verificar com o a criança lida com situações novas e a idéia que
possui a respeito do propósito da sessão; um m om ento in termediário, onde
o objetivo principal é a observação do que a criança traz para a sessão, tan to
em term os de conteúdo quanto de processo, realizando um m ínim o de in-
tervenções som ente para facilitar o desenrolar da entrevista; e um m om ento
final para verificar como a criança lida com térm inos e resumir questões
im p ortantes comunicadas por ela na sessão.
C abe ressaltar que quando mencionam os resumir as questões trazi-
das, estamos nos referindo a um a síntese daquilo que foi feito e do que o
psicoterapeuta pôde conhecer da criança naquele encontro. Nesse ponto,
ele pode perguntar-lhe se ela gostaria de dizer o que conheceu do psico-
terapeuta e/ou do espaço naquele mom ento. E im portante tam bém , antes
de encontrar os responsáveis, verificar o que ela achou do encontro, como
.sentiu-se e se gostaria de estar novam ente ali, para que uma nova sessão seja
marcada.
(^-ajaíèufo- (S A. com preensão d iag no stica em G escalt-terapia com cri;\n<, ;«■*

Apesar da maior parte dos iteas do contrato serem discutidos e esta-


belecidos com os responsáveis pelas crianças, é fundam ental que tam bém
possamos realizar um a espécie de contrato com ela, para que possa com pre-
ender, dentro de suas possibilidades, as regras básicas que permeiam nosso
encontro tais como: freqüência das sessões, horário fixo, tempo de duração
de cada sessão, sigilo acerca do que é experienciado em cada sessão, trabalho
de acom panham ento dos responsáveis, possibilidades de sessões conjuntas
e de sessões familiares e regras básicas de lim ites no espaço terapêutico
segundo critérios de integridade da sala, do psicoterapeuta e da criança.15.
Nesse m om ento, tam bém oferecemos oportunidade para a criança fazer
perguntas e tirar dúvidas; algumas gostam de elaborar um a lista das “regras”
para guardar em sua pasta ou levar para casa. E sta atividade, por si só, já dá
margem ao trabalho de muitas questões im portantes referentes a limites e
negociação de regras de convivência.
N o final desta sessão inicial ou no início da sessão seguinte também
oferecemos algumas pastas coloridas para que a criança escolha uma que
ficará reservada caso ela queira guardar algo que foi realizado durante a ses-
são. Essa pasta terá o seu nome e será utilizada som ente por ela nesse espaço
terapêutico. O objetivo é servir como um pequeno espaço de privacidade
onde a criança pode deixar algumas coisas que não queira levar consigo e
que possam ficar guardadas em um lugar seguro durante o tem po que ela
quiser, até o m om ento em que julgar necessário. Se durante essa entrevista
inicial a criança realizou algum trabalho, o psicoterapeuta vai indagá-la a
respeito do que ela gostaria de fazer com ele e oferecerá a possibilidade
da pasta, caso ela tenha concordado em voltar, como um a das alternativas
possíveis.
O m om ento de ir em bora tam bém pode ser de especial interesse para
o psicoteràpeuta observar a interação criança-responsável e comc^ ambos
lidam com a despedida. É bastante comum os responsáveis solicitarem à
criança que se despeça do psicoterapeuta, geralm ente dentro dos parâme-
tros que eles consideram aceitáveis e julguem causar um a boa impressão ao
psicoterapeuta.
Consideram os fundam ental intervir nesse m om ento, ainda que seja
em um a prim eira sessão, mostrando gentilm ente que não há necessidade de
uma despedida form al, que existem muitas formas de se despedir que não
(»<■%<.ilt-ip ra p ia com crian ças: & j^uxfcUUX; Luciami Aguiar

só com beijos e abraços, que geralm ente nos despedimos de nosso encontro
.imda dentro da sala e que, nesse espaço, fica a critério da criança a forma
como isso vai ser feito. D entro de nossa perspectiva de respeito pela criança
<: pela sua forma de ser e apresentar-se naquele m om ento, não podemos
permitir que ela se despeça dando-nos um beijo ou um abraço, ou qualquer
outra coisa que seja estipulada por alguém que não ela mesma. Para crian-
ças, beijos e abraços ainda são predom inantem ente expressões de afeto, e
nos perguntam os a partir disso como alguém que acabou de conhecer-nos
se expressaria dessa form a ao dizer-nos “tchau, até a próxima semana”. Por
Certo, ao longo do processo terapêutico as crianças costum am m anifestar al-
gum tipo de afeto pelo psicoterapeuta (não só os considerados “positivos”),
n que inclusive faz parte do desdobram ento do próprio trabalho; porém,
isso acontecerá sempre no m om ento da criança, a partir das possibilida-
des e necessidades dela e não das necessidades de seus responsáveis ou do
psicoterapeuta. As crianças geralmente são m uito desrespeitadas em suas
f ronteiras corporais; são agarradas e manipuladas o tem po inteiro, na m aio-
ria das vezes sem permissão, e ainda são obrigadas a travar contato físico
e a dem onstrar sentim entos que não experim entam através do toque e da
proximidade corporal com outra pessoa.
Cabe ressaltar que pior do que as manifestações dos responsáveis, no
sentido de que a criança com porte-se de determ inada forma ou expresse
alguma em oção que ela não sente ou de uma form a que não lhe convém, é
o psicoterapeuta cair nessa mesma “arm adilha”. Relatos de psicoterapeutas
que põem crianças no colo, apertam bochechas, dão abraços apertados e
perguntam “cadê meu beijo?” no início ou final de cada sessão, sem que
tal postura p arta de alguma necessidade específica da criança, não são in-
com uns. Tais aproximações só devem acontecer a partir de um pedido ou
iniciativa da criança. Se num dado m om ento o psicoterapeuta suspeitar que
uma atitude desse tipo poderia ser terapêutica, ainda assim é preciso que a
criança tenha a possibilidade de recusar, se for o caso. Não podem os esque-
cer q u e o toque é uma das funções de contato do indiví5üõ~ê7p5r isso,~as
fronteiras estabelecidas pela criança nesse sentido devem ser reconhecidas e
ic:.peitadas para que se possa criar a possibilidade de expandi-las.
Ao reencontrarm os os responsáveis na sala de espera, conform e foi
(m nbinado com acriança anteriormente, comunicamos nossa decisão quan-
(Sm ^ÚÍUÂo - & A co m preensão diag nostica e m G e stalt-fe rapia com criancas

to a continuarm o-nos vendo e, se for o caso, marcamos a próxima sessão.


Após as sessões, nosso trabalho continua com o registro do que acon-
teceu e posteriorm ente da organização de todo o m aterial coletado a partir
do uso das categorias diagnosticas. N o que se refere às categorias diagnos-
ticas, é im portante lembrar que a observação do campo total da criança
começa e term ina na sala de espera com a relação que ela estabelece com o
responsável que a trouxe para a sessão e tudo o que acontecer nesse cam -
po tam bém é im portante para nossa com preensão da totalidade do campo
criança-meio.
É im portante ressaltar aqui que tão im portante quanto identificar os
pontos de cristalização, os padrões enrijecidos e os bloqueios e distorções de
contato apresentados pela criança, é identificar seus pontos de saúde, suas
capacidades não desenvolvidas e seus recursos disponíveis, pois ambos os
lados fazem parte de nossa compreensão diagnostica que é da totalidade da
criança em seu campo e não a respeito de um ou o utro aspecto específico.
Ademais, é justam ente com seus recursos disponíveis que trabalharemos
inicialm ente um a vez que atuamos para promover a saúde e não para ani-
quilar a doença. D a mesma forma, apresentar em um a entrevista de de-
volução apenas aspectos negativos da criança pode, m uitas vezes, reforçar
ainda mais a im agem depreciativa que os responsáveis possuem dela, ou,
em outros casos, deixá-los excessivamente culpados ou desanimados com as
perspectivas de transformação da situação.
Em nossa organização do material observado nas entrevistas iniciais
com a criança utilizamos as categorias diagnosticas descritas a seguir.

Categorias Diagnosticas

1. Tema das atividades: tema geral de cada atividade realizada pela criança na
sessão. Ex.: desenho - tema: barco no meio da tem pestade/ dramatização com
família de bonecos - tema: discussão durante o jantar.

2. Tem a central da sessão: aquele mais investido pela criança, seja por intensidade,
ou por repetição. Ex.: briga entre o bem e o mal, onde o mal sempre vence.

3. Padrões temáticos: temas que se repetem ao longo das primeiras entrevistas


G e sta lt-te r a p ia co m cria nç as : ^K oéiC ^Xf L uc ían a A g u iar

lontando-nos a prpgpn^a 4e-um padrão. Ex.: situações onde crianças são


sempre esquecidas pelos adultos

4. Organização da auto-im agem : como a criança percebe a si mesmo,


particularm ente no que diz respeito aos seus recursos para lidar com o meio e
com seus próprios sentim entos e necessidades. Ex.: “E u não sei fazer isso, sou
burro”.

5. Padrões de contato com a realidade: organização e uso dos mecanismos de


evitaçao üe contato. Ubservar particularm ente o uso da deflexão e da projeção,
bem como da presença de introjeções. Ex.: a criança que não olha para o
psicoterapeuta, que disfarça seus sentimentos, que “não ouve” as intervenções;
a criança que não pode se sujar, ou que é sempre a boazinha ou que acha que
“não serve para nada”; a criança que fala de suas necessidades atribuindo-as a
outra criança.
6. Uso da fantasia: possibilidade de “fazer de conta”, dram atizar e “entrar em
personagens”. Ex.: criança que propõe brincadeiras de “faz de conta"; a criança
que “entra” n o diálogo com o fantoche utilizado pelo psicoterapeuta; a criança
que se recusa a “dar voz” a um elem ento do desenho.

7. Seq üência da sessão: articulação cronológica das atividades realizadas durante a


sessão.Ex.: acriança que começa a sessão com atividades que envolvem recursos
não estruturados e finaliza com recursos estruturados16; a criança que começa
atirando no alvo, depois soca o “João Teimoso”, depois realiza um desenho
onde um vulcão entra em erupção e mata toda a aldeia e term ina se cobrindo
com todas as almofadas da sala, fazendo de conta que é um a caverna.

8. H abilidade para fazer escolhas - como a criança realiza escolhas em toda a


situação terapêutica, desde a sala de espera: como ela decide a respeito de entrar
ou não na sala de brinquedos, como ela aborda os recursos lúdicos, como ela
escolhe o que fazer durante sua sessão e o grau de plasticidade e possibilidades de
negociação dessa escolha. Existem crianças que ficam literalmen te apavoradas
diante da possibilidade de escolher algo para fazer no espaço terapêutico, não
conseguindo assumir nenhum tipo de escolha. Especialmente nesses casos,
podemos reduzir o campo de escolhas para a criança apontando duas ou três
possibilidades para que escolha uma delas; som ente em últim a instância, caso
a sua ansiedade frente a “liberdade” de escolha chegue a um limite que possa
com prom eter a sessão, escolhemos e propom os algo para ela fazer. N o entanto,
nessas situações é fundam ental lembrá-la que ao transferir a possibilidade de
escolha para o psicoterapeuta ela tam bém está arriscando usar o seu tempo
de uma form a que ela pode não gostar, destacando a sua responsabilidade na
satisfação de suas necessidades.

9. Uso da criatividade - como a criança transforma ativamente o meio através


de suas brincadeiras, fantasias, produções e manipulações. Ex.: a criança que
usa os recursos não estruturados para criar algo que ela gostaria de brincar e
( E - - £> A co m preensão d ia gn o stic a em G es talt-tera p ia com criam,,i■,

que não existe na sala; a criança que usa os recursos estruturados de forma a
su bverter seu significado consensual e criar outras possibilidades; a criança que
tenta seduzir o psicoterapeuta com choros ou gracinhas ao final da sessão com
o objetivo de estender a hora ou levax algum brinquedo para casa.

_ 10- Uso da curiosidade - como a criança busca ativam ente conhecer o espaço
terapêutico e o psicoterapeuta através da energia da curiosidade. Ex: a criança
que se dirige aos recursos interessada e curiosa a respeito do seu uso, que faz
perguntas, que quer experimentar; a criança que não se interessa pelos recursos
ou pela sala ou que pouco explora o material; a criança que faz inúmeras
perguntas acerca da vida pessoal do psicoterapeuta ou aquela que não pergunta
absolutam ente nada; a criança que ao perceber uma mudança na sala, comenta e
faz perguntas, aquela que percebe a mudança, mas não se perm ite perguntar, ou
aquela que já nem percebe mais as mudanças realizadas no espaço terapêutico.

11. Responsabilidade pelos seus atos e/ou sentim entos e necessidades - como
a criança se reporta as suas próprias questões e com portam entos e como ela
se apropria daquilo que ela realiza no espaço terapêutico. Ex.: a criança que
projeta seus sintomas em outras crianças: é o irmão que faz pipi na cama, ou
o colega d a escola que faz “coisas erradas”; a criança que não reconhece seu
próprio mérito nas situações: tirou uma boa nota na prova, porque a professora
ajudou com uma prova fácil ou conseguiu realizar algo que dependia de sua
habilidade “por sorte”; a criança que não assume seus próprios sentimentos:
a criança que ao bater no irmão diz que “foi sem querer” ou aquela que ao
ficar triste ou magoada diz não se importar; a criança que não se apropria das
próprias produções realizadas no espaço terapêutico: a criança que indagada a
respeito do que ela quer fazer com o seu desenho, transfere a responsabilidade
para o psicoterapeuta.

12. D isponibilidade às intervenções do terapeuta - como a criança reage


às intervenções partir do uso de suas funções de contato. Ex.: olha e ouve
atentam ente o psicoterapeuta; tam pa os ouvidos e canta bem alto para não
ouvi-lo; sai correndo pela sala, distanciando-se do psicoterapeuta sem olhar
para ele; com porta-se como se não tivesse ouvido a intervenção; interrompe
bruscam ente aquilo que está fazendo e pede para sair, ir ao banheiro ou brincar
de outra coisa; diz diretamente para o psicoterapeuta calar-se; expressa algum
tipo de emoção tal como tristeza ou raiva, etc.

13. Respeito e tolerância aos limites e frustrações - im postos pela própria


configuração do espaço terapêutico, pelas dIEculdades encontradas pela criança
na abordagem dos recursos lúdicos e pelo psicoterapeuta respondendo ao
critério da integridade: da sala, da criança e do psicoterapeuta. 17

14. T ip o de vínculo estabelecido com o terapeuta - dependente, queixoso, auto-


suficiente, desafiador, confrontativo, desqualificador, etc.
G e sta lt-te r a p ia co m c n a n c a s : &• Luciuna Aguiar

1.*>. Uso da função de contato tátil - como a criança usa seu tato e como ela se
perm ite tocar as coisas e as pessoas. Ex.: criança “grudenta”, que se segura,
se pendura e se enrosca na mãe e/ou no psicoterapeuta; a criança que não
perm ite ser tocada ou que não expressa nenhum a afetividade através de beijos
ou abraços.

16. Uso da função de contato auditiva - como se apresenta a possibilidade de escuta


da criança particularmente no que se refere a sua capacidade discrim inativa. Ex.:
a criança que ouve nossas intervenções sempre como “crítica”; a criança que
“não ouve” os apelos da mãe ou os limites apresentados pelo psicoterapeuta.

17. Uso d a função de contato visual - como a criança explora visualmente o


am biente e estabelece contato visual com as pessoas, particularm ente com o
psicoterapeuta. Ex.: a criança que ao fazer pouco contato visual com o ambiente
esbarra em coisas da sala e “perde” os utensílios que estão usando; a criança que
olha sem pre para baixo; a criança que não fixa o olhar em nada.

18. Uso da linguagem verbal - não só seu desenvolvimento formal e compatível


‘ com as regularidades observadas em sua faixa etária, mas principalmente a
form a que ela adquire e sua função nas relações que a criança estabelece com
o m undo. Ex: a criança que fala com voz de bebê; a criança que fala baixo de
form a quase inaudível; a criança que fala alto e imperativamente.

19. Postura, expressão e. yesnial - uso expressivo do corpo e do movimento.


O bservar particularm ente a congruência entre o que é expresso verbalmente e
aquilo que a criança dem onstra através do seu corpo.

20. M ovim ento e deslocamento geopráfico - uso do espaço físico no espaço


terapêutico. Ex.: a criança que percorre todo o espaço e o explora ativamente;
a criança que corre e pula o tempo todo sem parar pela sala; a criança que só
utiliza um canto da sala ou evita alguns espaços ou alguns itens da mobília.

C onform e podem os perceber, o trabalho principal na compreensão


diagnostica é fundam entalm ente baseado naquilo que o psicoterapeuta ob-
serva e nem tanto na história, nos sintomas ou na queixa dos responsáveis
ou escola. O que ob servamos é como a história e os sintom as articulam -se
com os movim entos, gestos, sons, maneirismos, expressões —todas essa coi-
sas que, com binadas, formam uma criança única.
C onform e ressalta Cardoso-Z inker (2004) "... o conteúdo, a história,
/rm sua validade, mas não define a criança. ”, pois quem quer que fale sobre a
i ritinça, estará falando a partir de sua própria experiência com ela e, porta.n-
lii, iv,lo temos um a única criança, mas tantas quantas forem as percebidas
( - & A. co m preensão diag nostica em G e stalt-tcra p ia com crianças 165

por esses adultos que nos procuram. Não im porta quem está certo; não
há ninguém “certo” ou errado, mas percepções diferentes de um mesmo
fenômeno: a criança. Assim , a ênfase no processo perm ite que observemos
como ela usa seu corpo no espaço, como usa sua voz, movimento e expres-
são facial. Permite que acompanhemos sua energia e aonde ela é investida,
seja nos recursos lúdicos, seja no espaço em si, seja na relação terapêutica.
Perm ite que realmente tracemos um “m apa” de suas formas de fazer con-
tato com o m undo, independente dos conteúdos presentes nesse contato.
Q uan do validamos o processo, estamos validando a experiência da criança,
sem julgamentos, preconceitos, críticas ou interpretações acerca daquilo que
estamos observando. Aceitamos o que se apresenta, sabendo que não se tra-
ta da “verdade absoluta”, mas apenas a experiência da criança naquele m o-
m ento, naquele contexto, conosco. N o aqui-e-agora, essa é a mais completa
e com petente expressão do seu ser (Cardoso-Z inker, 2004.). O foco no mo-
m ento presente e a atenção ao processo da criança facilitam a construção de
um campo de aceitação, confirmação e respeito, que facilita sua expressão
autêntica, possibilita a emergência e o risco de novas formas de contato.
Cabe lem brar que o uso das categorias diagnosticas contará sempre
com a perspectiva das regularidades do desenvolvimento como pano de
fundo, o que significa que estaremos levando em consideração nessa com -
preensão todos os elem entos presentes no desenvolvimento global da crian-
ça: neurológico, motor, sensorial, cognitivo, relacional e social.

c. A entrevista familiar diagnostica

A o destacar a im portância de entrevistarm os inicialmente os respon-


sáveis sem a presença da criança, não consideram os adequadas as sessões
familiares em um m om ento inicial em razão do próprio movimento de
auto-regulação da família que formula um a dem anda de psicoterapia para
a criança e não para si. Na grande m aioria das vezes, tais famílias não pos-
suem, em um prim eiro m omento, auto-suporte suficiente para se beneficiar
desse tipo de entrevista. N o entanto, em algumas situações, dependendo de
como o processo de compreensão diagnostica estiver acontecendo, do grau
de auto-suporte da família, da intensidade do vínculo com o psicoterapeuta

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