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PANOFSKY, Erwin. Jan van Eyck's Arnolfini Portrait. The Burlington Magazine, Vol.

64, No. 372, 1934, p. 117-127.

O retrato Arnolfini de Jan van Eyck

|§1|Por cerca de três quartos de século, o retrato de corpo inteiro feito por Jan
van Eyck de um casal recém-casado (ou, para falar mais exatamente, um homem e uma
mulher representados no ato de contrair matrimônio)1 foi quase unanimemente
reconhecido como o retrato de Giovanni Arnolfini, natural de Lucca, que se estabeleceu
em Bruges antes de 1421 e mais tarde alcançou o posto de "Conseiller du Duc de
Bourgogne" e "General des Finances en Normandie", e sua esposa Jeanne de Cename
(ou, em italiano, Cenami) cujo pai, Guillaume de Cename, também veio de Lucca, mas
viveu em Paris desde o início do século XV até sua morte2. Mas devido a certas
circunstâncias que requerem alguma investigação, esta identificação tem sido
contestada de tempos em tempos.
|§2| A "teoria ortodoxa" baseia-se na suposição de que o retrato de Londres
[figura 1] é idêntico a um quadro adquirido por Don Diego de Guevara, um nobre
espanhol, e presenteado por ele a Margaret [Margarida] da Áustria, governadora dos
Países Baixos, por quem foi legado a sua sucessora, a rainha Mary da Hungria. Este
quadro é mencionado em dois inventários da Coleção de Lady Margaret (um feito em
1516, o outro em 1523), que dão o nome do cavalheiro retratado como “Hernoul le fin"
e “Arnoult fin" respectivamente, bem como no inventário da propriedade da rainha
Maria feito após sua morte em 15583. Disto devemos concluir que ela trouxe o quadro
consigo para a Espanha quando deixou a Holanda, em 1555, e em 1789 ele ainda é
mencionado entre as obras de arte que adornam o palácio de Carlos III, em Madri4.
Quanto ao retrato de Londres, sabemos apenas que foi descoberto em Bruxelas em
1815 por um major-general inglês chamado Hay e posteriormente levado para a
Inglaterra onde foi adquirido pela National Gallery em 1842.
|§3| Como o tema da imagem descrita nos inventários (um homem e uma
mulher de pé em uma sala e dando as mãos) é absolutamente único na pintura nórdica
de cavalete do século XV, sua identificação com o retrato de Londres parece estar bem
estabelecida; além disso, considerando que o quadro anteriormente pertencente às
princesas dos Habsburgos desapareceu depois de 1789, e o retrato de Londres apareceu
em 1815, parece seguro supor que o último é idêntico ao primeiro e que foi levado
durante as guerras napoleônicas. Além disso, o retrato de Londres corresponde às

1
W. H. James Weale: "Hubert e John van Eyck", 1908 ("Weale: I"), p. 69 e seguintes; W. H. James Weale,
e M. W. Brockwell: "The van Eycks and their art" 1912 ("Weale: II"), p. 114 e segs. Ambos com bibliografia.
2
Para a família Cename e a personalidade de Giovanni Arnolfini cf. L. Mirot, "Etudes Lucquoises", Bibl. de
l'École des Chartes, XCI, 1930, p. I00, e segs., especialmente p. 114.
3
Esses inventários são reimpressos em Weale: I. p. 700 e Weale II, p. 14. In Weale: II um terceiro inventário
da coleção de Lady Margaret, feito em 1524, também é citado. É dito que contém uma
descrição semelhante do quadro. Quanto ao Inventário da Rainha Maria, cf. R. Beer: "Jahrb. d. Kunstslgn.
d. Allerh. Kaiserh." XII, 189I, p. CLVIII, Nr. 85.
4
K. Justi: "Zeitschrift filr bildende Kunst", XXII, 1887: " Otra pintura vara de alto y tres quartos de ancho;
Hombre y muger agarrados de las manos. Juan de Encina, Imbentor de la pintura ao óleo."
descrições em vários aspectos, principalmente a data (1434) e o espelho refletindo o
casal pelas costas5.
|§4|Há apenas duas circunstâncias que periodicamente suscitam discussões e
recentemente levaram Monsieur Louis Dimier6 à conclusão que o quadro da National
Gallery não pode ser idêntico ao quadro mencionado nos inventários: em primeiro lugar,
a inscrição enigmática no retrato de Londres: "Johannes de Eyck fuit hic"; em segundo
lugar, o fato de, na biografia de Carel Vermander de Jan van Eyck (publicada em 1604),
o "quadro dos Habsburgos" é descrito da seguinte maneira: "... em Tafereelken twee
Conterfeytsels van Oly-Verwe, van een Man een een Vrouwe, o malcander de rechter
handt dado também em Houwelijck vergaderende, en worden ghetrouwt van Fides, die
se t'samengaf.7" Traduzido para o inglês, a passagem diz: "Em um pequeno painel dois
retratos a óleo, de um homem e uma mulher segurando um ao outro pela mão direita,
[note-se que, na realidade, o homem segura a mão direita da mulher com a esquerda]
como se estivessem contraindo matrimônio; e eles foram casados por Fides que os uniu
um ao outro”.
|§5| A partir disso, Monsieur Dimier deduz que o "quadro Habsburgo" não
apenas mostrava um casal de noivos como no painel de Londres, mas também uma
Personificação da Fé que preenchia o mesmo ofício que, por exemplo, o padre nestas
versões de Sposalizio, e ele confirma essa conclusão citando Joachim von Sandrart que,
em 1675, qualifica a descrição de Vermander acrescentando a afirmação de que "Fides"
aparecia como uma mulher real ("Frau Fides", como diz a versão alemã): "Par quoddam
novorum coniugum, quos muliebri habitu adstans desponsare videbatur Fides"8. [Um
casal de recém-casados, a quem Fides, de pé em vestido de mulher, parecia estar
prometida]
|§6| Ora, Monsieur Dimier tem toda a razão em apontar que a "Fides" de
Vermander não pode ser identificada (como foi conjecturado por alguns estudiosos)9
com o pequeno griffin terrier ou cachorro bolonhês visto no primeiro plano do quadro
de Londres. Pois embora um cão ocorra frequentemente como um atributo ou símbolo
da Fé10, a palavra flamenga "tesamengeven" é um termo técnico equivalente ao que
"desponsare" ou "copulare" significa em latim – um termo que denota a ação da pessoa
habilitada a entregar a noiva ao noivo. Assim, não há dúvida de que não apenas

5
O fato de o quadro ser chamado de grande nos inventários (enquanto, na realidade, não é maior que
0,845 por 0,624 cm.) não é obstáculo. O Sr. Weale está obviamente certo ao apontar que "grande" e
"pequeno" são termos relativos, e que o painel é definido como "grande" em comparação com os que o
precedem no inventário de 1516. Além disso, um quadro que era "pequeno" para um escritor do final do
século XVI, como Vermander, era "grande" quando julgado pelos padrões de cerca de 1400. Quanto ao
inventário de 1555/58 é obviamente baseado num anterior.
6
“Revue de l'Art”, XXXVI, 1932, p. 187, e segs. e também novembro de 1932. As declarações de Monsieur
Dimier já foram contrariadas, embora não devidamente refutadas, pelo Sr. M. Jirmounsky, "Gazette des
Beaux-Arts", LXXIV, 1932, p. 423, e também dezembro de 1932.
7
Carel Vermander: "Het Leven der doorluchtighe Nederlandtsche en Hooghduytsche Schilders, ed. H.
Floerke": I906, I, pág. 44.
8
Joachim von Sandrart: Acad. Germ., 1683, p. 203. Na edição alemã (Teutsche Akademie, 1675, ed. R.
Peltzer: 1926, p. 55), a passagem diz o seguinte: "Ein Mann und Weibsbild, so sich durch Darreichung der
rechten Hand verheurathen und von der darbey stehenden Frau Fides vermählet werden".
9
Veja, por exemplo, Weale: "Notes sur les van Eyck", 1861, pág. 26, e segs., e Floerke, p. 408.
10
Cf. Barbier de Montault: "Traité d'Iconographie Chrétienne", 1890, p. 196 ou Cesare Ripa: “Iconologia",
s.v. "Fedelth." No "Repertorium Morale", de Petrus Berchorius (meados do século XIV, impresso em
Nürnberg, 1489), o cão é interpretado como "vir fidelis [um homem fiel]" (s.v. "canis").
Sandrart, mas também Vermander realmente queriam dizer que o casal retratado no
"quadro dos Habsburgos" estava unido por uma figura humana que encarnava a Fé. A
única questão é se Vermander é confiável ou não. E esta pergunta deve ser respondida
negativamente.
|§7| Além do fato de que uma descrição tão completa como a do inventário da
rainha Mary, onde até mesmo o espelho é mencionado, dificilmente omitiria uma figura
de corpo inteiro, devemos perguntar de quem Vermander obteve suas informações
sobre uma imagem que, como mencionado acima, ele nunca tinha visto. Agora é um
fato bem conhecido (embora totalmente desconsiderado por Monsieur Dimier) que as
declarações de Vermander sobre os van Eycks são principalmente derivadas de
"Spieghel der Nederlantscher Audtheyt" de Marcus van Vaernewyck publicado em 1569,
e (como "Historie van Belgis ") em 1574. Este também foi o caso com a descrição de
Vermander da "imagem dos Habsburgos", que é comprovada pelo fato de ele repetir a
história absurda de Vaernewyck de que a rainha Mary havia adquirido o quadro de um
barbeiro a quem ela havia remunerado com uma promissória no valor de cem florins
por ano – uma história que Sandrart herdou de Vermander com a mesma credulidade
com que este a havia herdado de Vaernewyck. Assim, Vaernewyck é a fonte última da
qual Vermander e Sandrart obtiveram suas informações, e sua descrição da "imagem
dos Habsburgos" é a seguinte: "een cleen tafereelkin ... waerin gheschildert was/een
trauwinghe van eenen man ende vrauwe/die van Fides ghetraut worden" 11, isto é, em
inglês: "um pequeno painel no qual foi representado o casamento de um homem e uma
mulher que foram casados pela fé."
|§8| É evidente que a descrição de Vermander nada mais é do que uma
amplificação desse texto, e podemos ver facilmente que ele o amplificou um pouco ao
acaso. Como ele estava familiarizado com a forma usual de uma cerimônia de
casamento, ele arriscou a afirmação de que as duas pessoas se seguravam pela mão
direita (enquanto, no retrato de Londres, o homem estende a mão esquerda); e uma vez
que, em sua opinião, a frase de Vaernewyck "die van Fides ghetraut worden" (que
estavam sendo casados por Fides) carecia de precisão, acrescentou arbitrariamente a
oração adjetiva "die se t'samengaf" (que os uniu um ao outro). Assim, esta oração
adjetiva, tão enfatizada por Monsieur Dimier, torna-se uma simples invenção de
Vermander.
|§9| Mas o que Vaernewyck quis dizer com sua frase misteriosa? Na minha
opinião, ele não quis dizer nada, mas simplesmente repetiu (ou melhor, traduziu)
informações que com toda a probabilidade o intrigaram tanto quanto sua tradução
confunde seus leitores. Não devemos esquecer que Vaernewyck também não tinha visto
a pintura, pois ela fora trazida para a Espanha pela rainha Maria, e é um fato significativo
que, em seus escritos anteriores, ele não a menciona de jeito nenhum12. Assim, essa
descrição deve ser baseada em informações obtidas de uma fonte desconhecida, muito
provavelmente uma carta da Espanha; e quando retraduzimos sua frase para o latim
(usando a passagem de Sandrart como modelo) podemos facilmente entender como
surgiu a confusão. Este texto hipotético pode ter dito: "Tabella, in qua depicta erant
sponsalia viri cuiusdam et feminae qui desponsari videbantur per fidem" [quadro em que
foi retratado o casamento de um homem e uma mulher que pareciam estar noivos pela
fé], e uma frase como essa teria sido uma descrição absolutamente correta do quadro

11
Weale: I p. LXXXV. Na " Historie van Belgis " de 1574 a passagem encontra-se no fol. 119 verso.
12
Cf. Weale: I, p. LXXVI, e segs.
londrino. Só que poderia facilmente dar origem a uma má interpretação porque, para
uma mente não iniciada, a expressão "per fidem" poderia facilmente sugerir uma
personificação – quando, na realidade, era um termo de lei.
|§10| Segundo o dogma católico, o matrimônio é um sacramento que se realiza
imediatamente pelo consentimento mútuo das pessoas que vão se casar, quando este
consentimento é expresso por palavras e ações: "Actus exteriores et verba exprimentia
consensum directe faciunt nexum quendam qui est sacramentum matrimonili” [atos e
palavras externos que expressam o consentimento formam diretamente uma espécie
de vínculo que é o sacramento do matrimônio], como diz Tomás de Aquino13. Mesmo
depois que o Concílio de Trento prescreveu a presença de duas ou três testemunhas e a
cooperação de um padre, este último não é considerado/mantido para dispensar a
“graça sacramental” como é no caso do batismo de uma criança ou da ordenação de um
sacerdote, mas é considerado um simples "testis qualificatus" [testemunha qualificada]
cuja cooperação tem um valor meramente formal: "...sacerdotis benedictio non
requiritur in matrimonio quasi de materia sacramenti" [a bênção do padre não é exigida
no casamento como se fosse questão de sacramento]. Assim, ainda hoje, a bênção
sacerdotal e a presença de testemunhas não afetam a validade sacramental do
matrimônio, mas são apenas exigidas para sua legalização formal. Antes do Concílio de
Trento, no entanto, mesmo esse princípio ainda não era reconhecido. Embora a Igreja
tenha feito o possível para advertir os Fiéis contra o casamento secreto, não havia um
"impedimento clandestinitatis" [obstáculo da clandestinidade] apropriado até 1563; isto
é, duas pessoas podiam contrair um matrimônio perfeitamente válido e legítimo quando
e onde quisessem, sem qualquer testemunha e independentemente de qualquer rito
eclesiástico, desde que a condição essencial do "consentimento mútuo expresso por
palavras e ações" tivesse sido cumprida. Consequentemente, naqueles dias, o
procedimento formal de um casamento pouco diferia do de um noivado e ambas as
cerimônias podiam ser chamadas pelo mesmo nome "sponsalia", com a única diferença
de que um casamento era chamado de "sponsalia de praesenti" enquanto um noivado
era chamado de "sponsalia de futuro".
|§11| Agora, quais eram essas "palavras e ações" necessárias para um
casamento legítimo? Em primeiro lugar: uma fórmula apropriada pronunciada
solenemente pela noiva e também pelo noivo, que este confirmava levantando a mão.
Em segundo lugar: a tradição de uma promessa ("arrha"), geralmente um anel colocado
no dedo da noiva. Em terceiro lugar, o mais importante: a "união de mãos" que sempre
fez parte integrante das cerimônias de casamento judaicas, bem como as da Grécia e de
Roma ("dextrarum iunctio") [Figura II, A]. Uma vez que todas essas "palavras e ações"
(descritas de forma abrangente no retrato de Londres) significavam fundamentalmente
nada além de uma promessa de fé, não apenas todo o procedimento foi chamado por
um termo derivado de "Treue" nas línguas germânicas ("Trauung" em alemão,
"Trouwinghe" em holandês e flamengo, onde originalmente "Trouwinghe" poderia
significar tanto "sponsalia de praesenti" quanto "sponsalia de futuro"), mas também as
várias partes da cerimônia foram chamadas por expressões que enfatizavam sua relação
com a fé. O antebraço levantado em confirmação do juramento matrimonial chamava-

13
Wetzer und Welte: "Kirchenlexikon", s.v. "Eh", "Ehever-löbnis", "Ehehindernis". Também F. Cabrol e
H. Leclercq: "Dictionnaire d'Archéologie Chrétienne et de Liturgie", s.v. "Marriage"; mesmos autores:
"Dictionnaire de Théologie Catholique", s.v. "Marriage" (muito completo).
se "Fides levata"14; a aliança de casamento é chamada "la fede" na Itália até nossos dias;
e a "dextrarum iunctio" [união da mão direita] era chamada de "fides manualis" ou
mesmo "fides" sem conotação adicional15", porque era tido como a característica
essencial do ritual. Também na heráldica um par de mãos unidas é simplesmente
chamado de "une Foi"16.
|§12| É divertido e instrutivo observar como, nos escritos dos biógrafos dos
séculos XVI e XVII, esse termo jurídico abstrato gradualmente se transformou em uma
figura feminina viva, embora alegórica. Vaernewyck abriu caminho para a má
interpretação inserindo a palavra latina "fides" em seu texto flamengo e escrevendo-o
com um F maiúsculo, mas se esquivou de qualquer explicação adicional. Vermander
enfatizou a personalidade desta "Fides" bastante enigmática, acrescentando a oração
adjetiva "que os uniu um ao outro", e finalmente Sandrart afirmou explicitamente que
ela estava presente como uma mulher real, "habitu muliebri adstans"[de pé em um
vestido de mulher]. Não é difícil entender os processos mentais desses autores
humanistas. Para os contemporâneos de Cesare Ripa, as personificações e alegorias
eram mais familiares do que para outros, e eles tinham em suas mentes todos aqueles
sarcófagos romanos onde as pessoas que vão se casar estão unidas por uma "Juno
pronuba" [Figura II, A]. Mas o caso deve ser uma lição para nós não tentarmos usar
fontes literárias para a interpretação de imagens, antes de interpretarmos as próprias
fontes literárias.
|§13| Para a mente moderna parece quase inconcebível que, até o Concílio de
Trento, a Igreja Católica pudesse reconhecer um casamento contraído na ausência de
qualquer sacerdote ou testemunha. Ainda assim, essa aparente frouxidão decorre
logicamente da concepção ortodoxa do matrimônio – uma concepção segundo a qual a
força obrigatória de um sacramento realizado por uma "coniunctio animarum" [união
de almas] espiritual não dependia de quaisquer circunstâncias acessórias. Por outro
lado, é óbvio que a falta de qualquer prova legal ou eclesiástica estava fadada a causar
os mais graves inconvenientes e poderia levar a verdadeiras tragédias. A literatura
medieval e os documentos que tratam de ações judiciais estão cheios de casos, em parte
trágicos, em parte bastante burlescos, em que a validade de um casamento não pode
ser provada nem refutada por falta de testemunhas confiáveis"17, de modo que pessoas
que honestamente acreditavam ser casadas descobriam que não eram, e vice-versa. As
coisas mais absurdas podiam acontecer quando os depoimentos das pessoas em
questão se contradiziam, como muitas vezes acontecia; por exemplo, no caso de uma
jovem que se tornaria a mãe de uma pessoa não menos ilustre do que Willibald
Pirckheimer. Esta jovem estava originalmente em termos bastante íntimos com um
jovem patrício de Nuremberg, chamado Sigmund Stromer, mas queria se livrar dele
quando conheceu o Dr. Hans Pirckheimer. Agora o infeliz amante afirmava que ela era
sua esposa legítima, devido ao fato de terem realizado secretamente a cerimônia de
"dar as mãos"; mas isso foi exatamente o que ela negou. Assim, o bispo de Bamberg, a
quem o caso foi submetido, não pôde deixar de decidir que o casamento não foi

14
Du Cange: "Glossarium mediae et infimae latinitatis," s.v. "Fides."
15
Cabrol-Leclercq: "Dict. d'Archdol. Chrdt.", l.c., col. 1895. Du Cange, l.c.
16
Didron: "Annales Archéologiques", XX, 1860, p. 245. Cf. também o famoso "Emblemata" de Andrea
Alciati, No. IX ("Fidei symbolum").
17
Abundância de Literatura em Cabrol-Leclercq," Dict. de Théol. Cath.", l.c., col. 2223.
provado, e ela foi autorizada a se tornar a mãe de Willibald Pirckheimer enquanto o
pobre Stromer permaneceu solteiro por toda a vida18.
|§14| Ora, esse estado de coisas explica perfeitamente a curiosa inscrição no
retrato de Londres: "Johannes de Eyck fuit hic. 1434". Na opinião de Monsieur Dimier,
esta frase que, de acordo com as regras da gramática latina, não pode deixar de significar
"Jan van Eyck esteve aqui", não faria sentido se não fosse traduzida por "este era Jan
van Eyck", provando assim que as pessoas retratadas eram o artista e sua esposa.
Deixando de lado o problema gramatical, a interpretação de Monsieur Dimier (que,
aliás, foi sugerida por vários outros estudiosos, mas foi enfaticamente contestada pelo
Sr. Salomon Reinach cerca de quatorze anos atrás)19 é contrariada pelo simples fato de
que um filho de Jan van Eyck foi batizado antes de 30 de junho de 1434. Assim,
descartando as suspeitas, que devem ser consideradas infundadas pelo fato de que essa
criança foi levada à pia batismal por Pierre de Beffremont em nome do duque da
Borgonha20, devemos supor que Jan van Eyck e sua esposa se casaram, o mais tardar,
no outono de 1433, de modo que eles não podem ser identificados com o casal de noivos
representado no quadro de Londres. Além disso, a frase "Jan van Eyck esteve aqui" faz
todo o sentido quando consideramos a situação jurídica descrita nos parágrafos
anteriores. Como as duas pessoas retratadas eram casadas apenas "per fidem", o retrato
significava nada menos do que uma "certidão de casamento pictórica" na qual a
declaração de que "Jan van Eyck esteve lá" tinha a mesma importância e implicava as
mesmas consequências jurídicas que um "affidavit" [declaração juramentada]
testemunhado por uma testemunha em um cartório moderno.
|§15| Assim, não há razão alguma para duvidar da identificação do retrato
londrino com o painel mencionado nos inventários: podemos adotar com segurança a
"teoria ortodoxa" segundo a qual os dois retratados são Giovanni Arnolfini e Jeanne de
Cename21, ainda mais porque as circunstâncias de seu casamento são peculiarmente
consistentes com a concepção incomum da "certidão de casamento artística". Ambos
não tinham absolutamente nenhum parente em Bruges (sendo Arnolfini filho único cuja
propriedade acabou por passar a um sobrinho de sua esposa, e a família de Jeanne de
Cename morando em Paris)22, para que possamos entender a ideia original de um
quadro que fosse ao mesmo tempo um retrato memorial e um documento, e no qual
um conhecido cavalheiro-pintor assinou seu nome tanto como artista quanto como
testemunha.
|§16| O Dr. Max J. Friedlander (que, aliás, já adivinhava o significado da inscrição
sem investigar o assunto)23 acertadamente aponta que o retrato de Arnolfini é quase
um milagre de composição: "Nele foi resolvido um problema que nenhum pintor do

18
E. Reicke: "Wilibald Pirckheimer", 1930, p. 10, e segs.
19
Sal. Reinach: " Bulletin archéologique du Comité des travaux historiques et scientifiques", 1918, p. 85.
20
Weale: I, p. XL; Weale: II, p. XXXVI.
21
Quanto à aparente semelhança de família entre Jeanne de Cename e a esposa de Jan van Eyck como
retratada por seu marido no conhecido retrato de 1439 (uma semelhança de família a partir da qual
Monsieur Dimier conclui que os dois retratos representam a mesma pessoa, enquanto o Sr. Weale antes
acredita que Jeanne de Cename seja irmã de Margaret van Eyck), devemos ter em mente que nos quadros
de Jan van Eyck as mulheres são muito menos "individualizadas" do que os homens, adaptadas que eram
a um típico ideal de beleza. Até onde podemos saber pelos documentos, Jeanne de Cename tinha apenas
uma irmã, chamada "Acarde" (Mirot: l.c., p. 107 e stemnma p. 168).
22
Mirot: l.c., p. 114.
23
Die Altniederländische Malerei," I, 1924, p. 18.
século XV estava destinado a retomar: duas pessoas lado a lado, e retratadas de corpo
inteiro dentro de uma sala ricamente mobiliada... um documento glorioso do poder
soberano do gênio"24. De fato, para encontrar uma composição análoga na pintura
setentrional, devemos avançar para Os embaixadores de Holbein. No entanto, levando
em consideração o fato de que o quadro de Londres é um retrato de duas pessoas
individuais e uma representação de um rito sacramental, podemos explicar seu
esquema composicional comparando-o não apenas com espécimes de pintura de
retratos, mas também com representações de cerimônias de casamento que podem ser
encontradas, por exemplo, nas Bibles Moralisées25 ou, ainda mais a propósito, em um
saltério francês de cerca de 1323 (Munique, cod. gall. I6, fol. 35)26. Nele, o casamento
de Davi e Mical, a filha de Saul, é representado de maneira muito semelhante à de
Giovanni Arnolfini e Jeanne de Cename, só que a noiva não age por conta própria, mas
é dada por seu pai que é acompanhado por um cortesão e carrega uma luva como
símbolo de sua autoridade tutelar.
|§17| Afora essa diferença, as duas cenas se assemelham, pois a cerimônia
ocorre na ausência de um padre e é realizada levantando o antebraço e juntando as
mãos, "fide levata" e "per fidem manualem". Assim, a aparição precoce de um retrato
duplo de corpo inteiro pode ser explicada por Jan van Eyck adotar um esquema
composicional não incomum na iconografia de pinturas de casamento. Mas esta adoção
de um esquema tradicional significa tudo menos falta de "originalidade." Quando o
retrato de Arnolfini é comparado com a miniatura do século XIV, ficamos
impressionados com a quantidade de sentimento pessoal com que o artista investiu o
gesto convencional e, por outro lado, pela solene rigidez das figuras, particularmente a
do noivo. Van Eyck tomou a liberdade de juntar a mão direita da noiva com a esquerda
do noivo, contrariando o ritual e contrariando também todas as outras representações
de uma cerimônia de casamento. Ele se esforçou para evitar a sobreposição do braço
direito, bem como o movimento de contraposto causado automaticamente pelo
"dextrarum iunctio" no verdadeiro sentido do termo (ver Figura II, A). Assim, ele
conseguiu construir o grupo simetricamente e subjugar o movimento real de tal maneira
que o gesto "fides levata" do esposo parece ser investido da humildade confiante de
uma oração piedosa. De fato, a posição do braço direito de Arnolfini faria uma perfeita
atitude de oração se o outro braço se movesse com um gesto correspondente. Há algo
de escultural nessas duas figuras, e não posso deixar de sentir que todo o arranjo é, em
certa medida, uma reminiscência daquelas estelas tumulares que mostram as figuras de
corpo inteiro de um homem e uma mulher em atitudes semelhantes, e onde a mulher
geralmente é colocada de pé sobre um cachorro, aqui indubitavelmente usado como
símbolo de fé conjugal [Figura II, B]27. Seria uma ideia atraente explicar o caráter

24
"Van Eyck bis Breughel", segunda edição, 1921, p. 18.
25
Laborde: "Les Bibles Moralisées", 1911, pl. 86 e 154.
26
Publicado por Hans Fehr: "Das Recht im Bilde", 1923, fig. 191.
27
Este tipo de laje tumular medieval é o resultado de um processo pouco interessante que pode ser
observado em muitos casos. A Bíblia está cheia do que podemos chamar de "descrições involuntárias" de
antigas imagens orientais, como, por exemplo, o bode expiatório amarrado à Árvore Sagrada
recentemente descoberto nas tumbas reais de Ur, que era o modelo do carneiro de Abraão apanhado no
mato, ou a divindade astral babilônica ressuscitada como a "mulher apocalíptica". Agora o décimo terceiro
versículo do Salmo 90 diz "super aspidem et basiliscum ambulabis et conculcabis leonem et draconem"
[você passará sobre a áspide/serpente e o basilisco e pisoteará o leão e o dragão], descrevendo assim o
tipo babilônico de um deus ou herói triunfando sobre um animal ou um casal de animais (um tipo que
peculiarmente hierático da composição eyckiana por uma influência daqueles retratos
devotos e silenciosos do falecido, como podem ser vistos em inúmeros monumentos
daquele período; tanto mais porque a conexão inerente entre os incunábulos da pintura
flamenga primitiva e a escultura é provada por muitos exemplos.
|§18|Na pintura de Londres, no entanto, essas figuras esculturais são colocadas
em um interior impregnado de uma luz fraca, embora colorida, que mostra os valores
táteis peculiares de materiais como latão, o veludo, a madeira e a pele, de modo que
parecem entrelaçados numa atmosfera homogênea de claro-escuro. Não é de admirar,
então, que o retrato de Arnolfini sempre tenha sido elogiado como uma obra-prima da
pintura "realista" de interiores, ou mesmo de gênero. Mas surge a questão de saber se
o entusiasmo paciente concedido a este maravilhoso interior antecipa o moderno
"princípio da arte pela arte", por assim dizer, ou ainda está enraizado em alguma medida
na tendência medieval de investir objetos visíveis com significado alegórico ou
simbólico.
|§19| Antes de mais nada, devemos ter em mente que o que o Sr. Weale chama
simplesmente de "um interior flamengo" não é de forma alguma uma sala de estar
comum, mas uma "Câmara Nupcial" no sentido estrito do termo, ou seja, uma sala
consagrada pelos vínculos sacramentais e que costumava mesmo ser consagrada por
uma especial "Benedictio thalami" [bênção do quarto]28. Isso é comprovado pelo fato
de que no belo lustre pendurado no teto, apenas uma vela está acesa. Pois uma vez que
esta vela não pode servir para propósitos práticos (em vista do fato de que a sala está
inundada pela luz do dia), ela deve se referir à cerimônia de casamento. Na verdade,
uma vela acesa – símbolo da sabedoria de Deus que tudo vê – não apenas era e muitas
vezes é necessária a cerimônias de juramento em geral"29, mas também fazia uma
referência especial aos casamentos. A "vela do casamento" – um substituto para a
clássica "taeda" que tinha sido uma característica tão essencial das cerimônias de
casamento gregas e romanas que a palavra se tornou sinônimo de "casamento" – ou era
levada para a igreja antes da procissão nupcial, ou solenemente dada à noiva pelo noivo,
ou acesa na casa do casal recém-casado; sabemos até de um costume segundo o qual
os amigos do casal chamava-os à noite "et petierunt Candelam per sponsum et sponsam
... sibi dari" [e pediram que a vela fosse dada pelo noivo à noiva]30. Assim, aprendemos
com uma vela acesa que o "interior flamengo" deve ser interpretado como um "tálamo",

também deu origem às representações de São Miguel lutando contra o dragão, as virtudes dominando o
mal e assim podemos observar como este motivo que originalmente era usado exclusivamente para as
representações de Cristo foi gradualmente transferido para a Virgem, os Santos e finalmente para as lajes
de túmulos, como o monumento do Bispo Siegfried von Epstein na Catedral de Mainz ou aquele de
Heinrich von Sayn no Germanisches Museum, Nuremberg. Disso devemos concluir que os animais que
formam o "descanso para os pés" dos cavaleiros e príncipes retratados em grandes túmulos medievais
não eram originalmente atributos que denotassem as qualidades louváveis do falecido, mas sim símbolos
do Mal conquistados pela alma imortal. Mais tarde, porém, o Leão que originalmente deveria ser o "leo
conculcatus" [leão pisoteado] descrito no Salmo 90 foi interpretado como um símbolo da Fortaleza, e
quando as estátuas de um casal deveriam ser colocadas no mesmo monumento (de modo que as
mulheres também tivessem que ser providas com um animal), geralmente se fazia com que ela ficasse
em cima de um cão, concebido como um símbolo da fé conjugal (cf. nota 10).
28
Cf. Ildefons Herweghen: "Germanische Rechtssymbolik in der römischen Liturgie" (Deutschrechtliche
Beiträge VIII, 4), 1913, p. 312, e segs.
29
“Jurare super Candelam", "Testimonium in Cereo". Cf. Wetzer-Welte, l.c., s.v. "Eid" e Jac. Grimm:
"Deutsche Rechtsaltertiimer", quarta edição, 1899, II, p. 546.
30
Du Cange: l.c., s.v. "Candela". Cf. Wetzer-Welte: 1.c., s.v. "Hochzeit" e "Brautkerze".
para falar em termos medievais, e compreendemos imediatamente suas características
incomuns. Não é por acaso que a cena se passa em um quarto em vez de uma sala de
estar (isso vale também para um número considerável de Anunciações dos séculos XV e
XVI em que o interior é caracterizado como o "Thalamus Virginis", como um texto
litúrgico coloca), nem é por acaso que o encosto da poltrona ao lado da cama é coroado
por uma figura de Santa Margarida triunfando sobre o Dragão esculpida em madeira,
pois essa Santa era especialmente invocada por mulheres que esperavam um filho31;
assim, a pequena escultura está conectada com a noiva da mesma forma que a vela
acesa está conectada com o noivo.
|§20| Ora, o significado desses motivos é atributivo, e não simbólico, visto que
eles realmente "pertencem" a uma Câmara Nupcial e a uma cerimônia de casamento,
da mesma forma que um bastão pertence a Hércules ou uma faca a São Bartolomeu.
Ainda assim, o próprio fato de esses atributos significativos não serem enfatizados como
o que realmente são, mas disfarçados, por assim dizer, como móveis comuns (enquanto,
por outro lado, a disposição geral dos vários objetos tem algo de solene, colocados,
como estão, de acordo com as regras de simetria e em correta relação com as figuras
estatuescas) impressiona o observador com uma espécie de mistério e o torna inclinado
a suspeitar de um significado oculto em todo e qualquer objeto, mesmo quando não
estão imediatamente relacionados com a realização sacramental. E isso se aplicava em
um grau muito maior ao espectador medieval que costumava conceber todo o mundo
visível como um símbolo. Para ele, o pequeno griffin terrier, assim como a vela, eram
familiares como símbolos típicos da Fé32, e mesmo os tamancos de madeira branca tão
ostensivamente colocados no primeiro plano da imagem provavelmente o
impressionariam com um sentimento de sacralidade: "Solve calceamentum de pedibus
tuis, locus enim in quo stas terra sancta est." [Descalce os sapatos, pois o lugar onde
você está é terra santa].
|§21| Agora, eu não ousaria afirmar que se espera que o observador perceba
tais noções conscientemente. Ao contrário, o supremo encanto do quadro – e isso se
aplica às criações de Jan van Eyck em geral – baseia-se essencialmente no fato de que o
espectador não se irrita com uma massa de hieróglifos complicados, mas é permitido
abandonar-se ao fascínio silencioso do que eu poderia chamar uma realidade
transfigurada. As paisagens e os "interiores" de Jan van Eyck são construídos de tal
forma que o que possivelmente se pretende um mero motivo realista pode, ao mesmo
tempo, ser concebido como um símbolo, ou, dito de outra forma, seus atributos e
símbolos são escolhidos e colocados de tal forma que o que possivelmente pretende
exprimir um sentido alegórico, ao mesmo tempo "cabe" perfeitamente numa paisagem
ou num interior aparentemente sem vida. A este respeito, o retrato de Arnolfini é
inteiramente análogo às pinturas religiosas de Jan van Eyck, como a maravilhosa Virgem

31
Weale: I, p. 20 e Weale: II, p. 17. Essa crença levou alguns estudiosos a supor que Santa Margarida deve
ser considerada como uma substituta da clássica Lucina (F. Soleil: La vierge Marguerite substituée à la
Lucine antique, 1885).
32
Quanto ao cão, cf. notas 10 e 27; com relação à vela, ver Didron: 1.c., p. 206, e segs., e imagem da
prancha à p. 237. Também E. MAle: "L'Art religieux de la fin du moyen-Age en France", segunda edição,
1922, p. 334, e Ripa: 1.c., s.v. "Fede Cattolica", onde o motivo é explicado por uma passagem de Santo
Agostinho que diz "Caecitas est infidelitas et illuminatio fides" [cegueira é incredulidade e iluminação é
fé]. Escusado será dizer que "Fides" sempre pode significar tanto "Crença Verdadeira" como "Fidelidade",
especialmente de esposa e marido. A Fides concebida como virtude teologal prescreve explicitamente
"serva fidem coniugum" [manter a fé dos cônjuges] (Didron: I.c., p. 244).
de Lucca, onde muitos símbolos de virgindade (as "aquae viventes" [águas vivas], o
castiçal, a jarra de vidro e até o "trono de Salomão")33 são "disfarçados" de forma
semelhante; ou a imagem de Santa Bárbara cuja torre (caracterizada pelas três janelas
alusivas à Santíssima Trindade) foi transformada no que parece ser uma igreja gótica
realista em fase de construção34; mas, graças à simetria formal da composição, este
edifício impressiona-nos como ainda mais "simbólico" do que se a torre estivesse ligada
à figura na forma costumeira de um atributo.
|§22| Assim, nossa questão de saber se os acessórios à maneira de natureza-
morta em nossa imagem são investidos de um significado simbólico acaba não sendo
uma alternativa verdadeira. Nela, como nas outras obras de Jan van Eyck, o simbolismo
medieval e o realismo moderno estão tão perfeitamente conciliados que o primeiro
tornou-se inerente ao segundo. O significado simbólico não é abolido nem contradiz as
tendências naturalistas; é tão completamente absorvido pela realidade, que a própria
realidade dá origem a um fluxo de associações sobrenaturais, cuja direção é
secretamente determinada pelas forças vitais da iconografia medieval35.

Tradução: Letícia Martins de Andrade

33
Quanto às "aquae viventes" cf. W. Molsdorf: "Führer durch den symbol. und typol. Bilderkreis", 1920,
nr. 795. A comparação da Virgem com um "candelabro" encontra-se no "Speculum Humanae Salvationis"
(citado por E. Beitz: "Grünewalds Isenheimer Menschwerdungsbild und seine Quellen", 1924, p. 25); no
"Repertorium morale" de Berchorius, o "candelabro" é citado como símbolo da Virtude e, logicamente,
como "base fidei", porque a própria vela representa a Fé, conforme mencionado na nota anterior).
Quanto à garrafa, que também aparece no Retábulo de Isenheim de Grünewald, cf. Beitz: l.c., p. 47.
34
Esta é a razão pela qual o quadro às vezes foi descrito como Santa Inês (Weale: I, p. 89; Weale: II, p.
129).
35
Assim, não é de surpreender que um cachorrinho, muito semelhante ao do retrato de Arnolfini, tenha
aparecido também na famosa pintura de uma mulher nua tomando banho descrita por Bartolomaeus
Facius e aparentemente análoga a uma pintura que antigamente estava na coleção de Cornelius van der
Geest (Weale: I, p. 175, e segs., Weale: II, p. 196 e segs.), onde o motivo obviamente nada tem a ver com
a fidelidade conjugal. Símbolos iconográficos, especialmente na arte medieval, são quase sempre
"ambivalentes" (a cobra pode significar tanto o mal quanto a prudência, e as sandálias douradas podem
ser um atributo do luxo e da magnanimidade, cf. Panofsky, Münchner Jahrbuch der Bild. Kunst, N. F., IX,
1932, p. 285, e segs. Assim, a equação Cão-Fé/fidelidade não exclui a equação Cão-Animalidade, como
mostra o verso da conhecida medalha de Constantino, onde um cachorrinho caracteriza a personificação
da Natureza em oposição à Graça. Consequentemente, o griffin terrier "cabe" no quadro do banheiro,
bem como no retrato de Arnolfini, quer o consideremos um "símbolo" ou um mero "motivo de gênero".
Quando este artigo estava sendo impresso, K. von Tolnai publicou um artigo (Münchner Jahrbuch l.c., p.
320 et seq.) no qual, fico feliz em dizer, o problema do simbolismo na arte flamenga primitiva é abordado
de maneira semelhante.

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