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Como a Antropologia pode contribuir para a pesquisa jurídica?

Um
desafio metodológico

1- Entre o Direito e a Antropologia: uma proposta empírica de


aproximação destes saberes
Articular a importância do direito e da antropologia — embora
instituições como o MEC reconheçam que a inclusão da antropologia jurídica
nos currículos de graduação em direito, e o CNPq a liste como subárea do
direito — não foi de fato legalizada por operadores legítimos. Esse contraste
metodológico na prática antropológica que pressupõe uma diretriz conhecida
como relativização da verdade divina pela qual a prática jurídica é replicada é
um obstáculo significativo ao diálogo nesses campos. Aplicar essa
aproximação de saberes é um desafio não só para o direito, mas também para
a antropologia, uma vez que a agenda de nenhum dos campos é pautada na
discussão comum.
O objetivo deste artigo é justamente enfatizar a importância de uma
metodologia específica da antropologia, a etnografia, baseada em experiências
e perspectivas baseadas em trabalho de campo e contraste comparativo, para
a pesquisa no campo do direito do desenvolvimento. Para os fins deste artigo,
deve ser feita uma distinção clara entre "etnografia" e "trabalho de campo".
Claramente, o treinamento para o trabalho etnográfico requer pesquisa de
longo prazo e treinamento de sensibilidade para observar e incorporar e
relativizar valores fora do observador. Por outro lado, neste contexto, mesmo o
trabalho de campo realizado por pesquisadores treinados, em vez daqueles
dedicados à realização de pesquisas etnográficas, introduziu uma nova
dimensão na interpretação de dados e compreensão dos sistemas jurídicos e
seu ponto de vista com valiosa experiência em operações.
Vale ressaltar que, mesmo que as exigências clássicas da etnografia
não estejam totalmente configuradas, somente pesquisadores qualificados
podem realizar pesquisas empíricas baseadas em trabalho de campo, com
entrevistas e observações diretas e participativas por operadores legítimos,
com excelentes resultados. Vale ressaltar ainda que essa abordagem é muito
valiosa para a compreensão dos campos jurídicos, pois também explicaremos
algumas das barreiras que causam ruídos de comunicação nesses campos. Os
métodos utilizados para a construção dos dados são resultado de observações
participantes dos autores, que são bacharéis em Direito e possuem experiência
acadêmica e profissional na área de antropologia jurídica
Nesse sentido, além de enfatizar a necessidade de uma aproximação
desses conhecimentos díspares (direito e antropologia), este trabalho pretende
chamar a atenção para o fato de que impor tal aproximação teoricamente seria
muito difícil de ser bem-sucedida, pois a teoria antropológica, por em si, parece
pouco atraente para os operadores do campo jurídico. Pode ser muito valioso,
no entanto, pelo fato de que os achados que produzimos institucionalmente, se
for feito metodologicamente por meio de etnografias comparativas e
contrastantes, com as quais os juristas não estão intimamente relacionados e
difícil dar-lhes o valor que merecem.
Apresentar este exercício de aproximação no espaço tradicional do
periódico das ciências sociais é de particular relevância porque a interface
entre direito e antropologia, embora muito profícua, como pretendemos mostrar
neste trabalho, não é totalmente tradicional no campo jurídico. Ao contrário, foi
– e ainda é – bastante refutada em certos espaços de produção de
conhecimento, legitimação e devoção, tornando sua integração um desafio
formidável, como sugere o título do artigo. O olhar antropológico é
essencialmente um olhar marcado pela alienação, mas não no sentido da
dúvida. Na verdade, é uma forma única de olhar o mundo e suas
representações, sempre necessariamente partindo da surpresa com o que
parece natural aos outros.
A pesquisa empírica não deixa de ser um instrumento que mensura a
realidade. Realidade, a propósito, é uma palavra de ordem neste trabalho, pois
a pesquisa empírica pressupõe justamente o direcionamento do olhar para o
contexto fático.
No caso do Direito, enquanto objeto de pesquisa, a análise das práticas
judiciárias é a ferramenta metodológica que permite lançar um espelho
autorreflexivo sobre o Judiciário e suas tradições e, a partir disso, ao conhecê-
los melhor, tentar aprimorá-los, pois, com efeito, só é possível transformar
aquilo que se .
A possibilidade de iniciar um diálogo com as Ciências Sociais já ganha
contornos institucionais no próprio campo do Direito, através, por exemplo, da
introdução da disciplina denominada Noções Gerais de Direito e Formação
Humanística como parte da prova eliminatória em concursos públicos para
ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário
nacional (Resolução nº 75, de 12 de maio de 2009). E pela atuação da ENFAM
– Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que
funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que pretende
desenvolver, em parceria com a academia, pesquisas voltadas para uma
melhor compreensão da aplicação prática do Direito.
A empiria, que só pode ser constituída, validada e estruturada sob
consenso, não ganha legitimidade no campo como método de produção de
conhecimento: é como se, fundada no consenso, não existisse, pois na
disputatio só o dissenso existe.
A construção do conhecimento jurídico, em sua quase totalidade,
segue princípios enraizados na disputatio escolástica medieval e que são
análogos àqueles utilizados para produzir a verdade judiciária na civil law
tradition, ancorados nas fórmulas adequadas ao exercício da lógica do
contraditório. Esta, como se sabe, funda-se no oferecimento obrigatório de
dissensos infinitos à autoridade de terceiros, que optarão por uma das versões
para fazê-la vencedora, sem considerar a conveniência das partes. No
processo em busca de UMA verdade, dá-se mais relevância, para descobri-la,
à lógica dos argumentos de autoridade do que àquela da autoridade dos
argumentos, esta última própria da argumentação científica contemporânea,
fundada na construção dialógica e sucessiva de consensos temporários,
fundamento de seu suporte fático.
A prática da pesquisa empírica como método de construção do
conhecimento é um instrumento que nos parece eficaz para a (re)construção
de um Judiciário mais democrático, entendendo-se a ideia de democracia,
neste contexto, como o caminho ou o espaço necessário de interlocução e de
aproximação entre as partes, no caso o Tribunal e a sociedade, nas formas de
administração institucional de seus conflitos. Aliás, os Tribunais Superiores,
através de discursos de seus presidentes, têm demonstrado de forma
recorrente um interesse efetivo em promover esse contacto entre cidadãos e
Tribunais, a fim de minimizar os efeitos da falta de legitimação pela qual o
Judiciário está passando.

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