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INTRODUÇÃO
Segundo Norbert Wiener, “cibernética é uma palavra inventada para definir um novo
campo na ciência”. Para ele, cibernética “combina, sob um único título, o estudo do que,
dentro do contexto humano, é às vezes imprecisamente descrito como pensamento e, na
engenharia, como controle e comunicação". Falando de outra maneira, "a cibernética tenta
encontrar os elementos comuns ao funcionamento de máquinas automáticas e ao sistema
nervoso de seres humanos, bem como desenvolver uma teoria que abranja todo o campo de
controle e comunicação nas máquinas e nos organismos vivos” (WIENER, 1948:14).
Um pesquisador britânico contemporâneo oferece uma definição mais compacta:
“cibernética: é a ciência da comunicação ou, como algumas pessoas dizem, a ciência da
organização” (LIBER, 2008). Oleg Liber, pesquisador da Universidade de Bolton, na
Inglaterra, retomou o trabalho do cientista cibernético britânico Stafford Beer, falecido em
2002, que passou boa parte de sua vida se dedicando ao que chamou de Gestão Cibernética
(no original, Cybernetic Management). Liber, assim como outros, tem buscado aplicar a
Gestão Cibernética à gestão do sistema de ensino.
Informação, controle, adaptação e viabilidade são palavras-chave para a gestão
cibernética. Este texto procura identificar -- a partir de um caso real ocorrido numa instituição
dedicada ao ensino a distância -- como uma melhor coleta de dados, um melhor fluxo de
1
UFRJ, HCTE/NCE, Brasil. E-mail: joao@nce.ufrj.br
2
informação e uma maior distribuição de controle podem contribuir para garantir a viabilidade
da instituição.
O modelo de Beer pode ser aplicado a qualquer sistema complexo que tenha de se
adaptar às mudanças do meio ambiente para continuar viável. O próprio Beer coordenou uma
experiência de implantação do VSM como forma de gerir a economia de um país, no Chile do
início da década de 70 (MEDINA, 2014). Nos últimos anos, temos vários exemplos de
tentativas de aplicação desse modelo ao sistema de ensino. Para citar alguns, temos Oleg
Liber que aplicou o VSM na gestão tecnológica de instituições de ensino (LIBER, 1998) e na
avaliação de ambientes virtuais de aprendizado (BRITAIN e LIBER, 2004). No Brasil, temos
um trabalho também sobre ambientes virtuais de aprendizado (GRANITO e MIURA, 2007) e
outro sobre gestão de uma instituição municipal de ensino (MACHADO NETO et. al., 2005).
Este trabalho aborda um caso ocorrido no Curso de Computação do CEDERJ, um
consórcio que reúne as seis Universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ,
UERJ, UNIRIO, UFF, UENF e UFRRJ), oferecendo 12 cursos de graduação a distância para
cerca de 25 mil alunos em 32 polos regionais em todo o Estado 2. Segundo Medina, “O
Modelo de Sistema Viável funciona de forma recursiva: as partes de um sistema viável
também devem ser viáveis e seu comportamento poderia ser descrito usando o modelo”
(MEDINA, 2014:35). Isso permite uma grande liberdade de escolha na definição do que se
vai detalhar e o que se vai deixar como caixa-preta. Este trabalho se limita a abordar a recolha
de dados e a troca de informações entre um de seus cursos (o Curso de Computação) e a
direção geral.
O ensino adotado pelo CEDERJ está numa zona intermediária entre o presencial e o a
distância, podendo ser considerado como semipresencial. Nas reuniões internas e nas aulas
inaugurais sempre é enfatizado o caráter semipresencial dos cursos, porém em diversos locais
do sítio da internet da instituição aparece a expressão “graduação a distância”, o que pode
confundir os alunos (inscritos e potenciais) sobre a modalidade adotada. A certificação é
presencial, como exige a lei brasileira (NETTO et. al., 2012), e o ensino pode ser realizado a
distância, embora existam apoios presenciais como polos, laboratórios e tutores.
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Extraído do Curriculum Lattes de Carlos Eduardo Bielschowsky (presidente do CEDERJ):
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783215A6 visitado em 13/01/2016
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É fundamental para a viabilidade de uma instituição de ensino que os alunos não
desistam do curso e que se formem. Portanto, um grande problema existente no ensino
superior, tanto a distância como presencial, e que desafia a viabilidade de qualquer curso é o
da evasão. Segundo Lobo et. al., "a evasão estudantil no ensino superior é um problema
internacional que afeta o resultado dos sistemas educacionais. As perdas de estudantes que
iniciam, mas não terminam seus cursos são desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos"
(LOBO et. al., 2007). Apesar do pouco tempo de existência da modalidade de ensino a
distância, há uma convicção de que a evasão é maior no ensino a distância que no presencial
(SILVA e MARQUES, 2012).
No início de 2011, um dos coordenadores do curso de computação enviou uma
mensagem para a lista dos professores comunicando a volta de Carlos Eduardo Bielschowsky
à presidência do CEDERJ. Na mensagem ele dizia que, numa reunião de coordenadores, o
presidente elogiou a qualidade dos cursos e falou de sua preocupação com a evasão. Afirmou
também que “nesta nova gestão pretende-se identificar os problemas e implantar técnicas para
diminuir a evasão. Uma primeira medida afeta os tutores coordenadores de polo que farão um
acompanhamento individual de cada aluno do seu curso no polo”.
A iniciativa da presidência foi promissora em termos da forma cibernética de garantir
a viabilidade dos cursos do CEDERJ. A partir de um problema existente foram mobilizados
representantes de vários níveis da hierarquia para coletar dados e buscar soluções. Uma
fraqueza desse primeiro momento é que não ficou claro em quais níveis seriam decididas e
adotadas essas medidas. Além disso, para servir como garantia da viabilidade, a coleta dos
dados e a busca de soluções não pode ser realizada de forma pontual, mas sim como uma ação
continuada, acompanhada da criação de um canal de comunicações permanente para que essa
informação possa fluir para os níveis superiores da hierarquia.
Três meses depois, novas reuniões foram realizadas entre a presidência e os
coordenadores e alguns professores dos cursos mais problemáticos (em termos de evasão). O
curso de computação foi considerado um curso problemático e sua reunião foi realizada em
maio. Alguns dias antes dessa reunião (ainda em abril), um dos coordenadores da computação
mandou uma nova mensagem à lista conclamando os professores a apresentar soluções para a
questão da evasão que seriam levadas a uma reunião de coordenadores de curso. A mensagem
foi acompanhada de um gráfico (Figura 2) mostrando "o percentual de aprovações em
disciplinas de nosso curso em 2010-2", onde "sete disciplinas de nosso curso possuem
percentual de aprovação abaixo de 20%". A mensagem prosseguia solicitando: "1. Procurar
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identificar os motivos pela baixa aprovação em disciplinas. 2. Propor soluções visando evitar
a evasão (sem baixar a qualidade)".
Essa foi a primeira de uma série de mensagens (22 no total) onde os professores (onze,
além do coordenador, responderam à mensagem inicial) deram sua opinião sobre alguns
problemas do curso, não apenas sobre evasão. A própria mensagem inicial já mostra que uma
tradução foi realizada (não está muito claro quando foi feita) mudando o foco da discussão,
pois os gráficos apresentados pelo coordenador tratam dos aprovados em cada disciplina.
A primeira mensagem embute uma afirmativa: os alunos estão abandonando o curso,
pois não estão conseguindo ser aprovados nas disciplinas. Essa tradução, embora esteja
visível no primeiro parágrafo da mensagem do coordenador, não chamou a atenção dos
professores, e estes passaram a discutir, não mais a evasão, mas sim a aprovação nas
disciplinas.
Figura 2 – Percentual de aprovações baseado no número de alunos inscritos
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O peso relativo das avaliações presenciais e a distância pode variar conforme o curso.
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A última disciplina é um caso particular, já que um aluno pode utilizar vários semestres para concluir o TCC.
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está no sistema educacional do país e, como uma solução temporária, propõe comparecimento
mínimo obrigatório à tutoria presencial.
Já outro professor afirma que, pela suas observações, há “polos bons e outros ruins” e
que os alunos preferem matérias práticas, sendo o mau desempenho em algumas delas devido
à pouca dedicação. Quanto ao baixo comparecimento às tutorias, ele se baseia em conversas
com os alunos para concluir que eles não vão ao polo por morar longe. Como solução propõe
“que o curso devia reforçar o conceito de SEMI-PRESENCIAL, ou pelo menos
GRADUAÇÃO SEM AULAS, e abandonar o título 'A distância'”5 para conseguir um público
mais local. Outro professor, ainda, pergunta: “Existe evasão em todos os cursos universitários.
Será que a evasão do CEDERJ é uma ordem de grandeza maior do que a dos cursos
presenciais das universidades públicas?”. Além disso, ele constata que as disciplinas de
primeiro e segundo período estão servindo de filtro, como ocorre nos cursos presenciais.
Todas essas observações se basearam na experiência pessoal dos professores e
possivelmente algumas eram bem fundamentadas. A mensagem de um professor, no terceiro
dia de discussões, parece apontar um ponto de inflexão ao fazer um apelo para que fosse feita
“uma reflexão mais robusta sobre a experiência do nosso curso”, que não ficasse apenas a
cargo dos professores e para qual “deveriam ser convocados outros saberes e experiências”.
Muitos trabalhos sobre evasão vão buscar suas causas em pesquisas com os próprios
alunos (como em NETTO et. al. 2012, SANTOS et. al. 2008, SILVA e MARQUES 2012,
LACERDA e ESPÍNDOLA 2013, para citar alguns). Logo em sua primeira mensagem o
coordenador afirmou que o CEDERJ estava realizando uma pesquisa junto aos alunos sobre
os problemas do curso. Os dados dessa pesquisa foram apresentados aos professores, em
novembro de 2011, como parte do relatório de avaliação institucional enviado à direção do
CEDERJ (ALBUQUERQUE et. al., 2011). O envio do relatório no final do ano não gerou
discussões entre os professores.
Não houve esse aparente consenso no diagnóstico dos professores. Um professor
mandou uma mensagem afirmando que concordava com a maioria dos diagnósticos “mas
[que] não colocaria na conta dos alunos os problemas”. Quanto à hipótese dos alunos não
comparecerem às tutorias presenciais por morarem longe, ele pergunta: “Mas e as tutorias a
distância?”. Há tutorias por telefone (e também pela plataforma) e o aluno mesmo assim
pouco as utiliza. Quanto aos alunos encontrarem um curso semipresencial quando desejavam
um curso a distância: “Considerando o número de faltas, o curso é de fato a distância para a
5
Os destaques são do autor da frase.
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maioria. Se era isso que queriam, então, o resultado, devido ao não comparecimento às
tutorias, deveria ser: estudar em casa, fazer as ADs, comparecer para as APs e passar”.
Houve uma oportunidade de ouvir a opinião de uma aluna, encaminhada por outro
professor. Muitas de suas críticas foram em relação à plataforma e à mídia utilizada na época
para distribuição das aulas (DVD). Também foram feitas críticas aos professores: algumas
videoaulas desatualizadas, problemas de revisão nas provas (questões anuladas) e a pouca
interação alunos x tutores x professores (problema que existe até hoje).
CONCLUSÃO
Controvérsias como a de 2011 não são muito comuns entre os professores. O correio
eletrônico é muito subutilizado como forma de troca de informação entre os professores e a
coordenação com vistas a aperfeiçoar o curso. Sem circulação de informação não é possível
haver uma gestão cibernética. Reuniões de colegiado são realizadas com frequência, mas são
voltadas mais para resolver problemas pontuais.
No final da discussão, o coordenador fez um resumo dos problemas e propostas
discutidos na lista dos professores, o qual foi apresentado na reunião na presidência do
CEDERJ. Como resultado da reunião, foi planejada a implantação de uma série de medidas de
curto e médio prazo, relacionadas com as discussões na lista de professores. Entre estas
medidas é possível destacar: desligar do curso alunos que não têm mais condições de conclui-
lo no prazo máximo (12 semestres), incluir disciplinas opcionais de matemática básica e
português instrumental, mover uma disciplina mais problemática para um período mais
adiantado na grade, regravação de aulas, melhorar a usabilidade da plataforma e realizar
reuniões regulares para avaliar a questão da evasão. Todas essas propostas, exceto pela
última, foram, de uma forma ou de outra, postas em prática. Algumas destas decisões
poderiam ter sido tomadas nos níveis mais inferiores da hierarquia, maximizando sua
autonomia conforme defendia Beer.
As discussões sobre evasão não ocorreram mais ou, se ocorreram, não chegaram até os
professores. Os levantamentos de dados têm sido feitos por iniciativa das coordenações dos
cursos ou para a produção de trabalhos acadêmicos. Não existem, dentro dos cursos,
mecanismos permanentes para monitorar indicadores vitais à sua viabilidade.
Associar o comportamento de uma instituição complexa com o corpo humano é uma
poderosa metáfora e tem sido utilizada mesmo por quem nunca ouviu falar de Stafford Beer
ou de cibernética. O trabalho de Beer, mesmo após tantos anos, continua sendo objeto de
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estudo por parte de alguns cientistas, apesar da palavra cibernética ter caído em desuso.
Acredito que a ideia mais importante introduzida pelo VSM é a definição de canais
permanentes que permitam transmitir, de forma transparente, dados e decisões entre os
diversos órgãos componentes da instituição. Pelo tamanho de sua estrutura e os muitos níveis
de hierarquia, o curso de computação do CEDERJ pode ser definido como um sistema
extremamente complexo e, consequentemente, é um bom candidato a adotar este modelo.
REFERÊNCIAS
BEER, Stafford. Cybernetics and Management. 2 ed. London: English Universities Press,
1967.