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Entrevista com Plínio de Arruda Sampaio Jr.

A primeira entrevista desta edição da Revista Fim do Mundo é com o


economista, pesquisador e professor Plínio de Arruda Sampaio Jr. “Plininho”,
como é carinhosamente conhecido, é professor livre-docente do Instituto de

144 Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP); desenvolve


suas pesquisas na área de história econômica do Brasil e teoria do

desenvolvimento e dedica-se ao estudo do impacto da globalização

capitalista sobre a economia brasileira. É autor de Entre a nação e a barbárie:

dilemas do capitalismo dependente (1999) e de Crônica de uma crise


anunciada: Crítica à economia política de Lula e Dilma (2017), e organizador

dos livros Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da crise econômica

mundial (2009); e Jornadas de Junho: a revolta popular em debate (2014).

Participou da elaboração dos programas econômicos do PT até

1990, quando coordenou a elaboração do programa da candidatura de


Plínio de Arruda Sampaio – seu pai – a governador de São Paulo. Nesse

período, colaborou ativamente como assessor econômico da legenda, tendo

sido o responsável pela crítica ao Plano Collor no programa nacional do PT.

Em 1991, muda-se para França em viagem de estudo, onde fica até 1994.
Neste período, Plínio consolida sua visão crítica sobre a sociedade brasileira,

afasta-se politicamente da direção do partido que acelerava sua guinada

conservadora de acomodação à ordem e reforça sua convicção na


organização popular como único meio de superar as mazelas do povo.

De volta ao Brasil, passa a colaborar ativamente com os movimentos

sociais, assessorando e organizando cursos de formação junto ao

Revista Fim do Mundo, nº 2, mai/ago 2020


Movimento dos Sem Terra, Movimento dos Pequenos Agricultores,

Movimento dos Atingidos por Barragens, Pastoral Operária, Grito dos

Excluídos, Pastorais Sociais, Central dos Movimentos Populares e Movimento


dos Trabalhadores Sem Teto. Crítico dos rumos do governo Lula, durante o

Fórum Social Mundial de 2005 rompeu com o PT, junto com centenas de

militantes históricos. No mesmo ano, ingressou no PSOL e desde então tem

se dedicado à tarefa de reorganização partidária da esquerda socialista. 145


Nesta entrevista concedida por e-mail ao coordenador-geral do IBEC

Paulo Alves de Lima Filho, Plínio falou sobre vida acadêmica, sua candidatura

em 2018, reversão neocolonial, conjuntura atual e muito mais.

Como vês tua vida de recém-aposentado PSOL à presidência da república, além de


após tantos anos de trabalho em uma muito cansaço, que ensinamentos te
universidade? Florestan dizia que a trouxe?
ditadura o havia emancipado da Na campanha pela
escravidão salarial, fato vital em sua vida. candidatura a presidência pelo
Apesar dos pesares, a PSOL, cumpri o papel de
vida universitária é enriquecedora. candidato. Foi uma tarefa coletiva
Mesmo assim, a aposentadoria é que fizemos com muito
uma alforria. A maior riqueza de entusiasmo. Era uma disputa
um Homem é poder dispor de seu necessária para não deixar passar
tempo como bem quiser. Agora, em brancas nuvens a capitulação
posso organizar minha agenda de do partido ao lulismo. A luta
estudo e minha militância política coletiva é sempre enriquecedora.
com total liberdade. Conheci melhor o partido. Da
burocracia, nada se deve esperar.
Haver sido chefe de guerra na luta por Ela tem todos os vícios da política

tentar eleger-se candidato a candidato do tradicional. Funciona na pior


tradição do mandonismo
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brasileiro, como uma verdadeira parlamento desse conta de
oligarquia que controla com mão resolver os gravíssimos problemas
de ferro a vida partidária. Para de uma sociedade em reversão
que tenham uma ideia, o Partido neocolonial. Não conseguem
do Socialismo e da Liberdade tem fazer autocrítica e, por isso, não
pânico de debate democrático e conseguem olhar para frente. Não
estigmatiza qualquer projeto entendem que a crise econômica
146 político que se atreva a ir além - a desindustrialização - e a crise
dos parâmetros da ordem. Mas política - a falência da Nova
tive também a oportunidade de República - foram encubadas nos
conhecer melhor a base do treze anos de Lula e Dilma. O Lula
partido. É uma rapaziada muito Livre é uma palavra de ordem que
combativa e comprometida com a não resolve nada. O
luta pelo socialismo. Nosso restauracionismo não abre
objetivo foi sempre o diálogo com perspectiva alguma para o
a rapaziada. encaminhamento de uma solução
minimamente civilizada para a
Como avalias a distância existente entre o barbárie capitalista. A esquerda da
processo histórico e a percepção teórica ordem está presa na miséria do
da esquerda da ordem? possível.

A esquerda da ordem tem


um diagnóstico absolutamente Acreditas que possamos sair desse impasse
superficial sobre a magnitude e as em quanto tempo?
consequências da crise capitalista O Brasil não está fora do
e sobre o caráter de seus mundo. A crise brasileira é parte
impactos sobre a economia e a da crise estrutural do capital.
sociedade brasileira. O PT e seus Vivemos num capitalismo que,
asseclas levantam o fantasma do como disse o filósofo István
fascismo como um risco iminente, Mészáros, "tampa um buraco,
mas trabalham de maneira cavando um buraco maior ainda".
convencional como se o Enquanto a crise capitalista não

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for resolvida, é bem pouco de transformar nossa sociedade
provável que se consiga numa megafeitoria moderna. A
encaminhar alguma solução para ponte para o futuro aponta para o
a crise brasileira. Não vejo século XIX. A aceleração do
nenhuma possibilidade de uma desmanche da Nação representa
solução rápida e indolor para o uma mudança de qualidade no
impasse civilizatório provocado processo de reversão neocolonial.
pela crise estrutural do capital. O A turma da marreta não vai deixar 147
futuro será de muita luta e nada de pé. É o que estamos
sacrifício. A burguesia não vendo em todas as dimensões da
consegue resolver nenhum dos sociedade. Evidentemente, as
problemas fundamentais de nossa contradições que daí decorrem
época - o desemprego, a provocarão forte polarização da
desigualdade social, a luta de classes. Os de baixo
instabilidade econômica, o resistiram a ofensiva contra suas
racismo, o machismo estrutural, o conquistas civilizatórias. O futuro
vazio existencial de uma vida será marcado pelo acirramento
prisioneira do individualismo, a dos conflitos sociais e pela
crise ambiental etc. E os polarização da luta de classes.
trabalhadores estão ainda muito
distantes de amadurecer um Qual o processo agregador das forças
projeto de sociedade alternativo e opostas à revolução neocolonial em curso?
apresentar um farol para orientar No momento, as forças
a luta pela superação do capital. contra a ordem encontram-se
fragmentadas e sem um plano de
Como avalia a possibilidade de um salto luta definido. Elas serão unificadas
qualitativo na revolução ora em processo, no processo de resistência e
tal como já ocorrido na contrarrevolução superação da barbárie
de 1964? neocolonial. A necessidade de se
O projeto burguês para o contrapor à ofensiva avassaladora
Brasil é uma brutalidade. Trata-se do capital contra o trabalho

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imporá a unidade na luta como do trabalho, as categorias que
condição para a sobrevivência ocupam papel estratégico na
política das forças anticapitalistas. produção e circulação de
A exigência de uma alternativa ao mercadorias têm uma importância
modo de produção do capital vital. Sem elas, as revoltas sociais
acabará por definir um projeto não comprometem o
alternativo capaz de apontar metabolismo do modo de
148 novos horizontes para as classes produção.
trabalhadoras. É no calor da luta
que se processará a fusão da luta Faça uma breve síntese do processo
com a crítica e sua cristalização histórico que nos trouxe até este
em organizações políticas que momento.
estejam à altura dos gigantescos Quinhentos anos de
desafios históricos colocados pela história mal resolvida não
crise estrutural do capital. poderiam terminar bem. O Brasil
desperdiçou todas as
Que setores sociais estariam mais perto oportunidades históricas de
de entender a necessidade de luta sem resolver seus problemas
quartel pela revolução dos oprimidos e estruturais - a segregação social
pela conquista da plena soberania da que envenena a sociedade e o
nação? colonialismo que nos deixa à
Em termos bem mercê dos interesses do capital
genéricos, a revolução socialista internacional. A independência foi
será uma obra das "classes feita sem questionar a exploração
subalternas". Em sociedades de e a dominação decorrentes de
segregação social, como é o caso nossa posição subalterna na
do Brasil, a luta de classes se divisão internacional do trabalho
polariza entre pobres e ricos, que se organizou em torno do
pretos e brancos. Serão as vítimas império britânico. A abolição dos
do capital que abrirão caminho negros foi feita dos brancos para
para se ir além do capital. Dentro os brancos, sem superar a

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segregação social. A os de baixo, a democracia é
industrialização ficou à reboque inócua porque não resolve seus
do capital internacional problemas estruturais. Para os de
comprometendo definitivamente cima, ela é espúria porque coloca
a possibilidade de construção de em risco seus privilégios
um sistema econômico nacional. seculares. Repetindo a historia
Por fim, a revolução burguesa imperial, a revolução reacionária
terminou como uma tem uma resposta brutal para o 149
contrarrevolução permanente que impasse brasileiro - a solução
cristalizou o capitalismo brasileiro liberal-autoritária. Na economia,
como um capitalismo dependente trata-se de aplicar o ajuste
particularmente antissocial, neoliberal, acelerando a
antinacional e antidemocrático. A reespecialização regressiva da
Nova República não enfrentou economia brasileira no mercado
nenhuma dessas questões. A mundial. Na política, a burguesia
transição da ditadura militar para busca um meio de substituir a
o Estado de direito pelo Colégio democracia de cooptação da
Eleitoral institucionalizou a Nova República por alguma forma
democracia restrita consolidada mais ou menos ditatorial de
em 1964. A gigantesca frustração poder. Por isso, chamaram um
com as promessas vazias da capitão do mato, ligado aos
Constituição Cidadã foi às ruas aparelhos de repressão das forças
nas Jornadas de Junho de 2013. armadas e às milícias, para
De lá para cá, assistimos à crise governar o Brasil.
terminal da Nova República. Para |FiM|

São Paulo, agosto de 2019

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