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Introdução
Na audiologia a tecnologia do implante coclear (IC) permitiu que pessoas com deficiência
auditiva de grau severo e/ou profundo conseguissem ter acesso ao mundo sonoro, sendo este um
dispositivo eletrônico biomédico, biocompatível e durável, desenvolvido para realizar a função das
células ciliadas que estão danificadas ou ausentes, transformando a energia sonora em baixos níveis
de corrente elétrica, de modo a proporcionar a estimulação elétrica das fibras remanescentes do
nervo auditivo
Todos os sistemas de implante coclear são constituídos por um componente interno e um
componente externo. Basicamente, os componentes internos do implante coclear consistem em um
receptor estimulador posicionado cirurgicamente na região do osso temporal, acoplado a um feixe de
eletrodos inserido na cóclea. Os componentes usados externamente consistem em um processador
de sinal, um microfone e uma antena transmissora em posição retroauricular:
➔ O estímulo acústico é captado pelo microfone e transmitido por um cabo ao
processador de fala, o qual codifica os impulsos elétricos recebidos e envia a
informação codificada para a antena transmissora.
➔ Um ímã é colocado em ambos os componentes externo e interno (antena transmissora
e receptor estimulador, respectivamente) de modo que os dois componentes,
separados pela pele, possam ser conectados.
➔ O sinal codificado é transmitido através da pele (transcutânea) por radiofrequência. A
informação é captada pelo receptor estimulador interno, que converte os códigos em
sinais elétricos e libera os impulsos elétricos para os eletrodos intracocleares
programados separadamente, de forma a transmitir impulsos elétricos para fibras
nervosas específicas ao longo da cóclea.
➔ Após a interpretação da informação no cérebro o usuário de implante coclear poderá
ser capaz de experimentar a sensação auditiva.
Critérios de seleção e de indicação do implante coclear do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do Hospital de
Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP)
Crianças
❄ Deficiência auditiva neurossensorial de grau severo e ou profundo bilateral
Idade mínima de 6 meses para deficiência auditiva profunda ou18 meses para deficiência
auditiva de grau severo
Idade máximapreferencial de trinta e seis meses para deficiência auditiva pré-lingual,
considerando-se o período de maior plasticidade neuronal
Permeabilidade coclear para a inserção cirúrgica dos eletrodos
Limiares auditivos tonais iguais ou superiores a70dBNA a partir da frequência de 1.000 Hz
Benefício limitado das habilidades auditivas com o uso de aparelhos de amplificação sonora
individuais
Baixo índice de reconhecimento auditivo em testes de percepção da fala com amplificação
Comprometimentos de natureza intelectual ou emocional, múltiplas deficiências e casos
especiais são avaliados e a indicação do IC dependerá da gravidade dos comprometimentos
adicionais, com análise cuidadosa do quanto estes comprometimentos podem reduzir a
chance de a pessoa aproveitar ao máximo os benefícios do implante coclear, afim de evitar o
não uso do implante coclear em longo prazo
Motivação da família para o uso do implante coclear e para o desenvolvimento de atitudes de
comunicação favoráveis pela criança
Expectativas familiares adequadas quanto ao resultado do implante coclear
Participação da criança em terapia fonoaudiológica na cidade de origem
Adultos
Deficiência auditiva sensorioneural de grau severo a profundo ou profundo pós-lingual bilateral
❄ Surdez pré-lingual com código linguístico oral estabelecido
❄ Ausência de benefício com aparelhos de amplificação sonora individuais: limiares auditivos
com aparelhos de amplificação sonora individuais ≥ 60dBNA nas frequências da fala, escore
de percepção de fala ≤ 60% para sentenças em conjunto aberto no melhor ouvido e ≤ 50% no
ouvido a ser implantado
❄ Deficiência auditiva progressiva
❄ Deficiência auditiva súbita, preferencialmente com tempo de surdez inferior à metade do
tempo de vida sem deficiência auditiva
❄ Adequação psicológica e motivação para o uso do IC
Critérios de contraindicação
Comprometimentos neurológicos graves associados à deficiência auditiva
Condições médicas ou psicológicas que contraindiquem acirurgia
Deficiência auditiva causada por agenesia da cóclea, de nervo auditivo ou lesões centrais
Infecção ativa da orelha média
Expectativas irreais quanto aos benefícios, resultados e limitações do implante coclear por
parte da família ou do paciente
Principalmente a criança com deficiência auditiva pré-lingual precisará de todo o incentivo dos
pais e dos cuidadores, e sobretudo do fonoaudiólogo, para desenvolver as habilidades auditivas e a
linguagem oral com o implante coclear. A terapia fonoaudiológica aurioral é regida por princípios para
que as habilidades auditivas da criança sejam o foco do processo terapêutico, conduzindo os pais
para que todo o ambiente educacional da criança seja preparado e modificado para este objetivo.
Quanto aos benefícios esperados, a literatura orientação familiar quanto aos riscos cirúrgicos e
descreve resultados variados do aos resultados pós-cirúrgicos.
desenvolvimento das habilidades auditivas e da Ênfase também é dada quanto à
linguagem oral, sendo de especial valor a indicação do implante coclear para pessoas com
a desordem do espectro da neuropatia auditiva
(DENA), cujo diagnóstico clínico é relativamente estimulação elétrica proporcionada pelo implante
recente. Trata-se de indivíduos com distúrbios coclear, e os resultados são considerados
auditivos, devido à disfunção nas sinapses das heterogêneos. Diferentemente da desordem do
células ciliadas internas e nervo auditivo e/ou no espectro da neuropatia auditiva, a informação do
nervo auditivo em si. Caracteriza-se clinicamente diagnóstico por imagem será crucial na predição
desde limiares auditivos tonais dentro da dos resultados, fundamentalmente as
normalidade até perda auditiva bilateral de grau informações incididas da ressonância magnética.
severo ou profundo ou variável, em que há o Em casos de múltipla deficiência a
acometimento do nervo auditivo, que gera uma indicação do implante coclear requer o
dessincronia na condução nervosa. A DENA conhecimento pleno das restrições impostas
pode ser constatada em pacientes com idades pelas circunstâncias clínicas e patológicas.
variadas. O desafio na indicação do implante Vários aspectos são ponderados quando, além
coclear em casos de DENA não é desencadeado da deficiência auditiva, outros comprometimentos
pelas mesmas preocupações anteriormente estão presentes na pessoa candidata ao
descritas, como a malformação e/ou a implante coclear. Cada alteração adicional à
ossificação coclear, mas, sobretudo pela surdez caracterizará um quadro clínico distinto,
precisão do topodiagnóstico e pela variedade de que influenciará o desempenho das habilidades
resultados quanto à percepção auditiva da fala. auditivas e da linguagem oral receptiva e/ou
Sabese que o indivíduo com a desordem do expressiva. Os aspectos mais listados pelos
espectro da neuropatia auditiva apresenta o pesquisadores internacionais sobre os benefícios
funcionamento das células ciliadas externas do IC em crianças com múltipla deficiência foram
compatíveis com a normalidade, mas a função a melhora na qualidade de vida, a possibilidade
neural ao nível do nervo vestibulococlear (VIII par de comunicação através da linguagem oral,
craniano) alterada. No entanto, a literatura maior independência nas relações sociais e
aponta que 30% das pessoas com a desordem familiares, e melhora no desempenho de tarefas
do espectro da neuropatia auditiva podem e atos de vida diária de um modo geral.
apresentar comprometimento das células ciliadas Consideram ainda que os fatores mais
externas e consequente perda das emissões importantes para que esses benefícios sejam
otoacústicas. Nestes casos a ausência das alcançados são o envolvimento da família
emissões otoacústicas não exclui o diagnóstico durante todo o processo e a regularidade da
da DENA, sendo fundamental a presença do terapia fonoaudiológica e do acompanhamento
microfonismo coclear registrado nos potenciais após a cirurgia de implante coclear.
evocados auditivos de tronco encefálico para o Especificamente na paralisia cerebral,
diagnóstico. definida como sequela de lesão encefálica, de
A habilitação e a reabilitação auditiva base etiológica não evolutiva, com sinais e
nesses indivíduos é um desafio, pois a alteração sintomas variáveis, pelo menos 12% das
no nervo auditivo leva ao comprometimento da crianças apresentam perda auditiva de caráter
percepção auditiva da fala, e os limiares tonais sensorioneural, e o implante coclear vem sendo
podem variar de normais até severamente apresentado como uma alternativa de tratamento
prejudicados. O implante coclear indicado para estes casos. A paralisia cerebral
criteriosamente na desordem do espectro da caracterizase por ser o transtorno motor mais
neuropatia auditiva pode ser uma eficiente frequente na infância, podendo estar presentes
alternativa de tratamento para estes casos, e os alterações visuais, mentais, emocionais e
resultados alcançados podem ser potencialmente auditivas. Portanto, as condições multifatoriais
melhores se consideradas as características desta patologia se apresentam potencialmente
desta alteração nos procedimentos pós- como possíveis variáveis nos resultados pós-
cirúrgicos e na escolha e nos ajustes dos cirúrgicos.
parâmetros de programação do dispositivo. Estudo nacional com oito crianças com
A hipoplasia do nervo auditivo também se paralisia cerebral implantadas apontou que todas
constitui como uma condição adversa na as crianças apresentaram evolução com o
indicação do implante coclear. A diminuição do implante coclear, quanto aos aspectos de
número de fibras do nervo auditivo terá audição, linguagem e comunicação, porém com
repercussões diretas no aproveitamento da ritmos diferentes. Em geral a linguagem receptiva
tende a ser melhor que a linguagem expressiva, O benefício do sistema FM possibilita
importante aspecto na orientação aos pais, os melhores condições de compreensão da
quais geralmente esperam a expressão da linguagem oral e de aprendizagem no ambiente
linguagem oral com o uso do IC. escolar, ocasionando um ganho adicional pelo
Considerações similares devem ser fato de as crianças não ficarem tão cansadas nas
estimadas em casos de alterações de natureza situações de comunicação na presença do ruído,
cognitiva e/ou comportamentais, e, sobretudo, favorecendo a atenção e a concentração no
em casos de autismo. ambiente acadêmico.
Já em casos de deficiência visual Considerando a inclusão, regida pelo
associada à deficiência auditiva o IC é altamente princípio básico de inserir a criança com
recomendado, principalmente nos primeiros anos deficiência no ensino regular, faz-se necessário o
de vida ou nos casos de deficiência visual uso deste tipo de dispositivo na deficiência
adquirida e progressiva. Assim, embora a auditiva, uma vez que, no Brasil, os índices de
múltipla deficiência não se constitua como ruído nas escolas estão muito acima das
contraindicação para o implante coclear, ressalta- condições previstas para um ambiente ideal de
se o valor da composição da equipe de forma aprendizagem, com o agravante de não ser
interdisciplinar para avaliação multifatorial e comum a existência de tratamento acústico nas
ponderação do estado de saúde geral atreladas salas de aula. Nos países desenvolvidos, os
à orientação e ao aconselhamento familiar sistemas FM para crianças com deficiência
quanto aos resultados e expectativas auditiva são considerados essenciais e fazem
decorrentes deste processo. parte dos programas de terapêuticos. Todos os
grandes profissionais que trabalham com
audiologia pediátrica recomendam o sistema FM
Os sistemas de frequência modulada (FM) podem ser como a melhor tecnologia disponível para
usados como implante coclear? aprimorar a percepção da fala em ambientes
com acústica desfavorável. No Brasil a Portaria
O implante coclear, assim como os nº 1.274, de 25 de junho de 2013, assegura a
aparelhos de amplificação sonora individuais concessão do sistema FM para crianças e
(AASI), também amplifica o ruído ambiental e a jovens, com critérios estabelecidos.
percepção auditiva sofre a influência da
reverberação dos sons e da distância entre a
fonte sonora e o microfone do dispositivo. O uso Conclusão
dos sistemas de frequência modulada (FM) pode
minimizar estes efeitos nocivos à percepção O momento atual é de desafio às equipes
auditiva da fala. Os sistemas FM podem ser interdisciplinares em implante coclear no sentido
acoplados ao implante coclear, e recomenda-se de estudar os novos rumos do implante coclear,
a sua utilização em crianças e em adultos, em especial no que se refere à diminuição da
principalmente nas situações de aprendizagem. idade, à indicação em casos mais complexos, e,
O ambiente ruidoso é um dos principais sobretudo, à estruturação dos serviços para
motivos de baixo desempenho na percepção receber os candidatos ao implante coclear
auditiva de indivíduos com perda auditiva bilateral e atender às diretrizes
sensorioneural. A insatisfação dos mesmos nesta pertinentes.
situação pode desencadear a rejeição da Estudos avançados em implante coclear,
amplificação. Similarmente, crianças com tanto em crianças como em adultos, certamente
implante coclear geralmente apresentam uma auxiliarão as equipes e os órgãos
redução no reconhecimento da fala no ruído. governamentais a planejarem e a empregarem
Contudo, crianças usuárias de implante coclear e esta tecnologia a favor da qualidade de vida das
sistemas FM apresentam melhoras de até 20 dB pessoas com deficiência auditiva, assim como
no limiar de reconhecimento de fala no ruído e poderão contribuir para o aperfeiçoamento dos
diferença de 16 dB na relação sinal/ruído com o critérios de indicação do implante coclear em
uso do sistema FM. diferentes populações, com expansão dos
critérios de indicação progressivamente.