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Eu vou perder o alistamento...

A "Nina" se desintegra ao meu redor enquanto ondas massivas de energia quântica em


formato de arcos negros atingem minha nave, meu painel por dentro do traje apita em
vermelho com 19 sinais diferentes. A trava dessa merda de cápsula criogênica não abre, e
esses são os únicos pensamentos que se passam em minha mente.

Outras pessoas talvez estariam preocupadas com o fato de estarem encarando a morte nos
olhos, mas eu estou preocupado com meu alistamento. Talvez eu devesse ter me mantido na
droga do beliche e tentando dormir, talvez eu devesse ter ignorado a droga do pedido de
socorro e voltado pra academia Lust.

Mesmo fitando a minha possível e quase certa morte só pensava em uma coisa:

"Vou perder a droga do alistamento"

Quer dizer, é natural que quando você trabalha por algo a vida inteira você se preocupe com
ela. A maioria das pessoas que têm um pingo de cérebro talvez estariam considerando que ser
valorizado dentro de uma nave no espaço um pouco mais importante que a escola. Mas nunca
disse que era normal, certo?

Olho para a garota dentro da cápsula criogênica, ela tem cabelos negros curtos e usa um
óculos que parece quebrado em algumas partes, trincado é mais coreto talvez. Está usando um
macacão branco, como se fosse uma cientista astrounata e mecânica ao mesmo tempo, sua
expressão é calma como aquelas de bebês ou de pessoas dentro de uma cápsula criogênica.

Me pergunto qual o nome dela.

Me pergunto o que ela diria se soubesse que é a causa da minha morte.

Sacudo minha cabeça murmurando por cima dos sons de aviso do meu traje, enquanto a nave
ao meu redor se desmonta em vários pedacinhos flamejantes no espaço.

- É melhor ela valer a pena, Hayato. - Digo pra mim mesmo.

.............

Vamos voltar um pouquinho.

Umas quatro horas pra ser exato, quer dizer, eu sei que parar no meio de um começo
empolgante é uma droga mas preciso explicar pra você se importar comigo antes que eu seja
vaporizado, e ser vaporizado é uma droga.
Então. Quatro horas atrás estava acordado encarando a parte de baixo do meu beliche,
deveria estar dormindo. Estou rezando para que os instrutores deem um exame fácil por três
motivos:

a) Meu colega de beliche nunca ronca mas está roncando agora, por isso não consigo dormir.

b) Queria que minha família pudesse ver amanhã, e não consigo dormir.

c) É a noite antes do alistamento e eu NÃO. CONSIGO. DORMIR.

Não sei porque estou tão agitado, deveria estar bem calmo, não tenho porque me preocupar
nessa situação. Gabaritei todas as provas, terminei quase todos os testes no topo, noventa e
nove porcento dos cadetes da academia.

"O garoto de ouro", é assim que os outros alfas me chamam, alguns como se fosse um insulto.
Mas sempre levo como elogio, ninguém trabalhou mais que eu pra chegar até aqui. Ninguém
trabalhou mais do que eu desde que chegou aqui, e amanhã todo esse trabalho vai ter válido a
pena. Porque amanhã vou ter direito a quatro das 5 escolhas principais, o melhor esquadrão
que um aluno do último ano já teve.

Então por que eu não consigo dormir?

Suspiro desistindo e me arrasto até a beira da cama me sentando enquanto encaro a parte de
cima do beliche, me levanto e deslizo a mão pelo meu cabelo grisalho dando uma última
olhada na beliche, queria poder matar ─ ou pelo menos colocar no mudo ─, boto a mão no
painel de controle e vou parar o corredor ouvindo os roncos diminuírem atrás de mim.

É tarde segundo o relógio da estação espacial. 02:27. As luzes laterais estão quase apagadas
mas a medida que ando pelo corredor elas se acendem, como se me cumprimentassem minha
passagem pela nave. Mando mensagem para Viktor, mas não tenho resposta. Penso em
mandar uma mensagem para Alicia mas ela provavelmente está dormindo. Assim como eu
deveria estar.

Passo por um vidro da nave do tamanho de uma tela de projeção de um cinema, observo a
estrela Lust ali fora, que queima ao fundo com suas pontas dourado-claro brilhando
incandescentes. Lust, a mesma palavra para luxúria em várias línguas. Representa bem o
desejo intenso da academia em manter a paz e desbravar o universo. Luxúria tamanha a ponto
de nos fazer explorar o universo...
Bem, algum dia alguém deu esse nome a esse estrela, e agora é o nome dado a academia que
a órbita, e a Legião Lust, pela qual dei minha vida.

Vivi aqui por seis anos, quando me alistei aos doze anos junto há minha irmã "gêmea". O
recrutador da nossa estação disse que se lembrava de nosso pai. Disse que seu sacrifício de
meu pai ─ o sacrifício de todos os soldados ─ Não seria em vão.

Me pergunto se ainda acredito nisso.

Me pergunto pra onde estou indo, exceto que sei exatamente pra onde estou indo.

Para o atracadouro, pista de pouso das naves de carga e algumas outras.

Mandíbula apertada.

Mãos nos bolsos para esconder os punhos.

..........................

Quatro horas depois, estou batendo com esses mesmos punhos no selo da cápsula criogênica.

Ao meu redor a várias cápsulas como essa com uma fina camada de gelo pálido, gelo esse que
quebra um pouco com meus golpes. Meu unividro ─ Apesar de achar chave de fenda sônica
um nome mais legal ─ está tentando hackear o sistema, mas é lenta demais.

Se não sair rápido daqui, eu vou morrer.

Outra onda de choque atinge Nina em cheio, junto de detritos espaciais, lixo no espaço, que
droga. Felizmente não há gravidade nos detritos então a nave não vai explodir, e estou me
segurando na cápsula então não vou cair. Mas isso me faz chacoalhar de um lado pro outro
como o brinquedo de uma criança. Batendo meu capacete em algum lugar das paredes, e
pronto, mais um aviso. Como se os outros dezenove não fossem o bastante.

AVISO. INTEGRIDADE DO TRAJE CORROMPIDA.

Obrigado, se não tivesse me avisado nunca teria percebido.

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