Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
COMUNICAÇÃO E MARKETING
DEZ/2021
1. INTRODUÇÃO
"Jennifer 's Body” (2009), dirigido por Karyn Kusama, é um filme que conta a
história de uma pequena cidade chamada Devil’s Kettle, Minnesota, onde moram a
adolescente Jennifer Check e sua melhor amiga Needy. Uma noite, as duas vão ao
show de uma banda de rock desconhecida em um pequeno bar local, no qual ocorre
um incêndio. Jennifer é levada pelo vocalista até uma vã e a banda leva a menina
para o meio da floresta, onde oferecem o corpo da líder de torcida como sacrifício
em um ritual satânico para obterem fama. O pacto funciona, porém, por não ser
virgem, a jovem não morre e permanece com um demônio em seu corpo que a
obriga a se alimentar de carne humana para sobreviver. Assim, Jennifer começa
uma onda de massacres pela pequena cidade, nos quais os alvos são apenas
garotos.
Na época do lançamento, o filme foi vendido como “Crepúsculo para o público
masculino”, com o intuito de embarcar na onda de sucesso da saga sobre vampiros
que havia se tornado uma febre entre meninas adolescentes. Além do título do filme,
que faz menção ao corpo da personagem, a participação da atriz Megan Fox como
protagonista insinuava um enredo pelo qual garotos adolescentes iriam se
interessar. Entretanto, o verdadeiro conteúdo da obra causou uma quebra de
expectativa, fazendo com que a percepção, de ambos os críticos e do público, fosse
muito negativa, classificando-o como um fracasso. Porém, hoje, mais de dez anos
após sua estreia, o filme passa por uma nova reviravolta acerca de sua avaliação,
deixando de ser visto como apenas mais um filme trash para se tornar um clássico
cult feminista.
Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo analisar o impacto que as
estratégias de divulgação tiveram na recepção do filme e também, compreender o
que mudou no espaço-tempo entre o lançamento da obra e os dias atuais para que
houvesse uma mudança tão radical da visão do público em relação ao filme. Muitas
das críticas mais recentes afirmam que sua repercussão teria sido avassaladora
caso o lançamento de Jennifer 's Body fosse hoje, pois seu discurso foi
incompreendido em uma época na qual a sociedade não estava pronta para
absorvê-lo.
Para realizar esta análise, será discutida a lógica da indústria cultural, tendo
em vista que o objeto de estudo é uma obra cinematográfica inserida na indústria
1
Hollywoodiana, através dos textos da Escola de Frankfurt, de Theodor Adorno e de
Walter Benjamin, em soma com o ensaio de Charles Baudelaire “O Pintor da Vida
Moderna”, que será usado para reflexão acerca da forma contemporânea de
consumo e descarte de conteúdo. A concepção de “bom” e “ruim", e a transformação
de trash em cult, serão relacionados com Edgar Morin e, por fim, com intuito de
explicar as razões pelas quais a recepção do filme em 2009 foi negativa, será
discutido o conceito de “male gaze” (olhar masculino) na indústria, trazido pelo livro
“Prazer Visual e Cinema Narrativo” de Laura Mulvey.
2. DESENVOLVIMENTO
2
Outro autor de grande relevância nos estudos sobre a sociedade moderna e,
especialmente na caracterização do homem moderno é Charles Baudelaire, poeta
francês, e autor do texto O Pintor da Vida Moderna. Neste ele discute a experiência
do homem e do artista moderno, atentando-se às mudanças impostas por esse
período no papel da arte que, em ruptura com os padrões da antiguidade clássica,
passa a retratar a beleza na banalidade cotidiana buscando extrair o eterno do
transitório, em suas palavras. De acordo com ele "A modernidade é o transitório,
efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno
imutável." (BAUDELAIRE, 1976, p. 859).
3
Benjamin afirma que com o surgimento da possibilidade de reprodução das
imagens, fruto do desenvolvimento tecnológico da revolução industrial, as imagens
perdem suas auras. Em seu texto A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica,
ele define a aura como “uma figura singular, composta de elementos espaciais e
temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”
(BENJAMIN, 1994, p. 170). Ou seja, a aura corresponde ao valor simbólico de uma
obra de arte, pautado pelo espaço e tempo no qual ela foi produzida, esse valor está
relacionado à originalidade de cada obra e por conta disso a reprodutibilidade
técnica pressupõe a perda desta. A principal consequência da desauratização das
imagens é a mudança de seu valor, a arte deixa de ter uma função social/ cultural,
para então assumir uma função política e assim, passa a ter valor de exposição e
não mais valor de culto. Nas palavras de Benjamin (1994, p. 171-172), “no momento
em que o critério da autenticidade deixa de se aplicar à produção artística, toda a
função social da arte se transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a
fundar-se em outra práxis, a política”.
Eles percebem a cultura como uma forma de libertar o ser humano de suas
alienações e, a partir disso, o entretenimento se torna oposto a ela. A
reprodutibilidade implica uma banalização e uma baixa cultura presente nos
produtos midiáticos atuais que faz com que eles se insiram em um modelo de
consumo e descarte, onde os receptores assistem as mídias, raramente refletem
sobre, e já passam para a próxima. A propaganda nesse contexto, entra como uma
ferramenta de manipulação que busca justamente incentivar esse consumo
descabido e impassível de conteúdos, para assegurar o funcionamento da indústria
e a lucratividade advinda da máxima produção e da reprodução dos produtos
4
midiáticos disponíveis. Em suma, "É o triunfo da propaganda na indústria cultural, a
assimilação neurótica dos consumidores às mercadorias culturais, de sentido
revelado." (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 214)
5
o verdadeiro conteúdo da obra, com o objetivo de maximização dos lucros, utilizando
a objetificação da imagem de Fox como instrumento para provocar desejo no público
masculino. Tal mecanismo, porém, levou ao resultado contrário, pois a quebra de
expectativa rendeu insatisfação ao público que se sentiu enganado.
O principal motivo que culminou o fracasso de "Jennifer 's Body” em 2009 foi
o fato de o mesmo negar o “olhar masculino”, ao passo que sua divulgação apelava
para o mesmo. O conceito de “olhar masculino” foi apresentado pela primeira vez
por Laura Mulvey, professora de filmologia na Universidade de Londres e teórica
feminista de cinema, e corresponde à forma como mulheres são retratadas na mídia
pela visão de homens cisgenero heterossexuais. Em seu texto, a autora afirma que
o fato de o prazer visual ser uma especificidade do cinema, em um contexto
marcado pela desigualdade sexual, o olhar direcionador é marcado por uma lógica
que associa o ativo ao masculino e passivo ao feminino. Assim, surge o que Mulvey
define como o caráter voyeurístico com a imagem da mulher na tela, pois a mesma
passa a atuar como objeto erótico encarregado de satisfazer, tanto os personagens,
quanto os espectadores (MULVEY; 1975, p.444).
As representações femininas no âmbito cinematográfico são, desde seus
primórdios, objetificativas e estereotipadas. No cinema clássico, por exemplo,
criou-se o sistema de estrelato e os símbolos sexuais, que formaram a base de todo
o império da indústria hollywoodiana e propagaram a objetificação da figura
feminina. Dessa forma, nesse cinema que se adequa ao olhar masculino e reflete o
pensamento de uma sociedade patriarcal, a mulher é apresentada apenas como
objeto de desejo e portadora, ao invés de produtora, de significados.
Todavia, “Jennifer's Body” foi um filme produzido completamente imerso no
imaginário feminino, pois foi escrito e dirigido por duas mulheres (Diablo Cody e
Karyn Kusama, respectivamente). Assim, a todo momento a câmera renega a
sexualização da imagem de Megan Fox, que era esperada devido às divulgações.
Diversas cenas ao longo do filme brincam com a câmera e com a expectativa
do prazer visual do público mascuino. Em todos os assassinatos cometidos,
Jennifer seduz e atrai os garotos para um lugar deserto. A menina fica nua em cena,
porém, seu corpo nunca é visível na tela. Além disso, o próprio fato de Jennifer
6
conseguir capturar os rapazes tão facilmente é uma crítica à forma como homens se
submetem a situações até mesmo perigosas apenas para se relacionar com uma
garota. Nesta cena, por exemplo, percebe-se que Jennifer está nadando nua, porém
seu corpo permanece submerso a todo instante. No plano seguinte, a câmera capta
partes específicas do corpo, como seus pés e pernas (um mecanismo muito
utilizado, segundo Mulvey, como forma de objetificar as personagens, pois seu rosto
não é visível), mas ao invés de viajar com a lente pelo resto de seu corpo despido,
como boa parte do público antecipava, o plano seguinte mostra Jennifer
completamente vestida saindo de cena.
7
2.5. Relação produtor x consumidor
Esse universo imaginário adquire vida para o leitor se este é, por sua vez,
possuído e médium, isto é, se ele se projeta e se identifica com os
personagens em situação, se ele vive neles e se eles vivem nele. Há um
desdobramento do leitor (ou espectador) sobre os personagens, uma
interiorização dos personagens dentro do leitor (ou espectador), simultâneas
e complementares, segundo transferências incessantes e variáveis. (...) Em
outras palavras, eu não defino a estética como a qualidade própria das obras
de arte, mas como u m tipo de relação humana muito mais ampla e
fundamental. (MORIN, 1967, p. 78)
8
Estética apresentada por Morin a passo que a obra, assim como qualquer outra
produção da Indústria Cultural, cria um universo imaginário onde o espectador é
uma espécie de um voyeur que observa situações e realidades com as quais se
identifica. Esse é outro aspecto que certamente influenciou a recepção do filme, na
época do lançamento o público ainda não se identificava com a narrativa
apresentada.
Visto que o filme foi lançado em 2009, pautas que hoje são tidas até mesmo
como óbvias, ainda não eram abordadas tão facilmente. A Lei do Feminicídio, por
exemplo, entrou em vigor no Brasil apenas em 2015, enquanto nos Estados Unidos,
em 2016, Hillary Clinton se tornou a primeira mulher a liderar um dos grandes
partidos nas eleições presidenciais. Essas informações auxiliam na compreensão do
cenário no qual o lançamento do filme se deu, uma época na qual o discurso
feminista ainda nao era tão valorizado.
Um evento colaborou diretamente com a mudança de perspectiva sobre
“Jennifer’s Body”: o movimento “#Metoo”, que ocorreu em 2017. Foi a partir dele que
diversas celebridades compartilharam na internet suas histórias de abuso sexual, e
formaram uma cadeia na qual mulheres ao redor do mundo inteiro expuseram suas
experiências com assédios e violências. O movimento teve início em Hollywood e
abordou principalmente, a maneira como as mulheres eram maltratadas,
representadas e importunadas dentro da indústria audiovisual, a partir disso ele se
expandiu e atingiu diversas vítimas de assédio sexual, em uma escla global. Foi
nessa época, que Jennifer 's Body, juntamente com outros filmes, foram revistados e
reavaliados com outros olhos. Portanto, percebe-se que o imaginário coletivo da
sociedade hoje é expressivamente diferente do que era em 2009 e,
consequentemente, as condições se tornaram favoráveis para que houvesse uma
compreensão clara do discurso progressista do filme, ao contrário do ocorrido em
seu período de lançamento.
9
3. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JENNIFER 'S BODY. Direção: Karyn Kusama. Roteiro: Diablo Cody. 102 min. 2009.
Disponível em:
<https://www.telecine.com.br/filme/Garota_Infernal_10573?action=play_filme>.
Acesso em: 2 dez. 2021.
11