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METODOLOGIA DO ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA
REPÚBLICA DE ANGOLA
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
VOLUME III
2010
Equipa ESE de Setúbal (Portugal)
Ana Pires Sequeira
Fernanda Botelho
José Victor Adragão
Luciano Pereira
MP Benguela (Angola)
Colaboração dos professores de Língua Portuguesa de Metodologia
do ensino da Língua Portuguesa
Criação e Design
JL Andrade
www.jlandrade.com
I. Introdução, 07
II. Metodologia Geral, 11
Introdução
Metodologia Geral
III. Texto Literário, 13
1. Introdução
2. Sensibilidade, emoção e linguagem poética
3. O acto poético e a conotação
4. A pesquisa poética e a activação da função poética da linguagem
5. Algumas figuras do pensamento
6. Algumas figuras de palavras
7. Melodia sugestiva e ritmo
8. O texto literário para a infância e os seus conteúdos
9. Temas contemporâneos
10. Ensinar literatura
11. Algumas estratégias para o desenvolvimento do domínio da linguagem literária
12. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do re-
gisto literário dos alunos da Escola do Magistério Primário
13. Fichas de trabalho para desenvolver as competências de leitura e produção do tex-
to literário narrativo de tipo tradicional dos alunos da Escola de Magistério Primário e
das Escolas Primárias.
IV. Antologia Poética Africana, 47
O Burro. Mutimati – Moçambique
Serão de Menino. Viriato da Cruz – Angola
O Ferro. Mutlmati – Moçambique
O Moringue. Henrique Guerra – Angola
Irene no Céu. Manuel Bandeira – Brasil
Lá no água grande. Alda do Espirito Santo - São Tomé e Príncipe
Menino de Timor. Jorge Barros Duarte – Timor
Quitandeira de Luanda. Maria Eugénia Lima – Angola
Mãe Negra. Aguinaldo Fonseca – Cabo Verde
Visão. Caetano da Costa alegre – São Tomé e Príncipe
Retrato de Tristão, filho do Rei do Mar. Luís de Camões – Portugal
O Mostrengo. Fernando Pessoa – Portugal
Meninas e Meninos. Fernando Sylvan – Timor
Não vale a pena pisar. Manuel Rui – Angola
Magaíça. Reinaldo Ferreira – Moçambique
Prelúdio. Jorge Barbosa – Cabo Verde
País Natal. António Batica Ferreira – Guiné
6 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
INTRODUÇÃO
O facto de a língua portuguesa não ser a língua materna de uma alta per-
centagem das crianças angolanas (e, provavelmente, dos seus professores) im-
plica que o seu ensino se faça com metodologia adequada, capaz de minorar
as dificuldades de acesso a uma língua que não se aprende desde o berço e de
promover o sucesso dos alunos, como estudantes e como cidadãos. Com efeito,
o correcto domínio da língua portuguesa, como receptores e como produto-
res, nas suas vertentes oral e escrita, ditará o percurso dos alunos nas restantes
disciplinas curriculares e a sua inserção na sociedade, como membros activos
de pleno direito. Por outro lado, só professores de comprovada competência no
uso reflectido e na metodologia da língua portuguesa (que ensinam e em que
ensinam) poderão assegurar o perfeito cumprimento dos objectivos do sistema
educativo.
8 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
2. Estrutura do Módulo
– Metodologia Geral
– Oralidade
– Funcionamento da Língua
– Leitura e Escrita
– Texto Literário
Volume I
Introdução
Metodologia Geral
Oralidade
Funcionamento da Língua
Bibliografia Geral
Volume II
Introdução
Metodologia Geral
Leitura e Escrita
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 9
Bibliografia Geral
Volume III
Introdução
Metodologia Geral
Texto Literário
Contos Angolanos
Bibliografia Geral
10 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
II
METODOLOGIA GERAL
TEXTO LITERÁRIO
1. Introdução
O texto literário valoriza o indivíduo como pessoa através das leituras indivi-
duais e colectivas. A sua pluralidade significativa, quer pelo vocabulário e estru-
tura próprios, quer pelo valor atribuído pelos autores são espaços de acolhimen-
to das sensibilidades e das interpretações individuais. A intersubjectividade e a
14 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
toda a sua plenitude. A essa plenitude alguns chamam a função poética da lin-
guagem.
Tal como os outros saberes, a cultura literária necessita que o docente a inte-
gre num espaço colectivo, interactivo e interdisciplinar, onde cada interlocutor
aprenda a mover-se no respeito pelo texto, pelos outros e por si próprio.
Se algum texto tem a virtude de merecer ser lido ou escrito por uma criança
é precisamente o texto das emoções e dos afectos; por isso, os textos para a in-
fância encenam os dramas vitais da vida, da morte e do amor. O núcleo familiar
é representado com toda a complexidade das suas relações interpessoais. As di-
ferentes cores da amizade e do amor fraterno impulsionam para os sentimentos
de solidariedade, de aceitação e de tolerância pelas diferenças. O respeito pelos
outros e por si leva ao respeito pela terra-mãe que nos viu nascer, que nos ali-
menta e que nos mata a sede: a defesa do meio ambiente é, nos dias de hoje, um
dos motivos que mais aproxima as crianças de todos os povos, credos e etnias.
Costuma-se dizer que no início era o verbo, isto é a palavra em acção, a pala-
vra indistinta do movimento, do espaço, do tempo e do referente, isto é a palavra
motivada, a palavra mítica, a palavra poética.
“Lagarto pintado
Quem te pintou?
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 19
No tempo da eira,
Ó que poeira
Puxa lagarto
“Papagaio louro
De bico dourado,
Ao meu namorado.
É rapaz solteiro
“Irene preta
Irene boa
Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das
balas!”
Esta pesquisa pode recorrer a alguns “desvios” gramaticais para construir no-
vos sentidos, explorando deste modo semelhanças sonoras, rítmicas e semânti-
cas.
A função poética pode ser activada sempre que as palavras, formas e estru-
turas encontrem, por processos diversos, novas significações ou significações
que, no uso do quotidiano, estejam esquecidas ou desaparecidas. As palavras, as
formas e as estruturas tomam novos valores consoante os seus textos e os seus
contextos. As palavras adquirem novos valores nos contextos menos habituais
e insólitos:
E de repente sorri.
líquida e sonora
animalidade, magia...
- Imagem – A imagem dá-nos uma visão mais larga e complexa que a com-
paração e que a metáfora. Chega a ser constituída por um encadeamento de
metáforas e comparações mas antes de mais define-se pela relação entre as pa-
lavras num mesmo conjunto. Os efeitos criados por elas variam bastante, indo
do lugar-comum, à descoberta de novos valores expressivos e significados. O
lugar-comum que, na maior parte das vezes, é entendido de forma pejorativa
designando imagens “convencionais” e “vulgares”, constitui, quando descoberto
pela primeira vez por uma criança, uma importante conquista no domínio da
cognição e da linguagem poética.
O prazer obtido pela dimensão sonora e musical da língua não se limita ob-
viamente ao contexto da literariedade, embora encontre no texto literário e na
poesia em particular a sua expressão máxima.
ao quente da voz
de suas avós.
meninos se encantam
ruídos. As palavras exibem a sua matéria sonora e a sua relação com o que re-
presentam:
“baque no peito
corrida
ziguezague
estertor
o Muceque e Sambizanga
“Eu
moro
“Trouxe-te
um beijo…
“O magusto
é a festa de Carnaval
“O vento
bate as asas
quando chega
Tal como uma época, uma corrente, um movimento, um autor podem ter te-
mas específicos, a literatura para a infância define-se antes de mais pela sua ade-
quação ao seu destinatário específico que é a infância. Tal como a linguagem,
os temas devem ser apropriados ao seu desenvolvimento linguístico, afectivo e
cognitivo. Os temas também estão dependentes da sua pertinência formativa,
cultural e política. Alguns dos temas literários para a infância, mais pertinentes
na maior parte dos contextos culturais, são as questões que dizem respeito à
construção da identidade e da auto-estima, à sociabilização, à família, à relação
interpessoal, ao respeito pelos outros, à protecção da natureza e do meio am-
biente, à valorização do trabalho e do estudo, à valorização do património cul-
tural, da história pátria e do imaginário colectivo. Para além das suas intenções
culturais e estéticas, a expressão dos sentimentos é uma das características do
texto poético que contribui para a resolução dos conflitos interiores e para a
compreensão de si: a alegria, a angústia, o sofrimento, a solidão, a amizade e o
amor, o sentimento religioso, moral e cívico.
9. Temas contemporâneos
cada meio privilegia certos temas que assumem dimensões simbólicas com car-
gas emocionais diferenciadas. Os temas que reforçavam o espírito de obediência
passiva, a submissão, a falta de espírito crítico e o individualismo tiveram a sua
época. Vieram depois os temas que reforçavam a solidariedade, a autonomia, o
trabalho colectivo, o respeito pelo meio ambiente, a liberdade individual e os
valores cívicos. Hoje, temas como as novas estruturas familiares, a xenofobia, a
ecologia, a solidão, a droga e o sexo começam a fazer cada vez mais sentido. As
opções e as evoluções políticas, culturais e sociais, sempre condicionaram a va-
riação temática proposta ao adulto, ao adolescente e até à criança.
Tal como acontece com qualquer texto oral ou escrito, o texto literário pode
ser interpretado de maneiras diferentes. A diferença é que o texto literário per-
mite e exige uma multiplicidade de leituras que se completam e se enriquecem
mutuamente, acolhendo por vezes interpretações contraditórias cuja única fun-
ção é a de afirmar novos sentidos e o seu princípio polissémico.
O texto narrativo deve antes de mais ser apreciado na sua forma oral. Os mi-
tos, os contos, as fábulas e as lendas tradicionais envolvem a criança numa at-
mosfera simultaneamente estranha, familiar e mágica. Convidem-se contadores
e familiares que possuam o dom do saber contar. Peça-se à criança que ilustre
um conto ou uma lenda contado por um dos anciãos. Convidem-se as crianças a
contar e a escrever pequenas fábulas.
A poesia é uma das formas literárias privilegiadas para o estudo e para a ex-
perimentação das características expressivas da linguagem e permite uma práti-
ca pedagógica criativa em torno de diversas formas de expressão verbais e não
verbais, orais e escritas, lúdicas, dramáticas e teatrais, permitindo o desenvolvi-
mento do imaginário.
1. A leitura expressiva
Convidar os alunos a ler ou a dizer textos com ritmo e com emoção, acompa-
nhando com mímica, gestos e movimentos.
2. Os jogos de palavras
“A noite
A noite é um campo
semeado de estrelas
sem árvores
sem belezas
apenas a rosa
brilhante
Ex:
- Escreve-se uma primeira estrofe (terceto) com estes três elementos em que
o último verso seja composto exclusivamente pelas cores.
Cada aluno produz um conjunto de cartões com vários temas, verbos, sintag-
mas nominais com função de sujeito e de complemento directo, complementos
circunstanciais de tempo, modo e lugar. Tiram à sorte um dos cartões de cada
uma destas categorias e utilizam-nos completando-os de forma a criar alguma
36 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
Tema: a mata
Verbo: sonhar
Sujeito: o leão
O conto é uma narrativa breve que pode apresentar os mais variados prota-
gonistas (heróis, animais, fenómenos naturais, gente comum,…) com caracterís-
ticas temáticas e formais muito especiais:
• O tema pode se apresentar numa das suas expressões mais densas, por
vezes resumido num provérbio.
7. - Fazer uma lista das expressões utilizadas para iniciar e para terminar um
conto.
3. - O professor pede aos alunos que façam desenhos dos protagonistas e dos
locais referidos.
Exemplo:
- O leopardo Nebr, rei dos animais da floresta, doente, faminto e falso e o seu
filho Shabeel seu representante;
Espaço:
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 39
Exemplo:
Peripécia
Exemplo:
A.
O Leopardo
Um dia, o leopardo Nebr teve fome e logo pensou numa forma de en-
contrar comida, e da maneira mais fácil. Para isso, apressou-se a pedir ao seu
filho Shabeel, que espalhasse pelas redondezas que, ele, Sua Alteza, o Rei da
Floresta, se encontrava muito doente.
40 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
B.
E assim foi feito! Um pouco por todo o lado começou-se a ouvir o seguinte
anúncio:
C.
D.
Passado mais algum tempo, chegaram outros animais, para prestar as suas
condolências. Entre eles, vinha a gazela, acompanhada do porco-espinho.
Desconfiada, reuniu todos os presentes e contou-lhes das suspeitas que tinha
sobre estarem a cair numa armadilha do leopardo. Como forma de precau-
ção, decidiram procurar um lugar para se esconderem, caso fosse necessário.
Todavia, só o porco-espinho é que não conseguiu encontrar um esconderijo.
É então, que a gazela, espreitando para dentro da casa de Nebr, teve a seguin-
te ideia:
E.
F.
Todos se esconderam, enquanto o leopardo ficava cada vez mais furioso. Face
a esta situação, a gazela cantarolou:
2. - Apresentar uma fábula para cada um (ou para apenas um) dos provér-
bios seguintes, identificando a sua origem geográfica.
Provérbios portugueses
Provérbios angolanos
• a cobiça
• a astúcia
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 43
• o desprezo
• o trabalho
• a vaidade
• a persistência
• a coragem
• a solidariedade
• o desrespeito
• a ignorância
• a humilhação
• a liberdade
• a adaptabilidade
• a inveja
• a traição
• a generosidade
• a gratidão
• a inteligência
• a perspicácia
• a segurança
• a cobardia
• a independência
• a tirania
• a insegurança
Por exemplo:
A cigarra e a formiga
O corvo e a raposa
A raposa e as Uvas
O lobo e o cordeiro
A lebre e a tartaruga
A Rã e o boi
ANTOLOGIA POÉTICA
AFRICANA
BURRO
Não estou a pensar bem deste que faz o meu esforço e puxa
Não penso que ele me ouve tudo e puxa mais forte assim.
MUTIMATI
MOÇAMBIQUE
SERÃO DE MENINO
na noite de breu.
ao quente da voz
de suas avós.
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 49
meninos se encantam
de contos bantos...
................................................
- Eué
- É casumbi..:
50 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
E a gente grande
VIRIATO DA CRUZ
ANGOLA
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 51
O FERRO
O ferro é o que fica da boda dos quatro elementos Por isso o ferreiro é um Ho-
52 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
mem sábio
Menino.
MUTlMATI
MOÇAMBIQUE
O MORINGUE
HENRIQUE GUERRA
ANGOLA
IRENE PRETA
Irene preta
Irene boa
MANUEL BANDEIRA
BRASIL.
54 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
LÁ NO ÁGUA GRANDE
MENINO DE TIMOR
Gente tão má neste mundo existe?!... Coisas assim tão ruins?!... Não sabia!...
TIMOR
QUITANDEIRA DE LUANDA
mia siôa!
a promessa - de um amor
mia siôa!
o Muceque e Sambizanga
reconhecem-lhe o pregão.
58 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
de exotíssimos pintores.
Mia siô…ô…a!
ANGOLA
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 59
MÃE NEGRA
Que o céu
No céu
E de repente sorri.
AGUINALDO FONSECA
CABO VERDE
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 61
VISÃO
LUÍS DE CAMÕES
PORTUGAL
O MOSTRENGO
Nas minhas cavernas que não desvendo. Meus tectos negros do fim do mun-
do?..
FERNANDO PESSOA
PORTUGAL
64 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
MENINAS E MENINOS
Todos já vimos
Todos já vimos
Todos já vimos!
E então?
FERNANDO SYLVAN
TIMOR
nem tratado,
e cresceu. É força
tudo força
parece desaparecer,
MANUEL RUI
ANGOLA
MAGAÍÇA
do chão!
REINALDO FERREIRA
MOÇAMBIQUE
PRELÚDIO
espreitando
inocentes e medrosos
detrás da vegetação.
Havia somente
as aves de rapina
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 67
de garras afiadas
as aves marítimas
de voo largo
as aves canoras
E a vegetação
e se persignou
pensando n’El-Rei
começou a cumprir-se
JORGE BARBOSA
CABO VERDE’
68 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
PAÍS NATAL
Sem medo;
E, no mar, os pescadores,
GUINÉ
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 69
NEGRA
de delírios e feitiçarias...
animalidade, magia...
menos tu.
70 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
E ainda bem.
sofrimento,
NOÉMIA DE SOUSA
MOÇAMBIQUE
Nem nada!.
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 71
Eu
e nem rio
e nem flor
só tambor
JOSÉ CRAVEIRINHA
MOÇAMBIQUE
72 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
CAÇADA
em mirada de través
ziguezague estertor
e trás!
(três dias
nos capins
pela extenuação)
RUI BUETII
ANGOLA
líquida e sonora
MANUEL LIMA
ANGOLA
EXÍLIO
poisa no nenúfar
no nenúfar do exílio
búfalo ou borboleta
JORGE LAUTEN
TIMOR
74 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
o incenso e o sândalo
JORGE LAUTEN
TIMOR
PORTUGAL/TIMOR*
Durante uma das suas estadas em Timor: Ruy Cinatti celebrou um pacto de sangue com o
chefe de uma linhagem timorense. Por isso, daí em diante, segundo os usos e tradições de
Timor, passou ele próprio a ser simultenemente português e timorense; facto que nunca
esquecia.
MÃOS
Mãos que do negro madeiro extraíram a chama das estatuetas olhos de vidro
Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas!
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 77
beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbilas que o mesmo é
CONTOS ANGOLANOS
Introdução
Deste trabalho resultou uma selecção de contos e a sua reunião nesta pequena
colectânea que hoje, 9 de Junho dia dedicado pela escola à “Cultura Angolana”
– vos oferecemos.”
80 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
A hiena e o cão
Conta-se que uma hiena (otchimbungo) durante toda a sua vida desejara comer
carne de cão.
Ainda a conversa não terminara, ouviram que alguém pedia licença para entrar.
Ootchimbanda, homem muito astuto, sabendo que o cão ia todos os dias a certo
eiala 4, aconselhou a hiena a esperar junto de uns arbustos ali perto, na certeza
de um dia seria recompensada.
Muitos dias se passaram e tanto a hiena como o cão cumpriram o que otchim-
banda lhes dissera.
Um dia o cão, muito guloso pensando que a hiena já não ia ao eiala depois tan-
tas desilusões e esperas, resolveu ir até lá, em busca de um bom petisco. Muito à
cautela chegou-se ao eiala e, como nada visse de suspeito, entregou-se ao pra-
zer de roer um belo osso que encontrara.
Com os homens também assim acontece: pagam bem caro e por longo tempo,
certos prazeres passageiros. Acontece-lhes isso sobretudo quanto não é a cabe-
ça que manda, mas o utima 5 – a cubata 6 do amor e do ódio.
Lobito
82 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
Quimba
Sitabi era um homem rico pois tinha muitos bois, porcos, cabritos, e galinhas.
Quimba tentara já por diversas vezes conseguir que Chilombo – assim se cha-
mava a mulher – saísse de casa do marido. Mas Chilombo nunca resolvera nada,
porque a fortuna de Sitabi a prendia muito.
- Vamos resolver este assunto! Ou deixas o teu marido e vens para mim, ou então
perdes-me para sempre...
- Como a minha criação está afastada da minha casa, tu à noite metes-te dentro
do curral com o teu canhangulo e obrigas os bichos a fazer barulho. Sitabi, sem
dúvida irá ver o que se passa e logo que o vejas aproximar-se dás-lhe um tiro.
Toda gente vai supor que foi descuido dele com o canhangulo que tem e, de-
pois, ficarei contigo e seremos muitos ricos.
À noite Sitabi ouviu os porcos a grunhir. A mulher disse-lhe que fosse ao curral
pois deviam ser os lobos. O marido porém não se resolvia a sair de casa, talvez
por julgar que fosse algum leão. Chilombo, aborrecida por saber que Quimba
ficaria à espera em vão, e na ânsia de se encontrar com ele, saiu de casa para o
ir avisar.
daquela tragédia, embrenhou-se na selva e ali viveu até ao fim dos seus dias. E
dizia, na sua dor:
Latino Ceque
84 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
- Não comparemos o amor de Mãe com o amor da nossa mulher porque, sem
dúvida o amor de Mãe vale mais.
Disse Nazuze:
- Insisto em que o da esposa vale mais, e apostemos para saber quem tem razão.
Chegado a casa, Na Diogo fez acreditar a sua mulher e a sua mãe, (pedindo que
guardassem o maior segredo), que tinha enterrado um homem com quem tivera
macas. Depois de certa luta em que ele ganhara, matara o outro com dois golpes
de navalha. Sua mulher procurou logo saber qual o local onde o havia enterrado.
Passados alguns dias, houve zangas entre Na Diogo e sua família, em que Na
Diogo correu de casa, a sua mulher D.Nafefa e também a própria Mãe, D.Natita,
por estarem contra ele em determinada discussão. D. Natita foi para casa do ou-
tro filho, mas N afefa, muito zangada, quis vingar-se. Correu à administração,
tendo contado que o seu marido tinha assassinado um homem, e que ela sabia
o local onde o havia enterrado.
mais que qualquer outra mulher, como constava da aposta que os dois amigos
haviam feito.
Luanda
86 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
Vampanza “O homem-fantasma”
Sua mulher, porém, passava os dias tristonha. a pensar no destino que era dado
à metade da caça; efectivamente o homem trazia sempre para casa só metade
do corpo de cada animal.
- Já que insistes, vamos. Mas acautela-te: a caça está cheia de imprevistos e po-
de-te suceder algum mal.
Não me metem medo “os tais imprevistos”… Preferia morrer a viver na incerteza.
Contra o que era habitual, desta vez não lhes apareceu animal nenhum.
- Não acredito! Temos que reparti-la ao meio, como é costume – exigiu o “ho-
mem-fantasma”
Intervem:
Será escusado dizer que o “homem-fantasma” nunca mais tomou a ser visto. O
cágado, perdido de riso, diz para o caçador:
- Quanto à tua mulher, leva-a para casa e que isto lhe sirva de lição. A curiosidade
é feia. Se lhe juntarem o ciúme, fica horrível!
Moisés Mbambi
88 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
O “Feitiço” de Catumbo
- Não, mas é melhor esposa pois sabe portar-se condignamente evitando criar
aborrecimentos, contribuindo assim para que no lar haja paz, amor, respeito, en-
fim: felicidade.
- Porque não casaste com ela? Lá por vires irritado com qualquer coisa não é
razão para descarregares nesta tua escrava o produto da tua hipocrisia.
- Não, porque Jongo é mais compreensível que tu, ou então, por Catumbo usar
Kulú (pó preparado pelos indígenas para seduzir o próximo), coisa que me re-
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 89
pugna.
Ndete, depois deste diálogo desagradável, dirigiu-se a casa de seus pais, aos
quais contou toda a sua mágoa.
Estes, pouco civilizados, foram consultar um Quimbada que lhes deu um kulú
que devia dar bons resultados. Ndete, quando voltou para casa, fez tudo o que
o Quimbada lhe havia aconselhado mas...as discussões continuaram; resolveu
então pedir à sua prima que lhe indicasse o seu Quimbada.
Catumbo, que já estava a pai das desavenças conjugais de sua prima através das
suas amigas, disse:
- Dar-te-ei o meu kulú e, se cumprires à risca, verás que o teu lar será um paraíso
onde tudo o que me for exigido.
Então vem para o meu quarto para que ninguém nos oiça. E Ndete, cheia de
expectativa, seguiu a prima.
Tens aqui este pó que a D. Antónia me ensinou a preparar para tornar os maridos
mansos como cordeiros. Mas tens que jurar que cumprirás com o que te for pe-
dido, pois o feitiço dos brancos é superior ao nosso e se não cumprires, morrerás!
- Então ouve-me com atenção. Este feitiço requer uita limpeza, pois a sujidade
será um grande obstáculo para o seu sucesso; nunca consentirás que a roupa,
talheres, pratos, etc., fiquem espalhados pela casa. Quando chegares a casa, lim-
parás todos os teus móveis e utensílios colocando-os nos devidos lugares, assim
como roupa. Depois de estar tudo em ordem, espalharás um pouco deste pó por
toda a casa, repetindo a operação semanalmente, continuando com a ordem e
limpeza todos os dias.
- Quando cozinhares, deita este pó no fogo e farás com que o teu marido nunca
esteja muito tempo à espera da comida, porque os espíritos “brancos são pon-
tuais e comerão a comida toda enquanto o teu marido espera à mesa. Este pó
dá para um ano aproximadamente. Quando acabares, ensinar-te-ei a prepará-lo
para mais tarde ensinares às tuas filhas a serem boas esposas. Não esqueças que
este feitiço aprendi com a senhora D. Antónia e que é perigoso e forte; portanto,
segue à risca o que te acabo de dizer, pois não quero que te suceda algum mal.
Dois anos depois, quando Ndete pediu a sua prima para ensinar-lhe a preparar
o kulu, esta respondeu:
- Obrigada prima! O teu kuhí é poderoso; tenho vivido feliz e viverei sempre feliz
porque já se entranhou em mim!
JomaCruz Cubal
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 91
Castigo do Mal
Ndumba era caçador e sua mulher chamava-se Ngola. Embora gostasse do ma-
rido, simpatizava muito com um moço de nome Ndembe.
Este, pressentindo a atracção que Ngola sentia por ele, resolveu pedi-la em casa-
mento e dirigiu-se aos pais com esse fim.
Começaram porém a pensar que Ndumba afinal não passava de um simples ca-
çador, enquanto Ndembe era um abastado criador de gado; além disso recebe-
riam novo “alambamento”lI se atendessem o seu pedido.
Numa ocasião em que Ndumba se ausentou para a caça, mataram um cão, fize-
ram algazarra chorando a morte da filha e, quando aquele regressou, anuncia-
ram entre prantos e lágrimas que Ngola tinha morrido. O marido chorou a morte
da sua querida esposa e cumpriu todas as tradições do luto.
Um dia, com grande espanto, vem a saber que a sua mulher continuava com
vida e que vivia na margem oposta do rio, casada com Ndembe. Cheio de raiva
pela partida que lhe havIam feito, Jurou vIngar-se.
No dia seguinte foi ter com ex-sogros e anunciou-hes que ia caçar para eles.
Esperou um dia, nasceu a lua outro dia surgia e ele sem dormir porque o coração
estava em foco com ânsia de vingança. Já o sol ia alto quando viu Ngola dirigir-se
a larva. Saltando em frente dela interropeu-Ihe o caminho dizendo:
- Porque me traíste, Ngola? Porque é que os teus pais mataram um cão dizendo
que eras tu que estavas morta? Não sabes que chorei muito a tua morte quando
afinal tu não mereces compaixão?
E logo ali a assassinou. Cortando-a em pedaços, meteu-os num saco e foi levá-
-los aQs pais de Ngola que já esperavam ansiosos que o ex-genro voltasse com
a carne da caça.
- Fomos egoístas e cruéis! Eis aqui o nosso castigo: matamos um cão dizendo
a Ndumba que Ngola morrera, a fim de recebermos o alambamento do nosso
casamento.
Agora, como recompensa da nossa acção, comemos a nossa filha! Oh, que mal-
dição! .
Assim se realizou o verdadeiro 6bito da pobre Ngola, que quis ter dois maridos.
Manuel Domingues
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 93
Vôvô Bartolomeu
- Estou vendo uma coisa que você vai ver só; logo ao meio-dia e que a estas ho-
ras já chegou lá no senhor Luca.
- Diga aos homens para trabalharem depressa, senão você vai ver: ninguém pára
com a chuva.
- Eh! Pessoal! Vamos despachar o serviço. Vôvô Bartolomeu disse que vai vir chu-
va.
E todo o pessoal (começou a trabalhar com força para acabar de recolher o milho
antes do meio dia. A colheita não tinha sido má, e este ano havia de pagar todas
as contas e ainda sobrava dinheiro para dar o alambamento 14 da filha do velho
Gonga.
Ali estava o pessoal a meter na cubata 15 o milho todo, por causa da chuva. Ho-
mens fortes de verdade! Aquele milho bonito que devia dar para pagar as contas
e o alambamento. Depois tinha de comprar fiado um sobretudo na loja do se-
nhor Magalhães porque no cacimbo 16, eh! O frio era o fim do mundo!
«Quando a tia Mariquinhas foi para Luanda como lavadeira, regressou à Sanzala
17
com manias de pessoa fina e a dizer que já não sabia kimbundo 18.
- Ai dona! Não fala assim; na língua de pessoas se diz assim: está chovar!
Começamos a ouvir barulho no céu. N’Zambi 19 estava com raiva. Umas pingas
de água caíram. Vôvô Bartolomeu chegou à porta da cubata e a rir, mostrando as
gengivas sem dentes, perguntou:
- Já está a chovar?
O pessoal tirou a camisa e começou a trabalhar com força. Bom pessoal tudo
família da casa e mais o vizinho. As mulheres e a miudagem começaram a correr
para enxotar os pintos e as galinhas. A criação parece que corria bem, mas os ga-
rotos – aia! - comiam melhor. A minha cadela Quer-vir entrou na cubata de vôvô
e começou a sacudir a água que tinha no corpo, vôvô refilou:
Quer-vir estava contente e parece que queria arreliar o vôvô. Veio dar voltas no
terreiro, rebolou-se no chão e quando ficou toda molhada e cheia de terra, foi
sacudir tudo em cima do vôvô que correu com ela.
Ficou escuro cedo. O pessoal estava satisfeito. Nunca na minha vida ficara tão
contente. Eu não sei o que tinha na Muxima mas há um ano que só pensava na
filha do velho Gonga. Ela também dizia estar sempre a pensar em mim. Quando
foi do óbito do velho Kalunga estive quase mesmo para fugir com ela. E tão bom
pensar nestas coisas!
Nisto, do céu saiu um raio e caiu mesmo em cima da cubata que tinha o milho e
começou a queimar tudo. Eu, o pessoal, as mulheres, a garotada e o vôvô Barto-
lomeu viemos para fora, sem medo. Qual nada! O milho ardeu todo.
Deus tinha castigado, e bem! Não devemos pensar nas coisas que fazemos antes
de termos o dinheiro; o homem quer mas N’Zambi é quem manda.
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 95
O Atrevimento Castigado
Havia, numa grande ombala 22, um rapaz de nome Canjilu. Apesar de ser filho
único, os pais de Canjilu sofriam e viviam tristes, pois ele não era estimado: pelo
contrário, todos lhe queriam mal. Can jilu desde pequenino ganhara o tremen-
do vício de zombar de tudo e de todos. Até atirava pedras às crianças e velhos.
Regozijava-se imenso em fazer chorar os outros.
E assim cresceu. Atingiu os 25 anos mas o maldito defeito não o largou, não obs-
tante as «ovinbu» 23 que seus pais pagavam: bois, porcos cabras, etc.
Canjilu era tão mau, que sentia um terrível prazer em ferir com as flechas de
caça - quando a este desporto se entregava - os seus companheiros. Por vezes
causava-lhes morte.
Um dia, andando a caçar sozinho no meio de uma cerrada mata, Canjilu encon-
trou uma ekolokolo 24, descoberta esta que, longe de o atemorizar, o fez rir a
bandeiras despregadas. Quando serenou um pouco, dirigiu-se à caveira e, entre
risos, atirou-lhe com ar de mofa:
- Tudo isso está muito bem. Mas não me dirás por que não havia eu de falar? Não
fui já gente como tu? Já tenho falado e agora falei contigo assim como falarei
com qualquer pessoa...
- Queres dizer que falarás com qualquer pessoa, assim como o fizeste comigo?
Não perdendo tempo, Canjilu marcou o lugar, para o encontrar facilmente quan-
do ali voltasse, abalando a correr para a aldeia. ‘Aquela hora da tarde, estava o
povo reunido no tojango 25.
É precisamente ao grande Soba que Canjilu se dirige para contar a sua descober-
ta. Depos de lhe ser concedida a respectiva licença e perante assistência, Canjilu
descreve, com todos os pormenores, tudo quanto vira e ouvira na mata.
Então, para poder provar que dessa não mentia, Canjilu prestou o seu juramento
solene perante o grande Soba. Esse juramento consistia no seguinte: no chão,
traçava-se uma cruz e proferia-se um insulto ao grande Soba, o que equivalia a
dar de penhor a própria vida.
Depois de cumprido este ritual, o grande Soba exige que Canjilu lhe mostre a
sua descoberta, pelo que este, vaidosamente, se dirige (precedido do grande
Soba, sua comitiva e toda a aldeia), ao local por ele assinalado.
Chegados que são, fica o povo estupefacto ao constatar que, de facto se encon-
tra ali uma caveira abandonada como Canjilu afirmara
Mas por mais que Canjilu perguntasse à caveira quem lhe havia tirado a vida,
esta mantém-se muda, obtendo Canjilu a mesma resposta quando indaga ou-
tras coisas. Por mais que fale para ela e lhe faça perguntas, só lhe responde o
silêncio da mata. Canjilu, vendo-se perdido, desata a soluçar e, então, insulta a
caveira proferindo palavras obscenas, no intuito de que esta reaja. Mas a respos-
ta é sempre a mesma: silêncio!
Artur Filipe
Cuembe
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 97
Na floresta o Cágado gozava de uma consideração sem limites da parte dos ou-
tros habitantes. Os seus conselhos eram ricos de sabedoria, e, para ele não havia
problemas neste mundo.
- «Os problemas deixam de ser problemas logo que tenham uma solução» – di-
zia o filósofo Cágado. - «Para mim tudo tem remédio, tudo se resolve» – concluía.
O Sr. Cágado era também um grande médico. Certo dia, veio ter com ele D. Can-
dimba que se queixava de os seus filhotes, apesar de todos os cuidados conti-
nuavam magrotes.
- «Minha senhora» - dizia-lhe o cágado - «os seus filhos não estão propriamente
doentes. O que precisam é de uma boa alimentação. A falta de vitaminas é que
está fazendo mal aos seus filhos. Certos alimentos como carne e ovos são óp-
timos para os seus filhinhos «Senhor Cágado – dizia D.Candimba – ovos talvez
consiga arranjar. Mas carne...?
- «Escusa de prosseguir: a bom entendor meia palavra basta. Quer dizer que sen-
te dificuldade em apanhar animais como cabras, nuces porco, não é verdade?»
- «Quê! uma cabra... tola? A cabra, por muito tola que seja tu não a podes a apa-
nhar, meu amigo».
Finalmente chegou à lagoa. Passados alguns minutos, chega também uma ca-
bra trazendo à cabeça uma grande panela de barro.
- «Falta-me andar mais alguns quilómetros para apanhar uma cabra tola que
98 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
- «Não acredito! O Sr. Cágado não consegue apanhar uma cabra. Pelo contrário,
a cabra é que o apanha a si. Sempre queria ver como o Sr. Cágado apanha uma
cabra»!
- «Agora põe também a pata direita. Mete agora uma pata traseira. Mete mais a
outra. Encolhe-te bem agora. E, naturalmente, quando encontrar a tal cabra tola,
dir-Ihe-ei mais: não te mexas enquanto amarro levemente a boca da muhamba».
- «Como posso fugir, Sr. Cágado, se nem sequer me posso mexer? Desamarre-me
agora, Sr. Cágado! Desamarre-me! Vou estoirar»!
- «Não te largo porque jamais encontrarei outra cabra tola como tu» – respondeu
o Cágado.
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 99
O Leão e o Chacal
O Leão tinha um bode, e o Chacal uma cabra. O Chacal vai ao Leão e diz:
- Majestade, empresta-me o teu bode para fazer criação com a minha cabra.
Quando esta for mãe, eu virei trazer-te o bode com o respectivo pagamento.
- Se o meu bode não tivesse fecundado a tua cabra, teria ela porventura tido
cabritos? Os dois cabritos são meus, pois o bode é que os gerou.
- Isto não pode ser de forma nenhuma! Tu queres roubar-me porque és rico! Va-
mos chamar todos os bichos da floresta para fazerem um julgamento, a fim de
vermos se sou eu quem te quer roubar ou se és tu que me queres roubar – res-
pondeu Chacal.
- Está bem. Encontrar-nos-emos amanhã no lugar marcado pelo rei, mas não
deixes começar o julgamento sem eu estar presente.
É o cágado!
Estiveram os bichos à espera até que sol se ergueu a prumo. O cágado não havia
meio de chegar e os animais já começavam a impaclentar-se.
Mal tinham acabado de falar quando se apresenta o cágado. Assim que ele che-
gou disse a hiena:
- Finalmente! Foi este fedelho que fez de nós seus criados. E este bichinho de
casca grossa que pretende ser mais inteligente do que todos nós. Toda a manhã
estivemos à tua espera. Que andavas a fazer? Todos os teus companheiros vie-
ram de manhã cedo!
- Está calado e não me ralhes. Tive que fazer em casa, porque o meu pai deu à
luz – disse o cágado.
- Todos vós que estais aqui presentes: haverá alguém entre vós que tenha conhe-
cimento de um macho que desse à luz? - Perguntou o cágado.
Não sabiam como responder. Ficaram embaraçados a olhar uns para os outros,
até que um disse:
- Nunca vimos nem ouvimos tal coisa. Só as fêmeas é que podem dar à luz. O teu
pai deve ser o único macho, nesta terra, a dar à luz!
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 101
- Ah sim? Então a origem do julgamento por que estais reunidos, qual é? Não
sois vós a dizer que o bode teve dois cabritos?
Assim foi declarado o leão vencido por unanimidade, ficando o chacal com am-
bos os cabritos.
Carlos Estermann
102 • Projecto de Formação de Formadores de Professores para o Ensino Primário em Angola
Notas
1 Feiticeiro, curandeiro.
3 Buraco, alçapão.
4 Lixeira da aldeia.
5 Coração.
6 A casa, a sede.
8 Zanga, questão
9 Faca do mato
10 Pendência, desentendimento
11 Dote dado aos sogros pelo futuro marido 12 lavra junto aos rios
13 Aldeias indígenas
17 Aldeia indígena
19 Deus
20 Sai
21 Sai daqui
23 Multas
24 Maveira
Volume III | Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa • 103
27 Capital
Bibliografia
BIBLIOGRAFIA
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