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Nobel 1993: Douglass C. North | por Thomas H.

Kang

Terraço Econômico • 25/08/2020  8 minutos de leitura

Conforme um colaborador de longa data, Douglass North (1920-2015) tinha


uma “poderosa intuição acerca da pergunta [de pesquisa] que deveria ser
formulada em seguida”. Professor da Washington University, St. Louis desde
1983, North não recebeu o Nobel (1993) por conta de um trabalho
considerado um divisor de águas, como no caso de diversos vencedores da
distinção. Pelo contrário, North construiu gradativamente uma teoria sobre a
relação entre instituições e desempenho econômico, reformulando sua
teoria a partir das lacunas deixadas por sua pesquisa anterior. Uma analogia
cinematográfica pode ajudar: a premiação de North não se deveu a uma
atuação, mas ao conjunto de sua obra. Com suas contribuições, o
pesquisador norte-americano foi um dos responsáveis por revitalizar a
interdisciplinaridade e o papel da narrativa analítica na Economia. Embora
tenha sido um dos grandes historiadores econômicos da segunda metade
do século XX, seus estudos ganharam destaque em campos muito além de
sua área original de pesquisa.

North era um historiador econômico conhecido já no final da década de


1950, principalmente por conta de seus influentes estudos sobre base
exportadora, agricultura e crescimento econômico regional nos Estados
Unidos. Entre 1961 e 1966, North foi um dos editores da Journal of Economic
History (JEH), período em que a revista aumentou substancialmente a
publicação de estudos vinculados à New Economic History (NEH). Essa
corrente de pesquisa, cujo principal expoente era Robert Fogel, enfatizou o
emprego de teoria econômica convencional e métodos quantitativos em
estudos de história econômica. Entretanto, North se deu conta que a NEH
era insuficiente para responder perguntas fundamentais sobre crescimento
no longo prazo. Para tratar disso, North desenvolveu sua própria teoria a
partir dos custos de transação de Ronald Coase. 

Três conceitos são fundamentais para se entender o arcabouço teórico de


Douglass North: custos de transação, instituições e crenças. Em primeiro
lugar, é preciso definir os custos de transação de Coase: tratam-se dos custos
de definição, enforcement e comercialização de direitos de propriedade. Os
resultados neoclássicos de equilíbrio ótimo são obtidos sob a ausência de
custos de transação, mas esses custos são altos na economia real. Ao visitar
um museu marítimo nos Países Baixos, North se deu conta que os avanços
tecnológicos não tinham sido o principal fator na queda do custo do frete.
Ao perceber que a quantidade de armamentos carregados pelas
embarcações diminuíra ao longo do tempo, North concluiu que o declínio
da pirataria tinha reduzido os custos em termos de defesa e seguros.
Tornara-se claro que a literatura subestimava os efeitos dos custos de
transação sobre o desempenho econômico. 

A fim de tratar dos custos de transação, North lançou mão de um segundo


conceito crucial no início da década de 1970: as instituições.   Por meio de
uma analogia esportiva, North definiu instituições como “as regras do jogo”
da sociedade em seu famoso livro Institutions, institutional change and
economic performance (1990). Essas regras incluem aspectos formais (como
leis) ou restrições informais (como convenções culturais, códigos de
conduta, etc.). A história importa no arcabouço de North, uma vez que
escolhas passadas moldam as instituições que delimitam o conjunto de
escolhas possíveis no presente, ou seja, há dependência de trajetória (path
dependence). As organizações são, por sua vez, os jogadores: grupos
específicos que incluem desde órgãos políticos estatais até associações de
bairro. Ao diminuir incertezas e, assim, os custos de transação, a interação
entre instituições e organizações têm papel fundamental no desempenho
econômico. Mais tarde, North e coautores incorporaram também a
influência de instituições e organizações no controle da violência. A relação
entre custos de transação e instituições é a característica definidora da
chamada Nova Economia Institucional (NEI), que tem Douglass North como
um de seus principais expoentes ao lado de pelo menos três agraciados
pelo Nobel: Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom. 

Uma passagem de The Rise of the Western World (1973) marca a


incorporação das instituições como aspecto central em sua pesquisa: “os
fatores que listamos (inovação, economias de escala, educação, acumulação
de capital, etc.) não são causas do crescimento; eles são o crescimento”.
Ainda que identificassem as causas imediatas, os modelos convencionais
eram insuficientes para explicar as causas fundamentais do crescimento
econômico. No mesmo estudo, North e Thomas destacaram o papel das
diferenças institucionais na Idade Média: a chamada Peste Negra reforçou os
laços feudais no Leste Europeu, mas levou ao declínio da servidão na Europa
Ocidental. Dito de outro modo, um mesmo choque de preços relativos sob
diferentes instituições teria levado a resultados opostos. Entretanto, North
ainda não tinha uma explicação consistente para a persistência de
instituições ineficientes. Em Structure and Change in Economic History (1981),
North ressaltou o papel do poder político na definição das estruturas de
direitos de propriedade: as elites escolheriam regras a seu favor em
detrimento do resto da sociedade. Em Institutions, North argumentou que a
persistência de instituições ineficientes tinham a ver com problemas
informacionais e limitações cognitivas dos agentes, o que nos leva ao
terceiro ponto. 

O papel das crenças já aparece em Structure and Change, em particular na


sua teoria neoclássica do Estado. Em Institutions, North aprofunda a questão
e critica diversos pressupostos da teoria da escolha racional. Ainda nessa
obra, ele se concentra naquilo que o aproxima de Herbert Simon e Daniel
Kahneman: a complexidade do mundo e as limitações cognitivas. A
investigação sobre cognição e crenças dá um passo adiante em
Understanding the Process of Economic Change (2005). Segundo North, as
pessoas criam modelos mentais para lidar com os complexos problemas em
um contexto de incerteza knightiana. Esses modelos são em parte herdados
do sistema de crenças e das experiências vividas dos indivíduos. As crenças,
por meio de seu papel na formação dos modelos mentais, informam a
escolha de instituições. Em diversas situações, as instituições herdadas são
ineficientes para lidar com os novos problemas sociais, mas persistem ao
longo do tempo. 

A partir das contribuições da literatura novo-institucionalista, a pesquisa


sobre persistência institucional ganhou impulso na virada do século.
Engerman e Sokoloff, em conhecido trabalho na área de história econômica,
resgataram ideias semelhantes às de Caio Prado Jr. referentes a padrões de
colonização. Eles destacaram o papel das dotações iniciais de fatores sobre
as instituições criadas em distintas partes das Américas, o que explicaria a
divergência em níveis de renda per capita no continente. Ainda que North e
coautores tenham criticado parte do argumento, sem dúvida o pensamento
de North teve um papel importante no desenvolvimento dessa linha de
pesquisa. Em outros dois estudos que tiveram enorme impacto na
Economia, Acemoglu, Johnson e Robinson inauguraram uma bem-sucedida
linha de pesquisa empírica relacionando instituições e desempenho no
longo prazo. Esses trabalhos são amplamente conhecidos e, portanto, não
necessitam de maior escrutínio aqui. O importante é destacar que esses
autores fazem tributo ao trabalho anterior de North. Vale destacar o alerta
de Wallis sobre a ênfase dessa literatura na persistência e não na mudança
institucional. É difícil tratar do último ponto, mas a mudança é também a
questão crucial.

Tendo em vista a mudança institucional, North teve grande influência na


literatura sobre as causas da Revolução Industrial. Conforme North e
Weingast (no artigo mais citado na história da JEH), a Revolução Gloriosa de
1688 resultou em mudanças profundas nas instituições formais, com o fim
do absolutismo monárquico e o aumento do poder do Parlamento. Diante
da decorrente queda do risco de expropriação, as taxas de juros da dívida
soberana britânica teriam diminuído substancialmente ao longo do século
XVIII. Os autores dão a entender que essa mudança nas instituições formais
teria pavimentado o caminho para a Revolução Industrial. Por outro lado,
Joel Mokyr e Deirdre McCloskey enfatizaram o papel de crenças e da cultura
no advento do crescimento econômico moderno. Para Mokyr, o Iluminismo
teria significado uma profunda mudança de crenças na sociedade, o que
teria permitido a invenção e a adoção de tecnologias novas durante a
Revolução Industrial. Ainda que haja grande debate sobre o tema, não é
possível ignorar os argumentos institucionalistas. A dificuldade empírica de
lidar com as crenças é um obstáculo considerável, mas não impediu o
desenvolvimento de linhas de pesquisa relevantes baseadas no conceito. 

Por fim, vale destacar os últimos escritos de North, nos quais se tratou do
problema da violência. Em Violence and Social Orders (2009), North, Wallis e
Weingast apresentam mais dois conceitos: as ordens de acesso limitado
(limited-access)  e de acesso aberto (open-access). A primeira é também
chamada de “estado natural”, por ser a mais prevalente na história
registrada. Algumas sociedades passaram do “estado natural” para ordens
de acesso aberto.  Nessas sociedades, para evitar conflitos entre facções das
elites, privilégios das elites foram estendidos para os demais segmentos e se
tornaram direitos. No entanto, nada garante que não possa haver uma
reversão ao “estado natural”. Esses conceitos contrariam a tese de Acemoglu
e Robinson, para quem somente ameaças às elites por parte de outros
segmentos sociais levam à mudança institucional. 

Diante de tudo isso, é evidente que North exerceu um papel fundamental na


reincorporação da história e da política na pesquisa econômica. Embora seu
principal objeto de pesquisa tenha sido o crescimento no longo prazo, a
teoria institucional também pode ser aplicada para outros aspectos
relacionados a bem-estar. História, crenças e instituições também são
fundamentais para explicar outros resultados sociais como educação e
desigualdade, apenas para citar alguns exemplos. Há espaços inexplorados
nessa agenda, em que pesem suas dificuldades. Ao invés de evitar as
perguntas difíceis, North procurou justamente enfrentá-las, contribuindo
para entendermos melhor as causas da persistência e da mudança
institucional. As instituições que temos, ironicamente, não incentivam
pesquisas que busquem responder de forma rigorosa às perguntas menos
tratáveis, porém fundamentais.

Thomas H. Kang
Professor Assistente da ESPM, Porto Alegre. Eu agradeço a Leo Monastério e
Rafael Spengler por observações, ainda que a responsabilidade pelo texto
final seja absolutamente minha. 

Notas

[2] Wallis, J. J. (2014), “Persistence and change in institutions: the evolution of


Douglass North”, in Galiani, S. e Sened, I. Institutions, property rights and
economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 30. 

[3] North, D. C. (1955). “Location theory and regional economic growth”. The
Journal of Political Economy, 63(3), 243–258.; North, D. C. (1959). “Agriculture
in regional economic growth”. Journal of Farm Economics, 41(5), 943–951.

[4] Diebolt, C. e Haupert, M. (2018), “A cliometric counterfactual: what if


there had been neither Fogel nor North?”, Cliometrica 12, p. 407-434.
[5] Coase, R. (1960), “The problem of social cost”. The Journal of Law and
Economics 3, p. 1-44.

[6]Menard, C. e Shirley, M. (2014), “The contribution of Douglass North to


New Institutional Economics”, in Galiani, S. e Sened, I. Institutions, property
rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 19.

[7]Davis, L. e North, D. (1971), Institutional change and American economic


growth. Cambridge: Cambridge University Press.

[8]Embora North tenha enfatizado principalmente as instituições formais no


início, ele passou a dar mais atenção às instituições informais ao longo de
sua pesquisa.

[9] Vale ressaltar que instituições para North não são o que habitualmente as
pessoas entendem pelo termo (“instituições democráticas, como o STF e o
Congresso”). O STF e o Congresso seriam organizações (jogadores) para
North. Agradeço a Rafael Spengler pela sugestão. 

[10] North, D. (1990), Institutions, institutional change and economic


performance, Cambridge: Cambridge University Press, p. 3-5.

[11] North, D., Wallis, J. J. e Weingast, B. (2009), Violence and social orders: a
conceptual framework for interpreting human history. New York: Cambridge
University Press, p. 15-6.

[12] North, D. e Thomas, R. P. (1973), The rise of the western world: a new
economic history, New York: Cambridge University Press, p. 76.

[13] North, D. (1981), Structure and change in economic history. New York:
Norton.

[14] Aqui North se aproxima inclusive de outro laureado, Amartya Sen, ao


mencionar altruísmo e restrições autoimpostas como motivações dos
agentes (ainda que sem citá-lo).  Ver Sen, A. (1977), “Rational fools: a critique
of the behavioral foundations of economic theory”, Philosophy and Public
Affairs 6 (4), p. 317-344. 

[15] Simon, H. A. “From substantive to procedural rationality.” 25 years of


economic theory. Boston: Springer, p. 65-86; Kahneman, D. (2011), Thinking
fast and slow. New York: FSG.

[16]Engerman e Sokoloff (2002), “Factor endowments, inequality and paths


of development among New World economies”, Economia 3, p. 41-109. Ver
também Monasterio e Ehrl (2007), “Colônias de povoamento versus colônias
de exploração: de Heeren a Acemoglu”, 37 (72), p. 213-39.

[17]North, D.; Summerhill, W. e Weingast, B. (2000), “Order, disorder and


economic change: Latin America vs. North America” in Bueno de Mesquita,
B. and Root, H., Governing for prosperity, New Haven: Yale University Press, p.
17-58. 

[18]Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2001), “The colonial origins of


comparative development: an empirical investigation”, American Economic
Review 91 (5), p. 1369-1401; Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2002),
“Reversal of fortune: geography and institutions in the making of the
modern world income distribution”, Quarterly Journal of Economics, 117, p.
1231-1294.

[19]Wallis, J. J (2014).

[20]North, D. e Weingast, B. (1989), “Constitutions and commitment: the


evolution of institutions governing public choice in 17th century England.
Journal of Economic History 49, p. 803-842. 

[21]Vários autores contestaram a visão de North e Weingast, mas ela


continua tendo papel importante no debate.

[22]Mokyr, J. (2009), The enlightened economy, New. Haven: Yale University


Press; McCloskey, D. (2006), The bourgeois virtue: ethics for an age of
commerce. Chicago: Chicago University Press.

[23]Acemoglu, D. e Robinson, J. (2006), The economic origins of dictatorship


and democracy. Cambridge: Cambridge University Press.

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