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DISCIPLINA: TÉCNICAS DE REDAÇÃO - PROFª SILVÂNIA MENEZES MARCON

ENSINO MÉDIO - 2022

REDAÇÃO – MODELO FUVEST

“Os batedores marcham à frente do imperador”

“Um apólogo”, de Machado de Assis, discute, entre outras questões, o des (valor) de
algumas profissões no contexto social do século XIX. Assim, agulha, costureira e batedores são
personagens que personificam trabalhadores depreciados, enquanto linha, baronesa e
imperador são exaltados e reconhecidos socialmente. Esse modus operandi, além de ser o
mote do texto machadiano, também, configura o jeito humano de ser e de construir das
sociedades ditas civilizadas: os trabalhadores que exercem as funções essenciais são
desvalorizados e invisibilizados pela lógica cruel do mercado neoliberal que se apropria dos
frutos desses trabalhos à revelia de quem os realiza. Desse modo, é evidente que a história dos
chamados “homo sapiens” é pródiga em negar, de forma violenta, o lugar do outro a fim de
garantir os próprios privilégios.
Para Franz Boas, considerado o Pai da Antropologia Americana, a falta de alteridade resulta
do não conhecer. Quando o outro não é enxergado, nega-se o seu direito à participação na
coletividade e, consequentemente, o respeito e a sua validação como sujeito. É o que ocorre
com os trabalhadores desvalorizados em suas funções cuja importância a sociedade, de modo
geral, desconhece. Quem se lembra de reconhecer a essencialidade de ascensoristas, diaristas,
catadores de lixo, garis, policiais, professores, enfermeiros, operários de chão de fábrica,
soldados que marcham à frente das guerras hodiernas, quando comparados com engenheiros,
médicos, advogados, juízes, grandes empresários e poderosos chefes de Estado?
Nesse contexto, então, normaliza-se a invisibilidade de trabalhadores que mantêm a base
de funcionamento das sociedades contemporâneas. Desse modo, a exemplo da agulha do
texto machadiano, esses indivíduos vão abrindo caminho para que “linhas ordinárias” – o
mercado neoliberal e suas ramificações – sejam beneficiadas e mantenham seu status quo.
Nesse sentido, no que concerne à teoria dos quatro capitais, do sociólogo francês, Pierre
Bourdieu, pode-se dizer que falta a esses sujeitos invisíveis e menosprezados, salários
robustos, relações sociais capitalizáveis, diploma e prestígio que conferem status, visibilidade e
valorização na coletividade.
É fato, portanto, que na história do “homo sapiens”, é normal e aceitável socialmente que
os batedores, ainda que à frente dos imperadores, sejam invisíveis e desvalorizados. Tal lógica
é corroborada pela negação da alteridade e do respeito aos trabalhadores essenciais aos quais
faltam os capitais necessários ao reconhecimento e à inserção no restrito mercado neoliberal.
Como bem finaliza o professor de melancolia, de Um apólogo, “não há justiça na distribuição
de recompensas”.

REDAÇÃO INVISIBILIDADE DOS TRABALHADORES – MODELO ENEM

O artigo 7º da Constituição Cidadã proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e


intelectual e seus respectivos profissionais. Entretanto, é notória a invisibilidade e a
desvalorização dos trabalhadores que desempenham funções essenciais, no Brasil do século
XXI. Tal problemática denota a histórica cegueira social que, no país, é responsável por dois
fenômenos psicossociais – a reificação e a humilhação social – que estigmatizam esses
indivíduos, privando-os da cidadania e do reconhecimento pela coletividade. Desse modo, são
necessárias ações concretas para impedir a violação do artigo constitucional e assegurar os
direitos de todos os trabalhadores.
A princípio, é importante destacar que a herança escravocrata é um dos fatores
responsáveis pela atual invisibilidade dos trabalhadores essenciais, uma vez que, naquele
contexto, o escravo era considerado uma mercadoria que podia ser trocada, vendida e
espoliada. No poema de Vinícius de Moraes, “O operário em construção”, os versos “...o
operário faz a coisa e a coisa faz o operário” referem-se à coisificação do sujeito lírico. Fora do
contexto poético, os indivíduos da vida real, também, são reificados e transformados em
meros objetos cumpridores de funções tidas como subalternas. Assim, a cegueira social da
escravidão reflete-se, ainda hoje, no país, e condena garis, diaristas, catadores de lixo,
costureiras de grifes famosas, operários, enfermeiros, professores, entre outros profissionais,
à invisibilidade e à desvalorização.
Por conseguinte, a humilhação social a qual esses trabalhadores são submetidos é um óbice
ao exercício da cidadania. Nesse sentido, as péssimas condições de trabalho, a má
remuneração e o despojo do trabalho digno geram sentimentos contraditórios de revolta e de
esperança. Em “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, o personagem Fabiano é um subcidadão
que vive em condições precárias e cujo trabalho é menosprezado pelo patrão que,
constantemente, humilha-o. Desse modo, o “cabra” sertanejo sente-se bicho e homem ao
mesmo tempo e, de humilhação em humilhação, assemelha-se aos Fabianos da vida real que,
também, são invisíveis e desrespeitados, apesar de desempenharem funções relevantes à
sociedade.
Portanto, é necessário combater a cegueira social que torna invisíveis os que são essenciais
à coletividade. Para tanto, cabe ao Ministério do Trabalho, órgão da administração federal
responsável pela geração de emprego, renda e apoio aos trabalhadores, a fiscalização do
trabalho, assim como da política salarial a fim de garantir o cumprimento do artigo 7º da
Constituição Cidadã. É preciso, também, conscientizar a sociedade brasileira sobre a
importância dos trabalhadores essenciais, por meio das redes sociais e de programas
televisivos a fim de combater estereótipos e garantir a valorização de todos os trabalhos e seus
respectivos profissionais. Somente assim, com dignidade e reconhecimento, combater-se-á a
cegueira social que não enxerga os milhares de “operários em construção” e os Fabianos que
sonham ser cidadãos de um país que respeita todos os trabalhadores, conforme assegura a
Carta Magna da nação brasileira.

REDAÇÃO MODELO UNESP

No livro de Machado de Assis, “Memórias póstumas de Brás Cubas”, a relação entre o


escravo Prudêncio e Brás Cubas, seu senhor, revela traços de crueldade e apagamento do lugar
do outro. Nesse sentido, a escravidão, que no Brasil durou três séculos, legou à sociedade a
discriminação e o menosprezo pelos trabalhos desempenhados pelos escravos.
Contemporaneamente, o Brasil ainda convive e compactua com a prática da invisibilidade e da
desvalorização de grupos de trabalhadores cujas funções essenciais são, entretanto,
consideradas subalternas e passíveis de preconceito e humilhação, tal qual ocorre na ficção
machadiana. Assim, essa cegueira social é fruto de relações de poder históricas que
permanecem enraizadas no Brasil do século XXI.
Sob a perspectiva filosófica de Achile Mbembe, filósofo camaronês, o necropoder é um
velho conhecido das sociedades humanas. No Brasil, todas as formas de repressão observadas
no período da escravidão e da pós-abolição – torturas, caça aos escravos fugitivos e ataques
aos quilombos, em Palmares – refletem-se, hoje, no país que nega a determinados grupos o
direito à visibilidade e à valorização no mercado de trabalho. É o que se observa, por exemplo,
com as profissões de garis, diaristas, porteiros, seguranças, operários, policiais, e até mesmo
enfermeiros e professores, que, apesar se essenciais, são socialmente desvalorizados. Desse
modo, quando o Estado permite a invisibilidade desses indivíduos, ele age em conformidade
com a necropolítica que determina quem deve ser valorizado e quem deve ser apagado dentro
da coletividade.
Cabe elucidar, ainda, que segundo Hannah Arendt, filósofa política do século XX, o trabalho
é uma atividade antipolítica, uma vez que aprisiona os sujeitos no cumprimento de tarefas
necessárias à própria subsistência. Assim, todos os dias, milhares de “donas Marias”,
“merendeiras” incansáveis, sobem e descem de ônibus, permanecendo invisíveis para si
mesmas e para o sistema que as invalida como trabalhadores essenciais. No caso do Brasil, a
cegueira social que normaliza a invisibilidade desses profissionais, alcança o âmbito jurídico,
uma vez que o artigo 7º da Constituição Cidadã proíbe qualquer forma de distinção entre
trabalho manual, técnico e intelectual e seus respectivos profissionais. Dessa forma,
comprova-se o necropoder do Estado e o aprisionamento dos indivíduos que não conseguem
vencer as barreiras da invisibilidade e reivindicar seus direitos como trabalhadores essenciais à
sociedade.
Portanto, é imperioso valorizar esses profissionais mediante políticas concretas de
fiscalização das leis trabalhistas e do salário para combater a cegueira social histórica e
garantir que os Prudêncios, os Brás Cubas e as donas Marias da vida real sejam colocados no
mesmo patamar de equidade e respeito. Talvez assim, seja possível barrar a ação nefasta do
necropoder e assegurar que o trabalho torne-se, acima de tudo, uma atividade política e de
transformação da sociedade.

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