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Resenha de: SCHÖSLER, Hanna, DE BOER, Joop & BOERSMA, Jan J., The Organic Food
Philosophy: A Qualitative Exploration of the Practices, Values, and Beliefs of Dutch Organic
Consumers Within a Cultural–Historical Frame, Journal of Agricultural and Environmental
Ethics vol. 26, pp. 439-460, 2013.
Introdução
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Mestrando em Ciências Sociais - PPGCSO/UFJF - e-mail: gabriel.d.coelho@gmail.com
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IFOAM. General Assembly em Mar Del Plata. Argentina, Nov. 1998. Disponível em:
<https://ciorganicos.com.br/wp-content/uploads/2013/09/IFOAM_alimentosorganicos.pdf>
regenerativa, alternativa, apresentaram-se como um conjunto de respostas alternativas para o
modelo da “agricultura moderna-industrial” que se desenvolve a partir das grandes
transformações e revoluções sociais, econômicas e ambientais que aconteceram e evoluíram
principalmente na modernidade no final do século XIX (ROCHA, et. al. 2002; ALVES;
SANTOS; AZEVEDO, 2012).
Neste texto, apresento o artigo The Organic Food Philosophy: A Qualitative Exploration
of the Practices, Values, and Beliefs of Dutch Organic Consumers Within a Cultural–Historical
Frame de Schösler, De Boer e Boersma (2013)5 que reúne informações sobre o desenvolvimento
do pensamento histórico e ocidental que está enraizado ao longo do consumo de alimentos da
agricultura orgânica na sociedade. O artigo tem como ponto de partida algumas visões
defendidas pelos “movimentos reformistas”, particularmente, o Lebensreform, conhecido como
um grande movimento alemão pela “reforma da vida” que buscou reprovar em certo momento
histórico, a crescente industrialização, urbanização e o avanço tecnológico na era da
modernidade.
Sobre os autores
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Movimento que atua como rede por meio de comunidades urbanas e rurais nas quais os seus participantes
mobilizam atividades, organiza eventos, circuitos de comercialização e campanhas em torno da alimentação, valores
e ideais que questionam padrões de consumo universal como fast food e junk food e defendem culturas alimentares
tradicionais, regionais e sazonais.
religiosidade na Leiden of University, além disso, também atuou como Secretary General of the
Council for the Environment in Netherlands (1999 - 2001). Em 2002, tornou-se professor na
Vrije of University (VU) em Amsterdam, sediado no Institute for Environmental Studies. De
modo geral, suas pesquisas estão ligadas com a promoção da sustentabilidade, natureza, cultura,
visões do mundo e religiões.
Sobre o artigo
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Os autores destacam em menor grau, outros movimentos reformistas como o American Natural Foods Moviments,
que, por sua vez, só alcançou grandes repercussões nos anos 60, através da publicação de Silent Sprint de Rachel
Carson (1962) que tornou um ponto de virada e conexão para os movimentos de alimentos orgânicos e
ambientalistas. Trazendo um conjunto de novos argumentos científicos e morais contra a agricultura industrial
apadrinhada pela Revolução Verde no século XX.
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Steiner, jornalista, filósofo e agricultor, impulsionou uma extensa produção de estudos em diversas áreas e saberes
da vida humana. Além de integrar uma cosmologia da agricultura - conhecida como agricultura biodinâmica - que
conectou ideias sobre a medicina e terapias curativas, pedagogia e educação, arquitetura, arte, psicologia, religião e
outras práticas de integração material e espiritual. Para saber mais: OLIVEIRA, Francine; MACHADO, Cristina;
FILHO, Ourides; SOLIANI, Valdeni. Ciência e Espiritualidade em ação: o legado de Rudolf Steiner. South
American Journal of basic education, technical and technological. SAJEBTT, Rio Branco, UFAC. v.7, n.1, 2020.
edição: jan/abril, p. 583-606.
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Vale ressaltar que para os autores compreendem que o consumo de alimentos orgânicos na Holanda é
relativamente baixo, seguindo os dados, apenas 2,3% dos alimentos orgânicos são vendidos em lojas especializadas
no país.
As entrevistas foram conduzidas conforme a “teoria fundamentada” mobilizada pela
socióloga Kathy Charmaz (2006)10. Ou seja, os autores procuraram trabalhar com um método
baseado na “perspectiva vivida” dos entrevistados, em que, posteriormente, os entrevistadores
buscam construir uma teoria fundada nos “dados” rastreados e gerados pelos próprios
interlocutores. Desta forma, os pesquisadores renunciam a geração de hipóteses preconcebidas e
despercebidas que estão sujeitas ao formular uma questão de pesquisa, definitivamente, ao longo
de uma investigação social (apud. SCHÖLESLER; DE BOER; BOERSEMA, 2013, p.446).
A “conexão com a natureza” refere-se a idéia filosófica de “fazer o que parece natural”.
Os entrevistados apresentam que têm em mente a escolha de alimentos orgânicos e sazonais,
enquanto um alimento produzido em um ambiente acolhedor e familiar, integrado com a
natureza, incluindo em si um forte vínculo simbólico e ligação corporal com o alimento
orgânico, enquanto um processo de constituição interna na vida dos próprios consumidores.
Dando por exemplo, a consumidora que prefere comer repolho no inverno, como forma de
combinar com o momento da estação climática; ou mesmo, o consumidor praticante de ioga que
dá valor aos alimentos sazonais e orgânicos produzidos naquele clima e região próximo do
ambiente que se vive, pois acredita que ao consumir o alimento orgânico preferencialmente
próximo do seu corpo “use her feeling and intuition to access this source of knowledge”
SHÖLESLER; DE BOER; BOERSEMA, 2013, p. 447). O consumo de alimentos orgânicos
enquanto uma fórmula de conexão com a natureza “interior”, estimula pensar em outro
princípio, conhecido como a “alimentação intuitiva”. Para alguns consumidores de alimentos
orgânicos, a constituição física e interior do corpo humano, é resultado tanto do clima, convívio e
ambiente, como também de certos tipos de alimentos que se consomem ao longo da vida.
Portanto, torna-se essencialmente “natural” não só comer aquilo que está próximo, mas também
se alimentar de forma intuitiva, nutrindo o corpo de forma suficiente de acordo com sensações e
comportamentos morais.
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Charmaz, K. (2006). Constructing grounded theory: A practical guide through qualitative analysis. London:
Sage Publications Ltd.
Seguindo a percepção dos entrevistados, a “noção de consciência” tem a ver com o fato
de cozinhar e preparar o próprio alimento, incluindo principalmente ingredientes orgânicos,
enquanto um exercício de conscientização da vida, sensação de bem-estar e preenchimento de
felicidade cotidiana. A imersão na atividade de cozinhar e preparar comidas com ingredientes e
alimentos orgânicos se reflete em experiências e emoções vivenciadas pelos comedores de
orgânicos, sobretudo, através do envolvimento e de ambientes acolhedores e intensos, muitas
vezes, despertados através da memória com amigos e familiares. No caso de alguns
consumidores de alimentos orgânicos, é comum ter adotado uma dieta vegetariana, a partir de
uma experiência negativa, o que pode ser, por exemplo, uma lembrança negativa relacionado na
infância, ou mesmo, momentos testemunhados como na caça e no abatimento de animais
domesticados em seio familiar. Dessa forma, muitos escolhem comer um alimento orgânico
como modo de ajustar a consciência, ao ingerir e constituir internamente seu próprio organismo.
O “valor da pureza” está relacionado com o modo de decisão do que é “bom para comer”,
o que na maioria das vezes é convertido por meio de valores pessoais e julgamentos sobre a
alimentação. Nesta perspectiva, os consumidores holandeses de alimentos orgânicos destacaram
que é fundamental “saber que está comendo”, diferentemente, do consumo de alimentos
produzidos na agricultura industrial, que na maioria dos casos, contém produtos, comidas
superficiais e ultra processadas em múltiplas escalas de produção, chegando ao ponto de não se
saber ao certo a origem e substâncias de determinados alimentos. Os elementos de pureza
também são conhecidos tanto em um sentido material do alimento, sendo aquele simples, básico,
fresco, nutritivo e cru, como também na dimensão imaterial, ou seja, simbólica, espiritual e
transcendente que sustenta os princípios morais e éticos da filosofia de alimentos orgânicos.
Tratando-se da confluência material e imaterial sobre a pureza do alimento, os consumidores
holandeses de alimentos orgânicos também consideram características atribuídas de
“sensualidade”, considerando a constituição física de cada alimento, como na textura, aparência
e originalidade, presente no sabor e cheiro apreciados, consumidos e degustados.
Considerações finais
De acordo com esta interpretação, nota-se que as ideias pioneiras dos movimentos
reformistas constituem na atualidade um conjunto de princípios éticos e estéticos que foram
incluídos, historicamente, na produção cultural e simbólica de alimentos produzidos e
fundamentados com base na Agricultura Orgânica (AO). Considerando o caso dos consumidores
holandeses, a tradição da filosofia de alimentos orgânicos, busca sustentar diferentes escalas de
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Este argumento é baseado também em estudos sobre práticas religiosas, para saber mais: HYLAND, M. E.,
WHEELER, P., KAMBLE, S., & MASTERS, K. S. (2010). A sense of special connection, self- transcendent
values and a common factor for religious and non-religious spirituality. Archive for the Psychology of
Religion/Archiv für Religionspsychologie, 32, 293–326.
organização, desde a especificidade da produção até as escolhas individuais localmente situadas.
Nesta lógica, apesar da convencionalização e demais contradições presentes nos mercados de
alimentos orgânicos, o que tudo indica é que boa parte dos consumidores orgânicos podem
refletir hoje em dia sobre suas escolhas alimentares e adotar estilos de vida que condiz com
tendências filosóficas, ecológicas e políticas que têm suas origens no passado, mas ainda
permanecem no espírito social pulsante na história da humanidade.
Referências bibliográficas
HYLAND, M. E., WHEELER, P., KAMBLE, S., & MASTERS, K. S. (2010). A sense of
special connection, self- transcendent values and a common factor for religious and
non-religious spirituality. Archive for the Psychology of Religion/Archiv für
Religionspsychologie, 32, 293–326.
IFOAM. General Assembly em Mar Del Plata. Argentina, Nov. 1998. Disponível em:
<https://ciorganicos.com.br/wp-content/uploads/2013/09/IFOAM_alimentosorganicos.pdf>
SCHÖSLER, Hanna, DE BOER, Joop & BOERSMA, Jan J., The Organic Food
Philosophy: A Qualitative Exploration of the Practices, Values, and Beliefs of Dutch Organic
Consumers Within a Cultural–Historical Frame, Journal of Agricultural and Environmental
Ethics vol. 26, pp. 439-460, 2013.
Taylor, C. Sources of the self: The making of the modern identity. Cambridge: Harvard
University. Press. 1989.