Você está na página 1de 3

Tema 3

Construção e compreensão do texto: o texto como construção


da realidade.

Texto e realidade

Na investigação qualitativa o texto tem três finalidades: constituir os dados


essenciais em que está inserida a descoberta; é o centro da interpretação; e é o
meio fundamental da apresentação e comunicação dos resultados. Como acontece
com a hermenêutica objetiva, que assume a textualização do mundo como
programa, ou como o caso da generalidade dos métodos correntes na investigação
qualitativa. Em ambos os casos, o texto resulta da coleção de dados e de
instrumento de interpretação.

O texto substitui a realidade estudada, pois assim que o investigador recolhe


os dados e a partir dele elabora um texto, este passa a ser usado no resto do
processo como substituto da realidade a estudar. Exemplo disto, são as narrativas
que se fazem na entrevista que ficam disponíveis para a interpretação, e não as
biografias. O texto produzido desta forma torna-se a base das interpretações
futuras e das descobertas que resultam delas.

Texto como construção da realidade

É impossível reduzir a relação entre texto e realidade para uma


representação de factos dados, originando uma dupla crise de representação e
de legitimidade. Como crise de representação, duvida-se que os investigadores
sociais “apanhem” diretamente a experiência vivida, que é criada no texto escrito
pelo investigador. Daqui surge a tal crise de representação, visto que, é
problemático a ligação direta entre o texto e a experiência.

Na crise de legitimidade, os critérios clássicos de controle são


abandonados para a investigação qualitativa ou são rejeitados na totalidade as
possibilidades de legitimar o conhecimento científico.

As diferentes variedades do construtivismo social e do construcionismo


partem da ideia de que a realidade é produzida pelos participantes, a partir da
atribuição dos objetos e dos acontecimentos. Bem como, a investigação social não
pode fugir às atribuições de significado, isto se, quiser tratar das realidades sociais.
Levantando, neste contexto, as questões: “O que é que os sujeitos sociais tomam
por real, e como o fazem?” (Flick, 2005: 31) e, portanto, os pontos de partida da
investigação passam a ser as ideias dos acontecimentos sociais, das coisas que
estão no campo social estudado, e como essas ideias comunicam ao serem
partilhadas e tidas como reais.

Segundo Goodman, a realidade é socialmente construída por várias formas


de conhecimento, e são estas formas vários “modos de construção da realidade”
(Flick, 2005: 31). De acordo com Gooman e Shutz, a investigação social é uma
análise destes modos de construção da realidade e dos esforços construtivos diários
dos participantes.

Shutz distingue as construções de primeira e de segunda ordem, ele defende


que a primeira metodologia das Ciências Sociais é a exploração dos princípios
gerais, sendo por onde as pessoas organizam as suas experiências do dia-a-dia,
principalmente as do mundo social. Ele faz referência a múltiplas realidades,
organizadas em bases com os mesmos princípios que organizam a realidade do
quotidiano.

Uma das problemáticas das Ciências Sociais é de apenas encontrar o seu


meio de estudo nas versões já existentes no terreno. As inter-relações englobam
diversos processos de construção da realidade, desde as elaborações subjetivas no
dia-a-dia e das elaborações científicas pelos investigadores na interpretação dos
dados e na apresentação dos resultados.

Construção da realidade no texto: a Mimética

O termo mimético refere-se à transformação da realidade em forma


simbólica.

Na investigação qualitativa pode-se estabelecer entre a construção social, e


aos textos nela utilizados, a ligação com elementos miméticos devido à
transformação da experiência em narrativa pelas pessoas estudadas; a elaboração
de textos e a sua interpretação pelos investigadores; bem como a devolução dessas
interpretações aos contextos quotidianos.

Ricoeur contribuiu com um prestável ponto de vista para a análise dos


processos miméticos na interpretação e elaboração dos textos das Ciências Sociais,
e dividiu-os em mimética 1, 2 e 3. Para ele, a produção de um qualquer tipo de
texto para aquele que lê e interpreta o que tem escrito está implicado na
construção da realidade como aquele que o escreveu.

Definiu a mimética 1 como sendo a “pré-concepção da natureza da acção


humana” (Flick, 2005: 34), ou seja, está baseada numa pré-conceção da atividade
humana e dos acontecimentos naturais e sociais.

A mimética 2 é como se fosse a configuração da ação, é a transformação


mimética dos ambientes sociais ou naturais, é no fundo um processo construtivo.

A transformação mimética do texto em compreensão está presente no


processo de interpretação, e traduz a mimética 3. Esta mimética assinala o
cruzamento do mundo do texto com o mundo do ouvinte ou leitor.

Na visão de Ricoeur e, em termos de Ciências Sociais, o tratamento de


textos literários e os processos miméticos são como o cruzamento da construção e
da interpretação da experiência. Na conceção da mimética, o processo não se limita
apenas ao acesso a textos literários, mas sim antes a alongar a compreensão na
sua globalidade, e como tal, à compreensão do conceito saber.
Finalizando, a mimética aos olhos do autor é um processo de compreensão
da literatura, sem esquecer a rígida e estrita ideia de representação da realidade
dada aos textos.

Você também pode gostar