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O mundo pós moderno deposita suas expectativas na ciência e na técnica como forma de

proporcionar aos seres humanos uma vida de abundância material e de felicidade (PASSOS,
2015, p.26). PASSOS, E. Ética nas Organizações. 1º ed. São Paulo: editora Atlas, 2015. 284 p.

Não se pretende questionar a importância dos avanços tecnológicos para que os indivíduos
experimentem condições de existência jamais vistas, todavia eles também tem colaborado para
o desenvolvimento de um processo de alienação humana, onde ocorre uma inversão do modo
“ser” o modo de “ter” (PASSOS, 2015, p.27).
A ARTE DA VIDA – BAUMAN
10-08-22- O que há de errado com a felicidade?
Todos os dados empíricos disponíveis indicam que, nas populações das sociedades
abastadas, pode não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo
de uma vida feliz, e maior felicidade! P.6

Segundo praticamente todos os relatórios de pesquisa


examinados e resumidos por Rustin, "as melhoras nos padrões
de vida em nações como Estados Unidos e Grã-
Bretanha não estão associadas a um aumento - e sim a um
ligeiro declínio - do bem-estar subjetivo". Robert Lane descobriu
que, apesar do imenso e espetacular aumento das rendas
dos americanos nos anos do pós-guerra, a felicidade por
eles declarada era menor . p 6

No todo,
só uns poucos pontos percentuais separam países com
renda média per capita anual entre 20 mil e 35 mil dólares
daqueles situados abaixo da barreira dos 10 mil dólares. A
estratégia de tornar as pessoas mais felizes aumentando suas
rendas aparentemente não funciona. P.7

Poderíamos até dizer que nossa era moderna começou


verdadeiramente
com a proclamação do direito humano universal à
busca da felicidade, e da promessa de demonstrar sua
superioridade
em relação às formas de vida que ela substituiu
tornando essa busca menos árdua e penosa, e ao mesmo
tempo mais eficaz. P.8

Desse modo, parece que o aumento do "produto nacional"


é uma medida bastante pobre do aumento da felicidade. Ele
pode ser visto, em vez disso, como um indicador sensível das
estratégias, caprichosas e ilusórias como possam ser, que, em
nossa busca da felicidade, somos forçados, persuadidos ou
induzidos a adotar - ou manipulados para tal. P. 18

O que também podemos aprender é com que


sucesso os mercados conseguem empregar esse pressuposto
oculto como uma máquina que produz lucros - identificando
o consumo gerador de felicidade com o consumo dos objetos e
serviços postos à venda nas lojas. P.18

Um dos efeitos mais seminais de se igualar a felicidade à


compra de mercadorias que se espera que gerem felicidade é
afastar a probabilidade de a busca da felicidade algum dia
chegar ao fim. P.18

Na pista que leva à felicidade,


não existe linha de chegada. Os pretensos meios se transformam
em fins: o único consolo disponível em relação ao caráter
esquivo do sonhado e ambicionado "estado de felicidade" é
permanecer no curso; enquanto se está na corrida, sem cair
exausto nem receber um cartão vermelho, a esperança de
uma vitória futura se mantém viva. P.19

Se a felicidade está permanentemente ao alcance, e se


alcançá-la leva apenas os poucos minutos necessários para
folhear as Páginas Amarelas e sacar o cartão de crédito, então,
obviamente, um eu que não consiga atingir a felicidade
não pode ser "real" ou "genuíno", mas antes uma relíquia da
indolência, ignorância ou inépcia - senão das três em conjunto.
P.27

Numa sociedade de compradores e numa vida de compras,


estamos felizes enquanto não perdemos a esperança de
sermos felizes. Estamos seguros em relação à infelicidade enquanto
uma parte dessa esperança ainda palpita. E portanto
a chave para a felicidade e o antídoto da miséria é manter viva
a esperança de ficar feliz. P.28

Numa recente pesquisa sobre os novos tipos de relacionamento


que tendem a substituir o antigo "até que a morte os
separe", Stuart Jeffries observa a maré montante da
"compromissofobia"
e descobre que são "cada vez mais comuns" os
"esquemas de comprometimento light que minimizam a exposição
a riscos". P.29

No extremo dessa tendência está o rápido crescimento do número


de lares administrados por casais que "vivem juntos"
mas são hostis aos votos do matrimônio. Em 2005 o número
de casais consensuais (não para sempre, provavelmente) chegou
a bem mais que dois milhões. P. 29-30

A receita ideal de Friedrich Nietzsche para uma vida feliz,


plenamente humana - um ideal que ganha popularidade
em nossos tempos pós-modernos ou "líquido-modernos" -, é a
imagem do Super-Homem, o grande mestre da arte da
autoafirmação,
capaz de se evadir ou escapar de todos os grilhões
que restringem a maioria dos mortais comuns. P.33
("Os 'bem-nascidos'", insistia Nietzsche,
"simplesmente se sentiam os 'felizes'; não precisavam
fabricar artificialmente a sua felicidade ... [nem] se persuadirem
ou mentirem para si mesmos de que eram felizes ...
Homens completos como eram, de força exuberante, e portanto
necessariamente enérgicos, eram sábios demais para dissociarem
a felicidade da ação - a atividade vem a ser, em suas
mentes, necessariamente considerada como felicidade." P.33

Nietzsche deseja que o Homem Superior trate o passado


(incluindo seus próprios feitos e compromissos anteriores)
com desprezo e se sinta livre em relação a ele. Mas permitamme
repetir: o passado que atrasa ou detém o vôo da imaginação
e ata as mãos dos planejadores do futuro nada mais é
que um sedimento de momentos passados; as fraquezas atuais
são efeitos diretos ou indiretos de suas antigas demonstrações
de força. P.35
O Homem Superior de Nietzsche parecia destinado a
terminar como a maioria de nós, simples mortais. Como, por
exemplo, o herói do conto de Douglas Kennedy sobre um
"homem que queria viver sua vida"." P.35

A MISÉRIA DA FELICIDADE
P.45- Epicteto, um velho escravo romano
que se converteu num dos fundadores da escola estóica
de filosofia, sugeriu o seguinte:
Imagine sua vida como se fosse um banquete onde
você deve se comportar com cortesia. Quando os pratos
lhe forem passados, estenda a mão e sirva-se de uma
porção moderada. Se algum prato não lhe for apresentado,
aproveite o que já está no seu. Ou se o prato ainda
não chegou a você, espere pacientemente a sua vez.
Transfira essa mesma atitude de comedimento e
gratidão cortês a seus filhos, esposa, carreira e finanças.
Não há necessidade de cobiçar, invejar e apoderar-se.
Você vai ganhar sua porção correta quando chegar a hora.

Haveria alguma coisa a dizer sobre a felicidade com confiança,


sem esperar oposição? Há: que a felicidade é uma coisa
boa - a ser desejada e acalentada. Ou que é melhor ser feliz
do que infeliz. Mas esses dois pleonasmos são quase tudo
que pode ser dito sobre a felicidade com uma segurança
bemfundamentada.
Todas as outras frases envolvendo a palavra
"felicidade" certamente provocarão controvérsia. P.46

"O conceito de felicidade", declarou


ele, "é de tal modo indeterminado que, embora todos desejem
atingi-la, não podem, contudo, afirmar de modo definitivo e
consistente o que é que realmente desejam e pretendem." (kant)
p.47

Aristóteles relacionou em sua Retórica as qualidades e realizações


pessoais que - uma vez possuídos ou ganhos — se
condensariam numa vida feliz.6 Ele concordava que a felicidade
pode ser definida de uma série de maneiras: como
"prosperidade combinada com virtude", "independência da
vida", "gozo seguro do máximo prazer", "boa condição da
propriedade
e do corpo, juntamente com o poder de proteger sua
propriedade e seu corpo e de fazer uso deles". P.48

Leitores contemporâneos provavelmente ficarão confusos,


até mesmo desconcertados, com a composição da lista de
Aristóteles. Alguns de seus itens não são tão valorizados entre
as qualidades que homens e mulheres contemporâneos
mencionariam se lhes perguntassem sobre suas idéias de felicidade;
outros provocariam sentimentos conflitantes, para
dizer o mínimo. Esse é, num entanto, um perturbador
relativamente
secundário: o que deve confundir mais as pessoas
que buscam a felicidade no ambiente contemporâneo é o
pressuposto tácito de que a felicidade é (poderia ser, deveria
ser) um estado, talvez até um estado estável e permanente,
imutável quando alcançado. Uma vez que todos os itens da
lista tenham sido adquiridos e reunidos, e uma vez que se tenha
assegurado que possam ser "possuídos" para sempre,
- 50 -
pode-se esperar (sugeria Aristóteles) que proporcionem felicidade
a seus possuidores dia após dia - in perpetuo. É precisamente
isso que nossos contemporâneos considerariam
mais bizarro e improvável. Além disso, eles suspeitariam de
que essa estabilidade perpétua tivesse efeitos pouco atraentes
sobre a felicidade no caso implausível de ela acontecer. P.49

Não há nessa lista uma hierarquia de valores - todos os


ingredientes
estão colocados no mesmo nível de importância, indicando
que nenhum deles pode ser sacrificado em proveito de
outro sem diminuir a felicidade, e que a presença ou abundância
de qualquer um deles não poderia realmente compensar
a ausência ou escassez de um outro. P.49

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