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EU, VIDA E TRABALHO

Eu, vida e trabalho

Ao iniciar a reflexão sobre o texto retirado do livro “Ganhar a Vida é Perdê-la?”, fui
levado a fazer memória da minha infância e, com isso, tentar perceber como a ideia de
trabalho foi sendo construída para mim.
Vindo de uma família humilde e tradicional, o conceito de trabalho se formava a partir
da ausência diária do meu pai em função da labuta que era a garantia de subsistência da nossa
família. Minha mãe era “do lar” e eu entendia que, por esse motivo, ela não trabalhava.
Portanto, estes fatos me levavam a crer que o trabalho se dava somente enquanto fonte de
renda.
Na medida em que o tempo passava, por ordem natural da existência humana, eu
desenvolvia fisicamente e cognitivamente; porém aquela ideia inicial sobre trabalho
permanecia, ao ponto de questionar o porquê da minha mãe não ter um emprego – já que ela
“não trabalhava” – para aumentar a renda familiar e, assim, possibilitar maior acesso às coisas
que eu desejava comprar. Cresci vendo meu pai se sacrificar muito para proporcionar nossa
alimentação, educação e saúde básicas; para ele mesmo não sobrava quase nada. Talvez esse
contato com a realidade profissional do meu pai tenha, de alguma forma, deixado a impressão
de que trabalhar se resume à sacrifício inevitável da própria vida pelo bem de outros e nada
mais.
Aos 14 anos de idade comecei a ajudar meu tio em suas atividades de pedreiro e pintor
em troca de algum dinheiro. Nesse momento eu me sentia independente e queria cada vez
mais trabalhar para ter o meu próprio sustento. Estudar nem pensar, pois não via nenhuma
remuneração instantânea ao empreender essa atividade. Só mais adiante eu passaria a pensar
em cursar uma faculdade e, mesmo assim, nunca era pela perspectiva de realização
profissional ou aquisição de conhecimento, mas simplesmente pelo fato de poder ganhar mais
dinheiro. Por esse motivo, me convencia constantemente que o curso bom para graduação era
aquele que proporcionava maior salário e oferta de emprego; nesta expectativa decidi fazer
engenharia civil.
Porém, ao concluir o ensino médio, que foi concomitante ao curso técnico em
edificações, iniciei um estágio na área civil e posteriormente obtive minha carteira de trabalho
assinada, o que prolongou minha entrada na faculdade.
Os quatro anos posteriores à conclusão do ensino médio - os quais passei trabalhando
na área civil - foram suficientes para fazer com que eu repensasse toda a ideia que tinha sobre
trabalho e vida profissional. Minha experiência fez com que eu enxergasse que, afinal, o
dinheiro podia dar muitas coisas, porém realização profissional não – foi quando passou a ser
evidente para mim a importância de ser feliz e realizado na própria profissão. Nesse período
passei a me sentir totalmente deslocado, infeliz e, muitas vezes, desesperado pela ansiedade
de abandonar o emprego que possuía – e que por sinal era muito bom, pagava bem e oferecia
oportunidade de “crescimento”. O fato é que eu não conseguia projetar o meu futuro sob a
perspectiva da engenharia civil e podia fazer isso observando os meus colegas de trabalho
engenheiros; eu os via como pessoas que estavam sempre pressionadas e cobradas, atribuídas
de uma responsabilidade enorme que as faziam chegar antes que todos e sair depois que
todos, como se não tivessem tempo e saúde mental para desfrutar do próprio salário. Essa
realidade chegava a me apavorar.
Logo comecei a refletir e elaborar uma saída para aquela situação. Primeiro pedi
demissão e segundo procurei alguma coisa que pudesse me dar o que eu procurava: prazer em
trabalhar. Foi aí que decidi fazer o curso de matemática na UERJ. Prestei vestibular e fui
aprovado. A matemática era a junção entre humanas, por ser licenciatura, e exatas, onde eu
demonstrava habilidade; desse modo eu poderia ajudar as pessoas através da educação e, ao
mesmo tempo, poderia aproveitar matérias cursadas, caso quisesse voltar ao campo da
engenharia. A partir daí, ficou claro que para a minha realização profissional acontecer, eu
precisava encontrar um sentido, e o sentido estava em ajudar as pessoas. Estudei até o quinto
período e abandonei o curso que, apesar de gostar e ter habilidade para empreendê-lo, não era
ainda o que me satisfazia.
Desse momento em diante, eu passei a acreditar que para todo ser humano existe uma
vocação; no sentido de que há uma atividade em que este pode desempenhar e mesmo
sofrendo adversidades e enfrentando variados desafios será capaz de cumpri-la com
satisfação, encontrando sentido no que faz. O problema não consistia, portanto, na engenharia
civil e nem no meu antigo emprego, mas em mim. Aqueles que, mesmo sem saber, me
estimulavam a não querer seguir carreira como engenheiro civil, na verdade faziam porque
gostavam e encontravam sentido em tudo aquilo. Claro que havia, na minha opinião, certo
exagero na dedicação, porém quantos, quando fazem o que gostam, não acabam por se
dedicar exageradamente.
Finalmente a psicologia aparece para mim como uma resposta aos meus conflitos
profissionais. Minha vocação, portanto, não estava nem sequer na área de exatas, mas de
humanas. Hoje percebo que posso ser muito feliz enquanto psicólogo e encontro muito
sentido nisso, mesmo que seja ainda um estudante.
Conclusão

Minha história é parecida com a de muitos brasileiros. Os contextos são diferentes e,


no entanto, estamos abarcados pelos mesmos paradigmas estabelecidos pelo pensamento de
produção e consumo ao extremo. Desejo o que não possuo e quando possuo o que desejo já
não quero mais, logo passo a desejar e trabalhar por outras coisas; isso acaba por se tornar um
ciclo e garante que eu esteja refém do meu próprio consumismo.
Independente de se ter acertado em nossa própria vocação ou não, podemos entrar
nesse ciclo e ser consumido por ele. Muitos de nós não chega a perceber isso a tempo e passa
toda a vida sofrendo pela falta de qualidade em viver, o que pode gerar doenças, mal estar e
falta de sentido quando se chega à velhice.
Em minha opinião, o trabalho é importantíssimo ao homem, pois, a priori, lhe garante
a própria sobrevivência e a dos que lhe são dependentes (os filhos, por exemplo). Além disso,
proporciona a sensação de satisfação pessoal. Satisfação esta que é difícil de descrever, mas
arrisco dizer que passa pelo sentimento positivo de ver a obra das próprias mãos realizada e
servindo para alguma coisa.

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