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Resumo: Contextualização: Ataxia de Friedreich é uma doença genética rara, neurodegenerativa, cujos
sintomas manifestam-se durante a puberdade, levando o paciente a perda gradual da função postural.
Objetivo: verificar a força muscular e amplitude de movimento (ADM) de membros superiores (MMSS)
em um sujeito de 30 anos, portador de Ataxia de Friedrich, após tratamento fisioterapêutico. Como
instrumentos de avaliação foram utilizados o sistema de graduação de força muscular e goniometria.
Metodologia: a pesquisa constituiu-se de um estudo de caso experimental e descritivo, de caráter
quantitativo, cuja intervenção ocorreu na residência do paciente, no decorrer do ano de 2009. O
tratamento fisioterapêutico baseou-se no conceito neuroevolutivo Bobath. Resultados comparativos entre
a 1ª e 32ª sessões, indicam aumento na ADM e força muscular de membros superiores, após intervenção.
Conclusão: a partir dos dados coletados neste estudo, conclui-se que a fisioterapia é de suma importância
na manutenção da qualidade de vida de sujeitos com doenças neurodegenerativas, o que reforça a
importância da fisioterapia na qualidade de vida destes sujeitos.
Abstract: Background: Friedreich's ataxia is a rare genetic neurodegenerative disease, whose symptoms
appear during puberty, leading patients to gradual loss of postural function. Objective: to assess muscle
strength and range of motion (ROM) of upper limbs in a 30-year-old individual with Friedrich's ataxia
after physiotherapeutic therapy. The grading system of muscle strength and goniometry were used as
assessment tools. Methodology: The survey consisted of a case study of experimental and descriptive
quantitative character, whose intervention took place at the residence of the patient, during 2009. The
physiotherapeutic treatment was based on the Bobath neuroevolutive concept. Results: Comparative
results between the first and 32nd session indicate an increase in ROM and muscle strength of upper limbs
after the intervention. Conclusion: Based on data collected in this study, we conclude that physiotherapy
introdução
A Ataxia de Friedreich é uma doença genética de caráter autossômico
recessivo. Manifesta-se lenta e progressivamente e pode levar à incapacidade total
(CLARKSON, 2002). Os primeiros sintomas de perda das capacidades funcionais
aparecem na adolescência ou início da vida adulta com incoordenação motora,
desequilíbrio, nistagmo, fala escandida e arreflexia tendínea profunda (SOUZA, 2003;
SUBRAMONY et al., 2009).
Segundo Sendereck et al. (2005), a Ataxia de Friedreich tem início normalmente
entre 5 e 15 anos de idade e a prevalência na América do Norte e na Europa é de cerca
de dois casos por 100.000 habitantes, com uma frequência de portadores de cerca de
1:120. Rowland (2002) e Doretto (2005) citam que não existe preferência significativa
por gênero, embora seja mais frequente em homens que em mulheres e “incide em
todas as raças” (ALBIN, 2003; KUMAR; COLLINS, 2000).
A evolução da doença é progressiva e a maioria dos pacientes não consegue andar
15 anos após o início dos sintomas, embora haja variabilidade na razão de progressão.
O óbito, em média, ocorre entre 40 e 60 anos e decorre de infecção respiratória ou
cardiopatia (ROWLAND, 2002).
Pode ser encontrada em combinações com outros distúrbios neurológicos, como
síndromes extrapiramidais, atrofia muscular neurogênica, polineuropatia e miopatia,
embora existam dúvidas se seriam distúrbios distintos ou devidos a efeitos politrópicos
do gene (DIAMENT; CYPEL, 2005).
O gene para Ataxia de Friedrich se situa na porção proximal do braço longo do
cromossomo 9, na região 9q 13 e, na maioria dos casos, há uma expansão da repetição
de trinucleotídeos GAA (guanina, adenina) no primeiro íntron de um gene que
codifica uma proteína denominada Frataxina. Os indivíduos afetados herdam formas
anormais do gene da Frataxina de ambos os pais e possuem níveis baixíssimos da
proteína (HARDING, 1989). O tamanho de GAA, todavia não explica inteiramente
a variabilidade na idade de início ou na razão de progressão; outros fatores contribuem
para isso, incluindo o mosaicismo somático e outros modificadores genéticos ou
ambientais (ROWLAND, 2002; JESEL, 2007).
As alterações decorrentes da ausência/diminuição de Frataxina acometem
principalmente a medula; as lesões são marcantes nos tratos espinocerebelares, tratos
do funículo posterior, e tratos corticoespinhais, bilateralmente e também acometem
difusamente o cerebelo, sendo frequente o acometimento do núcleo denteado
Ca derno pedag ógico, L aje a do, v. 9, n. 2 , p. 49-58, 2012 50
Bruna Turel a da Silv eir a, M agali Teresinha Quev edo Gr av e, Eduar do Pér ico
da medula espinhal cervical pode ser detectada por meio de ressonância magnética. O
líquido cefalorraquidiano está normal (ROWLAND, 2002).
O teste genético para Ataxia de Friedreich utiliza uma pequena amostra de
sangue para determinar se os cromossomos da pessoa testada contêm a expansão da
tripla repetição no gene correspondente (análise direta do gene no cromossomo 9).
As mutações de ponto são mais difíceis de detectar (a expansão da repetição GAA,
indicando uma mutação gênica, explica cerca de 96% dos casos), mas este tipo de
teste também pode ser realizado por alguns laboratórios. Em quase todos os casos, o
resultado do teste pode determinar definitivamente se a Ataxia de Friedreich é ou não o
diagnóstico correto (SCHULZ; NICHOLAS, 2009).
O tratamento é baseado na fisioterapia motora, na prevenção das deformidades
e no treino de marcha (ROTTA et al., 2004). Atenção especial deve ser dada para
a possibilidade de comprometimento cardíaco. O uso de muletas e de andadores é
especialmente útil para o auxílio da marcha. A cirurgia para correção da escoliose está
indicada dependendo do grau da deformidade e da função respiratória. Cadeiras de
rodas podem ser úteis quando houver grande instabilidade na deambulação (SOUZA,
2003; DORETTO, 2005).
Estudos referentes à evolução do quadro neuromotor desta doença são escassos e
por isto, o trabalho propôs-se a aprofundar os conhecimentos sobre Ataxia de Friedreich
e verificar se a fisioterapia contribui na manutenção da força muscular e amplitude de
movimento (ADM) de membros superiores (MMSS) em um paciente de 30 anos de
idade, portador de Ataxia de Friedrich, dependente de cadeira de rodas há 15 anos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de caso experimental e descritivo de caráter quantitativo,
que utilizou como métodos de avaliação o Sistema de Graduação de Força Muscular e a
Goniometria em MMSS, incluindo flexores, extensores, abdutores, adutores, rotadores
mediais e laterais de ombro; flexores e extensores de cotovelo; flexores e extensores de
punho. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) do Centro
Universitário UNIVATES, sob protocolo nº 005/09 e prévia autorização do paciente e
de seu cuidador.
O tratamento fisioterapêutico foi realizado na residência do paciente, duas vezes por
semana, durante 16 semanas, num total de 32 sessões, distribuídas em 45 minutos cada,
no ano de 2009. Na 1ª e na 32ª sessões foram realizadas as avaliações da força muscular
e da ADM dos MMSS e nas demais houve intervenção fisioterapêutica. No primeiro
encontro foi realizada uma entrevista de anamnese com os pais, que informaram dados
sobre o histórico e evolução da doença.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Histórico do paciente:
O paciente, segundo seus pais, teve o desenvolvimento psicomotor compatível ao
que se espera de uma criança. Falou as primeiras palavras aos 9 meses e aos 14 meses
deu os primeiros passos sem apoio. Aos 12 anos sua mãe foi chamada na escola, pois
o filho não conseguia acompanhar as aulas de educação física, “tropeçava nos próprios
pés” e caia com facilidade. Consultou com neurologista, que atestou “ausência de
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AVA LI AÇÃO DA FORÇA M USCU L A R E A MPLIT U DE DE MOV I MEN TO...
alteração”. Aos 13 anos já não conseguia manter-se em pé sem apoio e “pendia sempre
para um lado do corpo”. Em 1995, aos 19 anos, a doença foi diagnosticada.
Atualmente, aos 32 anos, o paciente se expressa pelo olhar, apresenta sialorreia,
é dependente em atividades de vida diária (AVDs). Não apresenta deformidades
estruturais e possui controle de cabeça e de tronco. Do ponto de vista cognitivo,
mantém inteligência íntegra, é disposto e colaborativo.
Tabela 1 – Sistema de graduação da força muscular na primeira e última sessões, nos
músculos dos ombros, cotovelos e punhos (D/E).
Grupos musculares 1ª sessão (03.03.2009) 32ª sessão (20.12.2009)
Ombro D/E Grau de força muscular Grau de força muscular
Flexores ombro 1/1 3/3
Extensores de ombro 1/1 2/2
Abdutores de ombro 1/1 3/3
Adutores de ombro 2/2 3/3
Rotadores mediais 2/2 3/3
Rotadores laterais 2/2 3/3
Cotovelo D/E
Flexores 1/1 3/3
Extensores 1/1 2/2
Punho D/E
Flexores 1/1 3/3
Extensores 0/0 2/2
forma, fazer comparações dos resultados obtidos, e até avaliar se o tratamento proposto
foi eficaz. Nesse sentido, o tratamento realizado foi de grande importância, pois o
paciente não apresentou nenhuma perda, mas sim manutenção e evolução dos ângulos
articulares.
As medidas goniométricas são usadas pelo fisioterapeuta para quantificar
a amplitude dos ângulos articulares, decidir a intervenção terapêutica e, ainda,
documentar a eficácia desta intervenção. Os valores obtidos com a goniometria podem
fornecer informações para avaliar o procedimento de melhora ou recuperação funcional
e estabelecer os objetivos do tratamento (MARTÍNEZ et al., 2000).
Considerações finais
Mediante a comparação dos dados de avaliação e resultados obtidos a partir dos
protocolos de avaliação da Força Muscular Manual e da Goniometria, após intervenção
fisioterapêutica baseada no Conceito Neuroevolutivo Bobath, em 30 sessões de 45
minutos de fisioterapia domiciliar, pode-se inferir que a fisioterapia no ambiente
doméstico contribuiu positivamente para a manutenção da amplitude de movimento e
ganho de força muscular em músculos-chaves dos membros superiores, fundamentais
na realização de atividades funcionais como alimentar-se, pentear-se, movimentar a
cadeira de rodas, dentre outras.
Estes resultados podem ser considerados relevantes, visto que a Ataxia de
Friedrich, mesmo sendo uma doença neurodegenerativa progressiva, pode ter o seu
curso evolutivo retardado por meio da realização de atividades físicas e tratamento
fisioterapêutico especializado.
À medida que os atendimentos fisioterapêuticos eram realizados, além de
proporcionarem momentos de prazer para o paciente e sua família, conforme seu relato,
serviam igualmente para despertar-lhe o desejo de “melhorar”. A cada nova experiência
observou-se a comprovação de que atividades funcionais são de extrema importância
para a melhoria da qualidade de vida, tanto do paciente, quanto de seus familiares, que
aprenderam maneiras mais adequadas para fazer as transferências de seu filho, evitando
a sobrecarga de peso, bem como, a utilizar de forma ergonômica o ambiente doméstico.
Além do atendimento fisioterapêutico convencional, a partir deste estudo, fica
evidente a importância da família como facilitadora do processo de reabilitação de
seu “doente”, como também, a necessidade da avaliação e adaptação do ambiente
doméstico. Nesse sentido, abrem-se portas para profissionais da área da saúde
sentirem-se estimulados a continuar os estudos sobre esta doença, sempre com a
intenção de melhorar a qualidade de vida dos sujeitos acometidos e de seus cuidadores,
principalmente, no ambiente em que estão inseridos, pois a residência é o local onde
passam a maior parte do dia.
referências
ALBIN, R.L. Dominant ataxias and Friedreich ataxia: an update. Current Opinion
Neurology. v. 16, n. 4, p. 507-509, 2003.
JOHNSTON, T.; MOORE, S.; QUINN, L.; SMITH, B. Energy cost of walking in
children with cerebral palsy: relation to the Gross Motor Function Classifi cation System.
Developmental Medicine & Child Neurology. v. 46, p. 34-38, 2004.
SOUZA, A. M. A criança especial. Temas médicos, educativos e sociais. São Paulo: Roca,
2003.