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Armindo Jaime Gomes

ALEMBAMENTO

Por ter sido solicitado e ter nos comprometido com o auditório do CERTO - Centro de
Estudos e Recolha da Tradição Oral, sendo pouco divulgado, o tema em epígrafe, pode ser
lido em publicações etnográficas angolanas, com relativa profundidade de campo,
particularmente dos padres Estermann (1949) e Altuna (1993) assim como de Lopes Cardoso
(1964), mas é em Gomes (2004 & 2016) que encontramos subsídios etno-históricos um
pouco mais evidenciados e que dão ousadia de sistematizá-lo.
Alembamento, assim mesmo dito por alguns, alambamento por outros, a etimologia de
origem etnolinguística bantu, aparece no léxico português angolano com maior intensidade
depois da independência de 1975, sob influência do kimbundu de Luanda, mas do verbo
umbundu "okulemba", "okulembeleka" quer dizer "acalentar, acalmar, ressarcir, acariciar".
Por corruptela urbana, terá evoluído para “alembamento”, “alambamento” designação de uma
das importantes instituições ritualísticas matrimoniais bantu, à que os angolanos passaram a
chamar literalmente de "pedido de noivado" ao "pedido da mão" (cfr. ALTUNA, 1993) em
algumas variantes bantu. A instituição em si é tão antiga quanto são todas as parentais e afins
(cfr. GOMES, 2004), mas revitalizou-se depois dos acordos de Bicesse de 1991, quer em
consequência da uniformização extensiva da Administrativa do Estado, quer com o êxodo
populacional do campo à cidade devido às consequências das escaramuças político-militares.
Recordemos, para efeitos, que no trecho de tempo compreendido entre a proclamação da
independência nacional e a celebração dos acordos de Bicesse, grosso modo, os matrimónios
celebraram-se na perspectiva do direito consuetudinário e os de registo civil sucederam-se,
essencialmente, no seio da classe média, tendo havido considerável recuo nas celebrações
eclesiásticas em virtude das hostilidades que foram alvo do sistema político monopartidário
então vigente. Por interferência deste sistema, orientado pela doutrina marxista-leninista, os
actos religiosos de toda ordem, inibiam-se, pelo menos até ao Decreto Executivo nº 9/87, de
24 de Janeiro, altura que o Estado passou a reconhecer as Igrejas, segundo o Diário da
República, nº 7, I série.
Combatida pelos cristãos, sob cobertura da antropologia colonial, por se considerar adversa
aos seus princípios, relevante à interpretação tendenciosa que sobre ele se investia, aos
poucos a tradição do "pedido da mão" que se convencionou chamar de "pedido de noivado"
extinguir-se-ia se não fosse o retorno de angolanos, sobretudo da variante kikhongo,
essencialmente da RDC - República Democrática do Congo, face às consequências da
revolução dos cravos, de 25 de abril de 1974, então, com instituições de parentesco estáveis e
bem conservadas. Sem sentido de menosprezo, em alguns casos urbanos dos nossos dias, o
alembamento passou à equivalência de dotes matrimoniais.
Precedido de encontro restrito com valor ritualístico, mas recheado de simbolismo, conhecido
por cerimónia de apresentação, “ovitindiko”, dito genérico do acto em umbundu, no plural do
verbo “okutindika”, o mesmo que “consagrar, preferir, escolher, ocupar”, a partir de 1992,
nitidamente assente nos preceituados consuetudinários, o alembamento foi assumido como o
primário mais importante e legítimo no conjunto de rituais de casamento válidos na
constituição matrimonial, seguindo-lhe o civil, com força de lei e o canónico. É o casamento
legítimo, o agregado que envolve as matrilinhagens multifuncionais, interessadas ao assunto,
sob égide do pater-famílias representando as partes. Hoje, a sua omissão em matrimónios
angolanos, esta sendo alienada.

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Ainda há famílias e regiões no interior de Angola, tal como lamentara o Pároco de
Kaymbambu, há menos de cinco anos, que irrelevam os casamentos de índole positivo e
canónico, em consequência da burocracia que lhes caracteriza e exclusão das funções sociais
das parentelas, bastando o alembamento sob égide do pater-famílias com funções
legitimadas-legitimantes.
A figura do pater-famílias, quase em abolição, nos últimos tempos confinada nas vestes de
porta-voz, já foi a pedra angular, o centro de gravidade de cada sistema de parentesco (cfr.
GOMES, 2004), o patriarca com autoridade bastante para reunir os irmãos dos progenitores
dos nubentes na perspectiva do sistema de parentesco matrilinear e multifuncional
característico entre os bantu.
Sendo irmão da progenitora da ou do nubente, o pater-famílias é, para cada parte, o pai-mor
social, o educador principal. Representante-delegado das mulheres, é líder, soba, congregador
dos irmãos da progenitora do ego sobre o qual tem direitos e deveres. Os filhos da
progenitora do nubente, os das suas irmãs uterinas e das irmãs da progenitora materna da
progenitora do nubente são (cfr. GOMES, 2016), por força da matrilinhagem, sucessores do
pater-famílias a quem chamam de pai (cfr. GOMES, 2004), como são todos os irmãos da mãe
do nubente, negociadores, organizadores e monitores legítimos do matrimónio do ego.
No entanto, esta figura que fazemos referências (cfr. GOMES, 2016), não tem cabimentação
etno-histórica bantu se não lhe esgravatar da história greco-romana da qual é
etimologicamente originária. Entre nós, trata-se de um agente singular activo, com autoridade
bastante para liderar todo um sistema de parentesco matrilinear multifuncional bantu com
total respeito devido às características que lhe são munidas: eloquente e persuasivo, detentor
de poderes de referência e influência, económico, social, político, jurídico e religioso,
unificador e congregador. Respeitável, admirável e seguido por todos é o portador do título
de “mais-velho”, ùkúkû em bantu (cfr. op. cit.), variante umbundu. Aspirante a soba, por isso,
de sexo masculino, mandatário das mulheres que constituem a base do sistema de parentesco
em referência com todos os direitos e as consequentes obrigações, dele, depende o tear do
fogo perpétuo.
Era, ainda, para muitos como os bakhongo, continua o gestor das famílias unidas, o epicentro
das decisões, o ancião. Nada acontece sem a sua chancela. Por concentração às suas atenções
da capacidade económica, tornou-se ambígua entre as realidades socioculturais urbanas
hodiernas. Expirou nalgumas, como os ovimbundu e ambundu, devido à influência da
civilização cristã com pendor patriarcal colonial, mas em alembamentos, administração da
educação infanto-juvenil, gestão do património comunitário, gestão de conflitos e celebrações
funerárias angolanas, por regra, há alguém nas vestes da figura em causa, geralmente,
ambientada em princípios, mais ou menos, autoritários.
O alembamento é, inequivocamente, uma entre as instituições matrimoniais com força de
direito consuetudinário, intransponível pelo direito positivo, com envergadura de meter em
causa o código de família vigente na República de Angola: (i) apresentação da pretensão do
noivado, (ii) alembamento assente nos esponsais do noivado, (iii) o tear do fogo perpétuo
inclusivo da noiva, a chamada festa das panelas (chá de panela?!), “okukwata olombya” e (iv)
o baptismo do primogénito, o mesmo que “ohovya” em variantes ndombe e seguintes ao sul
do Kupololo.
É o ponto culminante de um casamento, o ritual mais importante entre eles, instrumento
fundamental de gestão e administração matrimonial. É interpretado através da avaliação do
espírito de sacrifício do noivo, demostrado em acto solene, com o cumprimento integral das

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exigências materiais da parte da parentela uterina da noiva escolhida. Legitima a autoridade
da figura de marido, chefe de família unifuncional.
Uma lista formal de bens materiais não perecíveis, da parte da parentela uterina da noiva, de
"pedido da mão" dela é, minuciosamente, desemaranhada em cerimónia solene de hasta
pública, pelo pater-famílias, decifrada em voz alta do seu designado porta-voz, enquanto a
plenária confere-lhe a honra. Actualmente, a ela se anexa uma carta-fórmula de tradição
ocidental. No final, o que se pretende com ela é certificar o limite do sacrifício do noivo face
à sua noiva (cfr. ALTUNA, 1993), partindo do princípio de que para a mulher escolhida, ao
marido não há extremidade.
Este princípio justifica sobremaneira a obrigação da preparação unilateral da lista integral dos
bens exigidos pela parentela da noiva, consentida pela do noivo a quem se impute total
cumprimento individual. Não sendo institucional no contexto actual, a lista é passível de
negociação e objecto de partilha das suas obrigações entre os diferentes membros do sistema
de parentesco deixando folga no espírito de sacrifício do maior interessado.
Ainda, sim, no que é hoje, a parentela reúne as contribuições auxiliares ao ego, acto
fraudulento que por consequências, retira a essência lógica da lista do alembamento.
Irresponsabiliza-o promovendo-lhe o espírito delinquente, pois incute-se-lhe a ideia de que se
o direito do casamento é do noivo, as respectivas obrigações são colectivas de imputação
familiar. Sobre os resultados do assunto, Curry (2018) é bastante elucidativo.
Salvo no contexto actual, em todas as circunstâncias, as custas com a lista de alembamento
são da algibeira do noivo por conter funções sociopedagógicas. Com ela a parentela da noiva
avalia o nível do espírito de sacrifício do pretendente prevendo o ambiente socioeconómico e
psicoemocional desta relação em edificação. Ao lado contrário, o noivo manifesta-se
competente em sacrificar-se pela mulher escolhida. Se os pais sociais contribuem na
organização do acto, descomprometendo-se das custas, o pai biológico desassume-se de tudo,
por ser estranho à matrilinhagem.
A lista elenca o conjunto de esponsais matrimoniais que, embora extemporâneas entre as
civilizações ocidentais, a sua tradição faz eco em história universal. Por tanta depreciação
tendenciosa que, em muitos casos tem sido alvo, ao ponto de promover discórdia entre
angolanos, os cristãos ocidentais e ocidentalizados qualificaram o acto de “compra/venda da
mulher", tal como se referiu o Bispo Belarmino Tchissengueti, muito recentemente, através
da rádio Eclésia.
Sucede que, tanto a qualidade como a quantidade material elencadas pela parentela
matrilinear, no direito da noiva e no dever do noivo, respondem aos anseios etnolinguísticos e
socioculturais dos implicados que o agente externo não pode entender facilmente tal
perspectiva cultura se não se balizar ao respeito.
No caso de Angola, as exigências relacionam-se com as realidades socioeconómicas
consuetudinária e etnogeográficas de cada área sociocultural: os (i) sedentários, no caso dos
tumundongo e bakhogo, capitalizados na faixa direita do rio Longa em diante, essencialmente
agricultores, manifestam peculiaridades similares; (ii) os centro-planálticos ovimbundu,
distribuídos entre os vales dos rios Longa, Kwanza e Kunene, enquanto agropecuários,
diferem-se à semelhança (iii) dos planálto-savánicos vangangela, valwimbi, vacokwe e
vambunda, por caracterizarem a sua sociocultura à economia florestal caçadeira.
Entre os minoritários de economia pastoril, nomeadamente, (iv) vanyaneka, vahelelo,
vakhumbi, ovambo, vakahona, vakwandu, vacindonga, confinados entre os vales dos rios
Kupololo, Kunene, Kuvangu, Kwandu e na orla desértica do Namibe, reservam-se entre

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elementos valorativos que lhes são específicos. Uma relação paralela justifica as disparidades
entre estes, os ricos, pobres e fidalgos rurais na mesma proporção dos urbanos, urbanizados e
cristãos. No seu todo constituem a diversidade que, imprudentemente, os cientistas angolanos
rotularam de “mosaico cultural”.
Assim, percebe-se por que razão não encontraremos listas de esponsais uniformes em
alembamentos aquém das cerimónias endogâmicas. O que não tem sido perceptível é quando
tais exigências aparecem em matrimónios exogâmicos e hipergâmicos. Para exemplos temos
o badalado casamento de 1998, dito costumeiro, de Nelson Rolihlahla Mandela, sul-africano
com a moçambicana Graça Simbine Machel, devido à quantidade de bovinos para tal
requisitada. Há entre os planálticos actos históricos com referências análogas. No caso,
constam os alembamentos poligâmicos de Silva Porto, português de nacionalidade e
monogâmico de Ladislau Magiar, húngaro de nacionalidade, actos ocorridos com mulheres
princesas do Ekovongo do século XIX.
Se entre criadores o touro é parte característica do alembamento, sendo o valor económico
mais elevado e vulgar, o mesmo não é cabimentável em cerimónias similares de caçadores,
agricultores, ágro-pastorís. Em vez do hidromel, abundante no leste, o makau e a mbulunga
do sul ou o malavu do norte, no planalto, a kisangwa contam no pacote de esponsais. Os
cristãos dispensam a lista, mas os urbanos exigem valores monetários que os pobres não são
capazes e os riscos elencam aliança de ouro importado do ocidente. Para os mesmos
objectivos, salvo os cristãos, os bens elencados com os mesmos objectivos, significação e
simbolismo, podem diferir na forma e no conteúdo e não nos efeitos e essências.
Ao nubente requisita-se a obrigação de honrar com o compromisso de juntar os bens
elencados pelo patriarca da parentela da nubente, atempadamente, ainda que para a sua
satisfação venha necessitar anos. O esforço particular, para respectiva aquisição, é, deveras,
condição sine qua non para granjear aceitação na parentela da noiva. Por este motivo, muitos
jovens ariscaram ao trabalho de contrato colonial e, hoje, assiste-se a presença massiva de
“benguelenses” zungueiros sazonais em principais artérias de Luanda.
Para todos exemplos, a lista dos esponsais padroniza-se, em obediência, no seguinte:
a) Muda de noivado, para a noiva, constituída por lenço de cabeça, brincos,
missangas, blusa, saiote, saia, cueca, pulseira, calçados, litro de óleo de palma para fins
cosméticos, barra de sabão azul para a sua higiene medicinal e dois panos entre os planálticos
ou três no leste. Ela é meritória da encomenda de compromisso entregue em cerimónia
antecedente e reduzida em lenço de cabeça, brincos, missangas, blusa, pulseira, calçados. A
este acto chamam de “apresentação” e aos ovimbundu são “ovitindiko”, do verbo
“okutindika”, o mesmo que comprometer, sujeitar, pretender. Sendo ambos actos
obrigatórios, naquele a lista é requerida pela parentela da noiva, neste é de responsabilidade
moral do pretendente, antes de noivar.
b) Muda para o pai, pater-famílias, pois o progenitor biológico torna-se agente
estranho ao sistema de parentesco matrilinhagens, portanto, agente passivo destas cerimónias:
Chapéu de três pontas, camisa de mangas longas, casaco, gravata, calça, cinto, lenço de
bolso, meias, calçados;
c) Muda completa para a mãe, progenitora biológica: Lenço de cabeça, brincos,
missangas, blusa (kimôni), dois panos entre os planálticos ou três no leste, pulseira, calçados;
Os bens elencados ganharam qualificações adoptivas em função da evolução histórica do
mercado internacional de era à outra. Não obstante ao esforço que se faz para manter o pano
africano, actualmente, é predominante o mercado ocidental.

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A quantidade e qualidade de bebida discrepam-se de exigências a outras, em obediência ao
número de consumidores que são os pais matriarcais da noiva. Sendo educadores legítimos, a
partir do alembamento assumem-se padrinhos da filha até ao baptismo do primogénito com
quem declaram a estabilidade matrimonial. Para além da bebida que lhes é aloucada por
direito, partilham os demais consumíveis incluindo os diversos sacrificados cuja distribuição
obedece a hierarquia parental sucessória.
A lista de esponsais do alembamento é, deveras, ilimitável. Os frequentes adicionais, em
anexo, são particularidades socioculturais, elitistas ou classistas. Chamemos-lhes de “brindes
petulantes”, mas há entre os ovimbundu pormenores uniformes: (i) eponda, designação de
cachecol. Elencou-se em tempos idos, quando o pano foi de uso masculino em vez de calças,
mas caprichosamente, famílias há que ainda o exigem; (ii) tição do fogo perpétuo inclusivo
(cfr. GOMES, 2016), da lareira da descendência matrilinear para atiçar a cozinha da noiva.
Sendo institucional para justificar a inclusão da noiva na materlinearidade do marido,
actualmente é simbolizado pela caixinha de fósforos ou isqueiro; (iii) ekonga, 1/5l de
kisangwa fermentada para anciãs. De especial só tem o nome e alvo-beneficiária porque não
deixa de ser kisangwa. (iv) flecha com azagaia e, por vezes, uma katana adicional,
instrumentos letais de defesa e segurança da noiva. Estavam em voga por causa dos
matrimónios virilocais e neolocais; (v) galo de grande porte para pitéu no final da cerimónia.
Hoje em dia substitui-se por um jantarão festivo, teoricamente, da conta da noiva.
A lista em descrição onera-se em função das valências sociais e económicas da noiva; grau de
beleza, nível cultural, idade, estado de virgindade, comportamento, etc. A exigência torna-se
menor quanto maior fôr a idade, sem virgindade, com maternidade antecedente. A pertinência
da lista se exclui do matrimónio de noiva com insucesso da relação anterior, idade próxima
da menopausa, em estado de viuvez. Agrava-se quando é feita perante a gravidez assumida
por qualificação de adultério.
Em casamento de matrimónio poligínico, para adicionar as outras noivas, a lista de esponsais
de alembamento é da outorga da primeira casada, mas as custas são da idoneidade do marido-
noivo. A partilha das responsabilidades justifica o envolvimento dela na escolha das demais
sob sua tutela. Para tal, um conjunto de rituais que não descrevemos aqui, obedece-se.
O casamento com a viúva consuma-se prevalecendo a devolução da lista à parentela do
marido-defunto pelo noivo recente. O mesmo sucede com o divórcio, figura incomum entre
os bantu (cfr. GOMES, 2016), cuja aplicação implica a devolução integral dos esponsais do
anterior alembamento. A invulgaridade do divórcio fundamenta a hierárquica partilha
matriarcal dos bens exigidos em alembamentos para reabilitar-lhes a competência de
vitalização da relação, pelo menos, até ao baptismo do primogénito, um ano depois. As
constantes e indiscretas visitas das “tias” em lares de “sobrinhas” recém-casadas actuais, é
indicador de monitorias que fazem nas vestes de mães-madrinhas.
A função social da lista do alembamento não onera só ao pretendente-noivo, outrossim,
sujeita a noiva-esposa na fidelidade matrimonial. ela arisca-se em não abandonar o lar, seja
qual fôr o motivo, sob pena de testemunhar a devolução contrafeita dos esponsais. Em
ambientes de violência doméstica, por exemplo, a ela reserva-se o amparo legítimo da
matrilinhagem do marido, de onde é portadora do fogo. Da atitude contrária, tomada por ela,
a sua matrilinhagem é condenada à devolução integral dos esponsais pondo fim ao
matrimónio. A devolução da lista instabiliza a legitimidade do alembamento e acaba sendo
instrumento de humilhação com repercussões psicossociais graves, que as famílias evitam.
Como se pode ver, a informação sobre o alembamento é, deveras, vasta. Centrando-nos
apenas na mal interpretada e, por conseguinte, aparentemente, famigerada lista, ficaram por
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abordar os demais rituais que lhe são constituintes, mas remanesce patente que os padrões
basilares desta instituição são os mesmos para os bantu angolanos e aos que perfilham os seus
hábitos e costumes com força de tradição.
O ruído que lhe é interferente acontece perante as práticas matrimoniais exogâmicas,
homogâmicas, hipergâmica ou hipogínicas. Os noivos sentem-se traídos deparando-se com
exigências, aparentemente, exóticas ao que acham de “excessos, oportunismo”
mercadológicos. Tal interpretação só é provável quando o lesado oscila da sua área
sociocultural para outra. Entretanto, há no alembamento hodierno considerável presença de
valores globalizantes que o revitalizam. Em função da sistemática extenuação do sistema de
parentesco multifuncional, tema reservada ao artigo seguinte, desaparece o protagonismo do
matriarcato. Sem ele, mesclada de argumentos bantu, a função social desta instituição ganha
novos conceitos ao mesmo tempo que o matrimónio é cooptado pelo patriarcato de índole
germânico-romano.

REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS

ALTUNA P. R. R. A.
(1993). “Cultura tradicional Banto”. 2ª ed. Secretariado Arquidiocesano de Pastoral.
Luanda.
ARJAGO (Armindo Jaime Gomes)
(1999). “Epata L’Usoma. Apontamentos Etno-históricos Ovimbundu”. NNARP.
Lobito.
CARDOSO Carlos Lopes António
1964, «A origem dos Mbali do distrito de Moçâmedes». Ultramar, volume IV, n º 16.
Lisboa.
CURRY Augusto
(2018). «Pais brilhantes, professores fascinantes». Editora Acácias. Luanda.
ESTERMANN Padre Charles
(1949) «Etnografia Angolana» (em três volumes recentes)», Portugal em África.
Revista de Cultura Missionária, 2.ª série, ano VI, vol. VII-VIII, pp. 107-132. Lisboa.
GOMES Armindo Jaime
(2016). «Ovimbundu pré-coloniais. Contribuição ao estudo sobre os planaltos de
Angola». CERTO - Centro de Estudos e Recolhas das Tradições Orais. CACUL, Lda.
Colecção Onjango. Nº 01. Benguela.
GOMES Armindo Jaime (Orient.), JEREMIAS Arão e NETO Joaquim.
(2004). “Uvala entre os Vahanya e sua complexidade sociocultural entre as épocas
colonial e actual”. Trabalho apresentado para a obtenção do grau de licenciado em
ciências de educação - opção História. ISCED - Instituto Superior de Ciências de
Educação do CUB - Centro Universitário de Benguela. Benguela.

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