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Introdução

Em Moçambique o histórico do lobolo remota desde o período antes da


dominação colonial,
como já fez menção Bagnol (2008), e desde então até aos dias que correm foi se revesti
ndo de novasformas de procedimento, como consequência das inúmeras motivações e
condições externas queenvolvem cada situação e momento histórico, porém mantendo o
seu valor sócio

cultural que setraduz na legitimação conjugal, no controlo e regulação da


descendência, dignificação das partesenvolvidas e a relação com os antepassados, como
assim demonstra Granjo (2005). Na perspectiva de Jeffreys (1951) entende-se que
lobolo é o meio através do qual o homem ganhaa guarda dos filhos e em Radcliffe-
Brown (Sd), o lobolo representa a compra da mulher pela famíliado homem. Estas
formas de interpretar esta prática sócio-cultural levam-nos a pensar o lobolo comouma
contrapartida que vai para além de uma simples compensação matrimonial, ele se
reveste deum conjunto de lógicas e valores que o tornam significante no seu contexto de
produção, queGranjo (2005) melhor apresentou. Neste contexto, o presente trabalho
versa sobre o lobolo em Moçambique.

1.1.Objectivos1.1.1.

Geral

Analisar as práticas de lobolo em Moçambique.

1.1.2.

Específicos

Identificar as principais funções do lobolo nas sociedades moçambicanas;

Caracterizar as etapas do lobolo;

Descrever as consequências do lobolo em Moçambique.

1.2.Metodologia

Para a realização do presente trabalho recorreu

se à pesquisa bibliográfica. Segundo Gil (1999, p. 39), este procedimento


técnico serve para sustentar teoricamente o estudo recorrendo à consulta

de “livros de leitura corrente, livros de referência e publicações periódicas”

2.

O lobolo em Moçambique
Ao longo do tempo, o lobolo em Moçambique foi sendo apresentado na literatura ora
como práticaretrógrada a eliminar, ora como prática e expressão cultural imaculada,
parada no tempo e resistentea qualquer alteração, ora como instrumento de subjugação
da mulher dentro do lar (Agadjanian,1999; Osório e Arthur, 200), e ainda como
cerimónia com função integradora da sociedade.De acordo com Cipire (1996: 58), está
na origem do lobolo o valor que em África é dado à mulher.Antigamente o pagamento
ao responsável pela jovem (o pai, o tio, o irmão) era uma forma deagradecer a família
da esposa a honra dada ao rapaz e, além de ser uma forma de informar aosespíritos dos
antepassados que a jovem ia sair da casa paterna.Rita-Ferreira (1967/68) afirma que no
sul do Save o casamento era uma questão privada entre doisgrupos, concluída sem
intervenção das autoridades políticas ou religiosas. O seu fim era a produçãode novos
indivíduos que, no futuro, assegurassem a sobrevivência do grupo como um
corpoorganizado. As negociações eram levadas a efeito entre as famílias interessadas e
o consentimentodos noivos era pressuposto. Considerava-se, por conseguinte, como
uma troca de serviços entreduas famílias pertencentes a clãs diferentes: uma delas cedia
à outra a capacidade procriadora deum dos seus membros e, para ser compensada pela
perda, recebia determinados bens (lobolo) quenormalmente eram destinados à aquisição
duma noiva para um dos irmãos da recém-casada (p.291-292).Granjo (2005) entende
que o lobolo está acima de todas as formas de instituição matrimonial e pormais que se
passem os tempos, mudam-se os hábitos o lobolo estará lá, indestrutivo,desempenhando
o seu papel. Defende ainda que o lobolo vai para além das adaptações culturais edas
considerações financeiras, ele se reproduz por si, é como se fosse a essência de si
mesmo,através de uma base inconsciente.Este autor refere que para a família do noivo o
lobolo é uma questão de honra, garante um prestigioe um estatuto social aos indivíduos,
tirando as famílias de uma si
tuação “irregular” ou de divida.
Para a família da noiva ele é importante por apazigua os antepassados e assegura a
protecção damulher no seu lar. O lobolo contém em si a legitimação conjugal, o
controlo e regulação dadescendência, a dignificação das partes envolvidas e a relação
com os antepassados, Granjo (2005)
Para Feliciano (1989), o lobolo enquadra-se dentro de um sistema de créditos
matrimonial, ou seja,o valor recebido pela saída da mulher, da casa dos seus pais, por
via do lobolo, é aplicado naaquisição de uma mulher de outra família, igualmente por
meio do lobolo, fechando desse modo alacuna anteriormente deixada. Trata-se aqui de
uma troca indirecta de mulheres e de serviços.
2.1.Etapas do lobolo
Henri Junod (1996), destacou seis momentos, nomeadamente: Os preparativos, o assalto
a aldeia,o pagamento do lobolo, cortejo nupcial, o acto religioso e o cinto simbólico,
respectivamente. No primeiro momento apresenta aquilo que são as tarefas ou deveres
das partes, onde refere que a preparação das bebidas era da responsabilidade da família
da noiva, o noivo tem a responsabilidadede levar uma cabra, cabendo a sua família a
função de verificar e conferir as enxadas e librasesterlinas exigidas para o loblolo.O
segundo momento corresponde ao assalto a aldeia, marcado por injúrias e conflitos
entre os doisgrupos aliados que culmina em festa, tal como, veio a fazer menção
Feliciano fez (1989) em estudos posteriores, quando buscava compreender as lógicas do
parentesco Changana.De acordo com Junod (1996), o terceiro momento prende-se com
o pagamento do lobolo que ocorrena aldeia da noiva, feito com recurso a enxadas que
eram depois conferidas por vários membros dafamília da noiva, de modo a devolverem
caso a mulher fosse devolvida por alguma razão, ou paraa aquisição de mulheres,
igualmente, por via do lobolo.Para Junod (1996), o quarto momento corresponde ao
cortejo nupcial, onde ocorre o sacrifício dacabra e na sequência as irmãs do noivo e
outras mulheres vão a procura da noiva nas aldeiasvizinhas e a trazem ao palco da
cerimónia e depois se retiram daquele local. A família do homemfica de um lado e a da
mulher do outro, trocando-se injúrias mutuamente, cantando e dançando,como parte
integrante da cerimónia.Por sua vez Loforte (2000) revela que o lobolo apresenta varias
facetas, embora de um modo maisgeneralizado considera o lobolo como sendo a oferta
da compensação matrimonial pela família donoivo e a sua aceitação pela família da
noiva. Nessa ordem de ideias o lobolo movimenta umadupla circulação em sentidos
inversos em distintas esferas que asseguram a reprodução do sistema matrimonial
expresso num movimento de troca de mulheres por bens e valores monetários
esimbólicos.Procurando maximizar o proveito desse sistema de trocas há famílias que
elevam o valor do lobolo,e sobre esse valor acrescenta-se ainda um outro que vai sendo
entregue aos familiares da noiva noacto das conversações, destacou Loforte (2000) para
a seguir concluir que o factor económicodesempenha um papel significativo na estrutura
do casamento e na vida das unidades domesticasnos bairros.
2.2.Significado do lobolo
As funções do lobolo eram múltiplas. Em primeiro lugar representava uma
compensação (no
sentido lato) e não um “dote” nem um “preço de compra”, como de forma errada alguns
o têm
considerado. Em segundo lugar legalizava a transferência da capacidade reprodutora da
mulher para o grupo familiar do marido, de que passava a fazer parte. Em terceiro lugar
dava carácter legale estabilidade à união matrimonial. Em quarto lugar tornava o marido
e respectiva famíliaresponsáveis pela manutenção e bem-estar da mulher lobolada
(esposa). Em quinto lugarlegitimava os filhos gerados, que se consideravam sempre
como pertencentes à família que havia pago o lobolo. Em sexto lugar constituía um
meio de aquisição de outra unidade reprodutora parao grupo enfraquecido (Rita-
Ferreira, 1967/68: 292).Considera-se também que o lobolo serve de mecanismo
protector da mulher e dos seus filhos emcaso de uma fatalidade que a deixe sem
recursos. A mulher lobolada e com filhos, em caso damorte do marido, passa a ser um
encargo da povoação onde vive, isto é, sente-se protegida e paraela a situação do lobolo
é um amparo nas contingências da vida (Casqueiro citado por Cipire, 1996:60).Rita-
Ferreira (1967/68) faz referência a três outros detalhes que, segundo ele, revelavam o
carácterdo lobolo: a)

a orientação que pendia sobre o grupo familiar da mulher de apresentar umasubstituta
no caso de comprovada esterilidade da lobolada; b)

a obrigação dos irmãos mais velhosajudar os mais novos na obtenção do lobolo; c)

a continuação da viúva no grupo familiar domarido (p.292). Deste modo, ao casar-se, a
mulher tornava-se mais do que esposa de determinadoindivíduo. Tornava-se membro da
família do marido.

Rita-Ferreira (op. cit.: 293) faz notar também que o lobolo sofreu algumas
modificações. As regrasda economia monetária degradaram as relações entre os
indivíduos e entre os grupos familiares.Onde outrora se processava uma repartição que
o autor considera coerente de mulheres e dealianças, passaram a surgir competições e
ganâncias onde só entra o factor material.O lobolo deixou de ser considerado como
meio de aquisição de uma mulher para o irmão da noivae, por pressão da economia
monetária, passou a ser pago predominantemente em dinheiro, que édispendido do
mesmo modo que o obtido com os salários ou a venda de produtos agrícolas. Aolobolo
passou a ser dada uma utilização meramente especulativa, ansiando os pais, por pura
avidezde lucro, exigir importâncias cada vez maiores.
2.3.Consequências do lobolo
O casamento tradicional estabelece laços entre o homem e a mulher, como também
impõe umarelação em que ela deve satisfazer seu marido, ou
seja, “os casamentos, conduzem a que estes
passem a constituir-se, na maior parte dos casos, como uniões que se fazem e se
desfazem à mercêda vontade masculina

(Osório, 2006, p. 2), caso contrário, segundo refere esse autor, sob o riscode a mulher
ser expulsa do lar, agravando assim a sua situação de pobreza e vulnerabilidade social.O
que significa que, depois de ser lobolada (casada), ela deve obedecer e cumprir com
todos osdeveres ordenados pelo marido, partindo-se do princípio de que ele é quem
cuida do seu bem-estare lhe dá assistência econômica (Malinowski, 2003, p. 35), pois as
mulheres que não se ajustam àessas obrigações são oprimidas, sujeitas ao divórcio e
dificilmente encontram homem para casar.E, nas sociedades bantu, como é caso de
Moçambique, o matrimônio é tido como, um dever, umaexperiência fixada pela
comunidade e um ritmo de vida em que cada um deve tomar parte. Quemnão participa é
uma maldição para a comunidade, é um rebelde: não só é anormal como chega aum
nível inferior ao humano. Em geral, se um indivíduo não se casa rejeitou a sociedade e
que asociedade o rejeitou a ele (Mbiti, 1972, apud Altuna, 2014, p. 300).Assim,
entendemos que o matrimônio é uma prática sem a qual, o indivíduo não
temreconhecimento pela sociedade porque é considerado garantia das linhagens ao
direito sobre adescendência.

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Segundo nossa concepção, o lobolo é uma espécie de matrimónio realizado no sul de
Moçambique,em que a cerimónia consiste em entrega da mulher/noiva ao homem
através de troca de bens, umaespécie de venda. Este matrimónio do tipo lobolo faz com
que as mulheres tenham autocontrolo deseu comportamento e seja submissa ao seu
marido.A prática do lobolo se configura em uma violência contra a mulher porque faz
com que ela estejaem constante vigilância na sua relação com o marido. Aliás, a
ideologia patriarcal está tãofirmemente interiorizada e as suas formas de socialização
são tão perfeitas e subtis, que a coação
estrutural que se desenvolve conduz a que “o medo das que são susceptíveis de serem
vítimas de
violência, só por si, atua como um poderoso mecanismo de controlo.Como se pode
observar, quando uma mulher é casada através do lobolo praticamente ela éinculcada a
se sujeitar, a viver e/ou a suportar qualquer tipo de trato, ficando desimpedida
deseparar-se por causa do pagamento efetuado pelo homem no momento da
consagração domatrimónio. Ou seja, o lobolo faz da mulher, um produto de
mercantilização social, uma forma dedominação masculina em que, a violência acontece
como reflexo das relações matrimoniaisinstitucionalizadas pela sociedade em seu nível
estrutural. Na realidade, que se depreende é que com o lobolo estimula-se a dominação
masculina no seio darelação conjugal, facto que pode contribuir para o incitamento da
violência contra as mulheres, semdeixar de lado que, em situações de desentendimento
entre o casal, as mulheres perdem autonomiade decisão a respeito do seu retorno à casa
dos seus pais ou familiares. Assim, o caráter remunerávelde consagração de matrimónio
via lobolo movimenta dois sentidos construídos e reproduzidos nasociedade
moçambicana. Segundo nos esclarece Mateus: Por um lado, o lobolo pode ser visto
comouma forma de manter o
status
quo das relações de poder sustentadas numa masculinidadehegemônica; por outro lado,
pode ser entendido como um mecanismo de perpetuação dasideologias patriarcais,
culturalmente presentes na região sul do país e assentes em um modelosociocultural que
fomenta desigualdades de gênero (2015, p. 46). No entanto, se o lobolo é tido
como instrumento pelo qual se comprova ao público o consentimentoque se estabelece
entre duas famílias, signific
a que este ritual, em princípio, “garante a estabilidade
familiar, a harmonia social e robustece a solidariedade vertical e horizontal entre os dois
grupos
onsiderações Finais
O lobolo adquire um sentido polissêmico, não podendo ser interpretado como uma
cópia exata deuma prática anterior. A mistura com outras práticas religiosas demonstra
o efeito fragmentado dossujeitos e a mobilização multifacetada de suas identidades para
realização do lobolo no mundocontemporâneo.O facto é que algumas das características
que fazem com que o lobolo continue de modo expressivohoje são, principalmente, o
seu instrumento para superação de problemas espirituais; a busca pelaharmonia social
entre vivos e antepassados e a inscrição do indivíduo numa relação de redes
de parentesco que faz parte de sua identidade social. Em síntese, o lobolo mantém-se
e, aparentemente,reforça-
se de acordo com as situações sociais, “reproduzindo
-se hoje num contexto em que o
discurso público generalizadamente aceita (e por vezes enfatiza) a tradição”
8
4.

Referencias Bibliográficas
Cipire, F. (1992).
A educação tradicional em Moçambique
, Maputo: Emedil.Feliciano, José Fialho (19890.
O Sistema de Parentesco Changana
: Prova complementar de tesede doutoramento em Antropologia pela Universidade
Técnica de Lisboa, Lisboa.Granjo, P. (2004).
O casamento do meu amigo Jaime: um velho idioma para novas vivênciasconjugais.
Jeffreys, M.D.W 1951. Lobolo é o preço da criança, (Sl): African.Junod, Henri. A.
(1996).
Usos e costumes dos bantu-1
, Maputo: Arquivo Histórico deMoçambique, Tomo I.Loforte, Ana M. (2003).
Mulher, poder e tradição em Moçambique
. Maputo, In: “Outras Vozes”,
nº 5, Novembro de 2003.Malinowski, B. (2003).
Crime e costume na sociedade selvagem
. Brasília: Editora UNB, ImprensaOficial do Estado de São Paulo, 2003.Osório, C.
(2015).
Os ritos de iniciação: Identidades femininas e masculinas e estruturas de poder
.Maputo: WLSA Moçambique, 2015.Rita-Ferreira, A. (1967-68),
Os africanos de Lourenço Marques
, Lourenço Marques, IICM,Memórias do Instituto de Investigação científica de
Moçambique, Série C, 9: 95-491

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