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Indice

Introdução..................................................................................................................................2
Conceito do Lobolo....................................................................................................................5
1.2 Evolução do lobolo no sul de Moçambique.........................................................................6
1.3 Funções do Lobolo...............................................................................................................8
1.4 Lobolo na cidade de Maputo................................................................................................8
1.5 A cerimónia do lobolo nas comunidades Rongas...............................................................11
1.6. A PERSISTÊNCIA DA PRÁTICA DO LOBOLO NO SUL DE MOCAMBIQUE.........13
Conclusão.................................................................................................................................15
Bibliografia..............................................................................................................................16

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Introdução

A presente pesquisa versa sobre A Persistência do Lobolo em Moçambique, mas


concretamente nas comunidades Rongas situadas no Sul de Save, o motivo que esta por de
trás da escolha deste tema é o facto de em vários estudos até agora realizado constatar-se que
o lobolo vem sofrendo varias transformações, isto é, vem perdendo o seu valor simbólico ou
cultural na qual foi concebido, mas sim passando mas a valorizar questões monetária acima
dos valores morais ou culturais.

O presente tema já foi abordado por vários autores dentro os quais Ferreira In Notícias
14/05/1971, “As funções do lobolo eram por conseguinte, múltiplas. Em primeiro lugar
representava uma compensação (no sentido lato) e não um “dote” nem um “preço de
compra” como erroneamente alguns o têm considerado. Em segundo lugar, legalizava a
transferência da capacidade reprodutora da mulher para o grupo familiar do marido, de que
passava a fazer parte. Em terceiro lugar dava carácter legal e estabilidade à união
matrimonial. Em quarto lugar tornava o marido e respectiva família responsáveis pela
manutenção e bem-estar da esposa. Em quinto lugar, legitimava os filhos gerados que se
consideravam sempre como pertencentes à família que havia pago o lobolo. Em sexto lugar,
representava um meio de aquisição de outra unidade reprodutora para o grupo enfraquecido
pela cedência de uma das suas mulheres”. Taibo (2012:29) analisa o conceito de lobolo em
duas vertentes antropológicas: a teoria evolucionista e a teoria estruturo-funcionalista. Já
Bagnol no seu artigo lovolo e espíritos no sul de Moçambique (252), explica que o lovolo é
ritual aos antepassados para evitar violência, doenças e os problemas de varias ordens
colocando assim o ritual no sistema religioso.

Com o passar do tempo o lobolo ou o lovolo vem sofrendo varias mutações, derivados de
vários factores dentro os quais culturais, económicos e sociais. Para uma melhor
compreensão o problema que se levanta é quer perceber até que ponto o lobolo ou lovolo
persistiu ao longo do tempo, tomando em consideração as respectivas modificações ou
transformações que vem sofrendo?

A hipótese que si levanta para a presente é a seguinte:

 Provavelmente o lobolo ou lovolo constitui um meio de valorização dos hábitos e


costumes dos povos Rongas, razão pela qual tem resistido ao longo as dinâmicas
socais?

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O objectivo que ira guiar a presente, é facto de quer compreender os mecanismos que levam
o lobolo ou lovolo a perdurar ao longo, apesar dos mutações quem vem sofrendo ao longo do
tempo. Terá ainda como objectivos específicos:

 Conceitualizar o lobolo no sul de Moçambique;

 Explicar a evolução do lobolo em Moçambique;

 Descrever as cerimónias do lobolo em comunidade Rongas

 Identificar os mecanismos que estão por de trás do lobolo durar ao longo do tempo.

No que concerne a revisão da literatura vários autores já discutiram sobre o tema em questão
Taibo (2014:29) o conceito de lobolo é definida em função de luz de algumas perspectivas
antropológicas, a teoria evolucionista predominante nos finais do século XIX moldou uma
abordagem vincada na origem das relações de parentesco inerentes a este ritual, sendo que
uma das preocupações foi o papel do tio materno na cerimônia de casamento.

As definições do conceito de lobolo, neste âmbito, realçavam a questão econômica como o


elemento explicativo e determinante do ritual. Porém, a abordagem estruturo-funcionalista –
Radcliffe-Brown é uma das figuras centrais – sublinha a dimensão social como o fundamento
para a compreensão das lógicas que norteiam o lobolo. Ibid

Santana defende que o lobolo sofre varias influenciais, isto é, a colonização europeia também
trouxe modificações à instituição do lobolo. Santana citando a revista o Tempo, no modo de
organização social ancestral, ele era negociado entre as famílias por intermédio do chefe de
linhagem, em cujas mãos se concentravam a organização e o monopólio das redes
matrimoniais.

Ferreira advoga que o modelo tradicional do lobolo, tende a ser substituído, no seu artigo
publicado no IN NOTICIAS, o trabalho assalariado veio permitir a obtenção, sem custo
excessivo, do lobolo, outrora tão difícil para os rapazes sem irmãs, com a não pequena
vantagem de que, não tendo as mulheres sido obtidas por troca de bens familiares,
desapareciam as complicações com os parentes.

Um ponto em comum é discutido entre vários autores, na qual a instituto do lobolo sofreu
varias mutações, mas que no final mantem a sua essência.

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Quanto ao referencial teórico, no campo da discussão em torno do lobolo, podemos destacar
varias abordagens que podem ser feitas, mas a presente pesquisa terá como suporte, a
dissertação RUBEN MIGUEL MÁRIO TAIBO: LOBOLO (s) NO MOÇAMBIQUE
CONTEMPORÂNEO: mudança social, espíritos e experiências de união conjugal na cidade
de Maputo, para Taibo citando Ferreira defendem que o lobolo era considerado como uma
troca de serviços entre duas famílias pertencentes a clãs diferentes; uma delas cedia a outra, a
capacidade procriadora de uns dos seus membros, para ser compensada pela perca, recebia
determinados bens (lobolo), que normalmente, eram destinados a aquisição de uma noiva
para um dos irmãos da recém-casada.

A pesquisa irá basear-se na recolha bibliográfica, na análise documental, em paralelo,


realizaram-se inqueritos por entrevista, em seguida será feito o cruzamento de várias
bibliografia recolhida, assim como dos diversos documentos, material retirado da internet.
Por fim fara-se a compilação de toda informação recolhida.

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1.1 Conceito do Lobolo

A abordagem sobre o lobolo insere discussões teóricas que influenciaram a sua concepção.
Nessa ordem de ideia importa buscar alguns conceitos de alguns autores que já debruçaram-
se sobre o lobolo no sul de Moçambique, segundo Serra o lobolo não é um acordo entre um
homem e uma mulher, mas entre duas famílias patriarcais, o amor entre esse homem e essa
mulher não conta no lobolo, o que conta são os interesses das famílias. A perda de uma filha
numa família deve corresponder a uma compensação em dinheiro.

O lobolo é um costume cultivado até hoje no Sul de Moçambique. Segundo esta tradição, a
família da noiva recebe dinheiro pela perda que representa o seu casamento e a ida para outra
casa.
Segundo Taibo citando Jeffreys, lobolo é o substantivo que designa a transferência de gado
entre os negros sul- africanos, transferência que dá poderes paternais, a posse das crianças,
o lobolo legitima a manutenção e controle da descendência patrilinear mas não estabelece,
necessariamente, a união entre um homem e uma mulher. Jeffreys justifica o seu
posicionamento: a minha insistência de que o `lobolo´ é preço da criança e a única definição
verdadeira e correta, baseia-se no facto de que durante trinta anos de magistratura na Nigéria,
iniciados em 1915, depressa aprendi que dote, como o `lobolo´ é ali chamado, comprava o
direito aos filhos da mulher (…) pelo pagamento do dote, o noivo adquire o direito de reter os
filhos da mulher, mas não paga o direito de reter a mulher” (Ibid.: 10).

Taibo citando Junod explica que o termo lobolo deriva do “Cu lobola que significa comprar
em casamento, diz-se de um pai que reclama ao pretendente da filha uma certa quantia em
dinheiro. Lobolo ou ndjobolo ou bucóssi é a quantia paga: os bois, as enxadas ou as libras
esterlinas”.

Taibo citando Ferreira percebe que o lobolo “era considerado como uma troca de serviços
entre duas famílias pertencentes a clãs diferentes; uma delas cedia à outra, a capacidade
procriadora de uns dos seus membros, e para ser compensada pela perca, recebia
determinados bens (lobolo) que, normalmente, eram destinados a aquisição de uma noiva
para um dos irmãos da recém-casada.

1.2 Evolução do lobolo no sul de Moçambique

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Dados históricos apontam para modificações significativas na maneira como o lobolo foi
realizado ao longo do tempo em Moçambique. No período pré-colonial, o lobolo era
realizado com esteiras e objectos de vimes. Com o início do comércio costeiro foram
introduzidos novos objectos. Frei João dos Santos, missionário em Moçambique no fim do
século XVI, reporta que cafres destas terras compram as mulheres com que casam a seus pais
ou mães, e por elas lhe dão vacas, panos, ou enxadas, cada um segundo sua possibilidade e
segundo a mulher.

No início do século XIX, os bois eram um importante meio de prestígio, de acumulação de


riqueza, de acesso às mulheres e filhos e de garantia de segurança alimentar. Porém, nos anos
1850, quando os primeiros moçambicanos da Região Sul começaram a procurar trabalho na
Africa do Sul, o lobolo começou a ser realizado com recurso a libras esterlinas, em paralelo
com o uso de enxadas e bois (Taibo citando Junod, 1996, pp. 254-256). Contudo, o gado
bovino permaneceu a referência na determinação do valor a ser dado. Durante o período
colonial, o governo português mostrou um interesse particular pelo lobolo. Assim, nos anos
1930, as autoridades coloniais estabeleceram um valor a ser pago pelo lobolo para
controlarem os movimentos de gado. Era obrigatório comunicar à administração a
transferência de gado de um grupo para outro.

Na mesma altura, a Igreja Católica, visando «civilizar» a população, agiu contra o lobolo,
proibindo os recém-convertidos de o praticarem e encorajando os casamentos canónicos. Na
mesma linha, depois da independência, em 1975, o governo da FRELIMO definiu uma
estratégia que visava erradicar o que chamava «valores retrógrados da sociedade tradicional»,
que incluíam o lobolo. A posição da FRELIMO está claramente expressa na citação seguinte:
«A sociedade, compreendendo que a mulher é uma fonte de riqueza, exige que seja pago um
preço. Os pais requerem do futuro genro o pagamento de um preço, o lobolo, para cederem a
filha.

Assim, em 1978, o projecto de Lei da Família, capítulo I, artigo 4, sobre a consensualidade,


define: O casamento não é um negócio e não se destina a obter em troca qualquer vantagem
material para os cônjuges ou seus familiares. O Estado combate, em particular, a entrega de
quaisquer valores ou bens a título de lobolo, gratificação, apelamento ou indemnização.

Porém, apesar da agenda política da FRELIMO e de acordo com estudos realizados na


década de 80 do século XX, a prática do lobolo manteve-se nas zonas rurais e urbanas. Várias
pesquisas, assim como os meios de comunicação social, referem-se ao incremento do valor

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monetário do lobolo e dos outros bens pedidos: jóias, vestuário, vinho e cerveja (Teixeira,
1987). Para evitarem problemas políticos e legais as pessoas mantinham o assunto em
privado e em certos casos negavam tê-lo praticado (Welch e Sachs, 1987). Devido a várias
pressões, nos anos 1990 o governo da FRELIMO tornou-se mais tolerante com as «tradições»
anteriormente consideradas «retrógradas e supersticiosas» e assumiu que a sua agenda
política devia ser harmonizada com estas práticas.

Dados de 1990 indicam que após mais de um século de crítica ao lobolo, a nível nacional,
somente 10% dos casamentos eram realizados segundo a lei civil. Os restantes 90% eram
uniões de facto, casamentos religiosos ou «tradicionais» (Casimiro et al., 1990), não
reconhecidos formalmente. Somente em 2003 a Lei da Família estabeleceu a possibilidade de
reconhecer os casamentos religiosos e tradicionais, garantindo às pessoas casadas, de acordo
com estes rituais, o acesso aos direitos e obrigações estabelecidos pela lei formal.

A fim de entender o processo de casamento, do qual o lobolo faz parte, importa realçar que,
actualmente, este inclui três fases principais, cada uma subdividida em vários
acontecimentos. A primeira consiste na apresentação da intenção do noivo de criar um laço
com uma mulher, realizada por parentes e amigos, num encontro chamado hikombela mati6.
Nesta ocasião, ou após esta cerimónia, os familiares da noiva dão aos representantes do noivo
um documento no qual são especificados os pedidos para o lobolo. Após alguns meses ou
anos, dependendo da capacidade do noivo para adquirir os presentes, o lobolo é realizado.

A noiva passa, assim, a fazer parte do grupo do marido e o noivo é um mukon’wana, um


genro. Tanto a cerimónia de hikombela mati como a do lobolo são realizadas por
representantes do noivo e da noiva. Geralmente, são parentes próximos, como os tios e tias
paternos e maternos e os irmãos e irmãs. São igualmente incluídos vizinhos, conhecidos da
igreja ou amigos, seleccionados pela sua capacidade de argumentação. Realizado o lobolo, o
casal vai viver com os familiares do noivo ou numa residência independente. A noiva é
levada pelos seus familiares para a nova casa numa cerimónia chamada xigiyane. Durante o
xigiyane, os pertences da noiva e os presentes da sua família acompanham-na (estes são,
geralmente, vestuário e utensílios domésticos).

1.3 Funções do Lobolo

As funções do lobolo eram por conseguinte, múltiplas. Em primeiro lugar representava uma
compensação (no sentido lato) e não um dote nem um preço de compra como erroneamente
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alguns o têm considerado. Em segundo lugar, legalizava a transferência da capacidade
reprodutora da mulher para o grupo familiar do marido, de que passava a fazer parte. Em
terceiro lugar dava carácter legal e estabilidade à união matrimonial. Em quarto lugar tornava
o marido e respectiva família responsáveis pela manutenção e bem-estar da esposa. Em
quinto lugar, legitimava os filhos gerados que se consideravam sempre como pertencentes à
família que havia pago o lobolo. Em sexto lugar, representava um meio de aquisição de outra
unidade reprodutora para o grupo enfraquecido pela cedência de uma das suas mulheres

Segundo Ferreira no seu artigo o Problema do Lobolo revela claramente o caráter do lobolo,
na qual divide em três vertentes:

 Obrigação que pendia sobre o grupo familiar da esposa de apresentar uma substituta
no caso de comprovada esterilidade da lobolada;

 A obrigação dos irmãos mais velhos ajudar os mais novos, na obtenção do lobolo;

 A continuação da viúva no grupo familiar do marido.

Assim, ao casar-se, a mulher tornava-se mais do que esposa de determinado indivíduo.


Tornava-se membro da família do marido, não sendo o sentido do termo “família” aqui
confinado às outras mulheres e filhos desse marido, mas englobando todos os respectivos
parentes agnáticos (tios paternos, irmãos filhos do mesmo pai e filhos por ele havidos). Ibid

1.4 Lobolo na cidade de Maputo

Segundo Taibo citando Granjo autor de uma etnografia baseada no lobolo de um casal (Jaime
e Elsa) residente nos arredores da cidade de Maputo, algures no conhecido bairro do
Xipamanine. Como forma de oficializar tradicionalmente a sua união, o casal realizou um
lobolo que, sob ponto de vista do “costume”, estava atrasado. Afinal já moravam juntos a 12
anos e tinham filhos. A cerimónia inicia com o kupahla – a referida “conversa com os
espíritos” – efectuado pelos parentes do noivo antes de partirem a casa da noiva. O tio
paterno do noivo era a figura que orientava os procedimentos. Desta feita podemos concluir
que o lobolo é percebido como sendo um casamento tradicional que antecede o casamento
civil de salientar que não trata-se de união de facto.

Segundo Santana citando Vitorino Ferreira Sambo, residente da Província de Maputo,


apresentou algumas explicações na qual o lobolo tinha suas raízes na forma de organização

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das sociedades tradicionais, a partir das quais a família desempenhava um importante papel
nas relações sociais e na produção económica do colectivo, tendo como eixo principal a
produção familiar. Assim, o casamento constituía uma instituição significativa porque era por
ele que se garantia a produção agrícola e a geração da descendência.

Nesse sentido, as mulheres cumpriam um papel central nessas sociedades. O matrimônio,


portanto, representava um acordo realizado entre dois grupos familiares sob jurisdição do
chefe de linhagem, mas a saída de uma das mulheres da família para o casamento exigia, da
família do noivo, uma compensação que deveria ser paga à família da noiva, sendo essa
quantia utilizada posteriormente para o casamento de seu irmão. Junod explica que nessas
sociedades o casamento não tinha um caráter individual, e por isso se constituía em uma
aliança assumida entre as duas famílias, que, para reparar a perda de um dos seus membros,
recebia uma compensação. Ibid

Segundo Santana ainda citando Sambo, antes do século XV, essa compensação geralmente
era paga em cabeças de gado e cestos. O tipo de oferta veio a mudar em decorrência de os
Tsongas terem sofrido um despojo de seu gado por Sochangane (1820), daí o motivo de
outros produtos terem sido acrescidos nessas alianças, como pulseiras de latão, brincos,
panos, vidrilhos e alguns produtos europeus.

Ao longo do tempo o lobolo sofreu varias modificações, para Santana (2009;84) a


colonização europeia também trouxe modificações à instituição do lobolo, no modo de
organização social ancestral, ele era negociado entre as famílias por intermédio do chefe de
linhagem, em cujas mãos se concentravam a organização e o monopólio das redes
matrimoniais. Porém, sob impacto da colonização, a família alargada foi enfraquecida, assim
como o poder dos chefes nessas transações, de modo que o casamento passou a ser uma
obrigação individual do noivo, que deveria entrar em acordo com o pai da noiva.

Para santana citando a revista o Tempo, a mudança na forma de pagamento da compensação,


em princípio, a enxada de fabrico local passou a ser importada da Europa e, posteriormente, o
lobolo passou a ser monetarizado.

O impacto da civilização ocidental introduziu importantes modificações nas concepções


tradicionais relativas ao matrimónio e ao lobolo.

As regras da economia monetária degradaram fatalmente as relações entre os indivíduos e os


grupos familiares nas sociedades, como as africanas, estruturalmente mal preparadas para as

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assimilar., onde outrora se processava uma repartição que poderíamos considerar coerente de
mulheres e de alianças, passaram a surgir competições e ganâncias onde imperam factores de
ordem material.

Segundo Ferreira In Notícias 26/05/1971, a procriação que permite ao homem realizar-se


orgulhosamente como genitor, continua a ser a finalidade principal do casamento, como se
ínfera do facto da esterilidade da mulher permanecer como a principal causa dos divórcios.
Hoje, como outrora, a criança mantém-se no âmago das sociedades africanas. Contudo,
desapareceu praticamente o costume de substituir por uma parenta a mulher estéril.

Afirma-se uma crescente espontaneidade na selecção sexual sendo frouxamente respeitadas a


autoridade e a opinião dos parentes. Este incremento das tendências individualistas, acelerado
pelo facto dos jovens pouco dependerem do auxílio dos parentes para conseguirem a
importância necessária ao lobolo, não deixa por vezes, de dar origem a conflitos. Ibid

Devolvidos, torna a família da mulher relutante em dissolver a união. O marido e respectiva


família evitam contratempos junto das autoridades e dispendiosas deslocações à terra natal
para resolução de litígio e para apresentar sucessivas queixas contra a demora da devolução
do lobolo, deslocações nem sempre possíveis devido aos afazeres profissionais ou à carência
de recursos.

Para os parentes da mulher constitui grave problema a devolução de importância recebida a


título de lobolo e que prontamente haviam gasto. Assim, a vasta região rural sob a influência
da capital e na qual o direito matrimonial consuetudinário é de algum modo defendido pelas
autoridades tradicionais e administrativas exerce pronunciada influência sobre a estabilidade
e forma de casamento urbano. Ferreira In Notícias 26/05/1971

Esta relativa vantagem do casamento por meio do lobolo ressalta, sobretudo, quando se
compara com as condições prevalecentes entre os povos matrilineares do norte do Zambeze.

Não há aí qualquer transferência de bens destinada a compensar a família do noivo pela perca
daquele seu membro que vai partir para junto de outra matrilinhagem. Mas esta carência em
nada afecta as sociedades matrilineares em que o princípio predominante que regula a
descendência mantém a sua operância independentemente da debilidade dos laços conjugais.

Assim é que a taxa de divórcio é extremamente elevada: superior a cerca de três vezes a dos
norte-americanos, ou em cerca de cinco a seis vezes a dos sul-africanos de extracção
europeia.
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Contudo é erróneo considerar esta particularidade como sintoma de desagregação social. Ela
constitui, pelo contrário, uma das condições essenciais para o eficiente funcionamento da
organização social. A solidariedade da matrilinhagem é de tal maneira pronunciada que
quando o indivíduo se encontra perante um conflito entre a lealdade que deve ao seu cônjuge
e a que deve à sua matrilinhagem, resolve-o na maioria das vezes, desembaraçando-se do
primeiro e respeitando os interesses e a coesão da segunda. Facilmente se compreende esta
atitude se nos recordarmos que os filhos nascidos do matrimónio pertencem automática e
exclusivamente ao grupo de descendência matrilinear em que a mãe se encontra integrada.
Para a filiação daqueles na matrilinhagem não interessa quem haja sido o pai ou quantos
maridos sua mãe tenha porventura possuído.

Compreende-se que, neste contexto, as causas do divórcio sejam múltiplas e difíceis de


definir. O marido que, por qualquer motivo deixou de agradar à mulher, ou à respectiva
matrilinhagem, está sujeito a ser sumariamente irradiado, levando consigo apenas os objectos
de uso pessoal que lhe pertencem.

1.5 A cerimónia do lobolo nas comunidades Rongas

O lobolo começa com a chegada do noivo a casa da noiva, um pouco antes da hora marca
para o início da cerimónia, segundo Granjo no seu artigo o casamento do meu amigo Jaime,
Isto porque, para além de haver bens a conferir e estratégias a combinar, essa cerimónia não
se faz sem que antes se efectue uma outra, trata-se de uma invocação e conversa com os
espíritos dos antepassados da linhagem, que idealmente deverá ser realizada antes do nascer
do sol.

À cerimónia espiritual inicia em volta do dinheiro e restantes bens a oferecer em lobolo, o


noivo traçou um círculo de rapé. Dentro dele, pousou um copo cheio de vinho tinto e a
garrafa de que tinha sido servido. Durante mais de meia hora, conversou-se amenamente,
enquanto se esperava que os espíritos se aproximassem e aceitassem a dádiva. O seu tio
paterno identificou então genealogicamente o noivo e informou os antepassados de que ele
pretendia lobolar hoje a mãe dos seus filhos. Apresentando desculpas por só agora essa
formalidade ser cumprida, pediu a autorização dos antepassados e a sua protecção para que
tudo corresse bem. Ibid

A conferência do dinheiro e objectos (a que se juntam figuras importantes da família que não
irão à é também a altura para combinar pormenores e funções, já antes propostas
11
individualmente às pessoas respectivas). A delegação será apresentada pelo padrinho de
casamento dos pais do noivo, cabendo a uma respeitada “tia” (a filha do tio-avô paterno)
entregar os bens do lobolo. A filha do irmão do pai vestirá a noiva. Segundo Granjo

Findos os acertos, a delegação põe-se a caminho em direcção à casa da mãe da noiva.


Juntam-se agora a nós a irmã mais nova do noivo, a irmã da sua mãe e uma vizinha, que
serve de testemunha popular da cerimónia. Ao aproximarmo-nos do nosso destino, iniciam os
cantos que anunciam a chegada do noivo.

Embora tudo esteja combinado há muito tempo e, lá dentro, familiares e vizinhos se


afadiguem em preparativos, mandam os costumes que quem vem lobolar seja ignorado pelos
da casa, até lhes virem perguntar com modos bruscos o que desejam.

Mandados finalmente entrar, deixamos de ser tratados como visitas inoportunas. Sentados em
cadeiras e – no caso das mulheres muitas vezes em esteiras, o padrinho diz vão fazer. O líder
dos da casa dá-nos as boas vindas e a sua esposa, que desempenhará um papel semelhante a
um mestre-de-cerimónias, conduz-nos numa oração a Deus, pedindo que tudo se passe com
harmonia e conduza a bons resultados.

A declaração é acolhida com protestos e argumentos acerca dos costumes, do acordo


longamente discutido e onde tal exigência não consta. Ausentando-se os homens da casa para
deliberar, regressam inflexíveis.

A noiva, que esteve desde início fechada num quarto anexo, é chamada à sala. Informam-na
de que o noivo a veio lobolar e perguntam-lhe, como é hábito fazer-se, se o conhece. Da
mesma forma que o “tio” lhe faz a pergunta com seriedade, ela responde circunspecta que
sim. Perguntam-lhe então se podem aceitar estas coisas. Ao dar a sua anuência, o acordo está
selado.

São então chamados os pais da noiva. Também eles são informados do acordo e da
concordância da filha, enquanto isso se passa, mais pessoas vão entrando na sala (na verdade,
todos os que têm um estatuto familiar que o permita), à medida que as janelas e portas ficam
tapadas pelos vizinhos e familiares juniores, espreitando de fora.

É neste ambiente que a “mestre-de-cerimónias” pergunta à noiva a quem deve entregar o


dinheiro. Tradicionalmente, esta deveria responder com um pequeno discurso referindo os
antepassados. No entanto, existe neste caso um problema, cuja resolução exigiu duras
negociações. Pelas regras costumeiras, não tem quaisquer direitos sobre o lobolo e, em rigor,
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os representantes da sua família não deveriam ter estado entre os que nos receberam. A
pergunta feita à noiva exige, assim, uma resposta mais terrena. Ela pega numa das notas e,
deslocando-se sobre os joelhos, entrega-a à mãe.

Ao regressar ao seu lugar, o irmão mais velho adianta-se e, com gestos largos e teatrais, retira
uma nota e mete-a no bolso. Prescinde, através deste acto, da sua autoridade sobre a irmã
embora seja raro que o seu ascendente se desvaneça.

Enquanto a noiva desaparece da sala, a mestre-de-cerimónias entrega o resto do dinheiro à


sua mãe, embrulhado num lenço e distribui as roupas e produtos pelos seus destinatários.

A noiva só volta a surgir quando as celebrações acalmam e as várias pessoas se sentam. Vem
tapada com uma capulana, escoltada à frente e atrás por duas raparigas que a conduzem até
ao seu lugar.

1.6. A PERSISTÊNCIA DA PRÁTICA DO LOBOLO NO SUL DE MOCAMBIQUE

Em Moçambique, a prática do lovolo foi geralmente entendida como sendo uma expressão da
«tradição» e, consequentemente, um conjunto de práticas, crenças e conhecimentos passados
de uma geração para outra de forma imutável. As tradições foram vistas durante muito tempo
como imóveis, incluindo pelas ciências sociais. Porém, estudos recentes mostram que as
tradições nunca foram estáticas e constituem um recurso maleável constantemente adaptado
(Spiegel e McAllister, 1991), uma vez que resultam de processos sócio-económicos, são
determinadas por eles e demonstram grande capacidade de adaptação (Bagnol, 2008:268).

De salientar que podem igualmente ser observadas modificações significativas. Devido a


factores como epidemias do gado bovino, seca, fome e tipo de comércio, os bens utilizados
para o lovolo passaram de produtos agrícolas para produtos industriais. As mudanças
económicas não só modificaram o tipo de presentes dados, como as relações de poder entre
os indivíduos. O lovolo providenciado pelos familiares do noivo criava uma dependência dos
jovens em relação aos mais idosos relativamente à aquisição de mulheres. Ibid

Aspectos políticos e religiosos tiveram igualmente impacto significativo sobre as práticas


matrimoniais. As conversões cristãs, visando «civilizar» a população local, agiram contra o
lovolo. O governo da FRELIMO manteve uma posição similar e lutou pela emancipação da
mulher e contra a sua dominação exercida pelo homem. Para serem membros da FRELIMO,
os indivíduos tinham de demonstrar um comportamento politicamente correcto. Por exemplo,
13
durante a II Conferência da OMM, em 1976, foi definido que uma mulher que aceitasse o
lovolo não poderia ser escolhida para uma posição de liderança na organização (Bagnol
citando Welch, 1982, p. 23).

As cerimónias do lovolo com o passar do tempo há muitas adaptações que vem sofrendo ao
longo do tempo. Segundo Bagnol (2008: 269) uma delas é a tendência no sentido do aumento
do número de casais que combinam diferentes tipos de casamentos, considerada uma prática
relativamente nova, e demonstrando o contínuo processo de inovação e sincretismo.

Uma das maiores modificações que registei relativamente ao sistema descrito na literatura
colonial sobre o Sul de Moçambique é que, actualmente, o lovolo é providenciado pelo noivo
e não pela sua família. O lovolo recebido por uma irmã já não é utilizado para adquirir uma
mulher para o filho (Bagnol citando Kuper, 1981 e 1982, pp. 108-121).

Os motivos para a realização do lovolo revelam também diferenças profundas. Se para alguns
são o resultado de uma ligação a modelos de crenças, valores e comportamentos, não o são
para todos.

Bagnol trás um exemplo concreto de modificações numa cerimónia de lobolo, “Paulo e


Cecília deram um lenço e uma bebida a uma tia que se tinha sentido ofendida quinze anos
antes por não ter recebido o presente no lovolo da mãe de Cecília. No caso de Amélia e José,
o casal foi alvo de pressões exercidas quer pelas famílias, quer pelos espíritos. José foi
forçado pelos irmãos da namorada a realizar a cerimónia de hikombela mati e a morte de um
dos fetos, provocada pelos antepassados, obrigou-o a realizar o ritual do lovolo. Muzondi
pagou uma dívida contraída cem anos antes pelo seu antepassado quando raptou a senhora
Ntivane. Para pagar a dívida, ele deu o lovolo a uma mulher em nome dos espíritos Ntivane.
Estas situações ilustram tanto o lugar que estas cerimónias de lovolo ocupam no universo
cosmológico dos indivíduos e grupos sociais como os tipos de pressões sofridas”.

14
Conclusão

Deste trabalho é então a de que o lovolo continua a constituir uma prática importante na
sociedade moçambicana mas concretamente nas comunidades Rogas, na medida em que
inscreve o indivíduo numa rede de relações de parentesco e de aliança tanto com os vivos
como com os antepassados. Por este motivo, apesar da existência de formas de casamento
civil e religioso, o lovolo sobrevive e transcende o casamento enquanto tal, cobrindo áreas
que não são abrangidas por outras formas de união — a relação espiritual com os
antepassados. E é precisamente esta característica que torna o lovolo único e que explica
grande parte da sua força ontológica e da sua persistência.

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Bibliografia
Taibo, Miguel Mário, Lobolo (s) no Moçambique contemporâneo: mudança social, espíritos
e experiências de união conjugal na cidade de Maputo, dissertação de mestrado, Curitiba
2012.

Santana Jacimara Souza, Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o


lobolo (casamento). Revista de História, 2009.

Artigos:

Brigitte Bagnol, Lovolo e espíritos no Sul de Moçambique, Análise Social, vol. XLIII (2.º),
2008, 251-272

Granjo Paulo, O lobolo do meu amigo Jaime.


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Ferreira António Rita, o problema do Lobolo I parte, In Notícias 14/05/1971

Ferreira António Rita, o problema do Lobolo II parte, In Notícias 18/05/1971

Ferreira António Rita, o problema do Lobolo III parte, In Notícias 26/05/1971

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