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PROBLEMAS?

MAS QUE
PROBLEMAS?!
Estratégias de
resolução de problemas matemáticos
em sala de aula

Mercedes Carvalho
3
Apresentação, 9
l. O aluno refazendo o caminho da humanidade, I I
2. Resolvendo problemas matemáticos, 14
2.1. Os enunciados, 14
2.2. Palavra-chave, 19
2.3. O erro como fonte de informação, 20
2.4. As idéias das operações matemáticas, 25
3. Estratégias de resolução de problemas, 30
3.1. Outras classificações de problemas, 30
3.2 Propondo problemas, 31
3.2. l. Leitura de uma imagem, 32
3.2.2. Completando o enunciado, 33
a) Com diferentes perguntas e a conta, 33
b) Com diferentes perguntas sem a conta, 34
c) Sem perguntas, 35
3.2.3. Completando o enunciado a partir de..., 35
a) Diferentes situações e a conta, 35
b) Diferentes situações sem a conta, 35
c) Sem as situações, 36
3.2.4. Completando o enunciado a partir da resposta, 36
3.2.5. Enunciados sem números, 36
3.2.6. Construir o enunciado a partir de uma
operação,37
3.2.7. Enunciados a partir de classificados c
propagandas,37
3.2.8. Tirinhas, 38
3.2.9. O quadro, 39
3.2. IO. Problemas conn insuficiência de dados, 40
3.2.11. Problemas conl excesso de dados, 40
3.2.12. Problelnas com pergunta de negação, 41
3.2.13. Problemas com raciocínio combinatório, 41
3.2.14. Problemas de lógica, 42
3.2.15. Problemas envolvendo estatística, 42
3.2.16. Problemas a partir de livros paradidáticos, 44
4. Sugestões de problemas, 46
5. Problemas? Mas que problemas?! , 65
Bibliografia, 69
Desde 1998 venho trabalhando com formação
de professores! da
rede pública e pafticular de ensino, não só no estado
de São Paulo, mas
também em outros estados (tanto nas capitais como no interior), minis-
trando palestras e cursos sobre educação matemática, projetos de traba-
lho, currículo, planejamento entre outros assuntos. Mas o curso Proble-
mas? Mas que problemas?! Sempre foi o mais solicitado. E, em todos os
lugares por onde passei, a grande maioria dos professores têm algumas
questões em comum quando questionadossobre as dificuldades que en-
contram no ensino da Matemática.
Além do sistema de numeração decimal e, evidentemente, da tabua-
da, a resolução de problemas sempre foi considerada pelos professores
um dificultador no trabalho com a Matemática, pois, segundo eles, "os
alunos querem as respostas prontas na hora de resolver problemas",
"querem saber que conta é para fazer", "têm preguiça de pensar".
Confesso que também fiz parte desse coro no início da carreira, pois,
como a maioria dos professores de primeira à quarta série do ensino fun-
damental, não sou licenciada em Matemática. Fiz o magistério e graduei
em pedagogia. Como professora polivalente, ensinava aos alunos corno
havia aprendido.
Hoje, com toda a minha vivência no ensino fundamental, enl cursos
de formação de professores e principalmente como professora do curso
de pedagogia, no qual muitos de meus alunos são professores, acredito
que os problemas com o ensino dessa disciplina são originados do fato
de não entendermos a matemática como resolução de problemas, pois a

l. Apesar de o magistério ser, em sua maioria, composto por mulheres, optei pelo uso
de "professores", para evitar a repetição de "professor" , "professora" no texto.
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humanidade só avançou quando deparou com problemas para os quais


tinha que encontrar soluções.
Ao falar sobre resolução de problemas, lembro-me da cena do filme
do Walt Disney, Pato Donald no País da Matenlágica, quando a perso-
nagem atravessa por um corredor cheio de portas, algumas abertas,ou-
tras não. As portas abertas são os problemas que o homem já resolveu
com a ajuda da matemática, e as fechadas são os problemas para os quais
o homem ainda terá que encontrar as soluções para poder abri-las.
Este livro, fruto das minhas reflexões do trabalho realizado sobre o
ensino da matemática, tem a intenção de ajudar você a compreendera
resolução de problemas como eixo norteador do trabalho matemático e,
assim, contribuir para que os alunos desenvolvam habilidades e compe-
tências matemáticas, deixando de perguntar diante de uma situação-pro-
blema: "Professora, é para dividir ou multiplicar?" e assim encontrar as
soluções para abrir várias portas.
A autora
((2atano / «s/àzendo o caminho r/"
uunanidade
"O aluno deve ser capaz não só de repetir ou refazer,
mas também de ressignificar em situações novas, de
adaptar, de transferir seus conhecimentospara resol-
ver problemas "
Roland Charnay

Você conhece a história do pastor contando suas ovelhas? Na Antigüi-


dade o homem não tinha os "números" que usamos hoje; para contar, ele
usava pedrinhas. Na realidade, relacionava uma pedrinha a cada ovelha. Foi
o primeiro cálculo do homem, que conhecemos como correspondência
biunívoca. Se sobrasse pedrinha, alguma ovelha tinha se perdido do reba-
nho; se faltasse pedrinha, havia ovelha a mais no rebanho. O pastor também
fazia tracinhos em seu cajado para contar seu rebanho, e o aluno também
faz tracinhos, bolinhas, cruzinhas para resolver um problema que lhe é pro-
posto. Observe como esta criança da 2a série do ensino filndamental de uma
escola pública do interior de São Paulo resolveu o problema.

00000000
12

Esse aluno está recontando a história da Matemática, mas não enten-


dennosque o tracinho ou a bolinha do nosso aluno é a reconstruçãodo
caminho percorrido pelo homem, quando ele também fazia tracinhosno
seu cajado para resolver os seus problemas.
A não-aplicação da operação matemática na resolução de um pro-
blema cria ansiedade no professor, mas também esquecemos que a hu-
manidade levou séculos para abstrair o atual sistema de numeração deci-
mal. Os números que usamos hoje, criados pelos hindus e divulgados
pelos árabes (numeração indo-arábica), geraram muito conflito. Houve
até quem dissesse que esses números eram da magia negra, principal-
mente o zero, símbolo criado muito tempo depois e que representa a au-
sência de quantidade. Pensando bem é estranho, pois temos uma unida-
de, acrescentamos um símbolo que representa "nada" e passamos a ter
dez unidades. Imagine como foi complicado para o homem da Antigüi-
dade entender, e também para o nosso aluno que está iniciando a escola-
rização. Isso porque o nosso sistema de numeração tem quatro regulari-
dades. Vejamos o exemplo: 325
l) Falamos os numerais na forma decomposta.
Trezentos e vinte e cinco
2) Escrevemos os numerais "posicionalmente".
325
3) É multiplicativo.
3 20 (xl) 5 (xl)
4) É aditivo.
300 + 20 + 5

São quatro regularidades, e queremos que o aluno aprenda isso na I a


série! Pense que a humanidade levou séculos para entender esse sistema
de numeração.
Por conta da falta de entendimento do sistema de numeração deci-
mal e, conseqüentemente,de todas
essas regularidades, o trabalho com a
construçãodos conceitos das operações matemáticas (adição, subtração,
multiplicaçãoe divisão), a tabuada, o cálculo mental ficam comprometi-
dos, priorizando-sea memorização,
mas não como uma habilidade faci-
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litadora e fundamental para aprender, e sim como ferramenta para fazer


o exercício, o problema proposto.
Todas essas questões acabam refletindo na interpretaçãode proble-
mas, porque se pensa a matemática dividida em atividades, exercícios e
problemas, esquece-se que para fazer matemática é preciso aprender a
resolver problemas. A história da matemática foi e está construída na re-
solução de problemas, porque, se o homem não tivesse um problema
para resolver, ele não iria pensar em uma solução. Afinal, ainda existem
muitas portas a serem abertas.
eneso do b (em atem áticos
"Ao deixar de lado as estratégias de resolução
que
elas elaborant a partir da compreensão da
estrutura
lógica dos problelnas, ao impor-lhes maneiras de
re-
solução preestabelecidas, ao não propiciar que elas
estabeleçaill relações entre suas próprias estratégias
e os procedñnentos convencionais, leva-se as crian-
ças a acreditaran que o que elas pensam não éperti-
nente para resolver problenaas matemáticos e, por-
tanto, a renunciar seu próprio raciocíniopara cen-
trar-se nas 'chaves ' lingiiísticas
Delia Lerner

2. /. enunciados
Como já foi dito na apresentação deste livro, não é raro ouvirmos
dos professores que os alunos não sabem intemretar problemas.Mas
gostaria de propor uma reflexão: Como é que o aluno vai interpretaros
enunciados dos problemas se ele não constrói enunciados? Como vai re-
solver problemas se exigem dele sempre como resolução correta a apli-
cação da operação matemática?
Quando pensamos em resolução de problemas, freqüentemente ima-
ginamos um texto escrito com uma pergunta; o
aluno terá que aplicar um
algoritmo para achar a resposta correta, algoritmo
treinado em uma série
de exercícios. Mas, na realidade, os
problemas vão muito além disso. Há
várias situações do cotidiano da escola,
da sala de aula nas quais se está
trabalhando com resolução de problemas
sem necessariamente esses
problemas estarem escritos na lousa, no
livro ou no caderno. Por exem-
PIO,quando o professor pede para que
seus alunos organizem a classe
em seis grupos, é uma proposta de
resolução de problema. Além da alga-
zarra, é claro, estará sendo propiciado
aos alunos pensarem em uma so-
lução para montar os grupos, pois
terão que saber o total de alunos da
15

sala, dividir pela quantidade de grupos a serem formados (seis) para sa-
ber quantos alunos formarão cada grupo; se na formação dos grupos so-
bt•at•alguélll, os alunos terão de encontrar uma solução para o problema.
Outro exemplo: o professor pede que o aluno distribua folhas de ativi-
dades. São trinta alunos. Ele tira quatro folhas e pede ao aluno que entregue
aos colegas. Esse aluno com certeza vai dizer para o professor que estão fal-
(ando folhas. Em vez de o dar as folhas que faltam, pode pergun-
tar: Quantas folhas estão faltando? O aluno deverá dizer ao professor quan-
tas folhas faltam e então recebê-las para acabar de dis'tribuí-las. Mais um
exemplo: quando se pede para o aluno buscar algo na sala da direção ou
coordenação, pode-se perguntar qual caminho mais curto ele pode fazer.
O aluno terá que traçar, mentalmente, um percurso e verbalizá-lo.
Sendo assim, por se achar que os problemas têm de estar escritos no
livro, no caderno ou na folha de atividade, acaba-se perdendo oportuni-
dades de trabalhar com os alunos várias situações para as quais eles te-
rão de criar uma estratégia para resolver.
Também se pensa que crianças não alfabetizadas ainda não conse-
guem resolver problemas, o que é um engano, pois, na educação infantil,
deve-se propiciar a elas diferentes situações para que possam pensar em
uma solução. Veja esta situação proposta para uma classe de educação
infantil —crianças de cinco anos —com a qual trabalhei e a solução en-
contrada por uma delas.
"Um amigo meu chegou em casa morrendo defome efez dois sanduíches
de pão, presunto e queijo. Quando ele ia dar a primeira mordida, chegaram
três amigos seus. Não tinha mais pão, presunto e queijo. O que vocêfaria se
"
estivesse no lugar dele?
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Obsen•e que ela trabalhou conn a noção dc divisão dc dois números


naturais, mesti10que tenha representado conl desenho.
As detnais crianças tannbénnapresentaram soluções intcrcssan-
tes: "como nafrente deles porque estou ("11tninha casa " t'espero eles
irem cvtbora para poder conlc'r vou à padaria co/" eles convrar
É cvidcnte
que a solução ideal é a dos alunos que dividiram o sanduíchccom os
seus atnigos, 111asesse tipo de situação-problcma mc possibilitou traba-
lhar com os conteúdos atitudinais dos alunos; permitiu-me observar
qual percepção eles tinham de dividir, compaflilhar.
Esse problema envolve o conceito de frações, dois inteiros dividi-
dos por quatro. Para uma sala de educação infantil ou I a série pode pa-
recer "inadequado", mas, na realidade, quando se propõe esse tipo de
situação, o que realmente interessa é propiciar ao aluno pensar em uma
solução, e verbalizá-la para que o professor possa fazer as intervenções
necessárias.
Consideramos,também, o problema como uma mera aplicação da
conta. Geralmente depois de se trabalhar, e bem, as operações matemáti-
cas de forma descontextualizada de uma situação é apresentado para o
aluno resolver uma série de problemas envolvendo as operações "ensi-
nadas", mas na realidade ele está resolvendo exercícios. Isso porque
nem todo "problema" proposto para o aluno é realmente um problema,
mas sim um exercício. Segundo Pozo (1996), para haver um problema é
necessário um esquema, e o aluno deverá buscar conceitos construídos
para resolvê-lo.
Por isso é importante contextualizar as operações ao serem trabalha-
das, pois, caso contrário, estará sendo reforçado o exercício.
Também é
importanteadequar a proposta ao conhecimento do aluno,
pois há pro-
blemas como: João tem no quintal 3 galinhas e 8
pintinhos. Quantas
aves ele tem? Para um aluno de 4a série é um
exercício muito simples, já
para uma criança de 4 anos pode ser um
problema, pois envolve concei-
tos que ele ainda não tem totalmente
construídos, mas nada a impede de
resolvê-lo usando de diferentes estratégias,
com base nos conhecimen-
tos já construídos,
Observe como uma criança de quatro
anos resolveu o problema que
propus para ela:
17
Carlos levou 5 carrinhos para a
escola, "1asperdeu 3. Com quantos carri-
nhos ele voltou para casa?

Resolver um problema aplicando a conta só é a forma mais simples e


direta de resolvê-lo, mas não é a única, pois, a partir do momento em que
o aluno desenha a solução, monta um esquema, ele estará organizando
suas idéias, que explicam seu pensamento, e o professor poderá fazer as
intervenções necessárias.
Ah, mas você pode estar pensando: "Na minha classe eu tenho aluno
que faz continha". Otimo! Você pode e deve socializar essas diferentes
formas de resolução e pedir para aquele aluno que resolve aplicando a
operação matemática e para aquele aluno que desenha a solução expli-
carem como pensaram para resolver o problema e, a partir daí, estabele-
cer uma relação comparativa para que aquele aluno, que soluciona as si-
tuações apresentadas fazendo bolinhas, desenhos ou esquemas possa
perceber que existe uma forma mais simples de resolver, mas que a dele
também está certa.
Possibilitar ao aluno lançar mão de diferentes estratégias para resol-
ver os problemas propostos é permitir que use os seus conhecimentos e a
sua criatividade. Escolher diferentes recursos para resolver o problema,
como desenhos, gráficos, tabelas, esquemas, apoio de materiais concre-
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tos e, se for o caso, aplicando a operação, possibilita o rompimento de


um trabalho linear no ensino da Inatemática.
Na resoluçãode problemas, o aluno deve ler e interpretar as infor-
mações nele contidas, criar uma estratégia de solução, aplicar e confron-
tar a solução encontrada. E muito importante que ele aprenda quais são
os componentesdo problema, o que está sendo pedido, e não busque
uma fonna mecânica de resolução.
Para que o aluno possa ler e entender o problema é interessante que,
durante as aulas, os problemas sejam explorados oralmente, trabalhan-
do-se as diferentes maneiras de encontrar a solução. Vale lembrar que
tambémé importantetrabalhar com problemas que envolvam o cotidia-
no do aluno, de modo a torná-los mais interessantes.
Segundo Polya (apud Dante, 1991, p. 22), as principais etapas para
resolver um problema são:
a) Compreender o problema —antes de começar a resolver o proble-
ma é necessário compreender; elencar as informações nele contidas,
entender o que o problema está pedindo, etc.
b) Elaborar um plano —depois de interpretar o problema, podemos
começar a elaborar a resolução relacionando os dados que o problema
oferece e o que está sendo pedido. Geralmente, chega-se a uma opera-
ção matemática, mas é interessante que seja estudada a possibilidade
de montar um esquema, tabela ou gráfico antes de resolvê-lo.
c) Executar um plano —é o momento em que o problema será re-
solvido.
d) Fazer o retrospecto ou verificação —é interessante fazer a corre-
ção coletiva de algum problema. Nesse momento, verifica-se se a
solução obtida está correta, se existe outra possibilidade de
resolver,
se é possível usar o método empregado para
resolver problemas se-
melhantes.
Realizaresse trabalhopara resolução de
problemas favorece o de-
senvolvimentodos conteúdos atitudinais,
porque possibilita ao aluno
perceber que para o mesmo problema pode haver
sua pode ser diferente da solução do várias soluções e que a
colega, mas também está certa, de-
senvolvendo, assim, sua auto-estima.
19

0..2. -chave
O professor preocupado em ajudar seus alunos a
entender o enuncia-
do do problema lança mão de uma palavra do enunciado que
acredita ser
a chave para a intemretação dele. Mas um enunciado pode apresentar
certa ambigüidade lingüística e, conseqücntcmente,criar situações em
que os alunos poderão compreender um mesmo problema raciocinando
de formas diferentes. Observe este problema.

Paulinho deu dez balas para seu irmão eficou com seis. Quantas
balas ele tinha?
Nesse problema o verbo "dar" nos remete à idéia de subtrair, ficar
com menos. Mas, se o aluno fizer uma subtração para resolver o proble-
ma, ele estará interpretando o enunciado a partir da palavra "deu" (que
dá a idéia de subtração), quando, na verdade, ele deverá fazer uma adi-
ção. Veja, agora, o mesmo verbo em outro enunciado.

Paulinho tinha dezesseis balas e deu dezpara seu irmão. Com quan-
tas balas eleficou?
Nesse caso, para solucionar o problema o aluno deverá fazer uma
subtração, porque sabemos quanto havia e quantas balas foram dadas.
Veja este outro exemplo.

Deco tinha 45figurinhas do Corinthians e Alexandre, 63. Quantas


figurinhas do Corinthians Alexandre tem a mais que Deco?
"A mais" remete à idéia de soma, ficar com mais, adicionar. Mas,
nesse problema, o termo "a mais" é subtrativo, pois temos que calcular a
diferença entre a quantidade de figurinhas de Alexandre e Deco.
Por isso, trabalhar resolução de problemas a partir da palavra-chave
ou com base na pergunta incentiva o raciocínio mecânico por parte do
aluno, desconsiderando o enunciado, apenas traduzindo "ao pé da letra"
uma palavra ou pergunta do problema.
Sendo assim, é importante incentivar os alunos a lerem o enunciado
dos problemas e refletirem sobre o que está sendo pedido, quais infor-
mações são fornecidas,para evitar que os alunos estabeleçam relação
entre palavras e operações.
20
Alguns exemplos de palavras que os alunos podem relacionar com
as operações:
ganhei, acumulei, ao todo (adição); perdi, troquei, troco, faltam, restou
(subtração),ao todo (multiplicação), reparti, distribuí, dividi (divisão).
É evidente que essas palavras isoladas remetem às idéias das opera-
ções matemáticas, mas, dependendo do enunciado, assumem outro signi-
ficado. Então, é impoftante sempre considerar que não existem pala-
vras-chave para resolução de problemas, e sim todo um texto, um enun-
ciado, que deve ser intemretado para se traçar uma estratégia de resolução.

CPe,ev€o comoJÓnte de
Para fazer matemática, é importante que o aluno fale sobre matemá-
tica, pois é no ato de verbalizar seu raciocínio que o professor tem a pos-
sibilidade de compreender como está construindo conhecimento e a par-
tir daí fazer as intervenções que achar pertinentes.
O aluno que se sente acolhido pelo professor e pela classe não tem
medo ou vergonha de explicitar seu raciocínio, não tem medo de errar. O
erro deve ser compreendido como fonte de informação. Se o aluno erra
ao dar uma resposta e explica como "pensou" para encontrá-la, o profes-
sor sabe onde e quando intervir, identificando as relações que o aluno
está fazendo para construir as suas respostas. Na aprendizagem, o erro é
inevitável, porque se faz inúmeras tentativas buscando estratégias a par-
tir do que se conhece para solucionar os problemas propostos.
Como já foi dito, é importante possibilitar ao aluno criar estratégias
para solucionar os problemas apresentados.
Mas isso não significa que 0
professor deva considerar corretas todas as
soluções apresentadas pelo
aluno para o problema proposto. Se o
problema não tem insuficiência de
dados e tem uma resposta, o que há
são diferentes estratégias para se
chegar à solução, por isso o aluno
deve ser questionado sobre a forma
como ele resolveu o problema para
repensar a sua resposta.
Observe este exemplo do problema
que minha aluna do curso de
pedagogia aplicou na escola onde
trabalha com as séries iniciais do ensi-
no fundamental.

2. Aplicado pela aluna Solange


Abbud Schwery.
21

Em cada canto tem um gato. Cada gato vê


três gatos. Quantos gatos há
na sala?
A resposta correta para esse problema é: na sala
tem quatro gatos.
Mas veja a forma como os alunos fizeram.

mcv

l) Esse aluno disse que se a sala tem vários cantos, vai haver vários
gatos. Nesse caso, ele não está considerando que em cada canto há
um gato e cada gato vê três gatos. Sendo assim, a sala só pode ser re-
tangular ou quadrada.

d" Cd.A.>

ccznÍ&
3
22

2) Nesse caso, o aluno entendeu "ao pé da letra" que cada gato vê


três gatos. Então, ele considera que há um gato em cada canto e mul-
tiplica por 3 0 número de gatos que cada gato vê.
23
3) Esse somou, pois como cada gato vê três gatos, além dos quatro
há os três gatos que cada um vê.
24
4) Esse aluno teve um raciocínio parecido com o aluno do exem-
plo 2, mas também considerou os gatos que cada gato vê e os contou.

00
00.-4

32-3

5) Esses alunos desconsideraram o gato que vê os outros porque ele


não se vê.

Esses exemplos mostram como as crianças formulam suas hipóteses


baseadas em seus conhecimentos. Todas erraram, mas não foi erro por
que
falta de atenção ou desconhecimento, mas sim por relação com o
e
elas têm construído. Então, cabe ao professor analisar essas relações
o erro
provocar os alunos com questionamentos, para que eles percebam
para os profes-
e corrijam. Esse caso, em especial, é um bom diagnóstico
de problemas.
sores perceberem como está o trabalho de resolução
o seu raciocí-
Quando o aluno fala, fica mais fácil, pois ele verbaliza
inevitável e, muitas vezes, pode
nio, e "na aprendizagem escolar o erro é
25
ser interpretado como um caminho para
buscar o acerto. Quando o aluno
aindanão sabe como acertar, faz tentativas, à sua
maneira, construindo
uma lógica própria para encontrar a solução" (PCN, vol.
3, p. 59).

2,4. ideias das oper«acõeef


Os diversos autores que escrevem sobre resolução dc problemas
usam diferentes nomenclaturas para classificar os vários tipos dc proble-
No próximo capítulo discutirei com mais ênfase essa classificação.
111as.
Mas aqui quero escrever um pouco sobre um tipo de problema que al-
ounsautores chamam de padrão, de arme e efetue, tradicional, conven-
cional.
Independente do nome dado a esse tipo de problema, que aqui adota-
rei "problema convencional", são os problemas que para serem resolvi-
dos basta aplicar uma das operações. E aqui voltamos a trabalhar com a
questão da lingüística, a palavra-chave, pois mesmo parecendo um pro-
blemasimples de ser resolvido, dependendo do enunciado é a uma idéia
que a operação irá nos remeter ao raciocínio. Isso porque não podemos
classificaros problemas em função das operaçõesmatemáticas,mas
sim, pela estratégia de resolução.
Michel Fayol (1996, p. 125) identificaquatro conjuntosde situa-
ções-problemas (adição e subtração) que trabalham com as idéias de:
Mudança —quando em um problema a situação inicial será alterada, tra-
balha-se com a idéia de mudança (transformação) que pode ser tanto
a positiva quanto a negativa.
a) Maria tinha R$ 50, 00 e ganhou R$ 26, 00 depresente. Qual a quan-
tia que ela tem agora?
Neste caso, será feita uma adição, ocorrendo uma mudança posi-
tiva, pois Maria tinha determinada quantia e ficou com uma quantia
maior ao final.
b) Cláudio tinha alguma quantia guardada no cofrinho. Ganhou R$
35,00 de seu avô eficou com R$ 67,00. Quanto tinha no cofrinho?
Neste caso ganhei e fiquei levam à idéia de mudança positiva
(adição), mas para solucioná-lo será feita uma subtração para saber
qual era a quantia inicial.
26
c) Tinha tona quantia guardada no cofrin110.Gastei R$ 15,00 e ain-
da tenho RS 27,00. Quanto eu tinlla no cofrinho?
Gastei leva à idéia de mudança negativa (subtração), mas será fei-
ta uma adição para saber-se quanto havia no cofrinho inicialmente.
d) José tinha várias figurinhas. Durante umjogo eleperdeu 40figu-
rinhas e ganhou 15. O que aconteceu com as figurinhas de José no
final dojogo?
Perdeu e ganhou levam à idéia de mais de uma transformação. No
mesmo enunciado temos a idéia de duas operações, mas a pergunta
nos remete à subtração, pois ele ficou com 25 figurinhas a menos.
Combinação —trabalha-se com a idéia dejuntar quantidades; estaremos
combinando duas situações para obter uma terceira.
a) Em um auditório há 25 homens e 32 mulheres. Quantas pessoas
há ao todo no auditório?
b) Em uma caixa há 14 livros de Matemática e 21 de Português. Quan-
tos livros há ao todo?
Ao todo remete à idéia de adição, pois nesse caso junta as quanti-
dades. Mas partindo-se dessa mesma situação pode-se trabalhar com
a idéia subtrativa, separar, tirar.
c) Em uma caixa há ao todo 35 livros, sendo que 14 são de Matemá-
tica. Quantos livros são de Português?
d) Em um auditório há um total de 57 pessoas das quais 32 são mu-
lheres. Quantos são homens?
Ao todo dá a idéia aditiva, mas será feita uma subtração para se-
parar ou tirar os livros de Português e as mulheres.
Comparação —quando em um problema está possibilitando a compara-
ção entre duas situações:
a) Lucas tem 15 anos e Juca tem 8 anos a mais que Lucas. Quantos
anos temJuca?
A mais remete à idéia da adição, uma comparação positiva e
para calcular a idade de Juca será feita uma adição. Mas se mudar o
enunciado,
27
b) Lucas tem 15 anos e Juca
tem 23 anos. Quantos anos Juca
mais que Lucas? tem a
Neste caso a mais remete à
idéia de comparaçãonegativa e terá
que ser feita uma subtração para
calcular-se a diferença de idade en-
tre Lucas e Juca.
Igualamento -- quando em um problema
há comparação entre duas situ-
ações e uma delas sofre alteração
para se igualar à outra. Pode ser tan-
to negativa quanto positiva.
a) Joana leu 18 páginas de um livro.
Maria leu 23. Quantas páginas
Joana deve ler para igualar a Maria?
b) Carol guardou R$ 6,00. Camila guardou R$ 9,00. Quanto
Carol
deve economizar para ficar com a mesma quantia de Camila?
Com certeza, não há necessidade de o professor ensinar aos seus
alunos essa classificação, muito menos hierarquizaras idéias das
operações matemáticas. Mas é importante o professor saber classifi-
car os problemas com os quais está trabalhando para assim propor
diferentes situações aos seus alunos.

o a/ti/.)/icacãa e diOiSU70
Geralmente quando o professor apresenta a multiplicação para seus
alunos ele trabalha com a idéia de que a multiplicação é uma forma mais
simples de trabalhar a adição. O que é verdade. Uma das idéias da multi-
plicação é a soma consecutiva de parcelas iguais, mas há outras situa-
ções que nos remetem ao raciocínio multiplicativo. Os parâmetros curri-
culares de matemática organizam os problemas de multiplicação e divi-
são trabalhando com diferentes idéias organizadas em quatro grupos:
Comparação —como nos problemas de adição, também nos problemas
que envolvam a multiplicação há a comparação entre duas situações.
a) Eu tenho R$ 50,00. Meu irmão tem o dobro da minha quantia.
Qual quantia meu irmão tem?
b) Cássia tem 5 bombons e Lucas tem 4 vezes a mais que essa quan-
tidade. Quantos bombons tem Lucas?
Nos dois problemas estão sendo trabalhadas as idéias comparati-
vas da multiplicação, mas podem ser variadas para trabalhar a divisão.
28
c) Quantos ovos são necessálios parafa:cr holo sc tuna ban-
dçia há duas dúzias, o dobro da quantidade necessária?
A palaNTadobro leva à operação dc Inultiplicação, mas para rc-
solver o problema usaremos uma divisão.
Comparação entre razões quando se estabelece a relação entre par-
te,'todoou todo!parte estamos trabalhando "situações associadas à
comparação entre razões, que, portanto, envolvem a idéia de propor-
cionalidade" (PCN, 1997,p. 110).
Relaçãoparte/todo.
a) Um chocolate custa RS 0,50. Quanto gastarei para contprar 7
chocolates?
b) Preciso de 8m de tecido. Cada metro custa R$ 12,50. Quanto irei
gastar?
Nos exemplos acima, a multiplicação está sendo trabalhada com
a idéia de I está para RS 0,50, assim como 7 está para RS 3,50; I está
para RS 12,50 assim como 8 está para RS 100,00.
Relação todo/parte.
a) Paguei RS 3,50 por 5 chocolates. Quanto custou cada um?
b) Paguei R$ 100,00 por vários metros de tecido. Se cada metro cus-
ta RS 12,50, quantos metros comprei?
Com as mesmas situações e dados se trabalhou a idéia da propor-
cionalidade usando a divisão, que pode remeter tanto à idéia de repar-
tir (igualar) e quantos cabenl. Nesses exemplos a divisão está sendo
trabalhada considerandoque 7 está para RS 3,50 assim como I está
para RS 0,50; 8 está para RS 100,00 assim como I está para RS 12,50.

Configuração retangular
a) Quantos alunos há ao todo em uma sala organizada etn 7jileiras
com 8 alunos em cada?
b) Quantas cadeiras há na fileira de um auditório com capacidade
para 240 pessoas com 12fileiras?
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Quando estamos ensinando tabuada geralmente
dizemos que 3 x 2 é
igual a 2 x 3. Com certeza o produto é o mesmo,
pois temos de conside-
rar a propriedade comutativa da multiplicação "a ordem
dos fatores não
altera o produto". Mas são situações diferentes.

2
3

x 3

Combinação —esse é um tipo de problema mais complexo. Os alunos


para resolvê-lo podem montar diagramas, esquemas, até esgotarem
todas as hipóteses para fazer as combinaçõespossíveis com os ele-
mentos apresentados.

a) Uma sorveteria vendesorvete de casquinha. Os sabores são: cho-


colate, morango e creme.As coberturas são chocolate e caramelo.
Quantas combinações sãopossíveisfazer com um sabor de sorvete e
uma cobertura?
b) Carmem tem três saias, preta, azul e branca, e duas bltlsas, ver-
melha e amarela. Quais combinações ela podefazer?

Nunca é demais ressaltar que o importante é favorecer ao aluno pen-


sar sobre os enunciados, pedir que eles transformem as situações pro-
Postas criando outras perguntas, outros dados, possibilitando, assim, a
Percepção do aluno para o fato de que não há um problema único com
resposta única, o que há são diferentes estratégias de resolução, uma mais
simples do que outras.

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