Materiais cristalinos 2-dimensionais e suas propriedades
Allana S. Monteiro, Guilherme M. F. de Camargo, Marcus V. G. Ferreira, Nicolas F.
Vasconcelos – IAM 2022.3
Universidade Federal do ABC
Este artigo visa discutir sobre materiais bidimensionais ou 2D, utilizando o grafeno como exemplo
de abordagem, de modo a enfatizar a importância e a revolução que esses materiais possibilitam, dadas as
suas propriedades e seu tamanho diminuto.
Introdução
Materiais bidimensionais ou 2D são
compostos por camadas únicas de átomos e têm
sido pesquisados desde 1986, mas apenas no ano
de 2004 essa área de pesquisa se expandiu devido
ao isolamento do grafeno feito por Andre Geim e
Konstatin Novoselov, o que garantiu o Nobel de
Física de 2010 a esses cientistas. O isolamento do
Grafeno possibilitou estudar materiais de
espessura atômica ampliando o número de
aplicações deles em diversas áreas como a
eletrônica, sensores biomédicos e engenharia de
materiais. Por terem uma espessura diminuta, os
materiais bidimensionais interagem de modo
diferente com a luz, além de serem materiais que
são fáceis de serem empilhados para formação de
estruturas complexas e funcionais. O presente
trabalho busca discorrer sobre o grafeno para
abordar a vantagem da formação de uma
estrutura bidimensional para ciência, bem como
abordar as diferenças entre elas e as estruturas
tridimensionais (3D).
Estrutura Cristalina
O estado sólido é um estado da matéria
caracterizado por possuir volume e forma
definidos, sendo resistentes à deformação. Nesse
estado, os átomos, íons ou moléculas ficam
aproximados e dependendo da distribuição
espacial deles, os sólidos podem ser classificados
em cristalinos, que são materiais cujos átomos,
íons ou moléculas possuem uma organização
padrão repetitiva e tridimensional de longo
alcance, ou seja, possuem simetria translacional;
e amorfos que são materiais cujos átomos, íons
ou moléculas não possuem uma ordenação de
longo alcance, ou seja, não há simetria
translacional. Contudo, podem apresentar
ordenação de curto alcance.
O conceito de estrutura cristalina possui
relação com a organização atômica de forma
geométrica. Essas estruturas estão presentes em
diversos materiais cuja distribuição dos átomos
dentro da estrutura forma uma rede (retículo
cristalino). Os sais, metais e a maior parte dos
minerais possuem estruturas cristalinas. As
moléculas das estruturas cristalinas podem
possuir dois tipos de ligações: direcionais, em
que se incluem as covalentes e dipolo-dipolo; e
não-direcionais: em que estão as ligações
metálica, iônica, van der Waals.
As estruturas cristalinas são formadas
por células unitárias que são a menor
aglomeração dos átomos no espaço e se repetem
em todas as direções na estrutura. Há sete tipos
dessas células unitárias: Cúbico, Tetragonal,
Ortorrômbico, Triclínico, Hexagonal
Romboédrico e Monoclínica.
As células unitárias definem 7 sistemas
cristalinos no espaço tridimensional e as redes
descritas a partir desses sistemas podem ser
primitivas (contém um átomo por célula unitária)
ou não primitiva (contém mais de um átomo por
célula unitária), o que acarreta 14 tipos de redes
cristalinas chamadas de redes de Bravais.
Grafeno
O carbono é um material extremamente
abundante e importante, sendo essencial à
existência de vida e por possuir aplicabilidade na
área nanotecnológica. É um material tetravalente,
não-metálico, da família 4A na tabela periódica,
com o número atômico 6 e massa atômica 12. As
formas de hibridização do carbono possibilitam a
formação de diferentes estruturas, grafite e
diamante. No estado fundamental, o carbono
possui configuração eletrônica 1s2 2s2 2p2, onde
a hibridização ocorre entre os orbitais 2s e 2p na
camada de valência, devido os elétrons 1s
estarem fortemente ligados aos núcleos e não
participarem das ligações químicas. No estado
excitado ele passa a ter a configuração 1s2 2s1
2p3, e estes orbitais podem se combinar
acarretando orbitais híbridos do tipo sp, sp2, sp3.
A Figura 1 apresenta um esquema para ilustrar a
hibridização do tipo sp3, onde o carbono realiza
4 ligações sigmas (σ).
 Figura 1: Esquema para ilustrar a hibridização do tipo sp3,
onde o carbono realiza 4 ligações sigmas (σ).
Na hibridização sp2, o carbono realiza
três ligações sigma (σ) e uma ligação pi (π). As
três ligações sigma acontecem devido aos
orbitais hibridizados provindos de um orbital "s"
e dois orbitais "p", ou seja, os átomos fazem
ligações covalentes em uma rede hexagonal
bidimensional com ângulos de 120◦ entre as
ligações. Este é o tipo de ligação que ocorre no
grafeno.
No grafeno, os orbitais 2s 2px 2py
hibridizam-se e formam orbitais σ, portanto o
orbital 2pz não se hibridiza formando o orbital π.
Os orbitais σ são os responsáveis pelas ligações
fortes dos átomos de carbono na camada do
grafeno e o orbital π contribui para a condução
elétrica e transições ópticas. A hibridização sp2
possibilita a obtenção de diversos materiais com
diferentes dimensões, porém a estrutura primária
é um plano de grafeno.
O grafeno é um cristal bidimensional
(ou 2D), ou seja, é formado por camadas únicas
de átomos de carbono ligados em formato de
hexágono por meio de ligações sp2. Os átomos
de carbono no grafeno se ligam por ligações
covalentes, ou seja, há o compartilhamento de
elétrons. As ligações carbono-carbonos são as
mais fortes encontradas na natureza e cada
carbono se une a outros 3 na estrutura. Por isso,
a hibridação do átomo é sp2, que corresponde a
2 ligações simples e uma dupla. Dos 4 elétrons
do carbono, três são compartilhados com os
átomos vizinhos e um, que compõe a ligação reto
pi, ajuda o grafeno, por exemplo, a ser um bom
condutor de eletricidade porque tem mais
"liberdade" no material
Na Figura 3 é possível verificar a
estrutura cristalina em 3D do grafite, que é
composta por várias camadas de átomos de
carbono que são organizados num padrão
hexagonal. Essas camadas são ligadas por
ligações de van der Waals. Ao lado direito da
figura é possível perceber que o grafeno
corresponde a uma monocamada de átomos de
carbono que formam o grafite, ou seja, o grafite
é constituído pelo empilhamento de diversas
camadas de grafeno.
Figura 2: Estrutura do Grafite e do Grafeno
Síntese do grafeno
Em 2004, os pesquisadores da
Universidade de Manchester na Inglaterra, Andre
Geim e Konstantin Novoselov, descreveram o
processo para a obtenção de um novo material a
partir da esfoliação mecânica do grafite, material
este denominado grafeno. Trata-se de um
processo simples que consiste em aplicar uma
fita adesiva em um grafite pirolítico (policristal
puro composto por camadas paralelas de átomos
de carbono, com propriedades de supercondutor)
altamente orientado (HOPG), retirar a fita
adesiva contendo o grafite e colocar levemente
em cima de um substrato de óxido de silício
(SiO2). Então, a folha de grafeno adere ao
substrato pois possui afinidade maior que o
próprio grafeno. Feito esse processo, é possível
notar, através de um microscópio óptico, um
contraste entre o substrato e a folha de grafeno.
Para obtenção de uma única camada de grafeno,
esse processo deve ser feito várias vezes.
Existe ainda um processo adicional para
remoção dos vestígios de cola de adesivo do
grafeno, onde é utilizada uma câmara aquecida
contendo argônio e hidrogênio. Apesar de útil
experimentalmente, o ideal é que esse método
seja aplicado somente para estudo em escala
laboratorial, pois não produz uma quantidade
eficaz comercialmente. Sendo assim, para
ampliar sua escala, passa-se a estudar a
esfoliação com surfactantes, onde a esfoliação é
permitida através das energias de superfícies que
são geradas pela dispersão do grafeno no
solvente. Porém, mesmo nesse segundo processo
foram identificados fatores que também limitam
a ampliação de escala, tais como: (a) a
concentração de sólido na suspensão não deve ser
superior a 1-3% em massa e (b) apenas 10% do
grafeno é obtido na forma de monocamadas.
Enfim, como citado anteriormente, para
estudos em escala laboratorial tais métodos são
ideais pois possuem um baixo custo, são simples
operacionalmente, permitem elevada pureza do
grafeno obtido e a possibilidade de isolamento de
domínios cristalinos únicos na ordem de
micrômetros. Tudo isso corrobora também para a
obtenção de materiais eletrônicos de alto
desempenho – como observado primordialmente
por Benjamin Brodie em 1859 enquanto
realizava experimentos com o objetivo de medir
a massa atômica do carbono, notando que o
grafite pode ser oxidado após alguns dias de
exposição a uma mistura de ácido nítrico e
clorato de potássio, e encontrando ao fim de seu
experimento uma substância de coloração
amarela, constituída por placas transparentes e
brilhantes, a qual denominou ácido grafítico,
atual óxido de grafite.
Posteriormente, o experimento de
Brodie foi aprimorado por Peter Staudenmaier,
experimento esse denominado esfoliação
química ou síntese química, que promove a
substituição do ácido nítrico fumegante por ácido
sulfúrico concentrado e adição do clorato de
potássio em proporções variadas, para permitir
que a reação fosse realizada em uma única etapa.
Ainda tratando-se do óxido de grafite,
cem anos após o experimento de Peter, William
S. Hummers e Richard E. Offeman realizaram
um trabalho pioneiro de síntese de óxido de
grafite partindo da mistura de grafite com nitrato
de sódio, ácido sulfúrico e permanganato de
potássio. O método de Hummers se mostrou
importantemente vantajoso, se comparado aos
métodos de Brodie e o de Peter, em três aspectos:
(1) a reação pode ser realizada em algumas horas,
(2) a liberação explosiva de ClO2 é evitada com
a substituição do clorato de potássio por
permanganato de potássio e (3) a formação de
névoa ácida é eliminada com o uso de nitrato de
sódio em substituição ao ácido nítrico fumegante.
Porém, ainda restaram alguns pontos a
serem solucionados, tais como: a dificuldade de
eliminação de íons residuais como Na+ e NO3 -
por lavagem com água e a liberação de gases
tóxicos (NO2 e N2O4) no processo de redução
do grafeno. Visando a solução, recentemente
Marcano, D.C., et al, apresentaram um estudo
para aprimorar o método de Hummers. Nesse
estudo, o reagente nitrato de sódio foi excluído
do sistema de reação, a quantidade de
permanganato de potássio foi aumentada e o
ácido fosfórico foi adicionado. Processos
ambientalmente seguros continuam sendo
buscados, servindo de motivação para várias
pesquisas. Vale salientar que o óxido de grafite
se assemelha ao grafite pela sua estrutura lamelar
e carbonácea, mas a oxidação confere ao plano
basal do grafite diferentes grupos funcionais tais
como hidroxilas, carboxilas e carbonilas. Nesse
processo, o material que geralmente é amorfo e
heterogêneo, perde sua cor acinzentada e sua
condutividade, tornando-se um isolante
vermelho alaranjado que pode ser disperso em
água.
Conclui-se que, dado ao custo baixo dos
reagentes, às técnicas simples de processamento
e o fato de que a síntese do grafeno por métodos
químicos foi alvo de estudos por mais de um
século, a esfoliação química abre grande margem
para a comercialização. Porém, é importante
ressaltar que apesar de muitos defeitos serem
introduzidos em meio a etapa de oxidação, eles
não são removidos na etapa seguinte de redução,
possibilitando degradação das propriedades
eletrônicas, mesmo que não interfira nas
propriedades mecânicas, térmicas e de absorção
química. Dado a isso, muitos pesquisadores o
denominam como óxido de grafeno reduzido.
Propriedades e aplicações do grafeno
O grafeno possui uma vasta diversidade
quanto se trata de características por conta de sua
gama de propriedades, as quais se resumem em:
ser um dos materiais mais leves e fortes
conhecido, ser flexível, impermeável, um
excelente condutor elétrico e térmico e um
material praticamente invisível, pois permite a
passagem de 97 a 98% da luz incidente.
Devido a estas características, muitas
aplicações são pensadas para o grafeno, como
por exemplo, em sensores químicos, como
indicadores de pH do solo, como em sensores
físicos, que medem a pressão existente em
determinado nível atmosférico ou do mar, ou até
mesmo sensores biológicos, já que a
compatibilidade biológica deste material faz com
que seja possível utilizá-lo até mesmo na
detecção de moléculas como o DNA, ou na
criação de embalagens inteligentes que verificam
se o alimento está estragado ou não.
Além disso, o grafeno seria capaz de
revolucionar os setores de energia, graças à
grande condutividade elétrica, natureza leve,
estabilidade química e alta flexibilidade
mecânica do material, podendo ser utilizado, por
exemplo, para prolongar a vida útil de células de
absorção de energia solar, ou para acelerar a
carga de baterias com íons de lítio ou até mesmo
produzir super capacitores capazes de armazenar
mais energia e por mais tempo.
Estas propriedades tornam possível para
o grafeno até mesmo ajudar em materiais
compósitos, agindo como um revestimento
anticorrosivo e antiestático, o que melhoraria as
propriedades dos materiais usados atualmente
nos mais diversos setores. Um outro exemplo de
setor que se beneficiaria deste material é o
biomédico, na engenharia de tecidos e no uso em
implantes em locais como o cérebro.
Por fim, sua alta condutibilidade
elétrica, força, flexibilidade e finura tornam o
grafeno um grande candidato também a ser usado
no setor eletrônico, como no desenvolvimento de
chips cada vez menores e interconexões cada vez
mais eficientes. Além do mais, dispositivos
fotônicos e optoeletrônicos se beneficiam
bastante das supracitadas qualidades do material,
que, integrado a estruturas atuais de silício e até
mesmo no avanço dos sistemas de comunicação
óptica como o 5g.
Materiais além do grafeno e suas
aplicações tecnológicas
Uma onda de materiais 2D está vindo
junto do grafeno, mas suas aplicações mais
excitantes podem vir de pilhá-los em aparelhos
3D. Dicalcogenetos de metais de transição (do
inglês transition-metal dichalcogenides -
TMDCs) são materiais compostos por uma única
lâmina de metais de transição como o molibdênio
ou o tungstênio colocado entre camadas de
calcogênios (membros do grupo 16 da tabela
periódica) abaixo do oxigênio. Esses TMDCs,
que inicialmente possuíam propriedades muito
semelhantes às do grafeno, foram descartados
inicialmente.
No entanto, pesquisas mostraram que
combinações de diferentes TMDCs eram capazes
de produzir materiais com propriedades
eletrônicas e ópticas das mais diversas e, como
muitos desses materiais são semicondutores,
diferentemente do grafeno, que sempre é
condutor, eles poderiam, por exemplo, produzir
processadores digitais eletrônicos muito mais
eficientes energeticamente do que o silício. O
que no começo eram alguns poucos materiais
cristalinos 2D, agora são mais de 500 de tipos
além do grafeno e dos TMDCs, abrindo espaço
para que seja possível encontrar o material
bidimensional com as propriedades requisitadas
pelas mais diferentes áreas.
E, talvez por ironia, algumas das
aplicações mais excitantes destes materiais estão
em empilhá-los em pequenas estruturas 3D de
camadas e que podem usufruir das diferentes
propriedades dos diversos materiais 2D.
Combinar diferentes materiais 3D é muito difícil
já que eles têm que fazer ligações químicas com
o material da camada ao lado, o que limita as
combinações possíveis. Mas com materiais 2D,
esse problema some, já que os átomos de cada
camada se ligam fracamente por meio de ligações
de van der Waals com as camadas vizinhas, o que
minimiza a tensão e permite a criação de
dispositivos complexos com camadas de
semicondutores, insuladores e etc.
No entanto, nem tudo que aparenta ser
promissor no laboratório ganha uma aplicação
real, um dos grandes problemas encarando os
materiais bidimensionais é como produzi-los
uniformemente e sem defeitos. O método da fita
adesiva funciona em alguns casos, como no
grafeno e dos TMDCs descritos acima, mas
demanda muito tempo para atingir uma escala
industrial, além de não funcionar para quaisquer
materiais 2D.
Considerações finais
Na história, muitos materiais ditam o
modo como a humanidade se porta e o que ela
consegue fazer por meio da confecção de seus
utensílios de sobrevivência e domínio da
natureza, tais como a Era da Pedra e a Era do
Bronze. Assim, fica clara a importância da
pesquisa sobre materiais bidimensionais,
observando as vantagens que eles podem trazer
sobre os materiais tridimensionais
tradicionalmente utilizados.
No entanto, a usabilidade aplicada e em
larga escala desses materiais ainda é uma
realidade bastante distante dos nossos dias atuais,
seja pela dificuldade e lentidão da síntese desses
materiais por métodos arcaicos, como o da fita
adesiva, ou pelo custo e pela dificuldade da
produção destes mesmos materiais com meios
mais avançados. Além disso, muito ainda precisa
ser feito para mostrar que o potencial destes
materiais vai além da teoria como nos
superlativos usados para descrever o grafeno
como algo “mais forte que o aço, mais duro que
o diamante e elástico”.
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