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SOCIEDADE ESPÍRITA ALBERGUE DE SÃO LÁZARO

CURSO LIVRE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA ESPÍRITA - FAFITE

Lílyan Silva Leopoldino Costa

Ciência Espírita I – Química


Data: 16/11/2022
RESENHA CRÍTICA DO FILME RADIOACTIVE

RADIOACTIVE. Direção de Marjane Satrapi. Estados Unidos: Netflix, 2019. 1


filme (110 min).

É raro ver um filme que narra a história de cientistas e de suas


descobertas. Geralmente, essas biografias não possuem entretenimento o
suficiente para encorajar roteiristas e produtores. E por que será que a vida e
obra de Marie Curie despertam esse interesse? O filme conta com estrelas do
cinema: Rosamund Pike como Marie, Sam Riley como Pierre Curie (esposo da
Marie) e Anya Taylor-Joy como Irene, filha do casal. Além dos atores serem
ótimos assim como a produção, o cenário também é incrível! Uma recriação da
pulsante e bela Paris, do final do século XIX e começo do século XX.
O roteiro narra a história da vida e da produção científica de Marie,
destacando desde os desafios em se conseguir recursos para desenvolver sua
pesquisa, os aspectos históricos de uma cultura machista, as vantagens e até
mesmo as implicações negativas na aplicação de suas descobertas. Com isso,
tinha tudo para ser uma obra impecável, mas o filme peca no ritmo em que
apresenta os acontecimentos e no destaque que dá a alguns deles.
Por ser mulher e cientista em pleno século XIX e início do XX, Curie teve
que enfrentar diversos obstáculos para conseguir manter a pesquisa ao longo
da vida. Proibida de estudar no seu país de origem por ser mulher, para
conseguir trabalhar como cientista, foi obrigada a se mudar para a França, aos
24 anos, onde conheceu seu marido e também cientista, Pierre Curie.
O filme conta a relação de Marie com uma sociedade que exigia um
comportamento determinado das mulheres, o qual ela nunca esteve disposta a
adotar, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Para dificultar a situação,
Curie foi uma polonesa vivendo na França em pleno período de ascensão do
ultra-nacionalismo, que anos mais tarde faria com que o país se aliasse à
Alemanha nazista. A vida da Marie foi bastante intensa e acredito que retratar
os grandes acontecimentos seja realmente um grande desafio, e é exatamente
aí que o filme deixa a desejar. Nos primeiros 20 minutos de filme acontece
muita coisa numa intensidade difícil de digerir. Esse ritmo alucinado de contar
os fatos, sem pausas, minimiza a grandiosidade dos acontecimentos, como a
premiação do Nobel, por exemplo.
Visualmente impecável e com elenco formidável, Radioactive sofre com
o desafio de condensar muitos eventos em menos de duas horas de duração.
Com uma pressa que se instaura ainda no primeiro ato, o filme estabelece um
andamento corrido demais. A falta de respiros é perceptível pela constante
sensação de que os grandes momentos - sejam de sucesso ou fracasso -
estão sempre se atropelando para que o seguinte possa ter início. Esse ritmo,
ao mesmo tempo apressado e enfadonho, prejudica a imersão na trama.
Não há tempo para pensar sobre mistérios que surgem ou como
resolver problemas que deveriam ser urgentes, porque o roteiro corre para que
tudo seja sanado em questão de minutos. Chega a ser frustrante não conseguir
saborear as vitórias de Marie Curie, especialmente sabendo que são eventos
grandiosos que ressoam até os dias de hoje.
É curioso que esse retorno romântico ao passado tenha quebras em
recursos modernos, que vão desde a iluminação neon no figurino de uma
dançarina, até o uso de objetos 3D para explicações científicas e a presença
de sintetizadores na trilha sonora orquestral. Mais do que criar rupturas, esses
artifícios criam uma identidade única para o projeto, que usa as tais quebras
para mostrar como a obra dos Curies impactaram a sociedade - para o bem e
para o mal.
O elenco encontra espaço para brilhar. Rosamund Pike é cuidadosa ao
retratar Curie como uma mulher firme e orgulhosa, sem cair em caricaturas. Se
conseguimos sentir o cansaço, o orgulho ou a frustração da personagem é
completamente pela entrega da atriz. Em menor grau é possível dizer o mesmo
de outros membros do elenco. O Pierre de Sam Riley é carismático e
complementa bem a personalidade explosiva e firme de Marie. Junto a Pike,
ele dá vida a um romance que parece palpável através de gestos e olhares
mínimos, mas que fazem toda a diferença. Outro destaque, mesmo que curto,
é Anya Taylor-Joy. Intérprete da versão adulta de Irene, cientista e filha mais
velha do casal Curie, ela rouba os holofotes e confere um ar gracioso que
combina com a importância histórica de sua personagem.
É uma pena que todo esse empenho seja diluído ao longo de um roteiro
que não permite sutilezas. Cada cena traz momentos que praticamente gritam
sua função narrativa ao espectador, subestimando a capacidade de quem
assiste.O texto de Jack Thorne parece desesperado para que suas
mensagens sejam absorvidas na marra em diálogos artificiais que só diluem o
impacto de eventos que falam por si. O resultado é um filme que sempre fica a
um passo de pegar carona na jornada de Marie Curie e esboçar um potencial
próprio, sempre frustrado.
Marie Curie é um símbolo para a ciência e principalmente para as
mulheres na ciência. Ela foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel, sendo
também a primeira pessoa, e a única mulher a ganhá-lo duas vezes, além de
ser a única pessoa a ser premiada em dois campos científicos diferentes (na
física e na química). Suas contribuições, em parte ao lado de seu marido
Pierre, levaram à descoberta de dois novos elementos químicos, o Rádio e o
Polônio, e também à compreensão do fenômeno da radioatividade. Porém,
como ainda não era de conhecimento na época, a exposição à radiação fez
mal ao casal e aos outros cientistas que buscavam estudar as propriedades
desses elementos. Após isso, Pierre veio a falecer em um atropelamento em
1906, caso não fosse por esse incidente, provavelmente teria morrido devido
aos efeitos da radiação, depois de um tempo veio a falecer Marie pela radiação
em 1934.
A obra mostra acontecimentos marcantes, como a radioterapia para o
tratamento do câncer em 1899. A radioatividade pode trazer benefícios para a
sociedade, mas se usada em mãos erradas, pode resultar em catástrofes,
como a criação de armas nucleares para destruição em massa nas guerras,
criada em 1945, a Little boy. Mesmo sendo utilizada para o bem, como na
usina nuclear que gera energia elétrica, um pequeno acidente resulta numa
catástrofe, como ocorreu em Chernobyl em 1986.
Se hoje temos tratamentos como a radioterapia e exames como a
radiografia é graças ao trabalho desta cientista fantástica. Como mulher e
como estrangeira, foi amplamente criticada pela sociedade parisiense, pela sua
busca científica e pela sua forma de encarar a vida em um ambiente patriarcal
em que as mulheres eram acostumadas a aceitar uma posição de
interiorização, subordinação e dependência.
A forma como a Marie é retratada mostra uma mulher altiva, firme e
determinada, mas em algumas cenas parece que pesaram um pouco a mão
nesta narrativa. Em algumas situações Marie vai ser entendida como uma
mulher agressiva e arrogante. Cabe a reflexão, se essa foi uma falha na
criação da personagem ou se em uma sociedade androcêntrica como a nossa,
a imagem de uma mulher obstinada leva a essa interpretação de presunção e
arrogância.
O filme destaca ainda, o papel de Marie ao lado de sua filha Irene
durante a Primeira Guerra Mundial. Mãe e filha conseguiram recursos para
realizar exames de radiografia em ambulatórios móveis no front de batalha.
Com isso, puderam fornecer um tratamento mais eficiente para os feridos da
guerra. Irene avança nos estudos sobre radioatividade natural e artificial. Junto
com o marido, ela também conquistou o Prêmio Nobel de Química em 1935.
Mesmo com algumas críticas ao filme, a história perpassa discussões
científicas, culturais e históricas em um cenário belíssimo e com uma atuação
incrível.

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