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ALFABETIZAÇÃO
BASEADA NA CIÊNCIA
Manual do Curso ABC
Alfabetização Baseada na Ciência (ABC)
Coordenador:
Carlos Francisco de Paula Nadalim, Secretaria de Alfabetização.
Ministério da Educação (Brasil)
Editores:
Rui A. Alves, Universidade do Porto
Isabel Leite, Universidade de Évora
Rui A. Alves • Isabel Leite
Editores
Diagramação
ANA PAULA AZZAM
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
CDD 372.41
2021-1377 CDU 372.41
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático:
1. Alfabetização 372.41
2. Alfabetização 372.41
Nota do Ministro da Educação
Milton Ribeiro
Ministro de Estado da Educação do Brasil
VI
Nota do Ministro da Educação
MILTON RIBEIRO
1 As crianças que adquirem desde cedo habilidades fundamentais para a alfabetização têm mais sucesso no processo de aprendizagem da
leitura e da escrita e na vida escolar do que aquelas que não as adquirem. Esse fenômeno ficou conhecido na literatura especializada como
Efeito Mateus, expressão que o cientista Keith Stanovich tomou emprestado da sociologia, inspirado na parábola dos talentos do Evangelho
de São Mateus. (PNA Política Nacional de Alfabetização/Secretaria de Alfabetização. Brasília: MEC, SEALF, 2019.)
VII
Nota da Presidente da CAPES
O presente manual faz parte do projeto ABC – Alfabetização Baseada na Ciência, fruto de um
Acordo de Cooperação Internacional celebrado entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
Porto (FPCEUP), o Instituto Politécnico do Porto (IPP) e a Universidade Aberta de Portugal (UAb).
Essa importante parceria tem o objetivo de contribuir para a formação continuada dos
profissionais da educação brasileiros que atuam na área de alfabetização, somando-se aos vários
esforços que têm sido envidados pelo Ministério da Educação (MEC) para elevar a qualidade dos
processos de alfabetização no Brasil e, consequentemente, os seus resultados.
A formação de professores tem sido um dos pilares da Política Nacional de Alfabetização
(PNA), instituída pelo MEC por meio do Decreto 9.765/19, a qual destaca entre seus princípios
a fundamentação de programas e ações em evidências provenientes das ciências cognitivas, bem
como a adoção de referenciais de políticas públicas exitosas, nacionais e estrangeiras, baseadas em
evidências científicas.
É nesse contexto que a Capes, ao completar 70 anos de apoio ao desenvolvimento contínuo
do conhecimento científico e tecnológico no Brasil, e na qualidade de entidade responsável por
subsidiar o MEC na promoção de atividades de suporte à formação de docentes da Educação
Básica, tem dedicado, nos últimos dois anos, especial atenção aos profissionais da educação que
trabalham com alfabetização, seja pela inserção de linhas direcionadas a esse público nos programas
já existentes, seja pela proposição de novas ações de formação, como por exemplo o Projeto ABC
que ora apresentamos.
VIII
Nota da Presidente da CAPES
As iniciativas fomentadas pela Capes no âmbito deste projeto contemplam o curso online, que
já conta com mais de 170 mil alfabetizadores inscritos, além de prever, para os próximos anos, a
ida de professores brasileiros a Portugal para realizarem um curso de formação presencial, para
aprofundamento teórico e prático, assumindo o compromisso de se tornarem multiplicadores do
conhecimento em suas respectivas redes de ensino ao retornarem ao Brasil.
Assim, espera-se que este rico material, além de subsidiar diretamente o trabalho dos profissionais
que atuam na área de alfabetização, possa contribuir também para que os sistemas educacionais e seus
dirigentes promovam atividades de formação dos alfabetizadores vinculados às suas redes.
IX
Apresentação ao Manual
X
Apresentação ao Manual ABC
Um dos países europeus que vêm se destacando ao longo dos últimos anos em avaliações
internacionais é Portugal, cujos resultados melhoraram significativamente no ranking do Programme
for International Student Assessment (Pisa), bem como naquele do Trends in International Mathematics and
Science Study (Timss), a ponto de superar, em 2015, a Finlândia na avaliação do desempenho de alunos
do 4.º ano de escolaridade em matemática. No Progress in International Reading Literacy Study (Pirls),
um dos principais estudos internacionais de avaliação da literacia de leitura, a pontuação de Portugal é
significativamente superior ao ponto central da escala (500 pontos).
Esses e outros resultados atraíram a atenção do governo brasileiro, levando-o a convidar o ex-
ministro da Educação de Portugal, Nuno Crato, para proferir palestra de lançamento da Conabe. Na
ocasião, o conferencista destacou que, em sua gestão, a evolução de Portugal no campo da educação
decorreu sobretudo da elaboração de um currículo estruturado, sequencial e exigente, centrado em
disciplinas essenciais e com metas progressivas, do qual decorrem políticas educacionais voltadas à
elaboração de materiais, à capacitação de professores e à avaliação. Essa experiência tornou-se uma das
principais inspirações para as ações da Sealf.
Nesse contexto, os profissionais da educação de Portugal despontam para o Brasil como
referências naturais, sobretudo por suas contribuições às exitosas reformas educacionais que ocorreram
naquele país nos últimos anos. Mas há também outra razão: nós, brasileiros, guardamos com nossos
irmãos portugueses profundos laços históricos, e herdamos deles a mesma língua.
A iniciativa Alfabetização Baseada na Ciência (ABC) integra o Programa de Intercâmbio para
Formação Continuada de Professores Alfabetizadores, ação do eixo 1 – Formação Continuada de
Profissionais da Alfabetização – do programa Tempo de Aprender.
A participação da Capes nessa ação foi decisiva. Isso porque, dentro de suas competências, figura
o desenvolvimento profissional de professores da educação básica no exterior.
A Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP)
ocupou-se de elaborar o conteúdo teórico, Alfabetização Baseada na Ciência (ABC): Manual do Curso ABC,
sob a coordenação do Professor Doutor Rui A. Alves e da Professora Doutora Isabel Leite. E o Centro
de Investigação e Intervenção na Leitura (CiiL) do Instituto Politécnico do Porto ficou responsável pela
sistematização dos programas práticos de intervenção, ABC na Prática: Construindo Alicerces para a Leitura,
sob a coordenação da Professora Doutora Ana Sucena.
A Universidade Aberta de Portugal (UAb) organizou a modalidade a distância do ABC, recebendo
como incumbência gravar as videoaulas e produzir as legendas para o português do Brasil. Essa versão
aumenta, de forma significativa, o alcance deste manual, tornando-o uma atividade permanente e gratuita,
prioritariamente para os professores brasileiros.
XI
Apresentação ao Manual ABC
Desenvolvido para autoinstrução, o curso ABC a distância possui carga horária de 180 horas, e
inicialmente foram ofertadas 180 mil vagas para docentes da área da alfabetização. Já foram disponibilizados
na plataforma AVAMEC vídeos, materiais de leitura e tarefas de estudo, concebidos de acordo com os
princípios da gamificação e dos recursos abertos.
Para a elaboração dos materiais deste curso, colaboraram mais de 30 especialistas de renomadas
instituições de Portugal, dos Estados Unidos e do Brasil. Os conteúdos integram conhecimentos teóricos
atualizados e validados empiricamente, com sólida eficácia no ensino da leitura e da escrita.
O componente teórico, elaborado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
(FPCEUP), é composto por 23 capítulos, o primeiro dos quais introdutório. Os demais agrupam-se em
quatro partes:
O componente prático do curso foi desenvolvido pela equipe do CiiL. Trata-se, por um lado, dos
programas de intervenção para crianças falantes do português, com atividades para alunos de 5 e 6 anos
de idade, sequencialmente estruturadas e adaptadas ao português do Brasil; e, por outro lado, do teste
de avaliação de competências leitoras.
Consiste no seguinte:
O objetivo dos programas de intervenção é preparar os professores para garantir que as crianças
trilhem um percurso de sucesso na aprendizagem da leitura, evitando-se dificuldades de aprendizagem
logo no início da trajetória escolar. E tudo isso de forma lúdica, por meio da promoção de competências
centrais, como a consciência fonológica, o princípio alfabético e a decodificação. Por fim, o Teste de
Rastreio de Leitura, cuja administração é simples e rápida, permite avaliar o nível de leitura de cada
criança do 2.º ano do ensino fundamental.
XII
Apresentação ao Manual ABC
A iniciativa de ofertar aos professores brasileiros, de forma gratuita e com certificação oficial, um
curso de alta qualidade e com padrão internacional é mais um exemplo do compromisso do Governo
Federal com a valorização dos profissionais da área da educação, responsáveis pela melhoria da qualidade
do ensino no Brasil.
O plano de trabalho estabelecido pela PNA expressa o alto nível de ambição educacional que
os brasileiros agora podem almejar. Isso porque estamos diante de um projeto que é responsável por
inserir o Brasil no rol de países que escolheram a ciência como fundamento para a elaboração de
suas políticas públicas de alfabetização, levando para a sala de aula os achados das ciências cognitivas e
promovendo as práticas de alfabetização mais eficazes, a fim de criar melhores condições para o ensino
e para a aprendizagem das habilidades de leitura e de escrita em todo o país.
XIII
ÍNDICE
Apresentação ao Manual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X
Carlos Francisco de Paula Nadalim, Secretaria de Alfabetização, Ministério da Educação do Brasil
2. Políticas de Leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Isabel Alçada, Universidade Nova de Lisboa
XIV
ÍNDICE
XV
ÍNDICE
XVI
EDITORES
Rui A. Alves, Universidade do Porto (ralves@fpce.up.pt)
É Professor Associado da Universidade do Por to, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, onde desen-
volve investigação e assegura docência na graduação e pós-graduação nas áreas da Psicologia da Linguagem, Neurop-
sicologia e Escrita Científica. É investigador integrado do Centro de Psicologia da Universidade do Por to onde tem
desenvolvido projetos financiados, entre outros, pela União Europeia, pela Fundação BIAL e pela Fundação para a
Ciência e a Tecnologia. Os seus principais interesses de investigação são os processos cognitivos e afectivos na escrita,
o desenvolvimento da literacia e as dificuldades de aprendizagem. Coordena o grupo de investigação Porto Writing
Group. Tem par ticipação ativa em várias sociedades científicas internacionais e publica regularmente as suas investi-
gações em revistas científicas prestigiadas. Tem ainda intensa atividade editorial e de revisão científica, é membro do
corpo editorial de várias revistas internacionais e é editor associado das revistas Reading & Writing: An Interdisciplinary
Journal, Springer e Culture & Education, Routledge. É antigo coordenador do Special Interest Group on Writing of the
European Association for Research on Learning and Instruction. Actualmente, é o coordenador da rede de investigação
European Literacy Network, que reúne mais de 500 investigadores da área da literacia.
XVII
AUTORES
Cecília Aguiar, Intituto Universitário de Lisboa (Cecilia.Rosario.Aguiar@iscte-iul.pt)
É Professora Auxiliar no Depar tamento de Psicologia Social e das Organizações e investigadora no CIS-IUL -
Centro de Investigação e Inter venção Social. Com formação em psicologia do desenvolvimento e da educação,
tem conduzido e par ticipado em projetos de investigação no âmbito da qualidade dos contextos de educação
de infância e dos seus efeitos no desenvolvimento das crianças. Coordena a equipe do blogue PrimeirosAnos.pt,
um recurso dirigido a profissionais de educação de infância, que tem como objetivo estabelecer pontes entre
a investigação e a prática. Desde setembro de 2019, coordena o projeto Erasmus+ PARTICIPA - Professional
Development Tools Supporting Participation Rights in Early Childhood Education.
XVIII
AUTORES
Margarida Alves Martins, ISPA (mmartins@ispa.pt)
É Professora Catedrática de Psicologia da Educação no ISPA-Instituto Universitário desde 2007. Fez a sua
formação inicial em Psicologia na Universidade René Descar tes, Paris V. Doutorada em Psicologia (Psicologia
Pedagógica) pela Universidade de Coimbra, concluiu a Agregação no grupo disciplinar de Psicopedagogia e
Educação Especial da Criança na Universidade do Minho. Foi até ao presente ano letivo coordenadora do Centro
de Investigação em Educação (CIE-ISPA) centro financiado pela FCT, onde coordena atualmente uma linha de
investigação na área da literacia. A sua investigação e atividade docente na área da Psicologia da Educação tem
como temas mais relevantes a literacia emergente e o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita no início
da escolaridade. Leciona diversas unidades curriculares na área da literacia ao nível de doutoramento e de
Mestrado. Tem coordenado diversos projetos de investigação assim como projetos de inter venção com vista
à promoção do sucesso escolar na área da leitura e da escrita. É autora de múltiplas publicações nacionais e
internacionais. Orientou diversas teses de Doutoramento e de Mestrado.
XIX
AUTORES
Suzanne Carreker, Principal Educational Content Lead, Lexia Learning Systems
Suzanne Carreker, Ph.D., é terapeuta de linguagem acadêmica e professora qualificada. Ocupa o cargo de Principal
Educational Content Lead na Lexia Learning Systems em Concord, MA.. Em 2018, recebeu o prêmio Margaret Byrd
Rawson for Lifetime Achievements. Atuou como vice-presidente sênior em soluções inovadoras no Neuhaus Education
Center em Houston, TX. Também pertenceu durante 10 anos à comissão executiva da International Dyslexia Association
(IDA). Recentemente foi co-editora da 4ª edição do livro Multisensory Teaching of Basic Language Skills.
XX
AUTORES
Colaboradora, integrando a equipe de especialistas, da Iniciativa Educação - Teresa e Alexandre Soares dos
Santos. Seus interesses de investigação centram-se nos Processos Cognitivos envolvidos no desenvolvimento
da Leitura e da Escrita, e no Envelhecimento Cognitivo.
Tomás Goucha, Max Planck Institute for Human Cognitive and Brain Sciences (goucha@cbs.mpg.de)
Tomás Goucha é investigador Postdoc no Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e Neurociências, em Leipzig, na
Alemanha. O seu principal foco de investigação é o processamento cerebral da linguagem em par ticipantes humanos
saudáveis. Após concluir o Mestrado Integrado em Medicina no ICBAS (Universidade do Porto) em 2010, optou pela
carreira acadêmica focando-se agora na cognição humana, obtendo o grau de doutoramento em Psicologia na Berlin
School of Mind and Brain (Universidade Humboldt de Berlim) em 2017, onde estendeu a sua formação científica
prévia às áreas da Linguística e Neurociências. Por um lado, dedicou os seus estudos empíricos à identificação de
princípios universais de processamento da linguagem no cérebro humano, em particular dos diferentes fatores que
nos permitem estabelecer a estrutura frásica. Por outro, debruçou-se sobre as variação nas diversas línguas do
mundo em que medida as suas diferenças se manifestam na estrutura e função cerebrais. Desde 2016, está à frente
de um estudo longitudinal com o fim de investigar a plasticidade cerebral ao longo da aprendizagem de uma língua
estrangeira, tendo ao mesmo tempo proporcionado um curso intensivo otimizado a uma coor te de jovens refugiados
sírios.
XXI
AUTORES
R. Malatesha Joshi, Texas A & M University (mjoshi@tamu.edu)
University Professor of Literacy Education and Educational Psychology at Texas A & M University. É editor da revista
de alto impacto Reading and Writing e da série de livros Literacy Studies. Entre 1979 e 2002, Dr. Joshi recebeu
financiamento da Organização do Tratado do Atlântico Nor te (OTAN) para dirigir institutos internacionais sobre
literacia na Europa. Ele publicou extensivamente sobre leitura e desenvolvimento ortográfico entre monolíngues
e bilíngues/ aprendizes de segunda língua, afro-americanos e alunos do interior da cidade, bem como sobre o
conhecimento do professor sobre conceitos de linguagem em vários países. Recebeu muitos prêmios internacionais,
como a bolsa Erasmus Mundus e o New Zealand Strategic Research Fellow. Foi convidado como pesquisador sênior
para vários países. É reconheido como fellow researcher da American Educational Research Association (AERA) e da
International Association for Research in Learning Disabilities (IARLD). Dr. Joshi recebeu o prêmio de “contribuição
extraordinária para a compreensão da alfabetização em todo o mundo” da Associação de Leitura e Escrita na Ásia
e em 2020 recebeu o prêmio Orton pela grande contribuição para a compreensão científica da dislexia.
XXII
AUTORES
Marta Martins, Instituto Universitário de Lisboa (marta.sofia.martins@iscte-iul.pt)
É doutorada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Por to,
onde desenvolveu a sua tese sobre compor tamento e plasticidade cerebral de crianças, com enfoque
nos tópicos da leitura e da música. É licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade
do Por to e mestre em Administração e Gestão da Educação pela Universidade Por tucalense. Durante
oito anos desempenhou funções docentes no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Atualmente é investigadora
pós-graduada no Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS), Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-
IUL), no âmbito do projeto de investigação “MUSE – Música para o Desenvolvimento de Competências Sociais: O
Impacto do Treino Musical no Processamento Sócio-Emocional” (PTDC/PSI-GER/28274/201). Os seus interesses de
investigação incidem sobre a plasticidade cerebral e a aprendizagem e, em particular, sobre os efeitos da experiência
musical na cognição e na estrutura e função cerebrais. É docente auxiliar convidada do ISCTE-IUL e leciona também
no Mestrado Integrado em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Por to.
XXIII
AUTORES
Octávio Moura, Universidade de Coimbra (octaviomoura@gmail.com)
Doutorado em Neuropsicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
(FPCEUC). Mestre em Consulta Psicológica Familiar pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade do Porto. Investigador Doutorado Integrado do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção
Cognitivo Comportamental (CINEICC) da FPCEUC. Membro do Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria da
FPCEUC. Docente/formador em várias instituições universitárias e formativas (ISPA, FPCEUC-CPSC, HOGREFE, CRIAP).
É autor/coautor de livros, capítulos e artigos científicos publicados nas áreas da dislexia, dificuldades de aprendizagem,
perturbações do neurodesenvolvimento e avaliação (neuro)psicológica em revistas nacionais e internacionais. Tem
também intensa atividade na revisão científica de artigos em diversas revistas nacionais e internacionais. Os seus
interesses de investigação centram-se nas funções neurocognitivas preditoras da leitura/escrita, no estudo da dislexia e
de outras perturbações do neurodesenvolvimento. Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Especialista Avançado
em Neuropsicologia, Especialista em Psicologia da Educação, e Especialista Avançado em Necessidades Educativas
Especiais, reconhecidas pelos Colégios de Especialidade da Ordem dos Psicólogos Portugueses. A nível clínico trabalha
em consulta de avaliação e intervenção psicológica de crianças e jovens.
XXIV
AUTORES
Ana Cristina Silva, Instituto Superior de Psicologia Aplicada (csilva@ispa.pt)
É doutorada em Psicologia da Educação pela Universidade Minho e docente do ISPA - Instituto Universitário desde 1992.
Tem investigado sobretudo na área da aquisição da linguagem escrita com artigos publicados em revistas portuguesas e
internacionais relacionados com programas de consciência fonológica, programas de escrita inventadas, intervenção na área
da ortografia e da produção textual. Além disso é escritora, tendo publicado até ao momento 14 romances e vencido dois
prêmio literários relevantes, Prémio Urbano Tavares Rodrigues (2013), Prémio Fernando Namora (2017), além de várias
nomeações a outros prêmios. Os seus romances estão publicados no Brasil, Alemanha e Sérvia.
XXV
AUTORES
Rebecca Treiman, Washington University in St. Louis (rtreiman@wustl.edu)
É professora na Burke and Elizabeth High Baker Professor of Child Developmental Psychology at Washington University in St. Louis
(St. Louis, Missouri, USA) onde dirige o “Reading and Language Lab”. A pesquisa de Treiman centra-se no desenvolvimento
da linguagem, especialmente nos fatores linguísticos que afetam o desenvolvimento da leitura e da ortografia. Suas
publicações incluem os livros Beginning to spell: A study of first-grade children (1993), How children learn to write words (2014,
co-autoria com Brett Kessler) e The Oxford Handbook of Reading (2015, co-edição com Alexander Pollatsek). Tem mais 200
publicações e um h-index de mais de 85. De 1997 a 2001 Treiman foi Editora-Chefe do Journal of Memory and Language.
Atualmente atua nos conselhos editoriais de uma série de outros periódicos. Em 2014 recebeu o prêmio “Distinguished
Scientific Contribution Award from the Society for the Scientific Study of Reading”.
XXVI
Capítulo 1
Isabel Leite
Universidade de Évora
Resumo
1
Introdução ABC
A leitura e a escrita são provavelmente as marcas mais distintivas da cultura humana. As crianças
que aprendem a ler e a escrever, que são alfabetizadas, entram pelas mãos dos professores nessa
cultura. Ler e escrever são ações poderosas, que possibilitam a aquisição de conhecimentos e de muitas
das aprendizagens essenciais à participação plena nas sociedades modernas. Com efeito, encerram
em si um enorme potencial de participação e de transformação individual e coletiva (Alves, 2019).
É por esta razão que a literacia e a educação são hoje reconhecidas como direitos humanos fundamentais
(UNESCO, 1975; para uma revisão ver Oxenham, 2008). A escola tem como missão primordial assegurar
esse direito garantindo que todas as crianças aprendem a ler e escrever sem dificuldades e a um ritmo
que lhes permita utilizar a leitura e a escrita para progredirem no seu percurso escolar.
O que é que a ciência tem a dizer sobre a leitura e a escrita? O que é que a ciência, as ciências
descobriram sobre a aprendizagem da leitura e da escrita? O que é que as ciências sabem sobre como
melhor ensinar as crianças a ler e a escrever em português, e a possibilitar que atinjam níveis de
desempenho virtuosos? Estas questões foram o motor que nos levou a reunir neste volume um grupo
de investigadores e acadêmicos com reconhecida expertise e que, em conjunto, aceitaram o desafio do
Secretário de Alfabetização e da CAPES para sintetizarmos em um curso intensivo aquilo que hoje a
ciência sabe sobre como melhor alfabetizar as crianças que falam português e o que é ainda necessário
investigar para alcançarmos uma melhor compreensão.
Sobretudo nas últimas quatro décadas, investigadores de todo o mundo e das mais variadas áreas
(da educação às neurociências, passando pela psicologia e pela genética) fizeram descobertas científicas
importantíssimas sobre: i) os processos psicolinguísticos envolvidos na leitura e escrita hábeis; ii) como
se desenvolvem esses processos ao longo da aprendizagem; iii) o tipo de instrução e materiais que se têm
revelado mais eficazes no seu ensino-aprendizagem; iv) o conjunto de fatores que podem condicionar
o sucesso na aprendizagem; e v) os conhecimentos que os professores devem dominar para poderem
ensinar de forma mais eficaz. Está, pois, hoje acessível um corpo de conhecimentos sólidos, consistentes,
validados empiricamente, que têm resistido à “prova em contrário” e que, por isso, fornecem fundações
sólidas para tornar a prática pedagógica de ensinar a ler e a escrever mais eficaz. É a essas fundações
que chamamos “Alfabetização Baseada na Ciência” e são elas que procuramos documentar neste manual,
necessariamente sintético e acessível aos professores alfabetizadores brasileiros. Acreditamos que os
professores alfabetizadores encontrarão aqui um conjunto de conhecimentos que são úteis para que
cada professor possa refletir sobre a sua prática docente, possa compreender melhor a alfabetização e
2
Introdução ABC
possa, pela sua apropriação do conhecimento científico, cumprir o seu desejo de se tornar um melhor
professor.
Obviamente, que o conhecimento científico sobre o ensino-aprendizagem da leitura é apenas
uma pequena parcela da arte de alfabetizar, mas estamos certos de que se trata de uma base fundamental
para uma prática docente mais eficaz, que, em última análise, fará com que mais crianças brasileiras
beneficiem plenamente dos poderes da leitura e da escrita.
Atendendo à vastidão dos conhecimentos científicos disponíveis e à própria natureza do conhecimento
científico (cumulativo, plural e revisionista), o Manual ABC não reúne tudo o que é importante os
professores alfabetizadores saberem. Procurámos fornecer o essencial para um entendimento atual,
científico e moderno do que é ensinar e aprender a ler e escrever em português. O importante aqui
é que os professores alfabetizadores tendo, agora, um contato direto com as evidências científicas
possam, mais à frente, saber onde procurar conhecimentos validados empiricamente que respondam às
necessidades diversas das suas práticas docentes. Sobretudo, interessa que os professores alfabetizadores
possam, também a partir deste manual, desenvolver as qualidades que encontramos na ciência, que
se caracteriza pela curiosidade, abertura à pluralidade, análise rigorosa, teste empírico, refutação e
revisão do conhecimento. Esperamos que tal como os cientistas, possam os professores alfabetizadores
conceder às evidências empíricas a primazia na reformulação dos seus conhecimentos e das suas práticas
de alfabetização. A grande vantagem de um ensino baseado em evidências é que os professores podem,
à partida, ter um maior grau de confiança na eficiência das estratégias a utilizar com os seus alunos.
A alfabetização baseada em evidências pressupõe um reconhecimento triplo e a conformidade
com um conjunto de princípios que garantem que a alfabetização decorre de forma eficaz, eficiente
e significativa. De uma forma ou de outra, esse reconhecimento e princípios são visíveis em todos
os capítulos que integram este manual. O reconhecimento triplo está na verificação de que a leitura
e a escrita são formas de linguagem, são capacitações e são mais bem ensinadas de forma explícita.
Os princípios são os do ensino explícito. Sucintamente, preconizam que a aprendizagem deve ser
motivada, guiada, sistemática, contextualizada e distribuída (Alves et al., 2016; Archer & Hughes, 2011;
Hughes et al., 2017).
A linguagem tem origens biológicas. Concretiza-se através de gestos articulatórios, na fala,
ou manuais, na língua gestual. Adquire-se naturalmente por imersão em um ambiente linguístico.
Para falar, basta ser humano e ter contato com outros humanos (Liberman, 1999). Todos os bebês
adquirem uma língua desde que tenham contato com falantes dessa língua. Já às crianças e aos adultos não
basta o contato com os livros para que possam aprender a ler e a escrever, como de resto infelizmente
o demonstram a existência, ainda, de adultos iletrados. Ler e escrever necessitam de quem as possa
3
Introdução ABC
ensinar, necessitam de uma comunidade que as valorizem e necessitam de condições sociais e materiais
que garantam a efetivação desse direito humano. O direito fundamental à leitura, as políticas e iniciativas
que têm procurado erradicar o analfabetismo e promover a leitura abrem este manual. No capítulo 2.,
Isabel Alçada (professora, escritora e ex-ministra da educação de Portugal) aborda as múltiplas vertentes
das políticas de leitura, aponta os denominadores comuns das que se têm revelado eficazes e sustentáveis
e explica porque é que os resultados da investigação, as evidências empíricas, são cruciais para analisar
os problemas, sustentar as decisões e avaliar os resultados das políticas públicas.
A linguagem escrita é uma invenção cultural. Possivelmente é uma das mais brilhantes e impactantes
da história da humanidade. Curiosamente a invenção da escrita não parece ter resultado de tentativas
deliberadas para representar a fala (Olson, 1996), mas antes de necessidades burocráticas como cobrar
impostos e registrar propriedades e trocas comerciais na Mesopotâmia (Schmandt-Besserat, 2001).
A invenção na escrita esteve na criação de sinais gráficos arbitrários que inadvertidamente representaram
elementos da fala (e.g., morfemas, sílabas, fonemas).
Pela escrita, a língua torna-se exterior, visível e perene e assim permite reproduzir no papel a
produtividade da linguagem humana. Por isso, porque a representa, diz-se que a escrita é a outra face
da linguagem; e, por essa mesma razão, compreende-se que o ensino da literacia não pode ser desligado
da linguagem e da língua.
A relação entre linguagem, leitura e escrita, que é de verdadeira interdependência, está presente
nas diferentes partes que constituem este manual. Na parte A, onde se abordam as Noções Fundamentais
sobre Alfabetização, Tomás Goucha, investigador no Instituto Max Planck, descreve-nos, no capítulo 3., os
mecanismos neurocognitivos que nos permitem a compreensão oral a partir de um sinal sonoro, pondo em
evidência que a faculdade humana para a linguagem vai para além da capacidade de comunicar através de
símbolos que expressam significados; implica especialmente a capacidade de os comunicar em estruturas
complexas, em frases. Estes mecanismos e os circuitos neuronais que sustentam a linguagem fazem parte
dos que são recrutados para a leitura e a escrita, como explica Marta Martins, do Instituto Universitário
de Lisboa, no capítulo 4., O ensino da leitura e da escrita exige, por conseguinte, um conhecimento
aprofundado da estrutura da língua, do sistema de escrita e do domínio do código ortográfico da
língua em que o professor vai ensinar a ler e a escrever. Sem esse conhecimento, os educadores e
os professores terão dificuldade em explicar como a escrita representa a fala, selecionar exemplos
adequados para explicar conceitos, escolher palavras ou partes de palavras cujo contraste facilita a
aprendizagem, interpretar os erros das crianças e ajustar o foco da instrução. Esses conhecimentos
indispensáveis a um ensino eficaz são abordados por Tatiana Pollo, da Universidade Federal de São
João Del-Rei, e por João Lopes, da Universidade do Minho, respectivamente nos capítulos 5., e 6.,
4
Introdução ABC
A parte A termina com a apresentação por Diana Alves, da Universidade do Porto, do modelo de
resposta à intervenção que no campo da alfabetização é atualmente a melhor garantia de que, desde o
início, o ensino da leitura e escrita não deixa nenhuma criança para trás. Os sistemas de apoio multinível
são a forma mais atual como vários sistemas de ensino avançados procuram garantir a inclusão e o
sucesso escolar para todas a crianças.
O conjunto de capítulos que integram as partes B, Literacia Emergente, e C, Aprendizagem da Leitura
e da Escrita, explicam como o nível de proficiência alcançado em cada um dos domínios da linguagem
(desenvolvimento do vocabulário, conhecimento morfológico e sintático, consciência fonológica e
fonêmica) é determinante para se aprender a pronunciar o que está escrito, a compreender o que se
lê e a comunicar através da escrita. Todo o desenvolvimento linguístico que ocorre antes e durante a
alfabetização tem um papel fundamental na aprendizagem e evolução das competências de leitura e
escrita.
A parte B foca a Literacia emergente, isto é, o desenvolvimento linguístico e tudo aquilo que as
crianças podem descobrir sobre a escrita e a leitura antes de chegarem à escola. O desenvolvimento oral
e a descoberta da escrita ocorrem naturalmente nos contextos significativos dos bebês e das crianças,
nomeadamente na família e na educação infantil. Esse primeiro contexto, a família é o alvo do capítulo de
Ana Costa, da Universidade do Porto. Já o desenvolvimento da literacia emergente na educação infantil
é abordado no capítulo escrito em conjunto por Cecília Aguiar, do Instituto Universitário de Lisboa, e
de Lourdes Mata, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. A linguagem oral é um pilar fundamental
na literacia, em particular as palavras que a criança conhece constituem um alicerce muito importante
para a leitura e a escrita. A importância do vocabulário para a literacia é discutida no capítulo 10., por
Irene Cadime, da Universidade do Minho. Um outro pilar fundamental da literacia é a sensibilidade que
tipicamente as crianças desenvolvem relativamente à fala e aos seus elementos sonoros, por exemplo, as
sílabas e as rimas. Essa sensibilidade chamada consciência fonológica a par do conhecimento das letras
são os dois melhores preditores do sucesso na aprendizagem da leitura (Foulin, 2005). Consciência
fonológica e conhecimento das letras são os temas principais do capítulo 11., de Ana Cristina Silva, do
Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
Enquanto que compreender e falar são aquisições humanas, ler e escrever são capacitações
que possibilitam que quem as detém faça e seja aquilo que valoriza (Sen, 1999). Enquanto invenção,
ferramenta cultural, a escrita depende criticamente da transmissão cultural, isto é, depende dos humanos
que a dominam poderem ensinar àqueles que não sabem, como funciona a ferramenta, como é que
de sinais gráficos se pode recuperar de modo exato aquilo que alguém disse, a mensagem que alguém
escreveu. Durante uma boa parte do século XX a forma como a leitura é melhor ensinada foi um
5
Introdução ABC
assunto amplamente discutido e investigado por pedagogos. Essa discussão teve tal paixão e intensidade
que foi cunhada com a expressão “guerras da leitura”. Essa grande guerra ou debate (Chall, 1967),
inicialmente de cariz essencialmente ideológico, tendeu a opor os defensores dos diferentes métodos de
ensino da leitura. O debate centrou-se na definição de qual deve ser a unidade fulcral na alfabetização e
qual o grau de explicitação do ensino. De um lado, os métodos globais preconizavam que a unidade da
alfabetização devia ser a palavra e o ensino da leitura devia privilegiar os significados e as descobertas
pelas crianças; do outro, os métodos fônicos colocavam o fulcro nas correspondências grafema-fonema
e no papel do professor que devia ensinar explicita e sistematicamente essas correspondências (Connie
& Juel, 2005; Stanovich & Stanovich, 1995). Na segunda metade do século XX e no início do século
XXI, a leitura e a escrita foram objeto de estudo científico por especialistas de várias áreas. Estudo
após estudo, esses debates foram reiteradamente resolvidos (Castles et al., 2018) e hoje estão inclusive
a ser suplantados pela emergência de um consenso amplo na ciência e na sociedade em torno da
ideia de que o ensino da leitura e da escrita deve ser explícito e focado no ensino do código.
A convergência das evidências empíricas é hoje facilmente compreendida quando se atende aos processos
implicados na leitura e às características dos sistemas de escrita.
A compreensão do que se lê depende das competências de decodificação (i.e., da identificação
das palavras escritas) e das competências linguísticas. Esta concepção clarividente e parcimoniosa da
leitura, conhecida como Modelo Simples da Leitura, é o tema desenvolvido no capítulo 13 que introduz a
parte C, Aprendizagem da Leitura e da Escrita, escrito por Inês Gomes, da Universidade Fernando
Pessoa.
No que concerne aos sistemas de escrita importa ter presente que a relação entre os símbolos
gráficos e as unidades da fala que eles representam é arbitrária e nada evidente, em particular nos
sistemas de escrita alfabéticos onde as letras representam unidades fonológicas altamente abstratas -
os fonemas. A ciência mostrou-nos que a noção de que a fala é composta por estas unidades mínimas
de “som”, os fonemas, só é alcançada quando somos obrigados a analisá-la e a aprender as letras ou
grupo de letras, os grafemas, que representam cada constituinte fonológico (e.g., Morais et al., 1979).
E mostrou-nos também que por essa razão a mera exposição a palavras escritas não é suficiente para
o leitor aprendiz descobrir por si o que as letras representam (vide Byrne & Fielding-Barnsley, 1989;
Byrne, 2013). A relação entre as unidades gráficas e os constituintes fonológicos (nos alfabetos, entre
letras e fonemas) tem de ser ensinada explicitamente e, naturalmente, aprendida (e.g., National Reading
Panel, 2000; Rose, 2006). As evidências empíricas que suportam esta afirmação, que põem em evidência
o papel determinante da consciência fonêmica na aprendizagem da leitura e escrita e que atestam
a maior eficácia dos métodos fônicos no início da aprendizagem são apresentadas e discutidas por
6
Introdução ABC
Isabel Leite, da Universidade de Évora, e Ana Paula Vale, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro, respectivamente nos capítulos 14 e 15.
A aprendizagem da leitura e escrita é complexa e morosa. Não é suficiente aprender o princípio
alfabético para ler e escrever. Na maioria dos sistemas de escrita alfabéticos não existe uma relação
biunívoca entre grafemas-fonemas, quer no sentido da leitura, quer no sentido da escrita. Isto sucede
porque a ortografia representa não só os constituintes fonológicos das palavras, mas expressa também a
sua origem e a relação entre elas. É por isso necessário aprender de forma sistemática e progressiva
o conjunto de regras e regularidades das relações entre grafemas e fonemas, i.e. o código ortográfico da
língua, e aprender a utilizar esse conhecimento na identificação e escrita de palavras.
No início da aprendizagem os mecanismos envolvidos na leitura e na escrita exigem muita atenção
e são efetuados com esforço, impedindo o leitor de prestar atenção ao sentido do que lê e o escritor
de planejar o que pretende escrever. A prática constante, indispensavelmente promovida e guiada pelo
professor e complementada pela leitura autônoma, é crucial à automatização dos mecanismos envolvidos
na leitura, à passagem para uma leitura fácil e precisa, i.e. fluente. No capítulo 16, Sandra Fernandes, da
Universidade de Lisboa, sublinha a importância da fluência na leitura para a compreensão da leitura,
aborda os preditores da fluência e o seu papel ao longo da aprendizagem. No capítulo 17, Otília Sousa
e Teresa Costa-Pereira, da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa, apresentam
uma síntese da investigação empírica sobre a compreensão da leitura; mostram que um ensino explícito,
sistemático, progressivo e regular de estratégias que apoiam os alunos no processo de mobilização de
informação dos textos e dos seus conhecimentos permitem melhorar os níveis de compreensão.
Para a criança que aprende a escrever, possivelmente as dimensões inicialmente mais salientes
da escrita são as suas componentes ortográfica e caligráfica. Cedo na aprendizagem a criança dá conta
de que há uma forma ortograficamente correta para escrever cada palavra e nota também que há
outra expectativa forte em quem vai ler aquilo que ela escreveu, a expectativa de que a caligrafia seja
legível. Estas duas componentes cruciais na aprendizagem da escrita são abordadas nos capítulos 18 e
19, respectivamente, por Margarida Alves Martins, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, e por
Rui A. Alves e Mariana Silva, da Universidade do Porto. Em ambos os capítulos além da análise rigorosa
e cuidada de cada componente há também indicações pedagógicas para facilitar a aprendizagem e o
domínio pela criança da ortografia e da caligrafia.
Tal como aprender a ler, aprender a escrever é um processo longo, começa nas primeiras garatujas
da criança e ocupa uma boa parte do ensino fundamental. Esse percurso antes e depois do início da
escola é sábia e exemplarmente apresentado em dois capítulos com um estatuto especial neste Manual
ABC. Esses capítulos encerram as partes B e C deste manual e são traduções portuguesas de artigos de
7
Introdução ABC
divulgação científica de dois investigadores americanos muito influentes e que há décadas trabalham no
domínio da alfabetização. O capítulo 12 de Rebecca Treiman, da Universidade de Washington em Saint
Louis, é a tradução de um artigo publicado em 2020 no prestigiado Current Directions in Psychological
Science. Nele, Treiman dá especial atenção ao papel ativo das crianças no perscrutar das características
dos sistemas de escrita com os quais têm contato e como isso influencia as suas produções iniciais, que
vistas por um leigo podem até parecer simples rabiscos arbitrários. O capítulo 20 de R. Malatesha Joshi,
prestigiado investigador da Universidade A & M do Texas, e colaboradores dá conta de como aprender a
ortografia das palavras é quase análogo a aprender feitiços na escola de Hogwarts. Tal como os feitiços
de Harry Potter, a ortografia das palavras requer minúcia e a abertura ao conhecimento de várias fontes
de influência. Joshi e colaboradores sublinham também como ortografia e leitura estabelecem uma
relação sinergética e de como uma das melhores formas de melhorar a leitura é ensinar a ortografia.
A parte D do Manual ABC, a última, é dedicada às Dificuldades e Perturbações na Aprendizagem da
Leitura e da Escrita. Como é abordado nos diferentes capítulos desta seção é nos processos linguísticos
e nos circuitos neuronais que os suportam que se encontram as principais alterações associadas a
estas dificuldades. Uma vez mais, a evidência das diferentes faces da linguagem. No capítulo 21,
Ana Paula Soares, da Universidade do Minho, Marisa Lousada, da Universidade de Aveiro, e Margarida
Ramalho, da Universidade de Lisboa, partilham conhecimentos acerca das perturbações da linguagem e
do consenso emergente nesse campo sobre a perturbação do desenvolvimento da linguagem. Abordam
também práticas educativas para estimular competências de comunicação e linguagem e, desse modo,
potencializar as condições de que o leitor aprendiz necessita para afrontar a aprendizagem sem dificuldades.
Nalguns casos, como é abordado por Susana Araújo, da Universidade de Lisboa, no capítulo 22 e por
Octávio Moura, da Universidade de Coimbra, no capítulo 23, as dificuldades na aquisição e desenvolvimento
da leitura e escrita são permanentes e parecem estar relativamente circunscritas a estas aprendizagens;
resultam de perturbações neurodesenvolvimentais, que comprometem os processos básicos e específicos
da leitura e da escrita, e manifestam-se através de padrões comportamentais característicos. Felizmente
estas perturbações e dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita são hoje bem conhecidas
e há muita investigação empírica para informar as várias medidas que os professores alfabetizadores
podem tomar para garantir o apoio e o desenvolvimento da literacia de virtualmente todas as crianças.
Uma intervenção explícita, intensiva, regular e dirigida aos conhecimentos e habilidades a aprender
possibilita, na maioria das vezes, progressos significativos.
Os 23 capítulos que integram este Manual têm uma estrutura semelhante: abordam o que é mais
importante saber sobre um determinado tema, sistematizam as principais evidências empíricas nesse
domínio e explicam o que a partir delas se pode derivar para a sala de aula. No final de cada capítulo
8
Introdução ABC
sugerem-se outras leituras, que permitem aprofundar o conhecimento adquirido, e indicam-se recursos
na web que complementam esta formação.
Acreditamos que no seu conjunto este Manual ABC pode ser uma fonte importante de
atualização científica para os professores alfabetizadores brasileiros. Os vários especialistas que para ele
contribuíram oferecem-nos uma perspectiva moderna e cada vez mais consolidada sobre como melhor
ensinar as crianças a ler e a escrever no seculo XXI. Contudo, como qualquer outro livro, este manual
não fala por si, nem defende ou promove as ideias valiosas nele reunidas. Naturalmente este manual
necessita das vozes refletidas, críticas e expressivas dos seus leitores. São essas vozes que queremos
agora convocar para esse trabalho apurado, cuidadoso e humilde de melhorar as práticas docentes de
cada um e por essa via tornar ainda mais nobre a missão de ensinar as crianças a ler e a escrever.
Referências
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In J. S. Horst & J. von Koss Torkildsen (Eds.), International handbook of language acquisition
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https://www.routledge.com/Explicit-Instruction-Effective-and-Efficient-Teaching/Archer-Hughes/p/
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Byrne, B. (2013).Teorias sobre a aquisição da leitura. In M. J. Snowling & C. Hulme (Orgs.), A ciência da leitura
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Byrne, B., & Fielding-Barnsley, R. (1989). Phonemic awareness and letter knowledge in the child’s acquisition of the
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Castles, A., Rastle, K., & Nation, K. (2018). Ending the reading wars: Reading acquisition from novice to expert.
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Hughes, C. A., Morris, J. R., Therrien, W. J., & Benson, S. K. (2017). Explicit instruction: Historical and contemporary
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Liberman, A. (1999). The reading researcher and the reading teacher need the right theory of speech.
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9
Introdução ABC
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Olson, D. R. (1996). Towards a psychology of literacy: On the relations between speech and writing. Cognition, 60,
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(pp. 501–520). Blackwell Publishing
Stanovich, K. E., & Stanovich, P. J. (1995). How research might inform the debate about early reading acquisition.
Journal of Research in Reading, 18, 87-105.
10
Para Saber Mais
Leituras Recomendadas
• Castles, A., Rastle, K., & Nation, K. (2018). Ending the reading wars: Reading acquisition from novice to
expert. Psychological Science in the Public Interest, 19(1), 5-51.
Revisão de interesse público acerca do conhecimento científico atual sobre o ensino e a aprendizagem da
leitura. Esta revisão está a tornar-se tão influente que verdadeiramente está a permitir suplantar as guerras
da leitura pelo consenso na ciência e na sociedade sobre como as crianças aprendem a ler e como melhor as
ensinar.
• Dehaene, S. (2020). How we learn:Why brains learn better than any machine... for now.
Penguim Random House.
Síntese brilhante e acessível dos fundamentos neurocognitivos da aprendizagem por um dos seus mais
conceituados investigadores.
• Morais, J. (2014). Alfabetizar para a Democracia. Penso.
Nesta obra o conceituado investigador José Morais não nos oferece apenas um magnífico resumo da ciência da
leitura e do que é alfabetizar. Assente na sua experiência científica e pedagógica, mas também na sua visão do
mundo e vivência pessoal, vai mais além. Faz uma incursão na política, defendendo a causa pública e a ação
de alfabetizar como uma via fundamental para a construção de uma verdadeira democracia, que proporcione a
todos os indivíduos o direito à liberdade e à igualdade.
• Morais, J. (2013). Criar leitores: Para professores e educadores. Minha Editora
Uma magnífica síntese do conhecimento científico sobre os processos psicolinguísticos implicados na
aprendizagem da leitura acompanhada de recomendações para a prática de educadores e professores e
sugestões úteis para pais.
Recursos Online
• Leitura e Escrita: Recursos. https://ler.pnl2027.gov.pt
Plataforma online gerida pelo Plano Nacional de Leitura de Portugal dirigida aos professores da educação
pré-escolar e dos primeiros anos de escolaridade. A LER resulta do trabalho de uma equipe de investigadores
portugueses, que numa linguagem acessível apresentam sínteses do conhecimento científico atual sobre o ensino
e a aprendizagem da leitura e da escrita. Dos textos de divulgação científica emanam recomendações
pedagógicas e disponibilizam-se recursos pedagógicos que ilustram a sua concretização.
11
Parte A
Noções Fundamentais Sobre Alfabetização
12
Capítulo 2
Políticas de Leitura
Isabel Alçada
Universidade Nova de Lisboa
Resumo
Todos os seres humanos têm o direito à leitura e partilham o potencial inato para aprenderem
a ler. Mas todos precisam do processo de aprendizagem formal, assegurado pela escolarização. No
século XXI, apesar de nas constituições da maioria dos países figurar a garantia de escolarização
universal, ainda subsistem desigualdades que impedem muitas crianças, jovens e adultos de dominarem
plenamente a leitura. Tanto os Estados, como as organizações internacionais que os congregam e
muitas organizações da sociedade civil têm procurado lançar políticas e iniciativas para erradicar o
analfabetismo e assegurar a todos os cidadãos o inestimável poder conferido pela leitura. As políticas
públicas de leitura que apresentam consistência e sustentabilidade definem com clareza as questões
e os problemas a que procuram dar resposta e estruturam-se com base em parâmetros que visam
assegurar-lhes eficiência e eficácia. Para os professores, como aliás para quem direta ou indiretamente
participa na promoção da leitura, é interessante abordar as múltiplas vertentes das políticas de leitura
e verificar como os resultados da investigação são hoje indispensáveis para analisar os problemas,
fundamentar as decisões e avaliar os resultados da intervenção política
13
Isabel Alçada
Quem gosta de ler não duvida de que a leitura confere um poder extraordinário pois, em
qualquer momento e em qualquer circunstância, dá acesso a conhecimentos, experiências, reflexões,
convicções, sentimentos, desejos ou sonhos de quem, nos mais variados locais da terra e nas mais
variadas épocas da história, decidiu usar a escrita para comunicar.
Munidas do poder de ler, as pessoas alargam horizontes e conseguem vencer barreiras do espaço
e do tempo. As sociedades contemporâneas utilizam a escrita como instrumento basilar da cultura e da
ciência, da atividade econômica e política, da comunicação, da vida quotidiana (Costa, Pegado & Ávila,
2008), o que coloca a leitura no centro das competências chave indispensáveis aos cidadãos do século
XXI (Eurydice, 2011; EU, 2019). Dominar a leitura tornou-se por isso uma exigência universal e um
indicador de desenvolvimento.1 A leitura é uma permanente fonte de aprendizagem e conhecimento,
permitindo o desenvolvimento pessoal nas suas dimensões intelectual, ética, cívica, estética, com efeitos
multiplicadores do potencial humano.
As crianças, tal como os adolescentes, encontram-se na fase da vida em que a aprendizagem é a
atividade principal. Nesta fase, têm absoluta necessidade de ler para se desenvolverem, para aprenderem
e avançarem no sistema de ensino. Um insuficiente domínio da leitura afeta o desenvolvimento cognitivo,
pois não só dificulta a aquisição de conhecimentos, como tem consequências comportamentais e
motivacionais que inibem o desempenho em várias atividades escolares e provocam o que Stanovich
designou como Efeito Mateus2 na aprendizagem da leitura (Morais & Kolinsky, 2007; Stanovich, 1986,
2000).
Quanto aos adultos, têm cada vez maior necessidade da leitura para se ajustarem aos desafios
atuais, em todas as dimensões da vida pessoal, familiar, profissional e cívica. Vários estudos chamam
a atenção para o fato de a leitura, além de potencializar a aquisição de informação, constituir um
instrumento essencial da reflexão crítica, com efeitos no modo como a pessoa analisa o passado, como
antecipa o futuro e como toma decisões (Lahire, 1993, 2003).
1 A Organização das Nações Unidas (ONU), na Agenda 2030, aprovada em 2015, define como um dos objetivos para o desenvolvimento suste-
ntável uma educação de qualidade, na qual inclui o propósito de alcançar a alfabetização de todos os jovens e de uma substancial proporção dos
adultos de todos os países do mundo até ao ano 2030. Vd: https://unric.org/pt/objetivo-4-educacao-de-qualidade-2/
2 Efeito Mateus - Conceito aplicado por Keith Stanovich para descrever uma situação que por vezes surge na aprendizagem da leitura: as crianças
que aprendem a ler sem dificuldade e com rapidez geralmente continuam a desenvolver-se e realizam o percurso escolar com sucesso, enquanto
as que não aprendem a ler com facilidade evoluem de forma mais lenta e, no caso de não haver intervenção adequada, distanciam-se cada vez mais
das que aprendem bem, tendem a revelar problemas ao longo do percurso escolar e, na idade adulta, mantêm problemas na decodificação e na
compreensão dos textos escritos.
14
Políticas de Leitura
Conceitos de Leitura
Apesar de ser frequente os leitores competentes encararem a leitura como uma atividade simples
e natural, na verdade trata-se de uma competência complexa, com muitas dimensões refletidas nos
diferentes conceitos que lhe estão associados: alfabetização, literacia, práticas ou hábitos de leitura.
O termo alfabetização é usado para designar a iniciação à leitura, ou seja, os procedimentos
que permitem tornar alguém capaz de utilizar o alfabeto, nos países que usam a escrita alfabética,
considerando-se um primeiro patamar em um caminho que conduz à verdadeira leitura (Morais, 2013).
Durante décadas o estudo da aprendizagem da leitura incidiu principalmente sobre a alfabetização,
tema que continua a ser amplamente estudado e aprofundado (Morais, 1997, 2012, 2013; Byrne, 2013).
A partir da última década do século XX o âmbito dos estudos sobre a leitura diversificou-se, abrangendo
hoje os mais diversos domínios e proporcionando informação relevante acerca da leitura nas várias
idades e etapas da vida (Alexander & Fox, 2010).
Tradicionalmente, incluíam-se no grupo designado como alfabetizados quem apenas conseguisse
decifrar palavras ou escrever o seu próprio nome e quem não hesitasse perante textos complexos ou
obras extensas e redigisse com correção. Como um âmbito tão abrangente não permitia dar conta
da diversidade de situações de pessoas e grupos perante a leitura foram surgindo outros conceitos.
Surgiu entretanto a distinção entre alfabetização e alfabetização funcional, considerada esta última como
o conjunto de habilidades e práticas que inclui ler, escrever e usar números recorrendo a materiais
escritos, para que cada pessoa possa participar em todas as atividades necessárias à sua comunidade e
usar a leitura e a escrita para o seu próprio desenvolvimento (Wagner, 2011).
15
Isabel Alçada
Literacia é um vocábulo originário do inglês literacy, adotado pela língua portuguesa e por várias
outras línguas. Consiste na capacidade de usar o poder de ler na vida quotidiana, conceito também
referido como literacia de leitura, para se distinguir de outras formas de literacia, como a numérica, a
científica, a financeira, a de informação ou a digital. Abrange definições relativamente simples, que a
descrevem como um processo de aquisição de competências cognitivas, e definições mais complexas,
que incluem o contributo dessas competências para a reflexão crítica, para resolver os desafios presentes
na sociedade contemporânea e ainda para a consciência cívica e para o desenvolvimento econômico e
social (UNESCO, 2006). A literacia é hoje encarada como um fator altamente condicionante tanto do
bem-estar individual como do desenvolvimento econômico e social (EU High Level Group of experts in
Literacy, 2012).
O conceito de literacia emergente engloba um conjunto de competências, atitudes e interesses
relacionados com a linguagem escrita que as crianças desenvolvem antes de iniciarem a aprendizagem
formal da leitura. Esses elementos são considerados decisivos para a aprendizagem e dependem das
experiências vividas tanto no contexto familiar como em contextos de creches e jardins de infância.
Hábitos ou práticas de leitura são atividades culturais que consistem no uso mais ou menos regular
da competência que se designa como literacia. Verifica-se que a frequência e o modo como a leitura é
praticada, em particular nas primeiras fases da vida, condiciona a aprendizagem e o desenvolvimento da
leitura e que geralmente o nível de literacia atingido por cada pessoa tende a influenciar as suas práticas
de leitura.
Na maioria dos estudos os termos práticas e hábitos de leitura são usados como sinônimos, mas
alguns autores distinguem-nos, considerando que hábito remete para atitudes, enquanto prática para
comportamentos (Neves, 2011).
As práticas da leitura assumem hoje muitas formas, pois a par dos suportes impressos, tais como
os livros, jornais, revistas, folhetos, embalagens, etc., já em si muito variados, surgiram os suportes
digitais, que multiplicaram os formatos dos textos escritos, associando‑os a outras modalidades de
comunicação. No entanto, a diversificação de suportes não diminui a necessidade de leitura, pelo
contrário, intensifica-a e torna-a ainda mais exigente.
16
Políticas de Leitura
Quadro I
Orientações Políticas de Leitura
Questões Centrais Orientações nas Políticas
Persistência de analfabetismo Erradicar o analfabetismo, assegurando que
todos os cidadãos, crianças e adultos beneficiam de
uma escolarização prolongada.
Desigualdades nas práticas ou hábitos de Contribuir para a valorização social da leitura, facilitar
leitura o acesso a livros e a outros recursos, para que ler se
torne uma atividade frequente e a leitura um hábito
ou uma prática da vida
quotidiana.
Para analisar e compreender os problemas, torna-se crucial recorrer a estudos de caráter
científico que permitam obter informação fidedigna sobre questões tais como: a delimitação do con-
texto em que os problemas ocorrem; a recolha de dados que per-mitam descrevê-los e quantificá-los; a
pesquisa de causas que estejam na sua origem ou de fatores que os influenciem; a avaliação de impacto,
tanto das políticas, como das estratégias de intervenção.
O fato de a leitura ser hoje considerada uma competência essencial a que todos os cidadãos
têm direito levou a que, não só os governos dos países, mas também instâncias internacionais e
transnacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), sobretudo através da sua agência
especializada para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)3 a Organização para a Cooperação
3 UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) - agência especializada das Na-ções Unidas (ONU), com sede em Paris,
fundada em 4 de novembro de 1946 com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo promovendo a educação, a ciência, a
informação e a comunicação.
17
Isabel Alçada
e Desenvolvimento Económico (OCDE)4, a União Europeia (UE) e outras como por exemplo a
International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA)5, a assumissem como uma
das áreas de intervenção, o que contribuiu para que as questões da leitura ganhassem lugar na agenda
internacional e se mobilizassem recursos técnicos e financeiros para o seu estudo.
A UNESCO, desde a sua fundação, manteve sempre a alfabetização e a promoção da leitura como
elemento central da sua missão, colocando a alfabetização global na primeira linha dos seus esforços e
procurando mantê-la como tema relevante na agenda da ONU. Foi uma das primeiras organizações a
patrocinar a coleta de dados comparativos sobre a alfabetização no mundo, divulgando, a partir dos anos
50, relatórios com análises de informação empírica e taxas de alfabetização, calculadas a partir dos cen-
sos e de dados sobre a escolarização da população fornecidos pelos diferentes países (Wagner, 2011).
Durante a segunda metade do séc. XX, a UNESCO assumiu a liderança na luta pela alfabetização,
com particular incidência nas regiões do mundo que revelavam maiores carências econômicas e sociais.
As suas linhas de ação distribuíram-se pelo apoio à universalização da educação básica, por cam-
panhas de alfabetização e educação não formal dirigidas a adultos, pela intervenção na área da leitura
pública, nomeadamente das bibliotecas6 e ainda pela formulação de orientações dirigidas aos Estados,
aprovadas em reuniões magnas7 de governantes e técnicos de muitos países. Estas recomendações
tornaram‑se referências conceituais para a definição de políticas nacionais de leitura e literacia.
Em 2015, a UNESCO, em parceria com a UNICEF8 , o Banco Mundial e outras agências das
Nações Unidas, emitiu a Declaração – Educação 2030, que sublinha o papel estrutural da literacia nos
objetivos do desenvolvimento sustentável e definiu como meta comum sobre a leitura que até 2030
todos os jovens e adultos do mundo deverão ter alcançado níveis de proficiência relevantes e reconhecidos
em habilidades funcionais de leitura, escrita e matemática9. A monitoração de medidas para alcançar esta
meta foi publicida em relatório (UNESCO, 2019).
18
Políticas de Leitura
Embora a aprendizagem da leitura ocupe um lugar central nos sistemas educativos, verifica-se
que em muitos países não atinge resultados satisfatórios, o que coloca muitas crianças em situação de
desigualdade em relação aos colegas e afeta todo o seu percurso escolar.
Os consideráveis avanços na investigação sobre os processos de iniciação à leitura e à escri-
ta10 constituem hoje uma base científica de extrema utilidade, pois permitem identificar as causas dos
problemas e fornecem informação sobre temas tão diversos como as componentes dos processos
de aprendizagem e os fatores que as condicionam; as metodologias de ensino que asseguram uma
aprendizagem mais efetiva; os procedimentos de detecção, avaliação e superação de dificuldades que
podem afetar a aprendizagem de algumas crianças e gerar desigualdades. Em muitos países, a evidência
científica é tomada como base para traçar as orientações políticas e selecionar estratégias de efeitos
comprovados.
A Comissão Europeia tem vindo a sugerir aos governos dos Estados Membros que adotem
políticas de incentivo da leitura e para que configurem os currículos escolares e as recomendações
para o ensino tomando como referência a evidência científica e as metodologias comprovadas por aval-
iações.
Um estudo patrocinado pela Comissão Europeia (Eurydice, 2011) apresentou um conjunto de
recomendações relativas a currículos e metodologias de ensino da leitura centrando-se em dez pontos:
(1) orientações curriculares que definam as competências a adquirir, mas evitem excessiva rigidez, para
permitirem ajustamento às necessidades dos alunos; (2) importância da educação pré-escolar na aqui-
sição de pré-requisitos para a leitura; (3) aprendizagem sistemática da decodificação na iniciação à
leitura; (4) realização de atividades de leitura ao longo de toda a escolaridade para assegurar que os
alunos adquirem estratégias adequadas à compreensão, à metacognição e à autocorreção; (5) estímulo
do envolvimento na leitura e da motivação, elementos considerados cruciais na formação de leitores;
(6) prática frequente da leitura e diversificação de experiências, nomeadamente de obras de ficção e
informação que induzam o prazer de ler, evitando-se a leitura forçada de um cânone tradicional de
textos literários; (7) identificação de fatores que explicam as dificuldades de leitura; (8) mobilização
de estratégias para apoiar os alunos que não conseguem ler bem, ou não descobriram o prazer de ler;
(9) recurso à leitura em suporte digital na sala de aula, além de livros, para desenvolver competências
na utilização de todos os tipos de textos; (10) programas de apoio à promoção de hábitos de leitura
em família. O estudo refere que, embora muitos currículos recomendem este tipo de procedimen-
tos, a sua efetiva implementação tem tardado devido, em grande medida, a insuficiente formação dos
10 Vários investigadores têm sistematizado as conclusões do vastíssimo corpo de estudos sobre a iniciação à leitura, na intenção de que sejam
consideradas para fundamentar opções curriculares e opções pedagógicas (Dehaene, 2011; Morais, 2012; Viana, 2002; Ribeiro &Viana, 2010; Sim‑
Sim, 2007).
19
Isabel Alçada
docentes.11
Um outro estudo realizado a partir da análise de 32 sistemas educativos europeus identificou
alguns dos fatores que explicam o fraco desempenho na leitura, revelado por grande número de alunos
(Motiejunaitea, Noorania & Monseurb, 2014). Apesar do consenso acerca do peso do ambiente socio-
económico e familiar nos resultados escolares, em particular na leitura (Breen & Jonsson, 2005; OCDE,
2010), verifica-se que o peso da influência familiar difere de país para país e que a qualidade da educação
pode na prática compensar assimetrias e promover equidade (Dobbins & Martens, 2012).
Verificou-se ainda que apenas uma pequena parte da variância no desempenho na leitura (7%)
é atribuível a diferenças entre países. As diferenças entre as escolas têm um peso superior (38%) e as
diferenças entre alunos da mesma escola, são ainda maiores (55%). É no entanto possível identificar
estratégias que ao nível dos países atenuam os resultados negativos na leitura. A mais relevante dessas
estratégias é a possibilidade de contar com especialistas de leitura que apoiam professores e alunos, fato
referido por diversos estudos, sendo esta intervenção relevante mesmo quando o ensino é de qualidade,
pois há sempre crianças que precisam de apoio, sobretudo na fase inicial de aprendizagem da leitura
(Allington, 2006; Mokhtari et al., 2009). A intervenção precoce de especialistas tem efeitos preventivos
e traduz-se em progressos correspondentes a um ano de escolaridade (Motiejunaitea et al., 2014).
Tendo em conta as alterações profundas na vida humana decorrentes das novas tecnologias e do
acesso à Internet, a União Europeia estabeleceu metas e diretrizes para que os governos integrassem
as tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos sistemas educativos e promovessem o estudo
das competências indispensáveis à literacia digital. No quadro da estratégia Europa 2020, foram
definidos objetivos estratégicos a alcançar até 2025 e incluídas recomendações para reforço do inves-
timento nos recursos digitais, hoje indispensáveis à aprendizagem ao longo da vida, à realização pessoal,
à empregabilidade e à inclusão social.
Nas últimas décadas do século XX as questões da literacia passaram a estar no foco da atenção
em todo o mundo e surgiram estudos a nível nacional e internacional para avaliar a literacia de crianças,
de jovens e de adultos.
20
Políticas de Leitura
Os primeiros estudos para avaliar a literacia dos adultos, maiores de 16 anos, datam dos anos
80 do séc. XX, recorreram a questionários e foram lançados pelos governos do Canadá e dos EUA.
Nos anos 90 do séc. XX surgiu o primeiro de uma série de estudos destinados a avaliar a literacia dos
adultos, de idades compreendidas entre os 16 e os 65 anos.
Entretanto a OCDE, que desempenhava um papel relevante nas políticas educativas, realizando
exames aos sistemas educativos, requeridos pelos países membros, tomou a iniciativa de construir e
divulgar um conjunto de indicadores, que permitem estabelecer comparações internacionais, publicadas
anualmente, nos relatórios Education at a Glance (Lemos, 2014). A partir dos anos 90, a OCDE, em
parceria com outras organizações, patrocinou a avaliação comparativa da literacia nos adultos de
diferentes países, nos estudos International Adult Literacy Survey (IALS )12 e Adult Literacy and Lifeskills
(ALL)13.
Já no século XXI, e com o objetivo de incentivar o desenvolvimento da literacia no mundo, a
OCDE lançou vários estudos destinados a medir e comparar os níveis de literacia dos diferentes países
e permitir que os governos dispusessem de informação fidedigna sobre a literacia dos seus cidadãos.
O primeiro destes estudos foi dirigido à população jovem – o estudo PISA –, que veio a tornar-se uma
referência na questão da literacia. Quanto aos adultos, lançou o Program for the International Assessment
of Adult Competencies (PIAAC)14, cuja primeira edição teve lugar 2011 e se propôs traçar perfis de leitura
da população com idades entre os 16 e os 65 anos. Os domínios de competências em avaliação são a
literacia, a numeracia e a resolução de problemas em ambientes tecnológicos.
12 IALS – International Adult Literacy Survey – aplicado em 1994, 1996 e 1998– com a participação de 22 países.
13 ALL – Adult Literacy and Lifeskills – aplicado em 2003, e entre 2006 e 2008 – com a participação de 10 países.
14 PIAAC – Program for the International Assessment of Adult Competencies – aplicado a partir de 2011 – com a participação de 24 países.
15 Além de participarem nos estudos internacionais, alguns países realizam avaliações nacionais da literacia de crianças em idade escolar, associadas
à avaliação dos resultados escolares. Um exemplo é o National Assessment of Educational Progress (NAEP), dos EUA, que desde 1969 recolhe e
divulga informação sobre o desempenho dos alunos de três níveis de escolaridade (4.º, 8.º e 12.º) e também de uma amostra de alunos de 9, 13 e
17 anos de idade.
21
Isabel Alçada
de organizações internacionais, como a OCDE, e supranacionais, como a UE, e, em graus variáveis, nas
políticas nacionais.
O PISA é um programa internacional promovido pela OCDE desde 2000 para avaliar o
desempenho dos alunos de 15 anos em três domínios: literacia de leitura, literacia matemática e
literacia científica, recorrendo a um conjunto de procedimentos rigorosos. Desenvolvido em articulação
estreita com os países participantes, assegura uma aplicação uniforme que permite apreciar a evolução de
resultados de cada país e comparar resultados entre os vários países. O PISA organiza-se em ciclos
trienais, incide sempre nas três áreas de avaliação, mas elege uma delas como domínio principal.
A literacia de leitura foi o domínio analisado em profundidade nos estudos PISA 2000, 2009, 2015, 2018.
A partir de 2012 ofereceu ainda a possibilidade dos países aderirem à avaliação de uma área opcional:
a literacia financeira.
O conceito de literacia de leitura, tal como é definido pelo PISA, diz respeito à capaci-
dade dos alunos de compreenderem e usarem textos escritos, refletindo sobre o conteúdo e en-
volvendo-se na leitura para atingirem objetivos pessoais, para adquirirem conhecimento, para se
desenvolverem e participarem na sociedade. Além da decodificação e da compreensão literal, im-
plica ainda interpretação, reflexão e capacidade para usar a leitura para atingir objetivos pessoais.
O enfoque é em «ler para aprender» e não em «aprender a ler», pelo que não são avaliadas as
competências mais básicas de leitura (OECD, 2010).
O desenvolvimento da literacia é visto como um processo de aprendizagem ao longo da vida,
não sendo esperado que alunos de 15 anos tenham adquirido tudo aquilo de que um cidadão adulto irá
necessitar. Pretende‑se apenas que demonstrem um domínio sólido de competências que lhes permi-
tam continuar a aprender (Serrão, 2014). O PISA distingue três domínios sobre os quais a avaliação
incide: conhecimento – obtido a partir de diferentes tipos de recursos de leitura; competências –
desdobradas em vários tipos de tarefas; situação – para a qual o texto é construído. A análise de resul-
tados permite efetuar comparações internacionais de perfis de literacia dos jovens de 15 anos, avaliar a
evolução do desempenho e identificar a posição relativa de cada país no quadro internacional.
O PISA estuda também fatores que afetam a literacia, nomeadamente o papel das políticas educa-
tivas que visam assegurar a equidade, as motivações e o envolvimento dos alunos na aprendizagem e na
prática da leitura, as estratégias de aprendizagem. Apresenta ainda indicadores para avaliar a qualidade
e a equidade dos sistemas educativos, relacionando-os com as políticas educativas, as características,
recursos e práticas das escolas, identificando o que as escolas e as políticas têm conseguido na redução
do impacto de ambientes socioeconómicos desfavorecidos e na melhoria dos níveis de desempenho dos
alunos. As recomendações dos relatórios dos estudos PISA têm sido consideradas em vários países para
configurar mudanças nas políticas educativas (Schleicher, 2019).
22
Políticas de Leitura
O estudo internacional que incide na avaliação da literacia de crianças mais reconhecido pela
comunidade científica é o PIRLS, desenvolvido pela IEA com aplicações de cinco em cinco anos
(IEA, 2012, 2016). Analisa a literacia de leitura de alunos do 4.º ano de escolaridade incidindo sobre quatro
tipos de estratégias de compreensão de leitura: localização e obtenção de informação explícita;
realização de inferências diretas; interpretação e integração de ideias e informação; avaliação, análise e
reflexão sobre o conteúdo e os elementos dos textos. Aprecia ainda a capacidade de uso da informação
para alcançar objetivos individuais ou sociais.16
A avaliação é feita a partir de duas modalidades de leitura: leitura de textos literários (ficção,
poesia, texto dramático, etc.); leitura de textos informativos. Recorre a uma escala com quatro níveis de
desempenho: nível avançado – integração de ideias e informação do texto e apresentação de razões e
explicações; nível alto – realização de inferências e interpretações com base no texto; nível intermédio
– realização de inferências diretas; nível baixo – localização e recordação de informação presente em
diferentes partes do texto.
Tal como o PISA, o estudo PIRLS inclui dimensões de análise que permitem avaliar políticas na-
cionais de leitura relativas ao grupo etário em que incidem e os repectivos resultados são tomados em
consideração nas opções dos governos.
16 Vd: International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) https://www.iea.nl/studies/iea/pirls
17 Eurostat - autoridade estatística da Comissão Europeia, criado em 1953. Atualmente é uma Direção‑ Geral (DG) da Comissão Europeia. Tem como
missão fornecer estatísticas à Comissão e às outras instituições europeias sobre questões relativas às políticas comunitárias.
23
Isabel Alçada
Em muitos países têm vindo a desenvolver-se políticas públicas assumidas pelos governos
que se dirigem à totalidade dos cidadãos. Visando universalizar a aprendizagem da leitura, aprofund-
ar a literacia e as práticas culturais dos diferentes grupos e operando nos mais diversos contextos,
estas políticas são formuladas através de planos globais, que se desdobram em programas e projetos19,
para os quais contribuem geralmente os setores da Educação e da Cultura, mas alargando-se também a
outros setores como o da Saúde e o da Proteção Social (Neves et al., 2007).
As políticas públicas de leitura que apresentam maior consistência e sustentabilidade selecionam com
clareza as questões e problemas a que procuram dar resposta e estruturam-se segundo parâmetros bem
definidos (cf. Quadro 2)
18 Eurobarômetro - instrumento da Comissão Europeia que consiste em um conjunto de questionários por sondagem realizados regularmente
para acompanhar e analisar a opinião pública em todos os Estados membros. Entre os questionários sobre práticas culturais contam-se o Euro-
barômetro 56.0 (2001), em que participaram 14 Estados membros; o Eurobarômetro 278 (2007), que abrange o conjunto dos 27 países da UE e o
Eurobarômetro 2003.1 (2013) sobre acesso à cultura, em que participaram igualmente os 27 países da União Europeia.
19 Um plano corresponde a um conjunto de grandes linhas que orientam uma vontade de intervenção, assen-te em diretrizes políticas e abarcan-
do um conjunto amplo de temas ou aspectos a concretizar a médio ou longo prazo; um programa corresponde a uma primeira concretização do
plano, aplicando as linhas diretrizes a um aspecto concreto; o projeto é a linha mais operativa da intervenção e corresponde ao desenvolvimento
dos programas através de ações concretas e é a unidade mínima de atuação com sentido global em si mesma (Cerezuela, 2006[2004]:27), citado
por Neves, Lima & Borges (2007).
24
Políticas de Leitura
Quadro 2
Parâmetros na definição de políticas de leitura
Parâmetros na Definição de Políticas de Leitura
Desenho das Políticas Estratégias de Implementação
Identificação de questões e problemas em Mobilização de conhecimento científico acerca das questões,
que cada questão se desdobra. dos problemas em que as questões se desdobram e do
Justificação de necessidade de lhes dar contexto. Estabelecimento de um número reduzido de objetivos
resposta. Metas e Objetivos a Atingir. mensuráveis.
Adaptado de Viennet, R. & Pont, B. (2017). Education policy implementation: A literature review and proposed
framework, (p. 45). OECD.
A seleção de questões e a justificação da necessidade de lhes dar resposta são em si mesmas
opções políticas muito relevantes, pois o que para uma força política constitui um problema a resolver,
para outra pode ser visto como uma inevitabilidade a ignorar. Pelas mesmas razões, é frequente gerar-se
controvérsia quanto à seleção das estratégias destinadas a dar resposta às questões identificadas, dado
que, para superar um mesmo problema, é sempre possível desenhar caminhos diversos. A mobilização
do conhecimento científico e a avaliação continuada da intervenção, não anulando o debate, torna-se
muito importante para fundamentar opções e conferir segurança às estratégias adotadas, permitindo
avançar com base em iniciativas cujos resultados vão sendo comprovados.
Em qualquer caso, o desenho das políticas tem que ser bem articulado com as estratégias de
implementação. Por exemplo, se uma política incidir especificamente na área do analfabetismo de
adultos, os grupos e os contextos que a intervenção irá envolver serão naturalmente diferentes
daqueles que se tomarão se as questões centrais forem a redução de desigualdades na aprendizagem
inicial das crianças ou o desenvolvimento da literacia dos jovens.
25
Isabel Alçada
26
Políticas de Leitura
Quadro 3
Incidência das Políticas Públicas de Leitura
Incidência das Políticas Públicas de Leitura - Área da Educação
Domínios Níveis educativos/ Objetivos
públicos-alvo
Orientações sobre leitura e escrita Pré-escolar Estimular a literacia emergente
nos currículos escolares e nos
programas de ensino.
Definição de tempo letivo dedicado 1º ano Assegurar o sucesso na
à leitura e à escrita (em particular alfabetização (aprendizagem
na área da língua materna). inicial) das crianças.
Avaliação de níveis de desempenho. Ensino Básico Consolidar e ampliar o domínio
da leitura e da escrita visando o
desenvolvimento da literacia.
Planos estratégicos para valorizar Ensino Secundário Estimular a prática da leitura
e reforçar a leitura e a escrita nas orientada nas salas de aula e no
atividades letivas. trabalho autônomo dos alunos
que induza leitura.
27
Isabel Alçada
A Finlândia é talvez o país que mais tem suscitado a atenção da comunidade internacio-
nal pelos excelentes resultados nos estudos PISA. O êxito das políticas finlandesas é atribuído pe-
losinvestigadores à preocupação com a equidade em todos os níveis do sistema educativo. Graças à
intervenção imediata de especialistas de leitura que, ao primeiro sinal, apoiam nas escolas os
alunos com dificuldades, as diferenças de desempenho são muito reduzidas (Halinen et al.,
2005). Igualmente referidos como fatores positivos contam-se: a boa preparação pedagógica e a
autonomia dos docentes; o recurso a modalidades de trabalho destinadas a despertar nos mais novos
o prazer de ler; a descrição nos currículos do que se considera bom desempenho, mas sem exames
nacionais; a manutenção de todos os alunos em escolas públicas, gratuitas, sem diferenciação de vias
alternativas até aos 16 anos (Sinko, 2012). A análise dos resultados obtidos pelos jovens finlandeses nos
estudos PISA demonstrou que o interesse pela leitura e o hábito de ler nos tempos livres surgia com um
peso explicativo superior ao do nível socioeconómico e cultural dos pais (Linnakylä & Väli-järvi, 2004).
Nos EUA a crescente preocupação com os resultados do sistema educativo, considerados
pouco competitivos no plano internacional, esteve na origem de várias políticas de leitura visando
melhorar o desempenho escolar dos alunos, com uma atenção especial aos grupos que revelavam maiores
dificuldades. Estudos de avaliação de várias dessas políticas identificaram como fatores do êxito: as
atitudes dos docentes; a influência de fatores organizacionais; o conteúdo das próprias políticas e a
sua formulação. Um estudo que incidiu sobre mudanças nas políticas de leitura introduzidas no ensi-
no no Estado da Califórnia, alertou para o fato de que, mesmo entre docentes que apoiaram as novas
orientações, estas foram reinterpretadas à luz de convicções prévias, resultando apenas numa alteração
superficial nas práticas (Coburn, 2004). Um outro estudo analisou a influência das direções das escolas
e das estruturas de coordenação pedagógica na adoção de novas metodologias no ensino da leitura,
verificando-se que tanto podem estimular como inibir mudanças positivas na ação dos profes-
sores (Ogawa et al., 2004). No que respeita ao conteúdo e à forma das próprias políticas, um
20 Incluem-se como exemplos: a política de leitura do sistema educativo da Finlândia; as reformas curriculares nos EUA; o Plano Nacional do Livro
e da Leitura (PNLL) lançado no Brasil em 2006 e o Plano Nacional de Leitura (PNL) lançado em Portugal desde 2006, que prossegue na
atualidade
28
Políticas de Leitura
estudo analítico concluiu que indicações ambíguas ou distantes das metodologias habituais tendem a
criar resistências ou a obter efeitos superficiais (Coburn et al., 2011).
Ainda nos EUA, um relatório sobre políticas de leitura da Education Commission for the States21
analisou resultados de investigação e identificou como práticas de efeitos comprovados na superação
de dificuldades na leitura: a iniciação à leitura com o método fônico; o contato dos alunos com grande
diversidade de livros que lhes agradem, a leitura em voz alta na sala de aula e a realização de atividades
centradas em livros infantis ou juvenis; a difusão de estratégias para que cada professor possa selecionar
a que melhor se adequa aos seus alunos. Verificou-se, contudo, que estas práticas não se encontram dev-
idamente implantadas, continuando os professores a utilizar estratégias inadequadas, tais como planos
de remediação ou retenções.
O Brasil lançou em 2006 o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) visando abranger a maio-
ria da população brasileira. A formulação dos eixos orientadores teve em conta as necessidades mais
agudas da população excluída do direito à leitura, que à época incluía mais de 153 milhões de cidadãos, numa
população de 207,8 milhões de habitantes (Neto, 2017).
A definição conceitual resultou de esforço conjunto das áreas da Cultura e da Educação
e envolveu a participação de todo o tipo de organizações e ativistas da leitura através de reuniões,
seminários e encontros com especialistas e interessados, nos quais se debateram as diferentes questões
e problemas para que o PNLL pudesse constituir-se como um pacto social.
O PNLL definiu quatro eixos estruturantes: democratização do acesso à leitura; fomento da
leitura e da formação de mediadores; valorização institucional da leitura e incremento de seu valor
simbólico; desenvolvimento da economia do livro.
Em 2010, o PNLL publicou um relatório que constitui uma síntese das iniciati-
vas até então realizadas (Neto, 2010). Destaca-se o número de ações e projetos22 realizados
tanto no âmbito nacional como estadual e municipal e em áreas tão diversas como a constitu-
ição e atualização de bibliotecas escolares, municipais e estaduais, a formação de professores,
professores bibliotecários e alunos leitores, a introdução de mudanças nos currículos escolares, a
realização de seminários, encontros, festas e feiras do livro, o lançamento de campanhas para aprofundar a
visibilidade social da leitura e da escrita, o apoio à edição (Neto, 2010).
21 Education Commission for the States - organismo dos EUA, criado pelos Estados, para acompanhar e analisar tendências políticas, divulgar
resultados de investigação, proporcionar aconselhamento independente e intercâmbio de experiências entre os responsáveis políticos.
29
Isabel Alçada
Em Portugal, o Plano Nacional de Leitura (PNL) obteve resultados comprovados pelos estudos
de avaliação, realizados durante uma primeira fase de dez anos (2006-2011), e pelos resultados obtidos
pelos alunos portugueses nos estudos PISA e PIRLS, que a partir de 2009 se situaram acima dos obtidos
em avaliações anteriores.
A definição de linhas mestras congregou as áreas políticas da educação e da cultura e partiu
da caracterização dos problemas centrais da leitura em Portugal, com base nos dados obtidos nas
avaliações de literacia, tanto da população escolar como da população adulta. Como meta o PNL visa atingir
resultados gradualmente mais favoráveis nos estudos internacionais de avaliação de literacia.
Como metodologias de intervenção seguem orientações internacionais, nomeadamente as seguintes
recomendações da EU: tomar a evidência científica como suporte da definição de programas; suscitar
a adesão e a mobilização dos atores centrais – docentes, professores‑bibliotecários e bibliotecários - e
ampliar o seu conhecimento acerca da leitura; a celebração de parcerias; a avaliação externa (Alçada,
2014, 2016).
Nos primeiros anos de intervenção a atividade nuclear permanente foi a prática da leitura ori-
entada na sala de aula, tanto de livros como de recursos digitais23, dirigida ao público‑alvo prioritário,
constituído pela totalidade dos alunos do ensino básico e da educação pré‑escolar. Nos anos
sequentes, o âmbito de intervenção tem-se ampliado a outros públicos, vindo a abranger todos os níveis
educativos e também a população adulta, graças ao lançamento gradual de múltiplas iniciativas e projetos
de promoção de leitura, de âmbito e duração variáveis, para atingir outros públicos e outros contextos,
incluindo iniciativas dirigidas às famílias. O PNL promove a realização e a divulgação de estudos sobre a
leitura e a sua promoção. Nos primeiros 5 anos foi acompanhado por um processo de avaliação cujos
resultados foram publicados (Costa et al., 2011).
Em muitos países o esforço de governos e a ação das escolas é bastante apoiada por organi-
zações da sociedade civil. Na Europa, a EU Read24 é uma rede de organizações que, em vários países,
assumem a leitura como missão. Promove a divulgação de estudos e de projetos realizados pelos seus
associados para as diferentes idades e em diferentes contextos – família, escola, bibliotecas, livrar-
ias, ambientes digitais. No Reino Unido organizações como o National Literacy Trust25 , o Book Trust26,
23 Para apoiar a disponibilização de obras adequadas à leitura orientada na sala de aula para as diferentes idades o PNL publicou listas de obras
recomendadas e assegurou a dotação das escolas com financiamento para que pudessem selecionar e adquirir para as bibliotecas escolares as
que os docentes considerassem mais adequadas para fomentar o gosto pela leitura nos alunos. Esta iniciativa veio a suscitar a adesão de editores
e livreiros. Criou também uma biblioteca de livros digitais com obras para os vários níveis educativos.
24 Vd: EU Read: https://www.euread.com/
25 Vd: National Literacy Trust: https://literacytrust.org.uk/
26 Vd: Book Trust https://www.booktrust.org.uk/
30
Políticas de Leitura
The Children’s Literacy Charity27, a UK Literacy Association28, The Centre for Literacy in Primary Educa-
tion29, na Irlanda, a Children’s Books Ireland30; nos EUA Reading is Fundamental (RIF)31, Reading Rockets 32,
e também organizações internacionais que operam nos vários continentes como a Room to read33,
oferecem um vasto leque de programas dirigidos a escolas e famílias, incluindo a oferta de livros e a
intervenção direta, sobretudo em contextos sociais desfavorecidos e com promoção da investigação na
área do ensino e da promoção da leitura.
Algumas organizações promovem a leitura em voz alta e a leitura a par em jardins de infância e
nas escolas através da ação de voluntários. É o caso da Coram Beanstalk34 no Reino Unido, de Everybody
Wins35 e Read Ahead36 nos EUA, da Fundação Itaú37 no Brasil, com o programa Leia para uma criança, ou
do programa Voluntários de Leitura38 em Portugal.
A investigação tem demonstrado que a família influencia a forma como as crianças en-
caram os livros, como aprendem a ler, e como adquirem hábitos de leitura (Hart & Risley, 2003).
Alguns autores39 chamam a atenção para o papel ativo que a família pode desempenhar na literacia emer-
gente, criando oportunidades para contatos com materiais escritos (Mata, 2006, 2012), reconhecendo
e valorizando os progressos das crianças, cultivando interações positivas que as estimulem e orientem,
funcionando como modelos que praticam a leitura e a escrita (Nutebrown et al., 2005).
Vários programas de educação parental têm procurado capacitar os pais para a leitura partilhada
de histórias mantendo rotinas e sentimentos positivos em relação à leitura (Cruz et., al 2002).
Nas últimas décadas desenvolveram-se um pouco por todo o mundo políticas de leitura
especificamente destinados a promover a literacia familiar, em particular junto de grupos
socioeconómicos desfavorecidos. As modalidades de organização podem ser feitas a partir do
setor público – educação, cultura ou saúde – e também a partir de associações ou fundações não
lucrativas ou de editoras. As atividades podem ser dinamizadas por profissionais e por voluntários
(Neves et al., 2007).
31
Isabel Alçada
A título de exemplo, cita-se em França o projeto Agir contre L´illetrisme – L´école se mobilize40,
lançado em 2013 pelo Ministério da Educação, com âmbito nacional e com o objetivo de incentivar as
escolas a apoiarem as famílias no aprofundamento das suas competências de literacia para se sentirem
seguras e confiantes no acompanhamento das atividades de leitura dos filhos.
Alguns projetos foram concebidos para estimular a atuação dos pais de crianças até aos
3 anos. Na América do Norte, o projeto 1,2,3 – Read With Me, iniciativa das bibliotecas públi-
cas do Canadá e dos Estados Unidos da América, inclui a oferta de panfletos informativos sobre
leitura e um livro a cada família envolvida. No Reino Unido, o programa Engaging Parents to Raise
Achivement (EPRA), lançado em 2007 para apoiar as escolas a encorajarem as famílias a adotarem es-
tratégias de efeitos comprovados, e o projeto Bookstart41 , que realiza atividades lúdicas e formativas nas
bibliotecas públicas destinadas a pais com filhos, abrangendo vários grupos etários e famílias. Em Portugal,
um projeto análogo foi lançado pela Associação de Profissionais de Educação de Infância (APPEI), em
parceria com o grupo Leya, e recebeu o nome de Crescer a ler.42
A partir dos centros de saúde e dos serviços de pediatria também foram criadas dinâmicas para
promover a literacia familiar. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a ONG Reach Out and
Read (ROR)43 apoia os profissionais de saúde para que nas consultas de rotina incentivem os pais para
que leiam com os filhos e oferece livros adequados ao nível etário das crianças. Funciona em todos os
Estados dos EUA e estabeleceu parcerias com outros países, nomeadamente com Portugal, onde o
Plano Nacional de Leitura lançou o programa LeR+ dá saúde44. Em Itália o programa análogo tem o
nome Nati per Leggere.45
Alguns projetos dirigidos a famílias têm sido lançados por fundações, como, por
exemplo, a Alan Duff Charitable Foundation, que na Austrália e na Nova Zelândia enriquecem as
bibliotecas escolares com livros para leitura domiciliária, através de um projeto denominado
Books in Homes46. Na Holanda a fundação Stichking Lezen47, financiada pelo governo, desenvolve um
projeto especificamente pensado para famílias de imigrantes para que pais e filhos, dos 0 aos 6 anos,
possam desenvolver o gosto pelos livros e praticar a leitura em língua neerlandesa.
32
Políticas de Leitura
Nos EUA a Barbara Bush Foundation for Family Literacy48 opera na promoção da literacia familiar e várias
associações de bibliotecários, como a Association for Library Service to Children, em colaboração com
associações de pais, editoras, órgãos de comunicação, promovem vários projetos, como, por exemplo, o
Drop Everything And Read (DEAR)49. Em Portugal o programa Conto Contigo desenvolvido pela Fundação
Aga Khan nas bibliotecas públicas é um exemplo significativo50.
Quadro 4
Incidência das Políticas Públicas de Leitura - Área da Cultura
Incidência das políticas públicas de leitura - Área da Cultura
Domínios Beneficiários Objetivos
Organização de rede de leitura Cidadãos em geral Assegurar o acesso gratuito a livros, periódicos
pública – bibliotecas de livre e recursos digitais.
acesso nos territórios nacionais. Elevar os índices de literacia.
Divulgação de orientações Incentivar as práticas de
técnicas e normativas para as leitura.
bibliotecas públicas.
33
Isabel Alçada
Conclusões
Com o objetivo comum de evitar as desigualdades perante a leitura e assegurar que todos
os seres humanos dominam esse precioso poder, várias instâncias internacionais, diferentes governos
nacionais e uma multiplicidade de organizações da sociedade civil têm desenvolvido esforços
para dar resposta a questões como a persistência do analfabetismo, a iliteracia, as desigualdades na
aprendizagem da leitura ou no acesso a livros e a recursos em suporte digital.
34
Políticas de Leitura
35
Isabel Alçada
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Capítulo 3
Do som à Linguagem:
Perspectiva Neurocognitiva Entre a Faculdade
Universal da Linguagem e Diferenças
Interlinguísticas no Processamento
Tomás Goucha
Max Planck Institute for Human Cognitive and Brain Sciences
Resumo
O processamento da linguagem bem como a sua implementação cerebral estão longe de serem
entidades monolíticas. O estudo científico da linguagem reparte-se em vários domínios, nomeadamente
na categorização dos sons da fala (fonética), na análise do significado veiculado pelas palavras (semântica),
e na descrição das regras segundo as quais estas se juntam para formar frases (sintaxe). O recém-
nascido molda-se progressivamente à sua língua materna, aprendendo a identificar os sons que lhe
pertencem, segmentando o fluxo da fala em palavras, e usando pistas transportadas pelo ritmo e melodia
da frase (prosódia) para inferir a sua estrutura. A nível cerebral, é o hemisfério esquerdo que assume
majoritariamente o processamento da linguagem. Partindo da área auditiva primária, a informação
linguística é propagada no córtex temporal estendendo-se aos córtices parietal e frontal em um fluxo dual
ao longo de duas vias com especialização funcional. Enquanto a via dorsal é associada ao planejamento
da fala e à sintaxe, a via ventral encarrega-se da decodificação do significado.
Palavras-chave: percepção categórica, período crítico, afasia, combinação mínima, fluxo dual, bilinguismo.
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Do Som à Linguagem
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Tomás Goucha
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Do Som à Linguagem
produzir uma consoante é obstruir completamente a saída do ar, levando transitoriamente a uma
acumulação de pressão, que depois é libertada numa pequena explosão, dando origem ao som típico das
consoantes com modo de articulação oclusiva, tais como /p/, /t/ ou /d/. Um aspecto adicional a respeito
das consoantes é o seu vozeamento, isto é, se a produção da consoante é acompanhada pela vibração
das cordas vocais ou não, diferença que encontramos no par de consoantes fricativas labiodentais /f/ e
/v/, sendo /v/ uma consoante vozeada dada a vibração concominante que observamos ao produzir este
som. Quanto às vogais, é sobretudo a posição da língua na cavidade bucal que determina a forma da caixa
de ressonância do aparelho fonador. Assim, consoante a língua se encontre mais à frente ou mais atrás,
temos respectivamente a vogal anterior /i/ ou a vogal posterior /u/. Temos ainda a diferença entre vogais
abertas e fechadas, e a posição dos lábios determina ainda o seu arredondamento.
Ao nascer, somos capazes de distinguir facilmente os fonemas de qualquer língua, sendo que
ao longo do primeiro ano de vida nos adaptámos especificamente ao inventário de sons pertencente
à língua materna que nos rodeia. Na verdade, este processo de adaptação ocorre ainda antes do
nascimento. Nos primeiros dias de vida, já é possível identificar características da língua materna no
choro dos bebês (Figura 1, painel esquerdo). Por exemplo, o Francês e o Alemão apresentam padrões
de acentuação contrários. Em Alemão, as palavras são normalmente acentuadas na primeira sílaba,
enquanto em Francês, as palavras tendem a ser acentuadas na última sílaba. Curiosamente, ao estudar
o choro de recém-nascidos franceses e alemães, constatou-se que estes choravam já de acordo com
o padrão acentual da sua própria língua. Os bebês franceses, que mais tarde viriam a dizer “ma-ˈman”,
choravam com maior intensidade no final, enquanto os bebês alemães, que por seu turno viriam a
dizer “Ma-ma”, choravam com maior intensidade no início (Mampe et al., 2009). Subsequentemente,
inicia-se a especialização na distinção dos sons da língua materna, embora esta ocorra à custa da perda
da capacidade de discriminação de fonemas pertencentes a outras línguas (Figura 1, painel central).
Assim, o recém-nascido é inicialmente um especialista em distinguir quaisquer dois sons da fala, pertençam
a que língua pertencerem. No entanto, ao fim do primeiro ano de vida, um bebê já percepciona uma
diferença muito mais pronunciada entre dois sons que sejam categorizados como fonemas distintos na
sua língua materna que no caso de um deles se tratar de um fonema pertencente a uma língua estrangeira.
Esta especialização fonológica é vantajosa no processamento da sua língua materna, estando associada a
um crescimento mais rápido do vocabulário nos anos subsequentes, mas acarreta consigo a desvantagem
da diminuição da capacidade de discriminação de sons de outras línguas (Kuhl & Rivera-Gaxiola, 2008).
Esta perda de sensibilidade constitui uma das razões pelas quais, depois de uma determinada idade,
também conhecida como período crítico, se torna francamente mais difícil aprender uma nova língua
(Werker & Hensch, 2015).
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Tomás Goucha
Figura 1
Aquisição da linguagem sinal acústico aos fonemas até à frase
Sequência cronológica dos processos que conduzem à aquisição do vocabulário e da gramática a partir do sinal
Segue-se um dos maiores desafios, isto é, como inferir as palavras e as regras de uma língua a
partir do fluxo ininterrupto (e aparentemente indiviso) que constitui a fala humana. Na verdade, há
informação linguística codificada no sinal da fala ainda antes do acesso lexical, ou seja, ainda antes de
acessarmos ao significado (Figura 1, painel direito). A segmentação é a tarefa fundamental de dividir a
fala em unidades, as palavras. Uma das pistas para segmentar o sinal acústico é identificar as fronteiras
entre elas, uma vez que os sons da fala seguem regras diferentes no interior das palavras daquelas
que encontramos nas fronteiras entre palavras. Também os padrões de acentuação de uma língua nos
permitem inferir se estamos perante o início ou o final de uma palavra, o que também pode ser utilizado
como pista na segmentação. Além disso, várias características superficiais da fala permitem começar
a extrapolar a estrutura sintática de uma língua. Como discutido previamente, as palavras podem
pertencer a categorias lexicais ou funcionais. As palavras funcionais (como os artigos) são mais comuns,
repetem-se frequentemente e raramente recebem ênfase numa frase. Estas palavras funcionais
combinam-se tipicamente com palavras lexicais, sendo que a sua ordem relativa depende de cada língua
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Do Som à Linguagem
em particular. Nalgumas línguas, como o Português, a palavra lexical e a sua acentuação correspondente
vem no final, sendo que a posição inicial corresponde às palavras funcionais. Noutras, o acento no início
sinaliza que é aquela palavra que veicula conteúdo. Ao reconhecer ao longo da frase quais as palavras mais
frequentes e não-acentuadas e ao identificar que palavras são importantes e onde ocorrem, as crianças
inferem qual o padrão de acentuação da sua língua, podendo deduzir a sua ordem frásica característica
e, em última instância, as suas regras sintáticas (Gervain, 2015). Além disso, a entonação de uma frase e
as suas pausas estabelecem fronteiras, agrupando algumas palavras enquanto as separa das outras. Esse
fraseamento feito pela melodia da fala – a prosódia – também contribui para a segmentação e sobretudo
para a formação do conhecimento sintático.
O estudo da linguagem ocupou um lugar central nas neurociências cognitivas desde o seu
nascimento no século XIX. Foi com o estudo de doentes com alterações específicas da linguagem que
Paul Broca (1861) e Carl Wernicke (1874) identificaram as primeiras regiões corticais envolvidas nas
funções cognitivas superiores e, em última instância, permitiram descartar a assunção mais popular na
época de que o cérebro estaria envolvido na sua totalidade na cognição humana sem que houvesse
segregações funcionais particulares (Figura 2). Estes dois neuroanatomistas reportaram vários casos
clínicos envolvendo diferentes síndromes neurológicos com perturbação da linguagem, a que chamamos
afasias, em doentes com lesões cerebrais focais. Deste modo, Broca e Wernicke foram pioneiros por
identificarem regiões eloquentes do hemisfério esquerdo do córtex humano, mas além disso os seus
estudos permitiram a primeira dissociação funcional no que concerne à implementação neuronal da
linguagem. Tal deve-se ao fato de os vários síndromes descritos seguirem principalmente um de dois
padrões distintos, por seu turno correspondendo a lesões cerebrais com diferentes localizações. O
primeiro doente observado pelo francês Paul Broca havia subitamente perdido a função expressiva
da linguagem por completo, comunicando apenas através do monossílabo “tan”, embora aparentasse
manter a compreensão relativamente intacta. Durante a autópsia de Monsieur Leborgne, imortalizado
nos manuais de neurologia com o epíteto de Tan, pelo qual era conhecido no hospital, Broca identificou
uma lesão na região frontal do cérebro, mais especificamente no giro frontal inferior, numa região a
que hoje damos o nome de área de Broca. Quanto ao síndrome neurológico apresentado por Tan,
chamamo-lo de afasia de Broca, uma afasia dita não-fluente. Em contraste com o primeiro caso do seu
colega francês, a primeira doente descrita pelo prusso Carl Wernicke apresentava um síndrome afásico
fluente, isto é, com um discurso à primeira vista normal, salvo pela presença de alguns neologismos.
No entanto, este discurso superficialmente articulado é frequentemente desprovido de sentido
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Tomás Goucha
ou não é adequado ao contexto, uma vez que estes doentes perderam (pelo menos parcialmente)
a capacidade de extrair o significado da linguagem. Em contrapartida, pôde observar que tais
síndromes, analogamente classificados como afasia de Wernicke, geralmente resultavam de lesões na
regiãodo córtex temporal posterior ao córtex auditivo primário, na hoje chamada área de Wernicke.
Figura 2
Localização das áreas tradicionais da linguagem no hemisfério esquerdo
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Do Som à Linguagem
frequentemente arbitrárias definiam o uso “correto” de uma língua, ao gosto idiossincrático dos seus
autores. Pelo contrário, compete agora ao linguista moderno, dotado do método científico, descrever
a produção dos falantes nativos de uma língua para inferir os princípios gerais subjacentes ao seu
conhecimento linguístico. Tal permitiu concluir que a competência linguística de um falante é mais
propriamente constituída por conhecimento gramatical implícito, ao invés de normas e terminologia
aprendidas através da educação escolar. Antes de aprendermos na escola o que são “nomes” ou
“adjetivos”, já possuímos o conhecimento gramatical da categoria “adjetivo”, que nos permite utilizar
as regras gramaticais que regem essa categoria, mesmo sem saber enunciá-las. Por exemplo, qualquer
criança em idade pré-escolar saberá que pode combinar “tão” com as palavras “grande”, “difícil” ou
“verde”, mas não com as palavras “casa” ou “ideia” – sendo que, por seu turno, pode combinar “tal”
com as últimas duas palavras, mas não com as três primeiras. Para ser capaz de fazer este julgamento,
esta tem necessariamente de ser capaz de distinguir duas categorias de palavras (“nomes” e
“adjetivos”) e conhecer as regras gramaticais que definem com que palavras se podem ou não combinar.
Ao constatar que cada um de nós possui uma gramática mental interna, que se forma à medida que
aprendemos a nossa língua materna, Chomsky propôs a existência de um conjunto de princípios básicos
comuns a todos os humanos e que nos dota da faculdade para a linguagem. Deste modo, um conjunto
finito de regras sobre como combinar palavras pode gerar a infinita complexidade que a linguagem
detém em potência e, em última instância, é subjacente à singularidade da linguagem humana.
Nos finais do século XX, a neuroimagem estabelece-se como método de investigação nas ciências
cognitivas. A neurolinguística procura finalmente a localização mais precisa das funções da linguagem
bem como a sua possível segregação, já que o estudo de doentes afásicos não tinha sido capaz de
fornecer uma localização clara, além de muitos quadros clínicos de afasia apresentarem constelações
de sintomas idiossincráticas (Dronkers, 2000). Até à data, inúmeros estudos de ressonância magnética
funcional focaram-se no contraste entre dimensões semânticas e sintáticas, esboçando uma dissociação
na localização de diferentes domínios linguísticos (Figura 3; Friederici, 2011; Hagoort & Indefrey, 2014;
Price, 2012). Assim, no córtex frontal, as regiões mais posteriores parecem estar mais envolvidas no
processamento fonético e sintático, enquanto as mais anteriores se destacam em tarefas semânticas.
O processamento e integração de informação semântica parece envolver tanto a região anterior do lobo
temporal (ATL) como a parte posterior do lóbulo parietal inferior, o giro angular. Contudo, estamos
longe de atingir um consenso sobre quais as áreas do cérebro que lidam com o processamento dos
diferentes tipos de informação linguística (Fedorenko & Thompson-Schill, 2014). Além disso, permanece
em aberto a questão de como estas diferentes fontes de informação interagem no processamento
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Do Som à Linguagem
Além disso, estas duas vias de processamento possuem homólogos no hemisfério direito,
espelhando o esquerdo, dedicadas ao processamento do ritmo e melodia da fala, mas também envolvidas
no processamento da música. Dada a precedência do hemisfério direito no processamento prosódico, as
ligações transcalosais, que ligam os dois hemisférios, são cruciais para o processamento da entonação e a
integração desta informação com a estrutura frásica, fundamental para a compreensão da frase (Sammler
et al., 2010). No seu conjunto, estes diferentes feixes de fibras nervosas mostram uma forte maturação
após o nascimento que se prolonga até à adolescência, sendo que o seu estádio maturacional está ligado
à competência linguística durante o desenvolvimento.
Figura 3
O sistema cerebral da linguagem e o modelo de fluxo dual
Diferentes regiões cerebrais envolvidas no processamento da linguagem (nos dois hemisférios cerebrais) e
respectivas conexões no modelo de fluxo dual, identificando o tipo de processamento a que estão associadas.
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Tomás Goucha
especialmente adaptado para a fala, possuindo um repertório de vocalizações muito limitado para a
formação de palavras. Para tentar superar esta limitação, vários estudos pioneiros tentaram ensinar um
vasto vocabulário constituído por diferentes tipos de símbolos a várias espécies de grandes primatas.
Surpreendentemente, aprendizagem destes sistemas de símbolos artificiais revelou-se largamente um
sucesso, mas nenhum dos primatas envolvidos nestes estudos chegou a construir frases, combinando
no máximo dois a três símbolos de forma desordenada (Figura 4, direita; Berwick et al., 2013).
Deste modo, uma alternativa para investigar as capacidades cognitivas dos primatas consistiu em
identificar que tipo de regras (ou gramáticas) estas espécies são capazes de processar (Wilson et al.,
2017). Em particular, quando ouvimos uma frase como “O livro azul do João caiu da cadeira”, sabemos
que foi o livro que caiu da cadeira e não o João, ainda que a frase contenha a sequência de palavras
adjacentes “João caiu”. Tal deve-se ao fato das regras da sintaxe humana ditarem quais elementos são
combinados por que ordem (“do João” é combinado primeiro com “o livro azul”, e apenas então “o livro
azul do João” pode ser combinado com “caiu da cadeira”). Este exemplo demonstra uma propriedade
fundamental da linguagem humana, isto é, diferentes elementos na frase podem estabelecer ligações (ou
dependências) à distância (como “livro” e “caiu”).
Figura 4
Diferenças evolutivas e a faculdade para a linguagem
Evolução recente do cérebro na linhagem primata e comparação das capacidades de processamento entre humanos
e outras espécies de primatas, em particular no que diz respeito à aprendizagem de gramáticas artificiais.
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Do Som à Linguagem
Baseando-se nesta propriedade, foram concebidos dois tipos de gramáticas artificiais (Figura
4, esquerda). Num deles, os símbolos numa sequência só estabeleciam ligações com os seus vizinhos,
enquanto no outro também se formavam ligações à distância. Este segundo tipo assemelhava-
se assim à linguagem humana, com as suas estruturas hierárquicas mais complexas. Ao comparar o
comportamento de participantes humanos com outros primatas em vários estudos envolvendo estas
duas classes de gramática, evidenciou-se um padrão geral: as várias espécies de primatas são em
geral capazes de detectar regularidades em padrões combinatórios mais simples com dependências
adjacentes, mas apenas os humanos se mostraram capazes de adquirir e processar as regras gramaticais
subjacentes às estruturas mais complexas. Além disso, estudos de neuroimagem adicionais mostraram
que as gramáticas mais complexas recrutam a área de Broca, e envolvem as conexões da via dorsal
através do fascículo arqueado (Figura 4, centro; Friederici et al., 2006). Curiosamente, as terminações
do fascículo arqueado também diferem fortemente entre o humano e outros primatas. Enquanto a
área de Broca sofreu uma grande expansão evolutiva e acompanhada por uma assimetria esquerda-
direita, o próprio fascículo arqueado adquiriu uma forte dominância esquerda, além de apenas o
humano apresentar extensas terminações nervosas deste fascículo no lobo temporal (Rilling, 2014).
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Observando a sociedade ocidental de hoje, podemos ser facilmente induzidos em erro e concluir
ser da natureza humana falar uma só língua. No entanto, o monolinguismo apenas se tornou a norma no
século passado, com a emergência dos estados nacionais modernos implicando a adoção de uma língua
oficial, regulamentada por organismos estatais centralizados, ainda aliada à estabilização das fronteiras
territoriais internacionais. Contudo, a nível empírico, não é conhecido qualquer limite à aprendizagem
de várias línguas, pelo menos até ao encerramento do período crítico (Werker & Hensch, 2015),
aproximadamente entre os 6 e os 10 anos de idade. Até essa idade, qualquer criança que seja exposta
a duas línguas será capaz de aprender ambas, distinguindo-as sem dificuldade desde cedo, e atingindo
por fim um desempenho típico de um falante nativo em ambas (ainda que por vezes inicialmente com
algum atraso). Neste caso, estamos perante bilinguismo precoce. Após esta fase, qualquer língua que seja
aprendida adicionalmente será relegada à condição de língua estrangeira, sendo o seu falante um bilingue
tardio. Esta distinção deve-se majoritariamente ao fato de os mecanismos de aprendizagem da linguagem
disponíveis na primeira infância serem fundamentalmente diferentes daqueles que entram em ação mais
tarde, a partir da adolescência (Figura 5; Hamrick et al., 2018).
A aprendizagem da primeira língua (L1) é feita intuitivamente, sem instrução explícita.As suas regras
são adquiridas de forma totalmente implícita, atingindo desde cedo um elevado grau de automatização e
precisão. Esta forma de aprendizagem dá origem à chamada memória de procedimento, um conhecimento
tipicamente difícil de verbalizar. Adicionalmente, a sua explicação através de palavras dificilmente ajuda
à transmissão e aprendizagem do mesmo. Um exemplo paradigmático de conhecimento procedimental
é andar de bicicleta – um conhecimento que, não sendo instintivo, se torna altamente automático
55
Tomás Goucha
e geralmente infalível após consolidado, mas que somos perfeitamente incapazes de transmitir por
palavras. Analogamente, ninguém tem de ensinar a uma criança como articular o aparelho fonador de
forma a produzir os sons da sua língua – ou como construir uma frase. Cada criança é dotada de um
talento linguístico extraordinário que lhe permite deduzir implicitamente as regras da sua língua através
da mera exposição a esta.
Figura 5
Bases neuronais do processamento de uma língua estrangeira
e respectivos processos
(B.) Conjunto de regiões recrutadas adicionalmente ao processar mais que uma língua e mecanismos respectivos.
aprendizagem de L1 e L2.
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Do Som à Linguagem
Alternativamente, existe outra forma de aprendizagem, que resulta tipicamente de uma instrução
explícita e verbal, dando origem à chamada memória declarativa (também conhecida como memória
ou conhecimento enciclopédico) – tipicamente associada à aquisição do vocabulário. Ao ultrapassar o
período crítico, somos forçados a aprender as regras gramaticais de uma língua de modo declarativo,
isto é, temos primeiro de aprender descrições dessas mesmas regras e memorizá-las. Nesta fase inicial
da aprendizagem da segunda língua (L2), quando o falante se depara com um contexto em que se aplique
uma determinada regra, este tipicamente acede ao enunciado dessa mesma regra e aplica-o ao dado
contexto. Um exemplo clássico deste processo dá-se na conjugação verbal, elucidando as diferenças entre
o processamento da língua materna e da língua estrangeira. A título ilustrativo, tomemos o particípio
passado de um verbo, usado na voz passiva e formado segundo uma regra simples em verbos regulares
(e.g., -ado em verbos terminados em -ar como “conjugado” é formado de “conjugar” para formar a frase
“o verbo foi conjugado”). Um falante nativo não precisa que lhe ensinem esta regra para saber utilizá-la
com maestria seja qual for o verbo regular com que se depare (ou mesmo até um pseudoverbo, como
“enfanizado” a partir de “enfanizar”), aplicando a sua memória de procedimento.
No entanto, perante verbos irregulares, terá de aprender a forma irregular correspondente para
cada um deles, por exemplo “ganho” de “ganhar” ou “pago” de “pagar” (ainda que estes verbos partilhem
a terminação com aqueles para as quais conhece a regra). Quando memorizamos item por item em vez
de aplicarmos automaticamente uma regra, recrutamos a nossa memória semântica. Do mesmo modo,
quando aprendemos a conjugar verbos numa língua estrangeira, inicialmente também temos de recorrer
à memória semântica para aprendermos a regra explicitamente (Ullman, 2001). Por analogia, um falante
de Português como língua estrangeira começaria por aprender que: “Para formar o particípio passado de
verbos terminados em -ar, é necessário substituir a terminação por -ado”. Deparando-se, por exemplo,
com o verbo “cantar”, o aluno iniciante acessa a regra que memorizou e aplica-a. Trata-se, no entanto,
de uma estratégia morosa e pouco eficaz. Assim, para atingir uma maior fluência em L2 (aproximando-se
daquela de L1), é necessário automatizar progressivamente estas regras, concomitantemente com a sua
transferência da memória semântica para a memória de procedimento (Hamrick et al., 2018; Ullman,
2001).
Além desta diferença entre L1 e L2, os falantes bilíngues são confrontados com vários esforços
cognitivos adicionais, que em última instância o distinguem dos falantes monolíngues, tanto ao nível
do processamento da linguagem em geral como na sua implementação cerebral (Figura 5B; Costa &
Sebastián-Gallés, 2014). Dada a necessidade de optar entre várias línguas em uso, o cérebro bilingue
tem de monitorar contextos em que ocorram conflitos ou interferências entre estas, de modo a poder
fazer a chamada “alternância de código” (ou code-switching, i.e., alternar entre as diferentes línguas).
Adicionalmente, o falante bilingue tem de suprimir a língua (ou mesmo as línguas) que não está em
uso em um dado, incluindo a particularmente custosa inibição da resposta automática pertencente à
57
Tomás Goucha
língua materna. Num contexto de alternância de código, primeiro, o cérebro bilingue tem de monitorar
a possível presença de pistas que indiquem a presença de outra língua (cuja resposta automática tem
de inibir). Ao detectá-la, tem de desinibi-la (isto é, suprimir a sua inibição), enquanto tem de começar
a inibir a língua que estava em uso até esse momento. No seu conjunto, este “malabarismo” linguístico
depende fortemente da função executiva – um conjunto de processos cognitivos responsáveis pela
gestão do processamento, coordenando os vários processos que ocorrem em simultâneo, orientando
a atenção, alternando entre tarefas, mantendo informação temporariamente na memória de trabalho
enquanto inibe informação irrelevante (Abutalebi & Green, 2016; Costa & Sebastián-Gallés, 2014).
Deste modo, o processamento da L2 não só envolve o típico sistema cerebral da linguagem no
hemisfério esquerdo (Figura 5A), mas também áreas envolvidas no controle cognitivo – a porção dorsal
do córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior, várias estruturas subcorticais – além de recrutar
adicionalmente regiões do hemisfério direito. Em fases iniciais da aprendizagem, o falante não-nativo
depende sobretudo da memória declarativa, recrutando o hipocampo, a estrutura cerebral responsável
pela formação de novas memórias, e outras regiões do córtex temporal. Adicionalmente, o acesso
controlado a uma das línguas bem como a inibição da língua materna durante o processamento da
L2 ocorrem ainda de forma pouco automática, envolvendo planejamento consciente e monitoração
desempenhados pelas estruturas pré-frontais. Nos falantes bilíngues que usam ambas as línguas no seu
dia-a-dia,
o controle cognitivo da linguagem dá-se quase sem esforço aparente e é majoritariamente
conduzido pelos gânglios da base (Abutalebi & Green, 2016; Costa & Sebastián-Gallés, 2014; Pliatsikas,
2019). Além disso, à medida que o processamento da L2 se torna mais proficiente, os circuitos cerebrais
da linguagem no hemisfério esquerdo são recrutados progressivamente, apresentando uma crescente
semelhança ao padrão de ativação língua materna. Embora seja um dos temas mais estudados nas ciências
cognitivas dada a sua relevância prática na vida quotidiana, na realidade os ingredientes precisos que
nos permitem falar uma língua estrangeira sem esforço ainda são em grande parte uma incógnita, à
semelhança das alterações cerebrais que o permitem (García-Pentón et al., 2016).
Conclusões
Em suma, a linguagem e o sistema cerebral em que esta é implementada regem-se por princípios
universais subjacentes à cognição humana. Este sistema adapta-se progressivamente durante o
desenvolvimento ao seu input e é, em última análise, moldado por ele. O patrimônio genético da nossa
espécie estabelece, por um lado, os fundamentos neurobiológicos da cognição e, por outro, acaba por
dar origem a diferentes estruturas de acordo com a exposição ambiental. As exigências específicas
de processamento envolvem circuitos neuronais particulares que podem ser aperfeiçoados para
melhor desempenhar a sua tarefa. Em última instância, a extraordinária capacidade humana de aprender
58
Do Som à Linguagem
proficientemente o complexo sistema de símbolos e regras que constitui uma língua parece não só
residir em um programa neurobiológico pré-determinado, mas também requer a capacidade do nosso
cérebro de se adaptar às exigências específicas de cada língua no desenvolvimento humano (Zatorre
et al., 2012). Além disso, é fundamental que a teoria linguística interaja com as ciências cognitivas e
reconheça a importância dos componentes extra-linguísticos da cognição humana (Hasson et al., 2018)
para melhor compreender como estes interagem com a própria linguagem. O pensamento humano não
se cinge à linguagem (Fedorenko & Varley, 2016), e a linguagem implementada no cérebro humano é mais
que um sistema estanque de símbolos abstratos, mas sim faz parte de um sistema cognitivo situado e
integrado no ambiente que o rodeia.
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Neste clássico, Steven Pinker esclarece de forma acessível ao público geral alguns dos aspectos fundamentais
que revestem a linguagem: como funciona enquanto sistema, como é aprendida de forma instintiva pelas
crianças e sugere como o cérebro evoluiu para processar.
• Crystal, D. (2007). How language works. Penguin.
Introdução abrangente ao estudo da linguagem, sem comprometer de forma alguma o tom lúdico e coloquial.
Além de cobrir as dimensões centrais da teoria linguística, aborda temas fundamentais da cognição humana
relacionados, tais como a fisiologia da audição ou a aprendizagem de diferentes língua.
• Friederici, A. D., Chomsky, N., Berwick, R. C., Moro, A., & Bolhuis, J. J. (2017). Language, mind and brain.
Nature Human Behaviour, 1(10), 713-722.
Este artigo discute a linguagem enquanto pedra basilar da cognição humana de acordo com a tradição
generativista de Noam Chomsky. Como tal, são debatidos estudos de neuroimagem bem como argumentos
neurobiológicos e evolutivos relacionados com o processamento de estruturas hierárquicas abstratas pertencentes
à sintaxe da linguagem humana.
Recursos Online
• http://onpub.cbs.mpg.de/
Site com vários conteúdos interativos de neuroimagem (incluindo imagens 3D e tractografia) concebido como acom-
panhamento a um artigo de revisão sobre neurociência da linguagem (Friederici, 2011).
62
Capítulo 4
As Bases Neurobiológicas da Leitura
Mar ta Mar tins
Instituto Universitário de Lisboa
Resumo
Ler é uma das mais notáveis invenções da humanidade e o objetivo principal do ensino básico.
Contudo, muitas crianças têm dificuldades persistentes na aprendizagem da leitura. A aquisição da leitura
é um processo moroso e complexo que requer a combinação de diversos mecanismos neurocognitivos
e circuitos neuronais e é influenciada por fatores genéticos, neurobiológicos, perceptivos/cognitivos
e ambientais. A leitura proficiente é suportada essencialmente por regiões temporoparietais e
occipito-temporais do hemisfério cerebral esquerdo. É também nestes circuitos que se localizam
as principais alterações associadas aos défcits leitores (como é o caso da dislexia) e algumas das
mudanças em resposta à intervenção na leitura. As neurociências têm-nos permitido conhecer
melhor o cérebro, mas a sua influência direta nas práticas educativas e no minimizar dos défcits
leitores é ainda diminuta. O seu contributo mais imediato será provavelmente a identificação precoce
(mesmo antes da aprendizagem da leitura) de neuromarcadores dos futuros défcits leitores, o que
permitirá intervir mais cedo sobre esses défcits.
63
Marta Martins
Ler é uma atividade tão comum no nosso dia-a-dia que muito dificilmente a consideramos como
algo extraordinário. Contudo, ler é uma das mais notáveis invenções culturais da humanidade que, apesar
de podermos pensar ser um processo antigo, tem “somente” 5000 anos. A leitura reflete a capacidade
do cérebro humano para desenvolver novas competências pela integração de outras mais antigas, como
são o caso da visão e da linguagem. Assim, o cérebro humano não está naturalmente predisposto para a
leitura e isso também explica porque é que esta é habitualmente aprendida por ensino explícito, quando
o mesmo não acontece, por exemplo, com a visão ou a audição, e também porque tantas crianças se
debatem com a sua aprendizagem. A aprendizagem da leitura depende de inúmeros fatores, sejam eles
fatores individuais, como é o caso do desenvolvimento cognitivo e cerebral e da motivação, fatores
ambientais, nomeadamente os métodos de ensino, a família (e o seu contexto socioeconómico), o
sistema ortográfico, a cultura e as políticas educativas, e os fatores genéticos. Neste capítulo, vamos
explorar as bases neurobiológicas da leitura. Começamos por introduzir noções básicas sobre o cérebro
e o seu funcionamento e posteriormente focamo-nos nos sistemas neuronais que suportam a leitura
e nas alterações associadas a défcits leitores, bem como nas mudanças neuronais que decorrem de
programas de intervenção. Abordamos ainda, de forma sumária, as influências genéticas nos défcits
leitores e terminamos com considerações gerais sobre o potencial contributo das neurociências para as
práticas educativas.
O encéfalo humano, aquilo que de forma equívoca chamamos de “cérebro”, é um órgão amplamente
estudado. Contudo, a sua complexidade dita que inúmeros aspectos sobre o seu funcionamento
continuem por esclarecer e, por isso, surgem também mitos e ideias falseadas sobre este órgão. Nesta
seção, vamos desmistificar algumas dessas ideias e detalhar factos sobre a anatomia e funcionamento
cerebral. Alertamos que ao longo deste capítulo manteremos pontualmente a designação equívoca de
“cérebro”, ao invés de encéfalo, sempre que a mesma seja facilitadora do discurso.
64
As Bases Neurobiológicas da Leitura
e da cognição era o coração, e não o cérebro. Também por isso, nos rituais fúnebres dos antigos
Egípcios, o coração e outros órgãos eram venerados e preservados, enquanto o cérebro era descartado.
Um dos mais conhecidos defensores desta perspectiva cardiocêntrica foi Aristóteles. Tal como muito
outros, Aristóteles foi influenciado pelo fato de a vida terminar quando o coração para de bater.
Além disso, ele constatou que o cérebro é um órgão periférico, em oposição à centralidade do
coração no corpo humano, e nos embriões o desenvolvimento do coração antecede o do cérebro.
Apesar de ter encontrado estas e outras razões que colocavam o coração como central
ao pensamento, percepção e emoção, Aristóteles reconhecia a importância do cérebro na
manutenção da temperatura corporal (e do próprio coração), bem como na regulação do sono.
Contrariamente às concepções passadas, sabemos atualmente que o cérebro é a sede do pensamento
e da razão (bem como da emoção), enquanto o coração é um órgão muscular cuja função é bombear o
sangue para todas as partes do corpo através dos vasos sanguíneos do sistema circulatório.
65
Marta Martins
se apenas usássemos parte do nosso cérebro (por exemplo, os tão falados 10%), as lesões cerebrais
com sequelas comportamentais seriam bem menos frequentes, pois só teríamos de nos preocupar com
aquela pequena percentagem do cérebro.
Neuroanatomia Funcional
O sistema nervoso é um dos mais importantes sistemas do corpo humano. A ele devemos a
cognição e a percepção, e a resposta a estímulos internos e externos. O sistema nervoso está dividido
em duas partes: o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico. Aqui centrar-nos-emos
no sistema nervoso central, e em particular no encéfalo. O encéfalo pode ser dividido em cérebro,
tronco cerebral e cerebelo (Figura 1). O cérebro é o maior constituinte do encéfalo e tem um formato
semelhante ao do miolo de uma noz. Está dividido em dois hemisférios, o esquerdo e o direito, que estão
ligados pelo corpo caloso. O cérebro tem na sua superfície sulcos que delimitam regiões designadas
66
As Bases Neurobiológicas da Leitura
por giros cerebrais (ou circunvoluções). A parte externa do cérebro chama-se córtex cerebral e é a
região com maior concentração de corpos celulares dos neurônios, tendo por isso uma cor acinzentada
e sendo designada substância cinzenta. A parte interna do cérebro é majoritariamente formada pelos
prolongamentos dos neurônios, os axônios, e o seu revestimento de mielina confere a esta substância
uma aparência mais clara, sendo, por isso, designada substância branca. Os sulcos cerebrais mais
profundos dividem o cérebro em áreas funcionais distintas, os lobos, que são nomeados de acordo
com os ossos cranianos a si adjacentes, lobos frontal, parietal, temporal e occipital. O lobo da ínsula
é a exceção a esta regra de nomenclatura, pois é um lobo situado no fundo do sulco lateral, por
baixo dos lobos frontal, temporal e parietal, e o seu nome deriva da sua forma, semelhante a uma ilha.
A cada lobo não está atribuída uma função única, apesar de sabermos que cada um desempenha funções
diferenciadas e especializadas (cf. Quadro 1; Figura 1).
Quadro I
Descrição dos lobos cerebrais, localização e principais funções
Lobo Localização Funções (exemplos)
Frontal Porção mais anterior do cérebro; Planeamento/controle motor
está separado do lobo parietal pelo Atenção
sulco central e do lobo temporal Resolução de problemas
pelo sulco lateral. Flexibilidade mental
Julgamentos morais
Personalidade
Comportamento social
Fala (linguagem expressiva)
67
Marta Martins
Além do cérebro, o encéfalo inclui ainda o tronco cerebral e o cerebelo (cf. Figura 1). O tronco
cerebral é uma estrutura que se localiza na base do cérebro e que liga as estruturas subcorticais
(diencéfalo, hipófise, estruturas límbicas e núcleos da base) e a medula espinhal. Está envolvido
em vários processos vitais, incluindo o ritmo circadiano, a consciência e o controle respiratório e
cardiovascular. No caso do cerebelo, este localiza-se na fossa posterior do crânio, por trás do tronco
cerebral e abaixo do lobo occipital. Tem como principais funções o controle e coordenação motora, bem
como a aprendizagem motora.
Figura 1
Encéfalo humano: constituição e localização dos hemisférios e lobos cerebrais
As Neurociências e a Leitura
Ler é uma atividade que envolve uma série de processos de diferentes graus de complexidade
que nos permitem transformar a informação visual percepcionada pelos olhos numa mensagem que é
compreendida e transmitida oralmente (ou que lemos para nós próprios). Assim, quando lemos o nosso
68
As Bases Neurobiológicas da Leitura
cérebro gere simultaneamente diversos processos que, por vezes, competem entre si, nomeadamente
a necessidade de relacionar a palavra impressa com o seu padrão sonoro e o acesso tão rápido quanto
possível ao seu significado. Apesar de existirem diferentes modelos de leitura, a perspectiva mais
consensual é a de que o cérebro humano operacionaliza o processo de leitura por meio de duas vias
neuronais distintas, mas complementares: a via sublexical ou fonológica e a via lexical ou ortográfica
(Coltheart et al., 1993, 2001; Pugh et al., 2000). A via fonológica ou sublexical foca-se na decodificação
da sequência de letras e na sua conversão em um padrão sonoro - conversão grafema-fonema, enquanto
a via lexical analisa a palavra como uma unidade, pelo acesso ao léxico visual do leitor. Assim, a via
fonológica é especializada na leitura de pseudopalavras e de palavras regulares que seguem as regras
típicas de correspondência grafema-fonema, enquanto a via lexical é usada para processar palavras
muito frequentes. A via lexical é também utilizada para palavras irregulares que, por não obedecerem às
regras típicas de conversão grafema-fonema, nos obrigam a um reconhecimento automático da palavra.
O leitor típico usa ambas as vias neuronais de forma constante e complementar, adotando uma ou outra
estratégia consoante o seu grau de familiaridade com a palavra; quanto mais familiar for a palavra, mais
automático é o seu reconhecimento e mais provável é também o uso da via lexical. Assim, no início
da aprendizagem da leitura predomina a via fonológica, ainda que a via lexical seja também recrutada;
à medida que a aprendizagem vai progredindo, a leitura torna-se mais fluente e a via lexical ganha
predominância (Reis et al., 2010). Quando referimos as vias fonológica e lexical estamos implicitamente
a referir-nos a uma série de regiões cerebrais que compõe estas vias e que são recrutadas durante o
processo de leitura. Lesões nestas regiões estão, portanto, associados a défcits leitores distintos e que
iremos detalhar posteriormente.
Neuroimagiologia da Leitura
O estudo dos processos de leitura e da sua aprendizagem não se faz apenas pela investigação do
comportamento, mas também pelo estudo dos processos neuronais associados. O nosso conhecimento
sobre os processos neuronais está em muito associado a estudos de caso de adultos com lesões cerebrais
focais. Estes casos são habitualmente oportunidades únicas para aprofundar o nosso conhecimento
sobre o funcionamento do cérebro. Por exemplo, em 1861, Paul Broca descreveu o paciente Leborgne
(mais conhecido por Tan) que devido a um acidente vascular cerebral ficou incapaz de falar. Contudo,
este paciente conseguia compreender a linguagem. O paciente Tan não apresentava défcits motores que
justificassem a sua incapacidade para falar e conseguia até proferir palavras isoladas, assobiar ou cantar
uma melodia sem dificuldade. Contudo, não conseguia falar de forma gramaticalmente correta, criar
frases completas, nem se exprimir pela escrita - afasia de Broca. O exame post-mortem ao cérebro de
69
Marta Martins
Tan revelou que este apresentava uma lesão na região posterior do lobo frontal, atualmente designada
área de Broca. O caso deste paciente demonstrou que a linguagem é primeiramente representada
no hemisfério esquerdo do cérebro humano, tal como o amnésico Henry Molaison nos mostrou
que a formação de novas memórias depende do hipocampo (Milner et al., 1968) e o caso de Phineas
Gage revelou a importância do lobo frontal para o julgamento moral. Foram assim vários os achados
neurológicos que nos permitiram avançar no conhecimento do cérebro e sua neuroanatomia funcional,
e a área da leitura não é exceção. Para o conhecimento dos mecanismos neuronais implicados na
leitura contribuíram, numa fase inicial, os achados provenientes de estudos com pacientes com acidente
vascular cerebral e que apresentavam padrões distintos de défcits leitores (o que abriu caminho
para a ideia do envolvimento de vias neuronais distintas no processamento da leitura) e também a
descrição do primeiro caso documentado de alexia, o caso do Mr. C. Em 1892, o neurologista francês
Joseph Déjèrine descreveu o caso de um indivíduo que perdeu subitamente a capacidade de ler e
que Déjèrine classificou como tendo “cegueira verbal pura” ou alexia pura sem agrafia. Mr. C. não
conseguia ler, mas falava e compreendia o discurso (a sua linguagem estava intacta), reconhecia faces e
objetos (a sua visão estava intacta), e conseguia até escrever palavras (que depois não conseguia ler).
Após a morte de C, Déjèrine examinou o cérebro e detectou uma lesão resultante de acidente
vascular cerebral, na parte posterior esquerda do cérebro. Esta região parece ser particularmente
importante para a leitura por iniciar a transformação da informação visual em letras e palavras.
Estudos subsequentes de ressonância magnética funcional com diferentes tipos de indivíduos (saudáveis
e com patologia) confirmaram a existência de uma área cerebral com estas funções, a área de
reconhecimento visual da forma da palavra (VWFA, do inglês visual word form area).
As técnicas de neuroimagem têm assim oferecido meios mais avançados para o estudo das bases
cerebrais (estruturais e funcionais) da leitura. Este estudo pode fazer-se com recurso a diferentes técnicas
que diferem no substrato analisado, por exemplo, volume, espessura cortical ou ativação. Com recurso
à imagem por ressonância magnética estrutural podemos, por exemplo, estudar a associação entre o
volume de determinada região e a performance nas tarefas de leitura (habitualmente executadas fora do
scanner de ressonância magnética), enquanto a imagem por ressonância magnética funcional nos permite
identificar regiões cerebrais alocadas a componentes específicas da leitura, ou seja, onde ocorrem os
processos de leitura. A imagem por ressonância magnética funcional tem sido particularmente útil no
estudo dos processos de leitura, pois permitiu identificar quais as principais regiões envolvidas nestes
processos. Assim, sabemos atualmente que ao ler ativamos consistentemente três regiões principais,
todas elas lateralizadas no hemisfério esquerdo: a área temporoparietal, a área occipito-temporal e o
giro frontal inferior (cf. Figura 2; Maisog et al., 2008; Richlan et al., 2009, 2011; Hruby & Goswami, 2011;
Pugh et al., 2000; Schlaggar & McCandliss, 2007). Essas regiões estão envolvidas em processos de leitura
70
As Bases Neurobiológicas da Leitura
diferenciados, por exemplo, sabe-se que as regiões occipito-temporais (circuito ventral) estão mais
associadas aos processos da via lexical, enquanto as regiões temporoparietais (circuito dorsal) suportam
os processos da via fonológica.
Figura 2
Localização de algumas regiões cerebrais relacionadas com os processos de leitura.
(Imagem encefálica coletada de http://www.g2conline.org/2022)
A região occipito-temporal ventral é constituída pelos giros fusiforme e temporal inferior e pelo
sulco occipito-temporal. Esta região inclui no seu giro fusiforme mediano a VWFA. Apesar de algum
debate sobre as reais funções das regiões occipito-temporais ventrais e, mais especificamente sobre a
VWFA, é amplamente aceito que a apresentação de letras e palavras escritas ativa preferencialmente
esta região em comparação com a sua apresentação oral ou com outro tipo de estímulos visuais, como
por exemplo a apresentação de faces. A localização da VWFA é muito consistente entre indivíduos, ainda
que a mesma pareça depender mais da experiência do que da genética. Esta consistência reflete muito
provavelmente o seu papel na ligação entre os sistemas neuronais visual e da linguagem (regiões occipitais
e temporais, respectivamente), cujo desenvolvimento antecede o nascimento, e é, por isso, também
anterior à aprendizagem da leitura. A reduzida influência genética na resposta cortical a estímulos
ortográficos, ou seja, na localização precisa da VWFA, é corroborada por estudos de neuroimagem com
gêmeos idênticos. Por exemplo, Polk e colegas (2007) realizaram um estudo de imagem por ressonância
magnética funcional com gêmeos para investigar a influência genética nas respostas corticais a diferentes
71
Marta Martins
tipos de estímulos visuais (faces, locais e pseudopalavras). Estes autores verificaram que a influência
genética é determinante nas respostas corticais a faces e locais, mas é menos significativa na resposta a
estímulos ortográficos. Assim, as bases neuronais especializadas na percepção de faces e locais parecem
ser geneticamente estabelecidas, enquanto tal não acontece para as bases neuronais do processamento
de letras e palavras escritas.
Como referimos no início deste capítulo, e tendo em conta a escala temporal da evolução
humana, a leitura é uma invenção cultural recente. Assim, é pouco provável que estejamos geneticamente
predispostos para desenvolver sistemas neuronais específicos para a leitura, como é o caso da VWFA.
Segundo a teoria da “reciclagem neuronal” (Dehaene, 2005; e Dehaene & Cohen, 2007), a VWFA
forma-se por reciclagem de uma área cerebral que antes da aprendizagem da leitura estava dedicada
à percepção de faces, ou seja, uma área cerebral geneticamente programada para desempenhar uma
determinada função foi reciclada para uma nova função em resposta à experiência; neste caso, a experiência
diz respeito à aprendizagem da leitura. Estudos posteriores corroboraram e aprofundaram esta teoria
(ex., Dehaene et al., 2010; Pegado et al., 2014), revelando, por exemplo, que a aprendizagem da leitura
não conduz apenas à formação de uma nova área cerebral especializada no reconhecimento de letras e
palavras escritas, mas também que os efeitos da literacia se fazem notar muito cedo no processamento
visual da informação (em menos de 200 milissegundos) e que a literacia melhora o processamento visual
de objetos muito além da discriminação de letras e de palavras escritas (Pegado et al., 2014).
A Região Temporo-Parietal
A região temporoparietal é parte da rede de leitura e inclui áreas do giro temporal superior e
dos giros angular e supramarginal que estão localizados na parte inferior do lobo parietal. Os estudos
referem habitualmente esta região como dorsal, em oposição à região occipito-temporal ventral.
As regiões temporoparietais são áreas de associação, sendo responsáveis pela integração de
informação de diferentes modalidades (Geschwind, 1965), como acontece, por exemplo, no
mapeamento e decodificação ortográfico-fonológico (Bitan et al., 2007; Booth et al., 2002).
Assim, as regiões temporoparietais têm sido particularmente associadas a processos fonológicos.
Esta associação tem sido amplamente investigada com recurso a tarefas, realizadas durante a aquisição de
imagem por ressonância magnética funcional, em que se pede aos sujeitos que façam julgamentos sobre o
som de palavras apresentadas visualmente (ex., Hoeft et al., 2006, 2007;Tanaka et al., 2011), nomeadamente
em tarefas de detecção de rima. Estas tarefas são particularmente úteis pois exigem consciência sobre
os constituintes sonoros das palavras ou letras e a sua utilização nos estudos funcionais tem permitido
acessar às redes neuronais recrutadas pela consciência fonológica. Estes estudos apontam habitualmente
72
As Bases Neurobiológicas da Leitura
O giro frontal inferior do hemisfério esquerdo tem sido associado a diferentes processos de
leitura e linguagem, nomeadamente ao processamento semântico (Binder et al., 2009), ao processamento
fonológico (Houdé et al., 2010) e à compreensão (Shankweiler et al., 2008), bem como à nomeação e
à articulação. Os achados dos estudos funcionais sugerem assim que este giro não tem uma função
única, sendo particularmente alocado em tarefas mais difíceis ou que exigem uma panóplia alargada de
recursos (Caplan, 2004; Gabrieli et al., 1998).
Apesar das áreas anteriormente referidas serem as que mais frequentemente surgem associadas
à leitura, alguns estudos reportam áreas adicionais como estando também alocadas a determinados
processos de leitura. Tal fato pode depender de inúmeros fatores, entre eles a dificuldade da tarefa
e os estímulos utilizados. Sabe-se, por exemplo, que o cerebelo também intervém na leitura, ainda
que a sua intervenção continue a ser amplamente debatida e não pareça ser tão direta como a das
áreas anteriormente referidas. Entre várias hipóteses, há estudos que sugerem que défcits cerebelares
interferem com os processos de leitura impedindo o desenvolvimento da automaticidade ou da fluência
articulatória (Nicolson & Fawcett, 2001), o que poderia, por exemplo, dificultar a automatização da
conversão grafema-fonema. Outras perspectivas integram-no no sistema magnocelular, que foi sugerido
como implicado na etiologia da dislexia; o sistema magnocelular controla a estabilidade dos movimentos
oculares que são preponderantes na representação ortográfica e leitura fluente (Stein, 2001, 2019).
O fato de não termos uma única região alocada a cada subprocesso de leitura e de diferentes
estudos reportarem regiões que nem sempre são sobreponíveis deve alertar-nos para a complexidade
e natureza plural da leitura (e dos défcits associados), que nem sempre são óbvias nos modelos de
leitura nem no modo como habitualmente falamos. Por exemplo, a expressão “ler palavras isoladas”
pode sugerir a “simples” decodificação da palavra escrita numa sequência sonora e que esta depende
de um mecanismo alocado a uma única região cerebral. Contudo, os estudos de neuroimagiologia
73
Marta Martins
demonstram que várias regiões são alocadas a este processo, da mesma forma que ler um texto
fluentemente não depende unicamente das regiões alocadas durante a leitura de palavras isoladas
(Benjamin & Gaab, 2012; Christodoulou et al., 2014; Langer et al, 2015). Mais, as regiões alocadas dependem
da tarefa e da sua complexidade. Por exemplo, aspectos mais exigentes do processo de leitura, como a
sintaxe, o processamento semântico e a compreensão, são difíceis de atribuir a uma área ou a um leque
restrito de áreas (Hruby & Goswami, 2011).
Em suma, a neuroimagiologia tem permitido aprofundar o nosso conhecimento sobre as bases
neuronais da leitura e do seu desenvolvimento. Contudo, os achados neuronais dos estudos são
frequentemente diversos e, por vezes, até contraditórios. Tal fato deve-se aos inúmeros desafios que se
colocam quando estudamos a leitura com recurso a técnicas de neuroimagem, nomeadamente a pluralidade
do processo, a dificuldade de a esmiuçar nos seus constituintes e/ou o impacto que a tarefa escolhida, e até
o tipo de correção estatística, podem ter nos resultados. Devemos ainda ter em consideração que o uso
da neuroimagiologia no estudo da leitura é muito recente e as próprias técnicas estão a ser aprimoradas.
74
As Bases Neurobiológicas da Leitura
A maioria das crianças aprende a descodificar e, com o tempo, torna-se um leitor fluente sem
grandes dificuldades. Contudo, esta transição não é simples para todos. Segundo dados da OCDE
(OECD, 2016), cerca de 20% das crianças não atingem o nível mínimo de proficiência. Este aspecto
ganha particular relevância quando pensamos que os défcits leitores são uma das mais importantes
causas de insucesso escolar e de exclusão social a nível global. Como referimos em seções anteriores,
ler é um processo complexo e plural que exige que diferentes sistemas neurocognitivos trabalhem
em conjunto, combinando processos superiores de linguagem com processos perceptivos e motores
básicos. As bases cerebrais dos défcits leitores têm sido amplamente estudadas com recurso a técnicas
neuroimagiológicas funcionais e estruturais (para uma revisão ver Richlan, 2020). Os estudos funcionais
reportam majoritariamente que os indivíduos com défcits leitores apresentam hipoativações (menor
ativação) nas regiões dorsais e ventrais dos circuitos posteriores de leitura quando comparados com
leitores típicos (Richlan et al., 2009, 2011); os achados estruturais convergem amplamente com os
funcionais, reportando, por exemplo, que os leitores com défcits de leitura apresentam menor volume
de matéria cinzenta em regiões semelhantes aos achados dos estudos funcionais (Eckert et al., 2016;
Linkersdörfer et al., 2012; Richlan et al., 2013). Como referimos anteriormente, o circuito dorsal está
envolvido em processos fonológicos essenciais no início da aprendizagem da leitura, enquanto o circuito
ventral está alocado ao reconhecimento da palavra na leitura proficiente (Pugh et al., 2000). Assim,
as disfunções do circuito ventral são muitas vezes vistas como uma consequência de uma disfunção
primária no circuito dorsal, ou seja, a integração ortográfico-fonológica e a sua automatização são
cruciais à leitura fluente.
Ainda que estejamos aqui a reportar as bases cerebrais dos défcits leitores sem especificar a
disfunção associada (até porque nem sempre é possível), grande parte dos estudos neuroimagiológicos
sobre este tópico focam-se no caso particular da dislexia. Contudo, a destrinça entre dislexia e outros
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Marta Martins
distúrbios da leitura nem sempre é simples, até porque as dificuldades leitoras surgem frequentemente
associadas a outros tipos de perturbações, tal como o desenvolvimento atípico ou tardio da linguagem oral
(e.g., Peterson et al., 2009), dificuldades de escrita, transtorno de défcit de atenção e hiperatividade e/ou
dificuldades matemáticas (e.g., Landerl & Moll, 2010; Willcutt et al., 2010). A dislexia é uma perturbação
neurobiológica caraterizada por dificuldades severas e persistentes na aquisição da literacia (Lyon et
al., 2003). Tais dificuldades podem ocorrer mesmo na ausência de défcits cognitivos e sensoriais (visão
ou audição) e de problemas motivacionais ou de oportunidades educativas (Associação Americana de
Psiquiatria, 2013; Organização Mundial de Saúde, 2016). Os diversos estudos levados a cabo até ao
momento mostraram que a dislexia não é uma disfunção simples e de fenótipo singular, ou seja, os
leitores com dislexia apresentam dificuldades em aspectos distintos da aprendizagem da leitura (e.g.,
fluência, precisão, ortografia), que variam também na sua gravidade (e.g., Lyon et al., 2003). Em termos
neuronais, em contraste com os leitores típicos, os indivíduos com dislexia exibem consistentemente
hipoativações na região posterior dos circuitos de leitura do hemisfério esquerdo durante a realização
de tarefas de cariz fonológico e/ou ortográfico (Richlan et al., 2009, 2011); tais diferenças são notadas
em relação a indivíduos com proficiência leitora ou idade semelhantes (e.g., Hoeft et al., 2007). Os
leitores com dislexia tendem também a exibir hiperativações em regiões normalmente não associadas à
dislexia, ou mesmo à leitura. Tais alterações são frequentemente interpretadas como indicadores do uso
de mecanismos compensatórios (Hancock et al., 2017; Richlan et a., 2009). Estas hiperativações foram
reportadas em três regiões principais: na região frontal, que não é habitualmente associada à dislexia
mas pode suportar processos de memorização de palavras (Shaywitz et al., 2003); nas redes fronto-
subcorticais, refletindo estratégias de articulação/vocalização muito utilizadas pelos leitores típicos no
início da aprendizagem (Hancock et al., 2017); e nas regiões posteriores do hemisfério direito (Pugh et
al., 2000; Shaywitz & Shaywitz, 2005), homólogas dos circuitos posteriores da leitura, e que geralmente
são alocadas no início da aprendizagem leitora. Apesar de atualmente não ser ainda consensual a
associação destes padrões de hiperativação neuronal às estratégias cognitivas que lhe estão na origem,
tal heterogeneidade sugere que os leitores com dislexia podem recrutar diversas vias neuronais
compensatórias, o que está de acordo com a ideia de que a dislexia não tem um fenótipo único nem está
associada à debilidade numa única via neuronal (Pennington, 2006). Em termos estruturais, a dislexia
é consistentemente associada a alterações nas regiões parieto- e occipito-temporais posteriores (por
exemplo, redução do volume de matéria cinzenta), bem como a alterações de conetividade estrutural
em diversos feixes de matéria branca, incluindo o fascículo arqueado, os fascículos longitudinais
superior e inferior, o corpo caloso, entre outros (Ramus et al., 2018; Richlan, 2020; Richlan et al., 2013).
Se, por um lado, a investigação tem permitido identificar com cada vez maior precisão as diferenças
anatómico-funcionais entre leitores típicos e leitores com dislexia, sabe-se ainda muito pouco sobre
a origem destes neuromarcadores, ou seja, se estes são a causa da dislexia, ou uma consequência da
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As Bases Neurobiológicas da Leitura
experiência leitora (Raschle et al., 2011; mas ver Carreiras et al., 2009).
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Considerações Finais
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As Bases Neurobiológicas da Leitura
sistemas que suportam a leitura (Noble et al., 2006; Romeo et al., 2018; Vanderauwera et al., 2019).
Não podemos negar que este avanço no conhecimento é informativo, mas a educação
necessita de indicações mais precisas que possam ser colocadas em prática de forma efetiva.
Um dos contributos que poderá ocorrer em um período próximo é a identificação precoce de
marcadores neuronais de défcits leitores (Gabrieli, 2009), que podem estar presentes mesmo antes da
aprendizagem da leitura (e.g., Raschle et al. 2011, 2012). A identificação destes marcadores é fundamental
para que a intervenção se faça no período temporal ótimo e também para destrinçarmos as alterações
neuronais que precedem a aprendizagem da leitura das que resultam da experiência leitora (normativa
ou deficitária). Atualmente, a dislexia é sinalizada habitualmente após o período ótimo de intervenção,
isto é, depois da criança iniciar a aprendizagem da leitura e o seu insucesso ser detetado, quando o ideal
seria intervir antes ou logo no início da aprendizagem leitora (Torgesen, 2004; Wanzek & Vaughn, 2007;
Wanzek et al., 2013). Vários estudos têm dado pistas no sentido de identificar os potenciais marcadores
do futuro insucesso (Raschle et al., 2011, 2012; Im et al., 2016; Wang et al., 2016). Por exemplo, Raschle
e colegas (2011) reportaram que crianças pré-leitoras com história familiar de dislexia apresentavam
reduções de volume de matéria cinzenta em regiões comumente associadas a processos leitores, quando
comparadas com os seus pares sem tal história familiar; o volume de matéria cinzenta extraído de regiões
temporoparietais e occipito-temporais do hemisfério esquerdo correlacionava-se com a velocidade de
nomeação de estímulos visuais - nomeação rápida automatizada (habitualmente correlacionada com o
desempenho na leitura). Wang e colegas (2016) reportaram também diferenças no desenvolvimento
dos feixes de matéria branca entre crianças com e sem risco familiar de dislexia. Eles identificaram
especificamente alterações e lateralização atípica do fascículo articulado em pré-leitores com risco
familiar de dislexia, bem como um desenvolvimento de matéria branca mais rápido nas crianças que se
tornavam bons leitores (em oposição aos seus pares com défcits de leitura), existindo uma associação
positiva entre a maturação da matéria branca e o desenvolvimento da leitura.
Os achados neuronais podem assim dar um contributo fundamental na predição do futuro sucesso
ou insucesso na leitura. Combinados com informação genética e familiar (e.g., percurso acadêmico dos
pais e parentes próximos, aspectos socioeconómicos), e com dados comportamentais de competências
pré-leitoras relevantes (e.g., consciência fonológica, memória fonológica a curto-prazo, nomeação rápida)
podem facilitar a identificação e a intervenção precoce e preventiva no défcit, bem como aumentar a
especificidade das intervenções delineadas. Tal abordagem permitirá não apenas melhorar a leitura das
crianças, mas também a sua vivência escolar e familiar, e a própria dinâmica educativa.
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Marta Martins
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Retirado de https://www.readingrockets.org.
Website com informação e recursos úteis sobre a aprendizagem da leitura, incluindo vídeos de investigadores reconhe-
cidos internacionalmente como John Gabrieli e Nadine Gaab.
• TED. (2016, November 23). Dyslexia, learning differently, and innovation [Video file].
Retirado de https://www.youtube.com/watch?v=gObgox0tfgw.
TED talk de Fumiko Hoeft sobre a potencial relação entre dislexia e criatividade pelos olhos das Neurociências.
• WISE Channel. (2013, October 25). How the brain learns to read [Video file].
Retirado de https://www.youtube.com/watch?v=25GI3-kiLdo&t=240s.
Palestra de Stanislas Dehaene sobre as bases neuronais da aprendizagem da leitura.
86
Capítulo 5
Conhecimento da Língua: Fonologia e Ortografia
do Português do Brasil
Tatiana Pollo
Universidade Federal de São João Del-Rei
Resumo
Palavras-chave: sistema alfabético, relação letra-som, fonologia, ortografia, conhecimento dos professores.
87
Tatiana Pollo
88
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
Além de entender que a escrita é representada por fonemas, são muitas as tarefas das crianças
que estão aprendendo a ler e escrever em sistemas alfabéticos. As crianças precisam entender que as
letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos fonemas
poderem ser representados por mais de uma letra. Outros conhecimentos também são cruciais, como
entender que nem todas as letras podem ocupar posições no interior das palavras, nem todas as letras
podem vir juntas de quaisquer outras, e que uma letra pode se repetir em diferentes palavras e até no
interior de uma mesma palavra. Em português as crianças têm que entender também que uma letra pode
ser duplicada no interior, mas não no início de uma palavra, por exemplo. Em sistemas alfabéticos, pala-
vras diferentes compartilham as mesmas letras, com formatos fixos e pequenas variações produzindo
mudanças na identidade das mesmas, como em p, q, b, d. Embora uma letra assuma formatos variados
(P, p), a ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada. As letras assumem segmentos
sonoros menores que as sílabas, e as sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes
e vogais (cv, ccv, cvv, cvc, v, vc, vcc, ccvcc, etc). Além disso, no caso do português falado e escrito no
Brasil, as vogais podem representar mais de um fonema, entre outras especificidades desse idioma.
Desta forma as crianças precisam entender, por exemplo, que as vogais e e o possuem sons mais
fracos quando não representam o som tônico e quando estão ao final das palavras e que podem também
ser pronunciadas através dos fonemas /i/ e /u/, respectivamente (e.g., bule /ˈbuli/, belo /ˈbɛlu/). Também
devem saber que a consoante c representa /s/ antes das vogais e ou i e /k/ antes de a, o ou u. Há também
o caso único da letra h, no início da palavra, que no português não corresponde a nenhum fonema, o que
não acontece com a mesma letra em outros idiomas, como no inglês (Pollo, 2008).
A língua portuguesa também possui sinais diacríticos. São cinco formas: o agudo, como em é;
o grave, no caso de à; o circunflexo, como em ê; o til de ã; e o cedilha, usado na letra c, formando o ç.
Exceto neste último caso, as outras formas de sinais acontecem, exclusivamente, nas vogais. O acento
agudo é usado nas cinco vogais do alfabeto português (a, e, i, o, u), para indicar a sílaba tônica da palavra.
Esse acento também é utilizado para indicar a pronúncia aberta das letras e e o em é e ó. O acento grave
indica a contração da preposição a com outra palavra gramatical que se inicia com a letra a. O acento
circunflexo é usado somente em três das vogais: a, e, o. Esse tipo de acentuação indica a sílaba tônica da
palavra e uma diferenciação na sua pronúncia. O til é usado nas letras a e o indicando uma nasalização
no som da palavra. Já a cedilha é usado, exclusivamente, na letra c antes das vogais a, o e u. Ela é utilizada
para indicar que a letra c deve ser pronunciada com o som de/s/e não de /k/.
A aprendizagem formal da linguagem escrita em um sistema alfabético, como é o caso da língua
portuguesa, exige dos leitores a consciência de que a escrita representa uma sucessão de unidades fono-
lógicas através de grafemas, que são unidades gráficas como letras ou conjunto de letras. Exige também
a compreensão de que há uma correspondência entre essas unidades no uso oral e na sua respectiva
representação escrita (Sim-Sim, 1997). Uma criança que ainda não entendeu o princípio alfabético pode
89
Tatiana Pollo
acreditar que sofá e cadeira se escrevem de forma parecida por servirem ao mesmo propósito ou que
trem deve ser escrito com muitas letras porque é um objeto grande (Cardoso-Martins, 1991; Lyra &
Eisenberg, 2019).
O grau de dificuldade no processo de aprendizagem da leitura também depende da transparência
da ortografia de cada língua que utiliza o sistema de escrita alfabética. Isso significa que, quanto maior
a semelhança entre o número de grafemas e fonemas, maior será a transparência da ortografia. Dessa
forma, se o sistema de escrita da língua refletir fidedignamente a sua correspondência fonológica, apre-
sentando uma sequência linear de fonemas, caracteriza-se uma ortografia do tipo transparente ou regu-
lar. Por outro lado, quando o número de grafemas for maior do que o número de fonemas, a ortografia
é considerada do tipo opaca ou irregular, pois a associação entre grafema e fonema será mais complexa
(Morais, 2013; Santos & Navas, 2002).
O português possui algumas regularidades, e alguns sons são representados por mais de uma
letra e vice-versa. Seymour et al. (2003) realizaram uma classificação informal em que pediram a pes-
quisadores que respondessem a um questionário sobre sistemas de escrita europeus e classificaram o
português como mais regular do que o inglês, francês, dinamarquês e menos que o espanhol, italiano e
grego, por exemplo. Pesquisas demonstraram que crianças aprendem a ler mais lentamente e com maior
número de erros nos sistemas de escrita mais irregulares (DeFlor et al., 2002; Seymour et al, 2003).
Compreender que a escrita representa esses padrões fonológicos da fala e não o seu significado,
ou seja, os objetos aos quais ela se referencia, é de fato uma tarefa muito difícil para crianças pequenas
(Barrera & Santos, 2019, Nobre & Roazzi, 2011). A discussão desse capítulo sobre o português do Brasil
é a base para o entendimento de como as crianças são alfabetizadas. Na próxima seção desse capítulo,
aprofundaremos nosso conhecimento na fonologia e ortografia do português brasileiro e em como es-
ses sons são representados no sistema de escrita.
90
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
camente, ou seja, como o núcleo de uma sílaba. Glides, que também são chamados de semivogais, são
vogais usadas de forma não silábica.
Os principais parâmetros relevantes na produção de sons consonantais são o local da articulação,
o modo de articulação e o estado da glote. Uma representação dos principais fonemas consoantes do
português brasileiro pode ser encontrada no Quadro 1.
Quadro I
91
Tatiana Pollo
língua (e.g., /l/). Finalmente, com o tepe ou batimento, transcrito nesse capítulo como /r/, a língua toca
levemente para fora do alvéolo dental (e.g., /r/ como em cara).
Um último aspecto dos sons consonantais em português é o vozeamento. Com consoantes vo-
zeadas ou sonoras, as pregas vocais são tensas o suficiente para vibrar quando o ar passa através delas.
Com sons não sonoros ou desvozeados, as pregas vocais ficam relaxadas e não vibram. Esse recurso
diferencia muitas consoantes do português brasileiro. Os sons /b/ e /p/, por exemplo, têm um lugar
de articulação bilabial e uma maneira de articulação oclusiva e diferem apenas em /b/ ser vozeado e
/p/ desvozeado. Na articulação das vogais, o fluxo de ar passa através do trato vocal sem obstrução.
O Quadro 2 mostra as principais vogais do português brasileiro. As vogais são produzidas va-
riando a forma e a posição da língua e a forma dos lábios ao produzir o som da vogal. Em termos de
posição da língua, as vogais podem ser altas, com a língua levantada em direção à parte superior da boca,
ou baixa, na qual a língua é abaixada em direção à parte inferior da boca. As vogais podem assumir po-
sições intermediárias entre alta e baixa. As vogais também variam se a língua está retraída em direção à
parte posterior da boca (vogais posteriores) ou se a língua permanece na posição frontal (vogais ante-
riores). As vogais também podem ser arredondadas ou não arredondadas, dependendo se os lábios são
arredondados ou não arredondados em sua produção. Finalmente, as vogais do português podem ser
classificadas como nasais ou orais. As vogais nasais são produzidas quando o véu palatino é relaxado,
para que o ar possa fluir pela boca e pelo nariz simultaneamente.
Quadro 2
Principais vogais do português (exemplos de palavras contendo o som em negrito em parênteses)
Anterior Posterior
Não arredondada Arredondada
92
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
Passamos agora à forma como os sons em português são agrupados. Os idiomas têm restrições
nas combinações de fonemas permitidas — fonotática — que definem a estrutura de sílabas permitida,
os grupos de consoantes e as sequências de vogais. Aqui, descrevo as principais regras fonotáticas do
português brasileiro. Algumas dessas regras podem ser violadas por pala-vras de origem estrangeira.
Toda sílaba em português tem um núcleo, que precisa ser uma vogal (e.g., luz). A vogal pode ser
seguida por uma única consoante, chamada coda (e.g. luz). A vogal e a coda juntas formam a unidade
de rima da sílaba (e.g. luz). A rima pode ser precedida por uma ou duas consoantes, chamadas de onset
(e.g. luz, cruz). Além disso, um glide pode ocorrer no onset ou na coda. A glide sempre aparece ao lado
da vogal, formando um ditongo (e.g., beijo) ou, se houver um glide no onset e na coda, um tritongo
(e.g., Paraguai).
Uma característica que distingue o português é que, comparado com outras línguas, como o in-
glês, o português tem muitas palavras polissilábicas. Outra grande característica do portu-guês é ser rico
em ditongos e até tritongos, enquanto outras línguas, como o inglês, possuem abundantes agrupamentos
consonantais. De fato, o inglês permite que várias consoantes si-gam a vogal da sílaba (Blevins, 1995),
enquanto o português não.
Em português, agrupamentos consonantais são fonologicamente permitidos em geral no início
da sílaba. Em português, a primeira consoante de um agrupamento consonantal é uma oclusi-va (/b/, /p/,
/d/, /t/, /ɡ/, /k/) ou uma fricativa labiodental (/f/ e /v/). A segunda consoante é a tepe /r/ ou a lateral /l/.
Existem outros tipos de agrupamentos consonantais em registros for-mais conservadores, como
/p/ seguido por /s/ como na palavra psicólogo /psiˈkɔloɡu/. No en-tanto, a maioria dos brasileiros
adiciona a vogal /i/ no meio desses agrupamentos, dividindo-os em duas sílabas que obedecem às restrições
mencionadas acima: /pisiˈkɔloɡu/. Esse também é o caso de outro agrupamento, como /pn/ como em
pneu /piˈnew/ ‘pneu’ e /ɡn/ como em gnomo /’ɡiˈnõmu/.
As codas das sílabas em português consistem em normalmente em não mais de uma
consoante. As codas mais comuns são /s/ e /h/, que às vezes são reduzidos ou completamente omitidos na fala
coloquial do português brasileiro (e.g., flor muitas vezes é pronunciada /flo/). Algumas outras
consoantes podem ser permitidas antes de certas consoantes, dependendo da divisão silábica. Por
exemplo, alguns linguistas acreditam que a primeira sílaba da palavra atle-ta /at.ˈlɛ.ta/ tem /t/ na coda.
No entanto, os limites silábicos são controversos e outros linguistas consideram /tl/ o início
da segunda sílaba. Algumas palavras em português têm /ks/ na coda, como a palavra pirex /piˈrɛks/.
Os registros diferem na medida em que permitem conso-antes adicionais. A maioria dos falantes do
português brasileiro repara codas difíceis adicio-nando /i/ depois delas, transformando-as em novas
sílabas, por exemplo, /ad.mi.ˈtir/ em regis-tros formais conservadores, mas /a.di.mi.ˈtir/ em discurso
coloquial. Este também é o caso de /pt/ como em apto /ˈapitu/, /bs/ como em obsoleto /obisoˈletu /, /bv/
como em óbvio /ˈɔbiviw/, /tm/ como em atmosfera /atimosˈfɛra/, /dv/ como em advogado /adivoˈɡadu /
93
Tatiana Pollo
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Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
o acento (estresse) em português pode marcar distinções fonêmicas entre as palavras. Por exemplo, no
caso de gostaram /ɡosˈtarãw/ e gostarão /ɡostaˈrãw/, o estresse é a única característica que discrimina o
tempo passado e futuro do verbo. Às vezes, o estresse é marcado por uma marca diacrítica, como será
discutido mais adiante.
Quanto ao sistema de escrita, das 26 letras do alfabeto latino, as letras k, w e y não são usadas nas
principais palavras em português, embora possam ser encontradas em muitos nomes próprios e palavras
de origem estrangeira. O português distingue letras maiúsculas e minúsculas e usa marcas diacríticas.
O Quadro 3 mostra as 23 letras mais utilizadas no português brasileiro, seus nomes e os sons mais
comuns que cada letra representa. Conforme ilustrado no quadro, a maioria das vogais do portu-
guês brasileiro representa mais de um fonema. No entanto, algumas regras contextuais determinam a
ortografia das vogais. As vogais e e o quando não es-tressadas (acentuadas) no final de uma palavra
são reduzidas e escrevem os fonemas /i/ como em bule /ˈbuli/ e /u/ como em bolo /ˈbolu/, respecti-
vamente. Em outros contextos, e e o podem escrever diferentes fonemas, mais comumente /e/ e /o/,
respectivamente.
Quadro 3
Nomes de 23 letras do alfabeto e seus sons mais comuns no português brasileiro
Letra Nome Som
A /a/ /a/, /ã/, /aj/
B /be/ /b/
C /se/ /k/, /s/
D /de/ /d/
E /ɛ/ /e/, /ẽ/ /i/, /ĩ/, /ɛ/, /j/
F /ˈɛfi/ /f/
G /ʒe/ /ɡ/, /ʒ/
H /aˈɡa/
I /i/ /i/, /j/, /ĩ/
J /ˈʒɔta/ /ʒ/
L /ˈɛli/ /l/, /w/
M /ˈẽmi/ /m/
N /ˈẽni/ /n/
O /ɔ/ /o/, /u/, /w/, /õ/, /ɔ/
P /pe/ /p/
Q /ke/ /k/
R /ˈɛhi/ /r/, /h/
S /ˈɛsi/ /s/, /z/
T /te/ /t/
95
Tatiana Pollo
96
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
devem encontrar nomes de letras de vogais com muita frequência e com muito mais frequência do que,
por exemplo, as crianças de língua inglesa. Como os nomes das letras são conhecidos por influenciar a
alfabetização das crianças pequenas (por exemplo, Treiman & Kessler, 2003), as diferenças na frequência
dos nomes das letras influenciam a escrita das crianças.
Para serem alfabetizadas, as crianças precisam entender o princípio alfabético e as correspon-
dências letra-som específicas do português. Como descrito anteriormente, no português a maioria dos
nomes das letras contêm os sons que essas letras representam. Desta forma, como no Brasil e em
outros países como os Estados Unidos (Treiman, Pennington, Shriberg & Boada, 2008), os nomes das
letras são aprendidos antes dos sons destas, o conhecimento do nome das letras pode promover o
aprendizado do conhecimento dos sons delas.
Os idiomas alfabéticos diferem na consistência ou regularidade nas relações de ortogra-
fia para som (e de som para ortografia). Diz-se que algumas línguas têm ortografias irregulares,
inconsistentes. Isso significa que a correspondência entre fonemas e grafemas não é individual na leitura ou na
ortografia: uma letra pode representar sons diferentes e um som pode ser representado por letras
diferentes. Por outro lado, as ortografias regulares têm uma correspondência individual entre grafemas
e fonemas. É importante estudar a consistência do mapeamento entre letras e sons em português,
porque é sabido que mapeamentos inconsistentes afetam a fluência e a precisão na leitura e na escrita
(Aro & Wimmer, 2003; Defior, Martos & Cary, 2002; Seymour et al. 2003). O sistema de escrita em
português geralmente é descrito como não sendo completamente regular. Ou seja, os fonemas da
língua não têm uma correspondência estrita com os grafemas. Por exemplo, Faraco e Moura (2001)
aponta que existem apenas oito fonemas no português do Brasil para os quais a correspondência é
única em ambas as direções: /b/, /d/, /f/, /p/, /t/, /v/, /ʎ/, /ɲ/ são representados pelas letras consoantes
b, d, f, p, t e v, e os dígrafos lh e nh respectivamente. Mas mesmo essas letras têm algumas irregu-
laridades. A letra b, por exemplo, às vezes (embora não frequentemente) escreve /bi/ como na pa-
lavra óbvio /’ɔbiviw/. Embora existam alguns fonemas em português representados por mais de um
grafema e vice-versa, o português é considerado relativamente regular (por exemplo, Pinheiro, 1999).
Como previamente mencionado, Seymour e colegas (2003) pediram a pesquisadores que res-
pondessem a um questionário sobre 13 idiomas europeus e formaram uma classificação que variava do
inglês, como o mais irregular, ao finlandês, como o mais regular. O português europeu foi classificado
como mais regular que o francês ou o dinamarquês, mas menos regular que o grego, italiano e espanhol.
Essas classificações foram informais e não baseadas na quantificação sistemática do sistema de escrita.
A principal confirmação é uma inferência de pesquisas que mostram que as crianças são menos precisas
e adquirem a linguagem escrita em um ritmo mais lento ao aprender os sistemas de escrita que foram
classificados como mais irregulares (Defior et al., 2002; Seymour et al., 2003). Informações quantitativas
sobre correspondências grafema-fonema são cruciais para uma melhor compreensão das características
97
Tatiana Pollo
dos idiomas e como elas podem afetar as crianças que estão aprendendo a ler e a escrever.
Para entender melhor a natureza do sistema de escrita em português, Pollo (2008) calculou, em
colaboração com Brett Kessler (Washington University in Saint Louis), as medidas de consistência para
o sistema de escrita em português, usando a lista de palavras pré-escolares descrita anteriormente.
Foram calculados dois tipos diferentes de consistências: sons para letras e letras para sons. Para cal-
cular a consistência do som para a letra, foram listadas todas as ortografias encontradas para um som
específico. Em seguida, foi calculada a proporção de vezes em que um som é escrito em cada sentido
e ponderado essa proporção em cada ortografia. Por exemplo, a vogal /e/ é escrita como e, ei, he e ê
em palavras em português. Havia 818 palavras com o som /e/. Na grande maioria das palavras /e/ foi
escrito como e (727 vezes), resultando em uma proporção de 0,889 (727/818). A mesma proporção
foi calculada para as outras grafias de /e/: ei aparece 68 vezes (0,083), he 4 vezes (0,005) e ê 19 vezes
(0,023). Para obter uma consistência geral para /e/, foi adotada a média ponderada dessas proporções,
que é 0,797. Como consequência desse procedimento, uma consistência de 1 significa que o som é
sempre escrito da mesma maneira. Quanto mais inconsistentes as grafias, essa medida se aproxima de
0. Uma consistência de 0,500, por exemplo, pode significar que um som pode ser grafado com igual
frequência por duas grafias. Portanto, o número de .797 para /e/ significa que, na maioria das palavras,
/e/ é escrito por e, mas existem poucas palavras nas quais /e/ pode ser escrito por grafemas diferentes.
Tomando uma média ponderada das medidas de consistência para todos os fonemas, descobrimos que
as palavras em português têm uma consistência total no som na direção ortográfica de 0,754. Usando
um procedimento semelhante, calculamos a consistência na direção oposta (letra para som) como 0,717.
A análise acima tem uma série de limitações. Uma das limitações é que todas as inconsistências
são tratadas como igualmente importantes. Mas alternâncias limitadas à presença ou ausência de mar-
cas diacríticas podem ser de natureza diferente de outros tipos de distinções. Leitores e escritores
brasileiros fluentes toleram prontamente a ausência de sinais de acentuação, como quando usam
e-mail. Além disso, diferenças na pronúncia podem criar diferenças nas medidas de consistência.
Por exemplo, os números acima assumem que os falantes não pronunciam o fonema final /h/. Para os sotaques
brasileiros que pronunciam o final /h/, o final da palavra será muito mais consistente do que assumimos
aqui, porque o opcional /h/ é sempre escrito r. Outra limitação dessa análise é que os contextos foram
ignorados. Por exemplo, ao ler o português, e é /e/ ou /ɛ/ em uma posição tônica, mas /i/ em uma sílaba
final sem estresse. A aplicação de regras contextuais simples removeria muita inconsistência do
português brasileiro. Se o contexto fosse levado em consideração, esperaríamos descobrir que as
inconsistências na direção da leitura seriam menores que as inconsistências na direção da escrita (por
exemplo, Pinheiro, 1999; Cardoso-Martins, 1995).
98
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
Como uma criança que ainda não foi alfabetizada pode entender que a escrita representa
unidades sonoras como os fonemas, suas combinações em sílabas e palavras e todas as propriedades
complexas de um sistema de escrita alfabético como o português brasileiro? Para conseguir responder
a essa pergunta e entender como as crianças aprendem um sistema de escrita, além de conhecer sobre
os aspectos cognitivos do aprendiz, é imprescindível compreender a natureza desse sistema. As crianças
brasileiras adquirem precocemente a consciência de elementos fonológicos, como rima e aliteração, mas
falta uma correlação entre consciência implícita e aquisição da leitura e escrita (Cardoso-Martins, 1995).
Estruturamos essa seção em duas partes de igual importância. A primeira parte discute o aprendizado
do sistema de escrita pelas crianças e como o ambiente pode ser estruturado para auxiliar tal tarefa. Na
segunda parte discutimos sobre a importância do conhecimento explícito de propriedades do sistema
escrito pelos professores e educadores.
A escrita representa a linguagem oral, a fala. No cotidiano as crianças vivenciam fora da
escola oportunidades de desenvolver a fala e, mesmo sem instrução, crianças brasileiras adquirem,
precocemente, a consciência de sons que compõem a fala, como a rima e aliteração (identificação de
sons iguais no início das palavras) (Cardoso-Martins, 1995). No entanto essa consciência não é homogê-
99
Tatiana Pollo
nea e se desenvolve em um continuum de complexidade que começa na rima e aliteração e passa pela
consciência de sílabas, palavras e fonemas (Lyra & Eisenberg, 2019).
Lyra e Eisenberg listam brincadeiras para desenvolver tais habilidades como: completando a rima
(—Você conhece a Cristina: aquela que adora________________(cinema, gelatina, picolé)); palavras
que rimam com... (Meio-dia/Macaco assobia/Panela no fogo/Barriga vazia, -Que palavras rimam com dia?
Que palavra não combina? (assobia, macaco, vazia)); batendo palmas (bater palma para cada pedaço, sílaba,
da palavra); falar como robô (falar a palavra de forma vagarosa para que os alunos descubram qual a
palavra); contar a quantidade de palavras (em parlendas ou poemas, por exemplo); identificar fonemas
(Quais palavras começam com o mesmo som de ____?); etc.
O conhecimento dos nomes das letras é uma variável importante para a aprendizagem da
leitura e da escrita. Em geral as crianças aprendem os nomes das letras de forma informal no contexto
familiar. As crianças escutam músicas com os nomes das letras, brincam com objetos que têm as letras do
alfabeto e os pais conversam sobre as letras em brincadeiras. Estudos mostram uma cla-
ra vantagem para as letras do primeiro nome da criança (Treiman et al., 2006; Treiman, et al.,
2015). Como forma de contribuir para o ensino das letras, o educador pode utilizar as le-
tras do nome da criança como ponto de partida, motivando-as nesse processo de aprendizado
(Justi & Pollo, 2019). O ensino do alfabeto deve levar em consideração a frequência com que as
crianças são expostas às letras. Ao associar a forma da letra com o seu som, deve-se reconhecer que as
crianças têm maior facilidade em aprender o som de letras cujos nomes começam com a letra que elas
representam (exemplo, b, d, v, z). Tendo em vista que a exposição das crianças ao material escrito é
fundamental para a aprendizagem, a apresentação de letras e palavras nas paredes da sala é positiva
(Justi & Pollo, 2019). É importante utilizar recursos que façam que as letras sejam mais atrativas para
as crianças. Propostas de alfabetos incorporando essa metodologia são comuns na língua inglesa.
Por exemplo, ao ensinar a letra a, a figura de uma maçã (apple em inglês) incorpora em seu contorno
o traçado da letra. No Brasil existem exemplos de propostas de alfabetização que utilizam recursos
mnemônicos para o ensino do alfabeto, figuras que articulam a forma das letras cujos nomes se iniciam
pelo som por elas representados (Barreira & Santos, 2019). Esse recurso será apresentado ao final do
capítulo na seção Para saber mais.
Como professores e educadores podem utilizar o conhecimento das letras para descoberta
dos fonemas? Morais (2013) aponta algumas atividades úteis como utilizar do conhecimento prévio de
algum som, como /a/, /i/, e /p/ e mostrar à criança a diferença de pronúncia de pares como /pa/ e /pi/,
mostrando a diferença de som e de articulação. Mostra-se, por exemplo, como a forma da boca é
diferente na pronúncia do /a/ e /i/ e como temos que fechá-la para pronunciar ambos /pa/ e /pi/.
Segundo Morais (2013), isso auxilia a criança a entender a diferença entre a vogal isolada e a vogal depois
100
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
da consoante. Morais argumenta que outra estratégia é utilizar, em vez de consoantes oclusivas como
o /p/, consoantes fricativas como o /f/, para demonstrar, por exemplo, o som dessa consoante isolada.
A consoante /f/ é possível ser pronunciada sem a vogal ou com ela reduzida (fffffff....), o que não é
possível ser realizado com a oclusiva /p/ (não se pode arrastar a oclusiva /p/). Consoantes fricativas são
também importantes para ajudar as crianças a distinguir sons vozeados, como o /v/ e surdos, como o /f/,
já que podem ser pronunciadas separadamente das vogais, que são sempre vozeadas.
As crianças em sociedades letradas são expostas a palavras e textos em rótulos, outdoors etc.
Pesquisas demonstram que as crianças aprendem algumas dessas propriedades do sistema de escri-
ta implicitamente. No entanto, esse processo é demorado e incompleto. Padrões da ortografia do
português podem e devem ser demonstrados explicitamente para as crianças. Treiman e Kessler (2014)
argumentam que as crianças podem ser ensinadas sobre as propriedades que são válidas para todos
os membros de uma categoria. Por exemplo, ao ensinar as letras do alfabeto as crianças podem ser
ensinadas sobre as categorias de letras com formatos parecidos, como o C e o G maiúsculos.
Outra maneira seria ajudá-las a induzir padrões por si próprias. Isso pode ser feito expondo os
aprendizes a instâncias cuidadosamente escolhidas e orientando-os para generalizações apropriadas.
Por exemplo, às crianças podem ser expostas a diferentes exemplos de C e G ou podem produzir
exemplos eles mesmos e podem ser ajudados a ver que G contém uma linha horizontal curta que falta a
C. As crianças se beneficiam não apenas de ensino sobre padrões, mas também da prática com exemplos
(Treiman & Kessler,2014). Muitas vezes, como apontado por Treiman e Kessler, livros didáticos podem conter
palavras que ilustram o mesmo fonema (/u/, por exemplo) mas não direcionam o aprendiz sobre
quais são os grafemas mais comuns e quando as diferentes escolhas são apropriadas. No português
brasileiro, várias regras simples podem fazer a ortografia mais consistente e, desta forma, mais simples
de ser aprendida.
Passamos agora para a importância do conhecimento da fonologia e ortografia por professores
e educadores. Resultados de estudos internacionais mostram que existem lacunas na formação dos
professores com relação aos construtos básicos da língua em todas as populações onde este
levantamento foi realizado. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi observado a falta de conhecimento dos
professores sobre propriedades básicas da língua. Bos et al. (2001) identificaram conhecimento
limitado dos professores sobre consciência fonológica. Bell et al. (2011) também concluíram que um
número significativo de professores da Inglaterra e da Irlanda (73% da população total do estudo)
tinham baixo nível de reconhecimento fônico e de consciência fonológica.
No Brasil, Lima (2015) analisou o conhecimento de fonologia e ortografia do português por
professores da rede pública de ensino e encontrou que os professores pesquisados demonstraram co-
nhecimentos abaixo da média sobre o português brasileiro (em torno de 40% de acertos).Os resultados
do questionário mostraram dificuldades dos professores nos itens sobre identificação de fonemas e
101
Tatiana Pollo
sobre o conceito de consoante surda e vozeada. Os professores também não obtiveram êxito na tarefa
de contagem de fonemas, com média de 29% de acertos apenas. Professores precisam ter oportunidades
de adquirir tal conhecimento e, muitas vezes, são privados dessas oportunidades. Estudo comparativo
(Washburn et al., 2015) entre conhecimento de professores de diferentes países identificou que profes-
sores que tiveram curso prático sobre construtos básicos da língua apresentaram maior nível de conhe-
cimento sobre o tema avaliado. Uma forma de melhorar o aprendizado das crianças sobre a fonologia e
ortografia é aumentar o conhecimento dos professores sobre a linguagem e a escrita e a habilidade de
aplicar tal conhecimento no processo de alfabetização (Treiman & Kessler, 2014).
Conclusões
102
Fonologia e Ortografia do Português do Brasil
de estudos internacionais mostram que existem lacunas na formação dos professores com relação
a tais construtos (Bell et al., 2011, Bos et al., 2001, Washburn et al., 2011). Esses resultados foram
encontrados em todas as populações onde esse levantamento foi realizado, inclusive com professores
brasileiros (Lima, 2015). Percebe-se a necessidade do desenvolvimento do conhecimento dos profes-
sores sobre propriedades do sistema de escrita, algumas demonstradas no presente capítulo, que são
básicas para professores de crianças em fase de alfabetização. Esse capítulo é um ponto de partida para
a consolidação de tais conhecimentos por educadores. Entender a natureza do sistema de escrita do
português torna-o mais previsível tanto para educadores como para alfabetizandos.
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Tatiana Pollo
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• https://petletras.paginas.ufsc.br/files/2016/10/Livro-Texto_Fonetica_Fonologia_PB_UFSC.pdf
Este material apresenta a fonética e fonologia do Português Brasileiro de forma bastante compreensiva
demonstrando propriedades articulatórias dos sons do português brasileiro.
• https://www.institutoabcd.org.br/educadores/
O Instituto ABCD é uma organização que se dedica a promover conhecimentos sobre dislexia. O site do
instituto mostra conteúdo gratuito para promoção do desenvolvimento de habilidades básicas para a aprendizagem
da leitura e escrita como dicas e atividades práticas para estimular a consciência fonológica em crianças de
3 a 8 anos.
• http://spell.psychology.wustl.edu/ponto/
Essa ferramenta auxilia o professor na quantificação precisa das escritas das crianças. A ferramenta pode ser utilizada
para diversas línguas, inclusive o português brasileiro.
106
Capítulo 6
Ensino e Aprendizagem da Leitura
Fundamentos e Aplicações
João Lopes
Universidade do Minho
Resumo
107
João Lopes
O ensino da leitura é fundamental para o sucesso escolar e acadêmico dos alunos, em geral, e mais
ainda, para os alunos de níveis socio-econômicos baixos ou para alunos com níveis de desenvolvimento
linguístico elementar. Para que o ensino seja eficaz, os professores devem possuir um conjunto alargado
de conhecimentos, desde conceitos relativos à relação entre a fala e a escrita (e.g., consciência fonêmica,
decodificação, fluência, ortografia, morfossintaxe), à literatura ou à avaliação da leitura e da escrita.
Devem por outro lado, ser capazes de aplicar este conhecimento ao trabalho diário com os alunos (Lipp
et al., 2016; Oliveira et al., 2019).
Allington (2002) estudou a atuação de alguns dos melhores professores americanos, tendo
concluído que os esses professores (1) despendem, usualmente, metade do tempo de ensino com
tarefas de leitura e escrita, por contraponto à média das salas de aula, em que o tempo gasto com
essas tarefas oscila entre 10-20%; (2) utilizam textos adaptados ao nível de competência dos alunos; (3)
modelam o raciocínio dos alunos, quando estes tentam descodificar palavras ou compreender o texto;
(4) encorajam as conversas acerca das tarefas de sala de aula, estimulando as estratégias de resolução
de problemas; (5) envolvem os alunos em tarefas prolongadas, que se podem estender por diversos
dias; (6) classificam os trabalhos, refletindo simultaneamente a realização e o esforço dos alunos. Estes
seis pontos evidenciam aquilo que a investigação tem demonstrado, sobre o ensino em geral, e sobre
o ensino da leitura e da escrita, em particular: o bom ensino é focado, os materiais utilizados estão ao
nível dos alunos e os professores desafiam cognitivamente os alunos (e.g., Inda-Caro et al., 2019; Plöger
et al., 2019; van der Pers & Helms-Lorenz, 2019).
O ensino da leitura requer uma ampla gama de conhecimentos por parte dos professores.
Alguns desses conhecimentos são gerais, outros são específicos, de acordo com a clássica definição de
Shulman (1986a, 1986b). Shulman considera que, para ensinarem eficazmente, os professores devem
ter conhecimentos específicos acerca das matérias que ensinam (conhecimento disciplinar específico),
devem ter conhecimento pedagógico geral, devem ter conhecimento curricular (CC), e devem ainda
ter conhecimentos sobre as características dos alunos, sobre o contexto em que ensinam, sobre o
sistema educativo, etc. Os três primeiros tipos de conhecimentos são considerados indispensáveis e
complementares. Shulman utilizou ainda o conceito de “conhecimento de conteúdos pedagógicos”
(“teachers’ pedagogical content knowledge”) para denominar a confluência entre o conhecimento dos
conteúdos (por exemplo, acerca da leitura) e da instrução (didática).
108
Ensino e Aprendizagem da Leitura
109
João Lopes
por Keith Stanovich, psicólogo e investigador canadiano, “Efeito Mateus” (Stanovich, 1986). Este efeito
suscitou um grande interesse entre os investigadores, tendo sido alvo de múltiplas replicações e estudos
(e.g., Bast & Reitsma, 1998; Cain & Oakhill, 2011; Pfost et al., 2014; Protopapas et al., 2016; Scarborough
& Parker, 2003). O primeiro a utilizar o termo terá sido o sociólogo Robert K. Morton, em 1968, para
caracterizar o aumento do diferencial entre pessoas com mais posses e pessoas com menos posses. Esta
denominação foi retirada da parábola bíblica dos talentos. “Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem
os dez talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o
que tem será tirado. Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger
de dentes.» (Mateus 25:14-30). Por vezes esta parábola é simplificada e apresentada como “os ricos
ficam cada vez mais ricos e os pobres ficam cada vez mais pobres”. Na leitura, e noutras aprendizagens
escolares, a analogia parece aplicar-se. Assim, ao contrário do que por vezes se afirma, a passagem do
tempo agrava a situação, não a melhora, já que a aprendizagem da leitura não depende da maturação,
mas sim do ensino e também porque os conhecimentos mais elementares são indispensáveis para a
aprendizagem de conteúdos mais complexos (Baumert et al., 2012; Coyne et al., 2019).
110
Ensino e Aprendizagem da Leitura
(Harari, 2013, p. 151). Os Mesopotâmios, entre 3000 e 2500 a.C., foram acrescentando símbolos à antiga
escrita suméria, tendo criado um sistema de escrita completo, denominado cuneiforme e utilizado para
emitir decretos, criar oráculos ou escrever cartas pessoais (Harari, 2013). Posteriormente, os Fenícios
(1200 a.c.) desenvolveram um alfabeto, de natureza puramente fonética, ainda que incompleto, por
representar apenas consoantes. Alguns autores consideram que o sistema de escrita fenício não é um
alfabeto mas antes um “silabário categorial”, dado que os seus caracteres representavam sílabas de vogal
não especificada (vd. Morais, 1997, Naveh, 1988). Em todo o caso, este alfabeto (ou proto-alfabeto) está
na origem dos modernos alfabetos.
O processo de invenção da escrita é de tal forma importante, que é usualmente considerado,
pelos historiadores, como marcando a passagem da pré-história à história. A escrita permite, entre
muitas outras coisas, a evasão do aqui e agora, e o registro perene e fiável da história individual e
coletiva. Do ponto de vista estritamente pessoal, a aprendizagem da leitura representa, por analogia, a
passagem da pré-história à história.
A revisitação da invenção da escrita evidencia, antes de mais, que a escrita não constitui um
processo natural. Constitui, isso sim, uma construção social que começou por responder a problemas
específicos (por exemplo, a indicação de quantidades de cereais) e evoluiu para uma omnipresença
da qual já nem nos apercebemos, mas que é indispensável para o desenvolvimento das sociedades.
Não por acaso, os países mais alfabetizados são, tendencialmente, os que apresentam melhores índices
de desenvolvimento humano e também, não por acaso, todos os países do mundo procuram aumentar
os níveis de escolaridade dos seus cidadãos (Rosling, 2019).
Apesar da evidência quanto à natureza da escrita e da leitura, a tradição clínica e
desenvolvimental, em Psicologia, sugere que a aprendizagem da leitura é regulada por um processo
biológico, cujo desencadeamento necessita apenas de estímulos mínimos, como acontece com a fala.
Raramente se refere que a leitura é uma competência aprendida, largamente dependente do método
de ensino disponível (McGuinness, 2005). Também por isso, é fundamental salientar que, enquanto a
fala se desenvolve, bastando, para tal, que o sujeito esteja entre falantes, a leitura, definitivamente, não
se desenvolve. Para que a aprendizagem da leitura aconteça, é necessário um processo sistemático,
intencional e prolongado de instrução, ou seja, uma co-construção social entre um sujeito que aprende
e um sujeito que ensina. É isso que permite que uma criança de 6-7 anos domine, em poucos meses, o
princípio alfabético. Algo que a humanidade, enquanto coletivo, demorou milhões de anos a alcançar
(Adams, 1999; Chall, 1967).
111
João Lopes
A investigação sobre a aprendizagem da leitura tem evidenciado que existem diversas competências
fundamentais envolvidas (cf. Tabela 1). Os estudos desenvolvidos sobre cada uma destas competências,
ou conjunto de competências, são inúmeros (e.g., Fastame et al., 2018; Jain et al., 2020; Landerl et
al., 2019; Meira et al., 2019; Meyer et al., 2019; Pérez-Pereira et al., 2020; Wawire & Kim, 2018; Zarić
et al., 2020). A consciência fonológica e a consciência fonêmica são possivelmente das competências
mais estudadas nos últimos 50 anos, sobretudo após a publicação dos trabalhos de Bond e Dykstra
(1967) e de Liberman et al. (1967). Estes trabalhos estão na origem da noção de que a consciência
fonológica e a consciência fonêmica se desenvolvem, e que o treino destas competências, em idade pré-
escolar, contribui para a aprendizagem da leitura e da escrita (Kjeldsen et al., 2019; Pfost et al., 2019).
Alguns autores, porém, consideram que os efeitos podem ser diferentes, de acordo com o nível
de transparência da escrita. Por exemplo, Fischer and Pfost (2015) verificaram que o efeito do treino
fonológico, no Alemão (mais transparente), é maior do que no Inglês (menos transparente). McGuinness
(2005) considera que a teoria do desenvolvimento fonológico não tem suporte empírico e que o único
fator crítico envolvido na decodificação da leitura é a consciência fonêmica, uma vez que todos os
sistemas de escrita se baseiam numa, e só numa, unidade fonética, menor que a palavra.
Quadro I
Aprendizagem da Leitura
Habilidade Definição Algumas razões pelas Exemplos Exemplos
quais a habilidade de avaliações de intervenções
é importante eficazes
112
Ensino e Aprendizagem da Leitura
Fluência Capacidade de ler com A leitura fluente é As crianças lêem um Leituras repetidas de
precisão sem esforço, importante para a texto apropriado à textos familiares;
com razoável velocidade compreensão e para o idade durante um minu- leitura oral para um
e (na leitura oral) com empenho na leitura; to, sendo o número de professor, o qual
expressão e fraseamen- os problemas com palavras corretamente fornece pistas e
to, excertos de texto a fluência tendem a lidas comparado com comentário apropria-
apropriados à idade. limitar a compreensão e as normas de fluência do; treinos cronome-
a diminuir a motivação daleitura próprias da trados com cartões
para a leitura. sua idade. que contêm palavras
escritas; muita prática
de leitura
independente
113
João Lopes
Pinto e Lopes (2016) analisaram as competências fonológicas de crianças a frequentar o 1.º ano
de escolaridade, provindas de três jardins-de-infância, com práticas distintas relativamente ao treino de
competências fonológicas. Um grupo de crianças, havia tido treino sistemático na área da fonologia, ao
longo do ano anterior. Os outros dois grupos não tinham sido sujeitos a treino nesta área, mas um dos
grupos já sabia ler, por ter frequentado o colégio João de Deus, onde, por norma, o ensino da leitura
ocorre aos 5 anos de idade. No início do 1.º ano de escolaridade, o grupo com treino fonológico
desempenhou acima do grupo sem treino fonológico/fonémico ou de leitura. Contudo, essa diferença não
atingiu a significância estatística. O grupo com treino de leitura teve um desempenho significativamente
superior aos outros dois grupos, o que sugere que, aprender a ler em um sistema alfabético, promove
o conhecimento fonémico e não o contrário. No final do ano letivo e, posteriormente, no 2.º ano de
escolaridade, os grupos foram novamente testados. No final do 1.º ano, as diferenças esbateram-se e
deixaram de ter significância estatística, o que se confirmou no 2.º ano. Uma vez mais, os resultados
mostram que o treino de competências fonológicas é pouco útil para a aprendizagem da leitura e que é
esta que promove e exige o conhecimento fonémico.
Em resumo, o conhecimento fonémico está diretamente envolvido na aprendizagem da leitura,
uma vez que o sistema de escrita alfabética exige que o sujeito seja capaz de estabelecer relações entre
sons individuais e letras. Por esta mesma razão, o conhecimento fonológico, em geral (e.g., a sensibilidade
à rima), é irrelevante para a aprendizagem da leitura. O treino de competências fonológicas ou fonêmicas,
anterior ao contato com a leitura, é também pouco relevante para a aprendizagem da leitura.
Descodificação de Palavras
114
Ensino e Aprendizagem da Leitura
Fluência
O objetivo fundamental do ensino inicial da leitura é que as crianças leiam com fluência e
precisão (Lee & Chen, 2019; Reed et al., 2019). Saliente-se que um leitor pouco preciso é, em geral, um
leitor lento. Porém, o contrário não é necessariamente verdade. Há crianças que lêem de forma bastante
precisa, mas muito lenta. Este tipo de leitor é mesmo relativamente frequente em países com sistemas
de escrita mais transparentes (Bisschop et al., 2017; Liu et al., 2017; Vercellotti, 2017).
A avaliação da fluência da leitura é um aspecto frequentemente negligenciado no dia-a-dia das salas
de aula, possivelmente porque a capacidade de decodificação é considerada sinônimo de competência
de leitura (Lopes, 2010). Com frequência utiliza-se a expressão “vai lendo” para caracterizar um tipo
de leitura lenta e disfluente, com hesitações em palavras desconhecidas, em polissílabos e até em
palavras comuns. Esta situação não serve o propósito final da leitura, que é compreender o texto
(Locher & Pfost, 2020).
A dificuldade no reconhecimento individual de palavras, está frequentemente na base de erros
como adições (normalmente, na tentativa de adivinhar a palavra que está a ser lida), omissões ou
distorções. A lentidão da leitura implica a sobrecarga da memória de trabalho, com consequente
prejuízo do processamento da informação. Por conseguinte, a qualidade da interpretação do texto fica
prejudicada (Justice et al., 2018; Shin et al., 2019).
A investigação sugere, desde há muito anos (e.g., Weaver & Resnick, 1979), que a capacidade da
memória de trabalho em lidar com material cuja representação é pobre (ou seja, palavras reconhecidas
115
João Lopes
com dificuldade) pode constituir um estrangulamento (“bottleneck”) que prejudica a fluência e, por
arrasto, a compreensão do texto.
Para que a memória de trabalho consiga operar de forma eficiente, é necessário que as palavras
do texto sejam reconhecidas de forma automática. Tal só será possível se a sua ortografia, pronúncia
e significado estiverem firmemente representadas e interligadas na memória. Todas são necessárias,
nenhuma é suficiente (Daneman & Tardif, 2016).
Adams (2009) considera que a aprendizagem da leitura resulta do contato repetido com
padrões (de sequências de letras, por exemplo) que fortalecem e refinam as associações entre
características específicas dos padrões. Nesse processo, sustenta Adams, a memória tende a organizar-
se hierarquicamente. Os padrões mais complexos são representados por um conjunto de padrões
ligeiramente menos complexos; estes últimos são representados por um conjunto de padrões ainda
menos complexos; até que, no nível mais básico da memória, existem padrões compostos por conjuntos
associados de unidades perceptivas elementares (letras, por exemplo).
A consequência mais provável da falta de fluência na leitura de texto é o esquecimento do que
está a ser lido, antes de ser compreendido (Hirsch, 2003). A compreensão exige competências de
decodificação (automaticidade no reconhecimento de palavras individuais) e fluência, ou seja, capacidade
de “deslizar” sobre o texto, com a prosódia (entonação) adequada. A conjugação destas capacidades
permite que o sujeito dedique a maior parte da sua energia à compreensão do texto e não à decodificação
(Rasinski & Smith, 2018).
Vocabulário
O vocabulário é um aspecto central da compreensão de um texto (Lee & Chen, 2019; Quinn
et al., 2020). Num importante artigo, publicado na década de 80, Dale and O’Rourke (1986) definiram
um conjunto de parâmetros relativos ao vocabulário, partindo do princípio de que a compreensão dos
vocábulos não é uma questão de tudo ou nada (saber ou não saber). O primeiro parâmetro a considerar
é a incrementalidade, que se refere ao grau de conhecimento do sujeito relativamente a um vocábulo
(e.g., nunca vi; já ouvi mas desconheço o significado; reconheço-o no contexto como tendo qualquer
coisa a ver com...; conheço-o bem; consigo utilizá-lo numa frase). O segundo parâmetro é a polissemia,
que se refere aos significados possíveis do vocábulo. O terceiro parâmetro é a multidimensionalidade
(e.g., forma escrita, falada, comportamento gramatical, significado do vocábulo). O quarto parâmetro é
a interrelação, que ilustra a possibilidade de palavras se organizarem na memória humana através de
múltiplas conexões (significado, fonologia, familiaridade, etc.). Por fim, a heterogeneidade, que se refere
aos diferentes tipos de palavras com que lidamos (e.g, artigos, preposições, palavras com significados
116
Ensino e Aprendizagem da Leitura
Compreensão do Texto
117
João Lopes
A figura abaixo ilustra os diversos aspectos que podem estar implicados na compreensão de texto.
Figura 1.
A literatura relativa à instrução da leitura fornece algumas pistas sólidas sobre o que é possível
e necessário fazer nas salas de aula, para que os alunos consigam ler, fluentemente e com compreensão,
textos adaptados à idade. É, por isso, relevante, ter essas pistas e indicações em consideração.
118
Ensino e Aprendizagem da Leitura
Um primeiro ponto é que a aprendizagem da leitura implica, acima de tudo, que as crianças sejam
extensivamente expostas ao código alfabético (correspondências grafo-fonêmicas). Esta exposição deve
partir das unidades menores (letras) e mais regulares (e.g., “i” ou “p” lêem-se sempre da mesma maneira,
ao contrário de “e” ou “g”).
Independentemente de discussões quanto à ordem de apresentação das unidades, uma
exposição sistemática ao código, partindo das unidades menores para as maiores, é a estratégia mais
adequada, atendendo à lógica e estrutura da escrita alfabética. Embora haja uma quantidade substancial
de literatura que sustenta que os professores deveriam começar por realizar exercícios de consciência
fonológica e de consciência fonêmica, antes de contatar com as correspondências grafo-fonêmicas,
há um número também substancial de estudos que sustenta que os exercícios fonológicos são irrelevantes
e que os melhores exercícios fonémicos são precisamente os de aprendizagem das correspondências
grafo-fonêmicas. Daí a saliência da aprendizagem destas correspondências.
Um segundo ponto a ter em consideração, é o da necessidade de imersão dos alunos em textos,
tendo em vista a automaticidade no reconhecimento de palavras e a fluência na leitura. O aumento da
velocidade na leitura de texto é fundamental, para evitar a sobrecarga da memória de trabalho com
a identificação de palavras, e consequente prejuízo da compreensão do texto. Desvalorizar a baixa
velocidade de leitura e a disfluência, pode resultar em um acúmulo de défcits dificilmente recuperáveis
em idades posteriores.
A fluência na leitura, que assenta na velocidade do reconhecimento de palavras, sílabas e letras,
é um aspecto central para a compreensão de texto. A falta de fluência canibaliza a compreensão,
sobrecarrega a memória de trabalho, e leva o aluno a evitar o contato com a escrita, em um ciclo vicioso
que o afasta cada vez mais do grupo de pares (Negrete & Bear, 2019).
Um terceiro ponto, porventura menos evidente, é o da necessidade de trabalhar sistematicamente
diversos aspectos relacionados com as palavras e expressões dos textos. Especificamente, é da maior
importância explorar as palavras do texto que lhe conferem significado (não os artigos e preposições),
nos seus aspectos ortográfico, morfológico e semântico (Conrad & Deacon, 2016). Do conhecimento
de morfemas, por exemplo, deriva o conhecimento, pelo menos parcial, de um número significativo
de palavras deles derivadas (Hasenäcker et al., 2017). O conhecimento sintático deve também ser
sistematicamente trabalhado, uma vez que concorre decisivamente para a compreensão da estrutura do
texto. O mesmo se poderá dizer da exploração de expressões cuja interpretação é pouco intuitiva para
as crianças. O trabalho sobre as palavras, como um todo, é a forma mais eficaz de promover o léxico
mental dos alunos, tornando-os progressivamente mais aptos a enfrentar e a compreender novos e mais
elaborados textos.
119
João Lopes
Um quarto aspecto, diz respeito à necessidade, de aliar, desde muito cedo, a leitura à escrita
(Moll et al., 2020). Malpique et al. (2020) investigaram a natureza da relação entre competências de escrita
manual e competências de leitura, bem como o papel da instrução na aquisição destas competências.
As autoras verificaram que a automaticidade na escrita manual prediz a qualidade e a produção
da escrita, bem como a realização em leitura, ao longo do tempo.Verificaram ainda que, ensinar os alunos
a planejar e a rever os textos, se associa positivamente à competência de escrita. Para além disso, a
escrita manual melhora a representação visual das palavras e até a representação fónica, dado que, ao
escrever, o sujeito é obrigado a ler. Este efeito é mais notório na escrita manual do que na datilografada
(Smoker et al., 2009).
Um quinto aspecto a considerar nas salas de aula, é a avaliação sistemática dos progressos dos
alunos. J. Lopes et al. (2014) estudaram as percepções de conhecimento e o conhecimento efetivo, de
um grupo de professores americanos e de um grupo de professores portugueses, acerca da avaliação de
alunos dos quatro primeiros anos de escolaridade. Os autores não encontraram diferenças significativas
no que concerne às percepções, mas verificaram que o conhecimento dos professores americanos sobre
avaliação, eram muito superiores aos dos professores portugueses, tendo interpretado tais diferenças
como um reflexo da maior tradição de responsabilização dos professores, nos Estados Unidos, pelo
progresso dos alunos.
É muito importante que o professor perceba as diferenças interindividuais, na turma, bem como
as diferenças da sua turma relativamente a outras turmas da escola e, até, ao todo nacional. No caso
de Portugal, o Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico apresentam indicadores
bastante específicos quanto ao desempenho esperado dos alunos em leitura, por ano de escolaridade.
Constituem, por isso, bons referenciais para a avaliação dos alunos.
Uma avaliação relativamente formal dos alunos, três vezes por ano, é importante, para que se
tenha uma ideia precisa da situação de cada aluno. Este tipo de avaliação permite, por exemplo, sinalizar
rapidamente os alunos com dificuldades de leitura, e intervir atempadamente. A prática sistemática de
avaliação poderá evitar que os alunos com dificuldades fiquem irremediavelmente para trás, uma vez que
o sistema de monitoração não só evidencia que existe um problema, como, e sobretudo, assinala o seu
montante.
Um sexto aspecto, diz respeito à necessidade de expor os alunos a muitos e variados textos
(Kelly, 2019). Descodificar é fundamental para saber o que está escrito; ler com fluência é decisivo para
que o sujeito se concentre no conteúdo do texto. Mas tudo isto não será suficiente, se não houver
leitura sistemática de textos variados, que são aquilo que, afinal, permite ao sujeito aumentar o léxico
mental e o conhecimento das palavras e do mundo. A imersão sistemática em um mundo rico em
palavras só é verdadeiramente possível através do contato continuado com livros. O contato com livros
120
Ensino e Aprendizagem da Leitura
e com a literatura permite que o sujeito, que já aprendeu a ler, passe a ler para aprender. A diferença,
mais do que semântica, é cognitiva, emocional e cultural.
Conclusões
O ensino da leitura é uma tarefa da maior importância para as sociedades modernas e constitui
uma tarefa sistematicamente inacabada porque, quando os alunos deixam a professora que os iniciou
na leitura, o processo de aprendizagem percorreu apenas uma pequena parte do caminho. O ensino
da leitura é uma tarefa sistematicamente inacabada, porque a aprendizagem da leitura também o é.
O ensino inicial da leitura, ao contrário do que possa parecer, é de importância crucial, uma vez
que é fundacional e instrumental, relativamente a muitas aquisições posteriores. Como afirmou
há mais de duas décadas, Joseph Torgesen… “One of the most compelling findings from recent
reading research is that children who get off a poor start in reading rarely catch up….The best solution
to the problem of reading failure is to allocate resources for early identification and prevention” (Torgesen,
1998, 1). A conclusão mais importante que poderemos porventura retirar da investigação
sobre o ensino da leitura, é que dificilmente há aprendizagens relevantes, sem um professor.
E que o professor não é, pelo menos para já, substituível por auto-aprendizagens nem por artefatos
tecnológicos, por atraentes que pareçam.
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ED_ON – Teresa e Alexandre Soares do Santos, Iniciativa Educação
128
Capítulo 7
O Modelo RTI e a Alfabetização
Diana Alves
Universidade do Porto
Resumo
129
Diana Alves
A aprendizagem da leitura e da escrita é essencial para garantir o êxito pessoal e social dos
alunos, assim como as expetativas das famílias (Kim, et al. ,2018). Desde o momento em que o “Individuals
with Disabilities Education Act” (IDEA, 2004) definiu as dificuldades de aprendizagem como uma
desordem que pode ocorrer em um ou mais processos psicológicos básicos, fragilizando a capacidade
do indivíduo de ouvir, pensar, falar, ler, escrever ou fazer cálculos matemáticos, temos assistido a uma
mudança substancial no campo das dificuldades de aprendizagem. Esta mudança reflete-se nas práticas
de avaliação e intervenção propostas neste domínio.
O conceito da discrepância entre o rendimento escolar e o quociente intelectual, modelo
“Wait to Fail Model”, anterior ao movimento mencionado, deu lugar a um modelo alternativo
denominado por Modelo de Resposta à Intervenção, traduzido da expressão “Response to
Intervention Model”, ou RTI, sigla internacionalmente reconhecida que passaremos a usar neste capítulo.
O RTI permite um enfoque preventivo das Dificuldades de Aprendizagem que se alinha de forma
perfeita com as orientações delineadas pelo Consortium for Citizens with Disabilities (CCD) que
defende a implementação de uma educação inclusiva (Reynolds & Shaywitz, 2009; Sabel, et al., 2011;
Swanson, et al., 2012; Vellutino, et al., 2006). A primeira seção deste capítulo sistematizará informação
sobre as quatro componentes essenciais que fazem parte do modelo RTI: a) sistema multinível de
apoio, b) despiste universal, c) monitoração da intervenção, d) tomada de decisão baseada em dados
(Fuchs, et al., 2012; Gersten, et al., 2008). Na segunda seção serão apresentados alguns resultados
da investigação desenvolvida no âmbito dos fatores determinantes da eficácia da implementação do
RTI nos contextos educativos. A última seção ilustra exemplos de práticas do despiste universal no
domínio da literacia emergente e do processo de monitoração do progresso da fluência na leitura,
e sumariza ainda, algumas práticas baseadas na evidência na promoção da composição escrita.
A metodologia proposta pelo RTI visa uma identificação precoce dos problemas de aprendizagem
e de comportamento dos alunos, para que os educadores e professores possam intervir com instruções
mais individualizadas. Quando bem implementado, o modelo RTI melhora a instrução e potencializa o
sucesso escolar dos alunos. O National Center on RTI (2010) aponta os quatro componentes essenciais
do modelo RTI: despiste universal (O’Connor & Jenkins, 1999), monitoração contínua do progresso
(Deno, 1985), sistema multinível de prevenção (Vellutino, et al., 2006) e tomada de decisão com base
em dados (Fuchs, et al, 2012). Para que se entenda a natureza do sistema multinível de prevenção e
130
O Modelo RTI e a Alfabetização
intervenção do modelo RTI teremos que compreender o papel do despiste universal e da monitoração
da intervenção. Estes dois procedimentos são os roldanas que irão determinar o dinamismo do modelo
(Fuchs & Fuchs, 2006, 2007).
O despiste universal aplicado a todos os alunos permite determinar precocemente quais são os
que se encontram, ou podem vir a encontrar-se, em risco de terem baixos resultados de aprendizagem
(Fuchs; & Fuchs, 2008) e que, assim, podem beneficiar de uma prevenção secundária (Johnson, et
al., 2006). O despiste universal é feito três vezes ao longo do ano letivo, normalmente no início, no
meio e no final, podendo incidir sobre uma ou mais áreas, como por exemplo a leitura, a escrita, a
matemática ou o comportamento (Fuchs & Fuchs, 2008; Hughes & Dexter, 2013; Johnson et al., 2006)
(ver Quadro 1).
Quadro 1
Finalidades dos três momentos de aplicação do despiste universal ao longo do ano letivo.
Ano letivo Finalidades
Início Identificar os alunos que estão com dificuldades
e que precisam de intervenção; ou seja, os alunos
que não apresentam um nível de realização escolar
correspondente ao do início do ano letivo
131
Diana Alves
De realçar que o despiste universal no início do 1.º ano de escolaridade pode espelhar o efeito
de variáveis relacionadas com o contexto social e familiar em que cada criança vive (e.g. estatuto
socio-econômico da família). À medida que a criança vai crescendo e aumentando a permanência no
contexto educativo formal, a precisão dos dados recolhidos no despiste universal aumenta. De realçar
que o despiste universal permite uma avaliação do aluno mas também da efetividade do programa de
intervenção implementado, proporcionando aos profissionais dados para a planificação do trabalho em
anos posteriores (Fuchs & Fuchs , 2006, 2007, 2008).
O despiste universal constitui-se, assim, o primeiro passo na identificação precoce de alunos
em risco de evidenciarem dificuldades de aprendizagem específicas (Hughes & Dexter, 2013). É ainda
seu objetivo proporcionar a estes alunos uma intervenção precoce, que permita alcançar resultados
positivos, evitar a consolidação do insucesso acadêmico ao longo da sua escolaridade e as repercussões
negativas que este pode vir a ter durante toda a vida (Fuchs & Fuchs, 2008).
Como o próprio nome indica, todos os alunos a frequentar um grupo-turma ou um estabelecimento
de ensino participam no despiste universal. Não existem critérios para selecionar apenas alguns alunos para
participar nesta fase.
A Literatura Descreve Duas Rotas Para a Implementação do Despiste Universal:
a) direta, durante a qual todos os alunos da turma são sujeitos a uma avaliação breve para identificar
aqueles que estão abaixo de um determinado ponto corte de referência; o objetivo é sinalizar os alunos
que estão em risco de não alcançar os objetivos acadêmicos propostos;
b) indireta, na qual os alunos do grupo de risco são sujeitos a um segundo despiste mais ampliado;
ocorre 5 ou 8/10 semanas depois da primeira fase e visa a monitoração do progresso a curto prazo.
A investigação tem vindo a reforçar uma abordagem dupla para o despiste universal
“Two Stage Approach to Screening” (Compton, et al. 2010). A implementação das duas rotas, a direta
e a indireta, no despiste universal tem vindo a ganhar suporte empírico pois este procedimento
permite, por um lado, uma administração mais breve e por outro, reduz o risco dos falsos positivos,
uma vez que na rota indireta é efetuada uma avaliação mais específica dos alunos em risco
(Compton et al., 2010; Fuchs, et al., 2012).
As medidas integradas no despiste universal devem ser capazes de identificar com exatidão os
alunos que estão em risco (sensibilidade) e definir o nível de intervenção de que estes deverão beneficiar
(especificidade). A falta de equilíbrio entre a sensibilidade e a especificidade dá lugar a dois tipos de
erros. Níveis baixos de sensibilidade traduzem-se em falsos negativos; e níveis baixos de especificidade
traduzem-se em falsos positivos. Os dois erros acarretam consequências negativas: no primeiro,
alunos que estão em risco não beneficiam do apoio que necessitariam para alcançar o sucesso; no
segundo, os recursos são orientados para alunos que não necessitam de apoio e cujo sucesso não
132
O Modelo RTI e a Alfabetização
estaria comprometido na sua ausência (Johnson, et al., 2006). Para otimizar os níveis de sensibilidade e
especificidade das medidas será importante definir quando, como e o que medir.
Assim, no despiste universal é recomendada uma Avaliação com Base no Currículo (ABC) que
garante medidas fiáveis, sensíveis, de fácil e breve aplicação, representativas de diferentes domínios.
Estas medidas fornecem informações úteis para a intervenção (e.g., Deno, 2003; Deno, 2005; Fuchs
& Deshler, 2007; Reschly, et al., 2009; Vaz & Martins, 2018), na medida que discriminam os alunos que
necessitam de maior apoio (verdadeiros positivos) dos alunos que não necessitam de tanto apoio (falsos
positivos), permitindo assim uma alocação de recursos mais eficiente (Otaiba & Fuchs, 2002).
Definidos os níveis de apoio para cada aluno é importante garantir uma monitoração contínua
do progresso de cada aluno por forma a dar resposta a duas questões complementares: 1) a instrução
é adequada? é/será adequada quando a maioria dos alunos responde à instrução, caso contrário, a
instrução não é adequada e requer mudanças (Deno, et al., 2001); 2) é necessário rever o nível de
intervenção? Assegurada a eficácia da intervenção, se o aluno não responde/progride da forma esperada
será necessário ajustar o nível de intervenção.
No decorrer do processo de monitoração deveremos considerar em simultâneo, um ponto fixo
de referência e uma medida dinâmica que avalie o progresso de cada aluno (Al Otaiba & Fuchs , 2002),
ou seja, o nível de rendimento. Este requer uma avaliação intersujeito, i.e., uma comparação entre alunos,
e permite-nos perceber se o aluno apresenta uma resposta inadequada (e.g., percentil entre 10 e 50)
ou adequada (e.g., percentil superior a 50) à instrução. A taxa de crescimento requer uma avaliação
intrasujeito sendo este nulo ou limitado quando a resposta é inadequada (Al Otaiba & Fuchs , 2002).
A taxa de crescimento do aluno fornece-nos informação acerca da eficácia da intervenção. Analisá-lo sem
considerar o nível de rendimento remete-nos para uma análise do desempenho do aluno desintegrada
das normas de referência do Sistema Educativo.
Tal como já foi referido para as medidas do despiste universal, o modelo ABC permitirá uma
definição adequada das medidas essenciais à monitoração contínua do progresso. Este modelo fornece
medidas estandardizadas e rápidas de administrar que facilitam o registro do rendimento do aluno
(Glower & Albers, 2007). Assim, nesta fase, as medidas utilizadas deverão ser de aplicação fácil e rápida,
para poderem ser aplicadas frequentemente pelos professores e alunos (semanalmente no nível 3,
mensalmente no nível 2 e três vezes por ano no nível 1). Muitas destas medidas consideram a velocidade da
resposta, requerendo-se a integração de uma medida temporal, sendo o minuto a unidade mais frequente
(Ardoin et al. 2004; Ardoin, 2006).
A regularidade da monitoração é essencial para que possamos decidir sobre a necessidade de
mudarmos de níveis de intervenção e, por outro lado, identificar de forma mais cuidada as necessidades
dos alunos.
133
Diana Alves
Uma vez que as monitorizações têm que se repetir ao longo do ano letivo é importante
criar diferentes formas de avaliação. Só assim será possível assegurar que os resultados obtidos não
são enviesados pela familiaridade dos conteúdos e expressam de forma fiel a evolução dos alunos.
Importa, portanto, garantir diferentes formas de avaliação, todas igualmente válidas (Hintze et al., 2000).
A avaliação formativa desenvolvida visa apoiar as tomadas de decisão acerca dos melhores níveis
de instrução a propor e deve, por isso, envolver medidas estandardizadas e validadas empiricamente.
Ou seja, para que os dados reflitam o rendimento do aluno em um determinado período de tempo, o
conteúdo, o grau de dificuldade e o tempo de avaliação devem manter-se constantes (Hintze et al., 2000).
Em síntese, a informação coletada durante a monitoração dos alunos permite (a) estimar
taxas de crescimento dos desempenhos, (b) identificar alunos que não progridem de forma
adequada, (c) comparar a eficácia de diferentes intervenções e (d) elaborar programas mais eficientes e
individualizados, em um processo contínuo e sistemático de despiste, monitoração e tomada de decisão
(Fuchs & Deshler, 2007; Fuchs et al., 2010). Assim, obtêm-se indicadores de proficiência global nas áreas
avaliadas (Fuchs & Fuchs, 2008), e comparam-se os resultados entre alunos do mesmo grupo, entre
grupos e entre diferentes escolas (Fuchs & Fuchs, 2008; Fuchs et al., 2010).
O despiste universal e a monitoração contínua do progresso propostas pelo RTI permitem
a) registrar o crescimento contínuo numa determinada competência básica, b) predizer o êxito e o
fracasso de acordo com uma determinada variável critério do rendimento e c) proporcionar uma
instrução que, se bem sucedida, prevenirá o fracasso acadêmico (Fuchs & Fuchs, 2007). É fundamental
que as escolas escolham a ferramenta de despiste e monitoração que melhor atenda às suas necessidades
(Gersten et al., 2009).
O sistema multinível de prevenção pretende proporcionar um contínuo de intervenção
que se diferencia de forma ascendente em intensidade e frequência e descendente no tamanho do
grupo-alvo da intervenção. O Nível 1 (prevenção primária) chega a todos os alunos da sala, seguido
do Nível 2 (prevenção secundária) dirigido a grupos pequenos, alunos que revelaram menor
progresso na intervenção no nível 1 e, finalmente, o Nível 3 (prevenção terciária) onde o aluno recebe
uma instrução individualizada. Os alunos que não respondem da forma esperada à intervenção do nível
de prevenção em que estão integrados passarão a beneficiar do nível de intervenção mais intensivo e
frequente (Fuchs & Fuchs, 2007, 2008).
No Nível 1 serão implementadas estratégias de intervenção universais dirigidas a todos os alunos
da turma. Todos os alunos deverão beneficiar de uma instrução ou intervenção de alta qualidade que
deverá dar resposta a um grupo heterogéneo de alunos. Importa garantir que o rendimento dos alunos
que estão abaixo da média esperada não é resultado de fragilidades da instrução implementada. Por isso,
a instrução/intervenção implementada deverá assentar em evidência empírica e promover os conteúdos
essenciais para a aprendizagem (Fuchs & Fuchs, 2006, 2007).
134
O Modelo RTI e a Alfabetização
A resposta de cada aluno a este tipo de intervenção deve ser avaliada pelo menos três vezes ao
longo do ano letivo, para que se tenha a certeza que os alunos estão a responder de forma adequada à
intervenção e a progredir nas aprendizagens. Esta avaliação do progresso da aprendizagem permitirá o
ajustamento da intervenção a cada aluno. Os alunos que apresentarem um rendimento abaixo da média
obtida pelo grupo (considerando as referências estandardizadas) são identificados como sendo alunos
em risco de vir a apresentar dificuldades de aprendizagem e deverão beneficiar de outros níveis de
intervenção (Johnson, et al., 2006).
O Nível 2 garante um apoio selecionado direcionado para os alunos a quem o apoio universal
(Nível 1) não foi suficiente para superar as dificuldades. Mesmo quando se recorre a estratégias
pedagógicas tidas como eficazes, existem alunos que necessitam de intervenções mais frequentes e
instruções mais individualizadas, explícitas e diversificadas (Duhon, et al., 2009). Este segundo nível
de apoio é organizado em pequenos grupos de alunos, homogêneos quanto às suas necessidades, e é
realizado pelo professor-titular, na sala de ensino regular. A instrução fornecida é mais explícita do que
no nível 1, criam-se atividades práticas e promovem-se dinâmicas de aprendizagem que favorecem um
ritmo de aprendizagem mais enérgico e potenciam assim o envolvimento e a aprendizagem de todos os
alunos implicados neste nível. Devem ser criadas múltiplas oportunidades de interação entre alunos e
professor e este deverá fornecer feedback regular aos alunos (Fuchs & Vaughn, 2012).
O planejamento de atividades para grupos pequenos requer uma instrução muito explícita,
com atividades práticas e dinâmicas que complementem a instrução apresentada no nível 1. Podem
implementar-se procedimentos diferentes mas complementares dos utilizados no nível 1, ou utilizar-se os
mesmos materiais intensificando a instrução. A integração dos mesmos materiais nos dois níveis através
de procedimentos diferentes pode favorecer uma melhor compreensão das dinâmicas e potencializar a
aprendizagem do aluno (Baker et al., 2010).
Os dados da investigação não são consensuais quanto ao número de alunos que deverá integrar
o nível de intervenção seletivo, sendo que 3 a 5 alunos, são os números propostos (Fuchs et al.,2008).
No nível 2 a intervenção é mais frequente (e.g. diariamente ou várias vezes por semana durante cerca
de 30-40 minutos/sessão), mais intensa e deverá estar validada empiricamente.
Este nível de intervenção tem um duplo objetivo: prevenir o aparecimento de dificuldades
de aprendizagem específicas, oferecendo uma intervenção mais intensiva e, por outro lado, avaliar a
resposta que os alunos apresentam face a esta instrução, delineando-se os ajustamentos necessários.
Neste nível a monitoração do progresso deve ser mensal. No final de cada mês será possível
avaliar se o aluno respondeu adequadamente à instrução. Se tal acontecer poderá deixar de
beneficiar do apoio nível 2. Mas, se o aluno não progrediu o esperado poderá passar para o nível 3.
O grau de sucesso do nível 2 dependerá muito do grau de sucesso do nível 1 e assim sucessivamente
(Shapiro & Clemens, 2009).
135
Diana Alves
O nível de prevenção terciária, Nível 3, é dirigido aos alunos que beneficiaram do nível 1 e
2 e, ainda assim, manifestam dificuldades. E, por isso requerem uma intensificação da intervenção.
A instrução neste nível será intensiva e baseada na evidência, garantindo aos alunos oportunidades
para praticar habilidades específicas e receber um feedback constante. Neste nível, o rácio professor/
aluno recomendado é de 1:1, no entanto a instrução também pode ser desenvolvida em pequenos
grupos 1:3 desde que os conteúdos a tratar sejam muito homogêneos (Crespo et al., 2018).
A instrução a implementar neste nível deve ser sistemática e diária. Cada sessão deverá durar entre
45-60 minutos. A evolução do progresso da aprendizagem deve ser semanal e deverão implementar-
se reajustes que potencializem o rendimento de cada aluno. Neste nível dever-se-á desenvolver uma
avaliação adicional que permita um diagnóstico preciso da Perturbação de Aprendizagem Específica e
forneça a informação essencial ao desenho de um plano de intervenção adequado às necessidades de
cada aluno.
As intervenções realizadas, em cada nível de apoio, podem seguir um protocolo problem solving
ou standard (King & Coughlin, 2016). O protocolo problem solving é desenvolvido por uma equipe
multidisciplinar e é caraterizado por intervenções centradas na resolução de dificuldades específicas de
cada turma ou escola, planeadas de acordo com as necessidades e em função dos recursos existentes.
As práticas pedagógicas dependem do conhecimento dos professores, a duração das intervenções
varia em conformidade com a evolução, e a intervenção é flexível. O protocolo standard é desenvolvido
também por uma equipe multidisciplinar, mas as intervenções são selecionadas pela escola, centradas
em dificuldades das diferentes turmas ou escolas. No protocolo standard, a intervenção é fortemente
suportada pela evidência científica. Existe um protocolo de intervenção idêntico para todos os alunos
que deverá ser implementado sempre da mesma forma, assegurando a fidelidade da intervenção.
A intervenção é pré-determinada quanto à duração e recursos, requerendo a aplicação de procedimentos
que necessitam de preparação e conhecimentos específicos dos professores (Fuchs et al., 2003).
A literatura descreve abordagens híbridas que integram os dois protocolos anteriormente descritos
(Berkeley, et al., 2009).
136
O Modelo RTI e a Alfabetização
Quadro 2
Alvo, rácio professor : aluno, duração, tipo de instrução e frequência da monitoração dos níveis 1, 2 e 3
Nível Alvo Rácio Duração Tipo de Instrução Monitorização
137
Diana Alves
é fundamental para identificar os alunos em risco, atender às suas necessidades, adaptar intervenções
e avaliar a eficácia das instruções (Fuchs & Fuchs, 2007, 2008). Assim, no RTI é a análise dos dados
que determina quando e como intensificar intervenções para alunos (National Center on Intensive
Intervention [NCII], 2013).
Um estudo desenvolvido por Ciullo e colaboradores (2016) revelou que os professores do ensino
médio frequentemente não utilizavam estratégias instrucionais baseadas em evidência na implementação
dos sistemas multinível, comprometendo assim os progressos dos alunos (Durlak & DuPre, 2008).
As intervenções baseadas em evidências são intervenções que demonstraram eficácia em estudos
científicos, ou seja, cujos resultados melhoraram quando foi garantida a fidelidade da sua implementação.
A fidelidade reflete o cumprimento dos procedimentos previstos, tendo em vista os resultados aferidos.
A fidelidade da implementação do modelo RTI, pressupõe que os procedimentos inerentes ao despiste
universal, monitoração do progresso da aprendizagem e intervenção sejam rigorosamente adotados,
independentemente do contexto ou dos intervenientes envolvidos (Glover, 2010; Keller-Margulis, 2012),
sendo frequentemente avaliada através de checklists (Harlacher et al., 2010). A precisão das medidas
adotadas para a identificação de alunos em risco e a diversidade de indicadores de desempenho dos
alunos durante a monitoração são requisitos essenciais para a fidelidade da implementação do RTI
(Reynolds & Shaywitz, 2009).
Fuchs e Fuchs (2017) afirmam que o RTI parece ser implementado com baixa fidelidade em
contexto norte-americano. Tomando como exemplo o Milwaukee’s RTI Framework verificou-se que
somente 47% das escolas implementam o modelo com a fidelidade adequada (Ruffini et al., 2016, cit.
Fuchs & Fuchs, 2017). As restantes apresentam lacunas na forma como desenvolvem os três níveis do
modelo, levando os autores a sugerir que, em alguns casos, é desejável implementar apenas o nível I do
modelo até que os intervenientes estejam mais proficientes e existam maiores e melhores recursos.
Pesquisas anteriores apontaram os fatores que podem condicionar uma implementação adequada do
modelo RTI: o ceticismo dos educadores e professores quanto às práticas baseadas em evidências,
transportando essa descrença para as salas de aula; e muitos professores podem não empregá-las com
fidelidade (Castro-Villarreal et al., 2014). Portanto, explorar as crenças dos professores e a aceitação dos
princípios orientadores do RTI pode otimizar a implementação, o sucesso e a sustentabilidade (Ciullo et
al., 2016).
A literatura refere duas abordagens na implementação do modelo RTI nos contextos educativos,
o protocolo standard e o protocolo problem solving (National Center on Intensive Intervention, [NCII],
2013). Na primeira os alunos recebem uma intervenção padronizada pré-determinada, igual para todas
as crianças da escola, recebendo intervenção de Nível 1, Nível 2 ou Nível 3 (King & Coughlin 2016).
138
O Modelo RTI e a Alfabetização
Na abordagem problem solving , as intervenções são selecionadas com base nas necessidades dos
alunos (Hill, et al., 2012). As duas abordagens envolvem processos empíricos de avaliação, planejamento
e intervenção, mas o grau de individualização varia (Hill et al., 2012). Revisões de estudos de RTI
sugerem que a abordagem standard aumenta a fidelidade da intervenção e promove o tempo eficiência.
A abordagem problem solving requer domínio de inúmeras práticas de intervenção e um extenso e
cuidado planejamento. Apesar da base de pesquisa mais robusta no nível elementar para a abordagem
do protocolo standard, muitos educadores preferem a abordagem de problem solving devido à sua
flexibilidade (Hill et al., 2012). A maioria dos modelos implementados na prática combina vários aspectos
de ambas as abordagens (e.g., Berkeley et al., 2009).
Um estudo desenvolvido por Castro-Villarreal et al. (2014) revela que professores do ensino
pré-escolar, 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico não apresentam uma compreensão plena dos processos
implicados no RTI. As barreiras que identificaram à implementação do RTI incluíam a falta de formação,
tempo e recursos e questões com comunicação. Portanto, as perspectivas das partes interessadas
devem ser investigadas para identificar questões contextuais que influenciam a intervenção e podem
comprometer a fidelidade da implementação do modelo e progresso dos alunos (Hill et al., 2012).
Assim terão que ser asseguradas as condições que garantem a fidelidade da implementação da intervenção
bem como a formação contínua dos professores, através da observação, da modelagem de práticas
eficazes e partilha de feedback sobre a implementação das práticas de RTI (Kretlow & Bartholomew,
2010; Pierce & Buysse, 2015). A formação de docentes online tem vindo a aumentar nos últimos anos.
Esta permite integrar uma comunidade educativa em um mesmo meio virtual, fomenta a interatividade
e a interação entre os profissionais e transcende o tempo e o espaço (Dede et al., 2009; Fishman et al,
2013)
A investigação revela ainda que a eficácia da implementação do modelo RTI depende em muito da
liderança de toda a equipe. A liderança deverá apresentar de forma clara o modelo RTI, assumindo que
este modelo irá garantir uma melhor aprendizagem dos alunos, sendo essencial a articulação entre todos
os elementos que influenciam a prática do professor em toda a escola (Maier et al., 2016; O’Connor &
Freeman, 2012). Uma forte liderança é fundamental para a mudança do sistema de RTI (Castro-Villarreal
et al., 2014). Wenner e Campbell (2017) sugeriram que líderes eficazes deveriam (a) cultivar uma visão
colaborativa, (b) liderar uma melhoria instrucional e (c) criar capacidade organizacional. Uma liderança
eficaz requer assim definir um contexto para a mudança do sistema, ajudar os professores a entender a
lógica do modelo RTI, obter a adesão dos professores antes da implementação, criando as infraestruturas
necessárias e garantindo oportunidades que promovam o desenvolvimento profissional de alta qualidade
e o acesso aos recursos necessários (Joyce & Showers, 2002). É muito importante definir uma equipe
que garanta a existência de um sistema de coleta, armazenamento e a análise dos dados dos alunos,
que promova a comunicação entre professores, pais, pessoal não docente e alunos, que compartilhe
139
Diana Alves
sucessos, desafios, e possíveis soluções relacionadas com a implementação do RTI (Wenner & Campbell,
2017) e que estimule o envolvimento de todos os intervenientes (Rinaldi et al., 2010).
De realçar que a investigação tem demonstrado a eficácia do RTI na promoção da literacia
emergente, leitura e escrita (e.g., Bouck & Cosby, 2017; Briesch et al., 2019; Buysse et al., 2016; Grapin
et al., 2019; Shepley & Grisham-Brown, 2019; Wanzek et al., 2015).
Aprender a ler e a escrever é um dos indicadores mais importantes do sucesso acadêmico (Snow
et al., 1999). A abordagem multinível, nomeadamente o RTI, assume uma abordagem desenvolvimental
da aprendizagem da leitura e da escrita, considerando que esta ocorre através de um continuum, que
formalmente tem início quando a criança entra na escola mas informalmente começa nas etapas mais
precoces do desenvolvimento, através do contato com a linguagem escrita e com o “mundo letrado”, e
progride ao longo da infância até que a criança seja capaz de ler, compreender, e escrever textos (Fountas
& Pinnell, 2009). O desenvolvimento da alfabetização precoce e das competências de literacia durante
os anos pré-escolares estão associadas a melhores resultados na leitura e escrita em anos posteriores.
Essas habilidades são elementos fundamentais à aprendizagem da leitura e escrita no ensino fundamental
(Whitehurst & Lonigan, 1998). Incluem (a) conhecimento do alfabeto e conceitos sobre o impresso, ou
a capacidade de reconhecer produzir nomes e sons de letras e entender convenções do texto escrito
(McBride-Chang, 1999); (b) compreensão ou capacidade de obter informações e fazer inferências a partir
da linguagem falada (Snow et al., 1999); (c) linguagem oral expressiva, nomeadamente o conhecimento
lexical ou, em um sentido mais restrito, o vocabulário (Dunst, et al., 2006); e (d) consciência fonológica,
ou a capacidade de detectar e manipular unidades fonológicas da fala de diferentes dimensões, i.e.,
palavras, sílabas, unidades intra-silábicas (como ao rima) até ao fonema (a menor unidades linguística cuja
representação mental só é habitualmente alcançada no contexto da aprendizagem da leitura) (Anthony
& Francis, 2005).
Tal como já tivemos oportunidade de referir na primeira seção deste capítulo, as medidas usadas
no modelo RTI devem identificar as crianças que possam exigir um nível mais intenso de intervenção e
monitorar com precisão o progresso por breves períodos de tempo. Estas medidas, quando aplicadas
no domínio da literacia emergente, devem considerar as diferentes componentes da literacia emergente
e deverão ser psicometricamente robustas, logisticamente viáveis, permitindo aos profissionais da
educação pré escolar reunir dados significativos para orientar as tomadas de decisão (Fuchs & Fuchs,
2007; Greenwood et al., 2009).
140
O Modelo RTI e a Alfabetização
141
Diana Alves
Quadro 4
Pontes de cor te para as seis subprovas da IPAL – Pré -escolar (5 anos)
Indicadores Subprovas Risco Rendimento Baixo R. Médio R.Alto
Vejamos um exemplo concreto do desempenho de uma menina de 5 anos, a Maria. Uma análise
dos resultados obtidos pela Maria (ver Quadro 5) evidenciam um rendimento de risco nas tarefas
que implicam o conhecimento do som da letra, a consciência fonológica e o vocabulário receptivo.
A Maria apresenta o rendimento mais elevado na nomeação dos nomes das letras. Assim, a Maria deverá
beneficiar de uma intensificação da intervenção no domínio da consciência fonológica de forma a garantir
uma correspondência entre o seu nível de competência e o conteúdo instrucional (Fuchs et al., 2012).
A investigação revela que o desempenho de crianças em idade pré-escolar nas tarefas de
consciência fonêmica está altamente correlacionado com os resultados das avaliações de leitura no final
do 1.º ano de escolaridade (Lonigan, et al., 2008).As crianças que revelam uma consciência fonológica mais
elevada na pré-escola serão leitores mais proficientes no 3.º ano (Muter et al., 2004; Wagner et al., 1994).
A habilidade do aluno isolar e identificar fonemas aos 4 e 5 anos de idade prevê o desempenho
do aluno em tarefas de compreensão e na leitura de palavras durante o 2.º ano (Muter et al., 2004).
142
O Modelo RTI e a Alfabetização
Quadro 5
Pontuação direta obtida pela Maria (5 anos) e fórmulas para os cálculos das pontuações nas subprovas do
despiste universal
Subprovas Pontuação direta Rendimento Cálculo do Z Pontuação z
CSL 5 R* (5-14.194)/12.676 -0.725
CNL 11 RO* (11-9.780)/11.721 0.104
CF 12 R* (12-37.748)/30.232 -0.851
AD 8 R* x(8-7.863)/2.802 0.048
CII 3 RB* (3-3.450)/1.225 -0.367
CIT 29 RB* (29-25.706)/7.395 0.445
À semelhança do que vimos no domínio da literacia emergente será importante criar tarefas que
permitam uma coleta de dados nas diferentes componentes da leitura garantindo assim a informação
necessária ao despiste universal e à monitoração do progresso durante a instrução. Neste capítulo
centraremos a nossa atenção na fluência leitora.
Vários métodos no âmbito da avaliação com base no currículo (Deno, 1985, citado por Deno
2003) propõem que se escolha um texto do nível educacional do aluno e se peça para que leia o texto em
voz alta. O técnico deverá cronometrar a leitura e assinalar os erros, posteriormente calcular as palavras
corretamente lidas por minuto. Já tivemos oportunidade de referir que deve ser garantida a fidelidade na
aplicação das medidas bem como na sua análise, assim, deverão ser definidos com clareza os critérios para
cada subprova. Assim, será importante identificar os critérios que definiram as – palavras corretamente
lidas e os erros de leitura ao longo de uma frase ou de um texto. O Consortium on Reading Excellence,
Inc (CORE, 2008) considera que a pronúncia clara das palavras e autocorreção após 3 segundos são
indicadores de uma leitura correta. A leitura repe-tida da mesma palavra e a leitura de palavas que
143
Diana Alves
não estão na frase não será contabilizado como erro. Será contabilizado um erro sempre que o leitor:
1) hesite mais de 3 segundos, 2) leia de forma incorreta, 3) pronuncie mal a palavra, 4) omita palavras e
4) troque a ordem das palavras (CORE, 2008)
Para implementar a avaliação com base no currículo, a propósito da fluência de leitura oral,
Rasinski (2006) descreve os passos necessários. O primeiro passo consiste em selecionar um texto
de nível educacional adequado ao estudante em causa e submeter este texto a uma fórmula de
legibilidade (para avaliar a sua facilidade de leitura). Em seguida, pede-se ao estudante que leia oralmente
o texto, a leitura é gravada e cronometrada. Para a análise da velocidade de leitura são descontados
os erros de leitura e calculadas as palavras corretamente lidas por minuto (Rasinski & Padak, 2005).
Refere também que é aconselhável pedir mais que uma leitura e realizar a média das palavras corretamente
lidas em vários textos. Finalmente, para a análise da correção na leitura, é calculada a percentagem de
palavras corretamente lidas tendo em conta o total de palavras do texto (Rasinski ,2004).
Fuchs e Fuchs (1992, 1993, 1999) considera que estes procedimentos garantem os standards
de validade e precisão através da uniformização dos procedimentos de administração, cotação
das provas e contínua validação empírica das medidas utilizadas. A representação gráfica dos dados
recolhidos para a monitoração do progresso, por pontos ao longo do tempo, irá facilitar a leitura dos
dados que antecede a tomada de decisão acerca do nível de instrução que o aluno deverá beneficiar
(Fuchs et al., 1984). No gráfico 1 apresenta-se um exemplo de um registro do número de palavras
corretamente lidas, o número de palavras incorretamente lidas durante um minuto, bem como o número
de erros cometidos ao longo de uma semana, sumariando o progresso do aluno na fluência leitora.
Figura 1
Registro do número de palavras lidas correta e incorretamente por minuto durante 5 dias
144
O Modelo RTI e a Alfabetização
A capacidade de um aluno escrever eficazmente tem sido bem estabelecida na investigação como
uma habilidade fundamental que promove a aprendizagem e o sucesso em múltiplos conteúdos e áreas
(Taft & Mason, 2011). Por exemplo, a integração do treino de autorregulação com tarefas de transcrição
parece ser uma abordagem instrucional promissora para melhorar a capacidade de escrita de todos os
alunos e evitar problemas futuros de escrita (Limpo & Alves, 2018). Ensinar explicitamente as etapas do
processo de escrita, juntamente com as convenções para escrever em diferentes gêneros, e fornecer
feedback na revisão de amostras de redação é eficaz (Cihak & Castle, 2011). Além disso, o uso de
uma estratégia específica ou mnemônica é útil para ajudar os alunos a internalizar e auto-monitorar o
processo de escrita enquanto estão envolvidos na tarefa (Cihak & Chalk, 2011; Graham & Harris, 2000),
tal como é proposto pelo programa de Desenvolvimento de Estratégia Autorregulado (SRSD, Graham &
Harris, 1993; Harris & Graham, 1997).
O SRSD é um método para ensinar explicitamente o processo de escrita e integra procedimentos
de monitoração para a composição escrita (De La Paz & Graham, 2002; Santangelo et al., 2008). O SRSD
possui seis etapas de instrução que incluem (1) os estudantes ativam conhecimentos básicos da escrita; (2) os
estudantes e professores discutem o propósito e benefícios da estratégia; (3) os professores modelam o uso
da estratégia; (4) os estudantes memorizam as etapas da estratégia; (5) os estudantes praticam a estratégia
com apoio do professor; e (6) os estudantes usam de forma independente a estratégia (Santangelo et al., 2008).
Para os alunos identificados como escritores em dificuldades, a chave para melhorar as habilidades de escrita
por meio da abordagem SRSD é a inclusão de todas as seis etapas durante o processo instrucional. As etapas
do processo devem ser combinadas, repetidas e podem ser usadas ou ensinadas na ordem que melhor atenda
às necessidades dos estudantes individuais (Santangelo et al., 2008).
Os resultados do estudo desenvolvido por De La Paz (2001) reforçaram o SRSD como uma
abordagem eficaz para o ensino da escrita. Os alunos receberam instruções em todas as etapas do
processo de escrita e todos os alunos produziram planos de pré-escrita completos e organizados,
além de melhorar a qualidade de suas composições escritas (De La Paz, 2001). Esses resultados são
consistentes com os resultados de outros estudos que também ensinaram a redação expositiva usando
a abordagem SRSD (Graham & Harris, 1993). O SRSD melhora as habilidades de escrita de alunos com e
sem dificuldades de aprendizagem (De La Paz, 2001; De La Paz & Graham, 2002; Graham & Harris, 1993;
Harris & Graham, 1997). A investigação desenvolvida no domínio da escrita permite-nos identificar um
conjunto de práticas baseadas na evidência potencializadoras da composição escrita (ver Quadro 6).
145
Diana Alves
Quadro 6
Tipo de intervenção, descrição, níveis sugeridos e indicadores da composição escrita
Tipo de intervenção Descrição Níveis sugeridos Indicadores
Estratégias de escrita Ensinar as etapas do processo de 2 ou 3 Comprimento, estrutura
redação de um descrição ou e qualidade do texto
narrativa de qualidade, bem como
o gerir as tarefas de escrita e o
ambiente.
Conclusões
A implementação do modelo RTI nos contextos educativos permite uma identificação precoce
das dificuldades de aprendizagem e uma ativação de um sistema de prevenção multinível. O modelo de
RTI implementa um despiste universal junto de todas as crianças na sala de aula da educação e defende a
implementação de instruções de alta qualidade (Fuchs & Vaughn, 2012). Os alunos em dificuldades recebem
intervenções em níveis crescentes de intensidade para acelerar o seu rendimento. O progresso de cada aluno
é monitorado e permite avaliar o nível de desempenho atual e a taxa de crescimento do desempenho de cada
aluno. As decisões educacionais sobre a intensidade e a duração das intervenções são baseadas na resposta
individual do aluno à instrução (Deno, 2016). O RTI foi projetado para orientar as tomadas de decisões,
tanto na educação regular como na educação especial, criando um sistema bem integrado de instrução e
intervenção orientado pelos resultados da própria criança. Para que a implementação da RTI funcione os
seguintes componentes devem ser implementados com fidelidade e rigor: 1) Avaliação universal de triagem
de todos os alunos para identificar os alunos que estão a aprender/progredir de acordo com o esperado e
sinalizar os alunos que não estão a ser capazes de o fazer;. 2) Monitorização do progresso dos alunos que
revelaram um desempenho aquém do esperado; 3) Níveis de instrução cada vez mais intensivos para garantir
que todos os estudantes recebem o apoio que precisam para melhorar os resultados de aprendizagem
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O Modelo RTI e a Alfabetização
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152
O Modelo RTI e a Alfabetização
Recursos Online
• http://www.rtinetwork.org/essential/tieredinstruction
A RTI Action Network é um programa do Centro Nacional de Dificuldades de Aprendizagem, financiado pela Cisco
Foundation, desenvolvido em parceria com associações de educação norte americanas e com especialistas em RTI.
Fornece informações e ferramentas muito importantes para a implementação do modelo RTI.
• https://www.ull.es/portal/noticias/2017/validacion-rti-lectura-matematicaslo-atencion-temprana-mejorar-
-rendimiento-lectura-matematicas-infantil-primaria/.
Um projeto espanhol implementou um protocolo de avaliação e intervenção para identificação e intervenção junto de
alunos em risco de dificuldades de aprendizagem nos níveis de Edu-cação Pré-escolar e Primária. Este site disponibiliza
muitos materiais do projeto e um vídeo que explica os principais objetivos, componentes e etapas do modelo RTI.
• http://sisep.fpg.unc.edu
O State Implementation and Scaling-up of Evidence-based Practices (SISEP), do Centro Estadual de
Implementação e Ampliação de Práticas Baseadas em Evidências (SISEP) está alojado no Instituto de
Desenvolvimento Infantil da FPG, na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Fornece informação
atualizada sobre práticas educacionais baseadas na evidência.
153
Parte B
Literacia Emergente
154
Capítulo 8
Literacia Emergente em Contexto Familiar
Ana Costa
Universidade do Porto
Resumo
Com a evidência de que o desenvolvimento da literacia se inicia muito antes da educação formal
surgiu a necessidade de aprofundar e potencializar os diferentes contextos onde as crianças podem
adquirir competências de literacia precoces, altamente potenciadoras dos seus futuros níveis de literacia.
Em particular, este capítulo versa sobre o desenvolvimento da literacia emergente da criança no seu
contexto familiar, com o suporte e envolvimento dos seus pais ou familiares. Em especial são abordadas
diferentes atividades e estratégias, informais e formais, que podem ocorrer em contexto familiar e
que potenciam as competências de literacia precoces. Destacamos as experiências em que as crianças
interagem com os seus pais em situações de escrita e leitura; quando exploram de forma independente
materiais impressos; ou quando os pais ou familiares se tornam modelos de comportamento letrado
para as crianças. Com base na investigação neste domínio são também apresentadas estratégias práticas
para promover e apoiar a literacia emergente em contexto familiar.
Palavras-chave: literacia emergente, envolvimento parental, leitura partilhada, tutoria parental, modelo letrado.
155
Literacia Emergente em Contexto Familiar
Devido às expectativas cada vez maiores sobre o desempenho dos alunos tem havido uma
correspondente pressão por parte dos sistemas educacionais e agências governamentais para melhorar
os índices de sucesso acadêmico do aluno, particularmente no campo da literacia (Pokorni et al., 2004).
De fato, a leitura e a escrita, são uma base crucial para o sucesso da educação das crianças, constituindo-se
como competências essenciais para a trajetória acadêmica e profissional dos indivíduos, assim como para
o exercício da sua plena cidadania (Castro & Barrera, 2019). Contudo, o processo de desenvolvimento da
literacia inicia-se muito antes da educação formal. Nesta linha, tem existido cada vez mais interesse em
perceber como e onde as crianças podem adquirir competências de literacia precoces, uma vez que as
experiências nos seus primeiros anos são cruciais para o desempenho da literacia ao longo da sua vida.
De fato, a investigação tem demonstrado a existência de muita variabilidade nas competências de
literacia das crianças à entrada da educação formal assim como no que se refere à taxa de crescimento
destas competências no percurso escolar (Sénéchal, 2012). Estima-se que quase 40% dos alunos que
ingressam no jardim de infância estejam um ano ou mais atrasados no que diz respeito ao nível das
competências emergentes de literacia e prontidão para a leitura, comparativamente aos seus colegas
(Bailet et al., 2009). Por outro lado, alguns estudos, referem ainda a existência de um número crescente de
crianças que experimentam dificuldades consideráveis na aprendizagem da leitura (Lafferty et al., 2005).
A American Psychiatric Association, em um estudo em 2013, indicou que a prevalência das dificuldades
de leitura nos domínios da leitura, ortografia e compreensão da leitura era de 5 a 15% entre crianças em
idade escolar de diferentes culturas e idiomas.
Ora, acresce que as diferenças individuais nestas competências tendem a ser consideravelmente
estáveis desde o ensino pré-escolar até níveis de ensino mais elevados (Butler et al., 1985; Lonigan et
al., 2000), ou seja, crianças que apresentem dificuldades nas competências-chave de literacia, irão muito
provavelmente ser leitores com pior desempenho no final do 1.º ciclo (Juel, 1988).
Na investigação sobre os métodos de literacia mais eficazes, tem sido dedicado um
esforço considerável ao aprofundamento das competências de literacia emergentes ou precoces
(Gillen & Hall, 2013; Whitehurst & Lonigan, 2001), que se referem a determinadas competências,
conhecimentos ou atitudes que são percussoras da leitura e da escrita nas crianças. Naturalmente,
dada a idade precoce das crianças, estas competências são, presumivelmente, adquiridas através de
experiências no contexto familiar ou no jardim de infância. Neste sentido, os investigadores e educadores
tornaram-se cada vez mais interessados em compreender o papel dos diferentes contextos no
desenvolvimento da literacia emergente de crianças em idade pré-escolar (Weigel et al., 2010).
156
Ana Costa
157
Literacia Emergente em Contexto Familiar
Mais ainda, na perspectiva de aprendizagem social de Bandura (1986), os pais funcionam como
modelos para as crianças, e neste sentido, os seus comportamentos letrados podem afetar, moldar ou
modificar os comportamentos das crianças.
Por fim, a teoria sociocultural preconiza que as crianças são participantes ativas em situações
sociais, onde investigam e aprendem inúmeras maneiras de interagir com os outros, sejam outras
crianças, pais, familiares ou professores. Acabam por ser as diferentes situações sociais, frequentemente
em ambiente doméstico e em situações pré-escolares, que incentivam a aprendizagem e a compreensão
da linguagem da criança quando esta tenta comunicar efetivamente as suas necessidades e desejos
(Goodman, 2001).
Um outro aspecto que influencia o sistema familiar e as práticas parentais, nomeadamente o
tipo de interações familiares são as crenças dos pais (Pacheco, & Mata, 2013a, 2013b; Weigel et al.,
2006). As crenças parentais, em particular as que se referem à literacia, dizem respeito às ideias que
os pais tomam como verdadeiras sobre como é a literacia e sobre o conhecimento que ela implica,
assim como as ideias sobre o seu papel no desenvolvimento da literacia emergente dos filhos
(Weigel et al., 2006). Este é um fator relevante que tem sido aprofundado pela investigação na área da
literacia uma vez que as crenças parentais influenciam os comportamentos e práticas de literacia dos pais,
bem como os ambientes de literacia onde os seus filhos se desenvolvem, condicionando, por exemplo,
o contato, a acessibilidade e a diversidade de materiais e recursos que promovem esta aprendizagem
(e.g. Lynch et al., 2006; Weigel et al., 2006).
Segundo Evans e colegas (2004) as crenças podem ser agrupadas em duas categorias: top-down
que destaca o contexto da informação, suscitando a utilizando das estruturas linguísticas, imagem e
conhecimento geral; e bottom-up que se caracteriza pelo uso de competências técnicas para aprendizagem
de literacia, que realça a eficiência e automatismo na decodificação das palavras.
Os diferentes tipos de práticas de literacia em contexto familiar, por sua vez, podem organizar-
se em: práticas de entretenimento e dia a dia ou práticas informais; e práticas formais ou práticas de
ensino ou treino. Estudos têm verificado a correspondência entre a caracterização de crenças e o tipo
de práticas parentais, sendo que poderão ser agrupados segundo uma perspectiva predominantemente
holística e outra predominantemente tecnicista (cf. por exemplo, Pacheco, & Mata, 2013a).
No entanto, apesar da relação entre as crenças dos pais e as práticas de literacia familiar (e.g. ,
Lynch et al. , 2006; Weigel et al., 2006) alguns estudos indicam que esta relação não é linear, pois os pais
podem alternar entre os dois tipos de crenças, mais holísticas ou mais tecnicistas, e na verdade ambas
são complementares (Norman, 2007).
De fato, o envolvimento parental em casa pode ser muito diverso e promotor das mais variadas
competências das crianças. No entanto, e em particular na literacia emergente, diferentes estudos têm
demostrado que as competências de literacia das crianças são aprimoradas quando os pais as envolvem
158
Ana Costa
1) experiências em que as crianças interagem com os seus pais em situações de escrita e leitura;
2) experiências em que as crianças exploram de forma independente materiais impressos;
3) experiências em que as crianças observam os seus pais a ler ou a escrever e estes tornam-se
modelos de comportamentos letrados para as crianças.
A literatura tem demonstrado que o envolvimento parental nas experiências das crianças pode
promover a linguagem e a literacia. O modelo de literacia familiar define que atividades de literacia
entre pais e filhos podem ser agrupados em dois grupos: atividades de literacia informais e atividades de
literacia formais (Sénéchal, 2006, 2012; Sénéchal & LeFevre, 2002).
As atividades informais de literacia correspondem aquelas cujo motivo de interação é o sentido
ou mensagem veiculada pelo material impresso e não pelo impresso propriamente dito. Um exemplo de
atividade informal seria a leitura conjunta de uma história por pais e filhos onde a atividade se centra
na apreensão do sentido da história e não no texto, nas palavras dessa história (Baker, Fernandez-
Fein, Scher, & Williams, 1998). A criança pode colocar alguma questão sobre o significado de algumas
palavras que desconheça, mas esse não é o objetivo primário da atividade. Por outro lado, as atividades
de literacia formais correspondem às atividades em que a atenção se centra no material impresso
propriamente dito. Neste caso, os pais podem ensinar e introduzir alguns aspectos do conhecimento
formal da literacia, por exemplo, quando a criança aprende com os pais a escrever o seu nome (Aram &
Levin, 2004), ou quando durante a leitura conjunta de uma história os pais usam o texto impresso para
pedir à criança que identifique letras que já conhece (Sénéchal, 2012).
159
Literacia Emergente em Contexto Familiar
Leitura Partilhada
Uma das atividades de literacia emergente em contexto familiar, informal, mais estudada é a
leitura conjunta ou partilhada de livros. Esta atividade é uma das primeiras que pais e filhos fazem por
prazer e que possibilita o desenvolvimento da literacia emergente. Por um lado, a linguagem usada nos
livros é mais complexa do que a usada tipicamente numa conversa (Sénéchal et al., 1996). Por outro
lado, a linguagem usada pelas mães durante a leitura é também mais complexa do que a usada nas
comunicações mãe-filho(s) durante outras atividades (Crain-Thoreson et al., 2001). Desta forma as
crianças são expostas a formas gramaticais e sintáticas novas e com maior grau de dificuldade. Acresce
que durante a leitura conjunta a criança tem a atenção do adulto para esclarecer, explicar ou questionar
a criança, promovendo o desenvolvimento de novos conhecimentos e reforçando a aprendizagem das
crianças (Sénéchal et al., 1996).
Não menos importante é a capacidade de a leitura conjunta ser uma fonte de aprendizagem
repetível, uma vez que o mesmo estímulo, o livro ou o texto, pode ser relido em diferentes momentos
possibilitando novas aprendizagens, como é o caso particular da aquisição de vocabulário novo
(e.g., Sénéchal, 1997; Sénéchal et al., 1995). Por estas particularidades a leitura conjunta parece
ser uma fonte de aprendizagem importante em idades precoces e tem sido associada a um efeito
positivo quer na literacia emergente das crianças quer no seu desempenho posterior na leitura
(Bus et al., 1995; Sénéchal, 2012). De fato, alguns estudos correlacionais evidenciaram a associação
positiva entre a leitura partilhada e a literacia emergente das crianças (Bus et al., ,1995; Scarborough &
Dobrich, 1994). Mais recentemente, estudos longitudinais e investigação sobre a eficácia de programas
de intervenção nestas áreas tem corroborado o seu contributo para a literacia emergente e a futura
literacia da criança.
O Painel da Literacia Emergente Nacional Americano (2008) ao analisar estudos de intervenção
sobre leitura partilhada reportou o aumento significativo de vocabulário das crianças assim como outras
melhorias em aspectos da linguagem oral (magnitude do efeito de .60 e .35, respectivamente). Também
na meta-análise de Mol e Bus (2011), que incluiu famílias de nível econômico médio e baixo, para evitar
mascarar possíveis resultados gerais, verificaram-se resultados positivos semelhantes no vocabulário
das crianças nos diferentes grupos econômicos (Nível econômico médio - 23 estudos; r = .31; Nível
econômico baixo – 6 estudos; r = .39).
160
Ana Costa
A influência de experiências de literacia formais em contexto familiar não tem sido tão explorada
na literatura, mas isso não quer dizer que este tipo de atividade não seja frequente em casa. De fato,
Martini e Sénéchal indicaram em 2012, que 71% de 108 pais reportaram ensinar aos seus filhos os nomes
das letras e os sons correspondentes, assim como a escrevê-las, evidenciando o uso de estratégias
formais de literacia emergente. Mais ainda, neste mesmo estudo, verificou-se que os pais tendem a usar
diversos contextos para passar novos conhecimentos às crianças (livros de alfabeto, sinais da estrada,
mensagens da escola, cartões de boas festas, etc). Para estes autores, estas experiências precursoras de
aprendizagem acontecem de forma natural no ambiente familiar da criança, uma vez que os pais usam
as atividades já presentes na vida das crianças para introduzir novos conhecimentos. O fato de estas
experiências serem variadas, decorrerem ao longo do tempo e em diferentes contextos, expõe a criança
à repetição de estímulos que promovem a aprendizagem.
Mais ainda, Sénéchal e colegas demonstraram, em vários estudos, que a frequência de estratégias
de ensino de literacia utilizadas pelos pais estavam relacionadas com as competências emergentes de
literacia das crianças, tais como o conhecimento do alfabeto, a leitura precoce e o uso da fonologia para
escrever corretamente as palavras (Sénéchal, 2006; Sénéchal & LeFevre, 2002).
Com o surgimento dos diferentes estudos sobre as estratégias de envolvimento parental na
literacia emergente da criança, foi-se observando que as diferentes experiências, formais e informais,
proporcionadas pelos pais em casa conduziam a resultados positivos quer ao nível das competências de
linguagem verbal como de escrita das crianças, e que estes efeitos se evidenciavam como estando muito
inter-relacionados.
Desta forma, mais recentemente surgiram estudos longitudinais que se dedicaram a explorar
como esta interconexão de desenvolvimento de competências de literacia emergia (Sénéchal, 2012).
161
Literacia Emergente em Contexto Familiar
acompanhada frequentemente; Ensino elevado- Leitura livros baixa – alunos em que os pais reportavam que
ensinavam os seus filhos frequentemente mas que a atividade de leitura acompanhada não era frequente;
Ensino baixo- Leitura livros elevada - alunos em que os pais reportavam que não era frequente o
ensino dos seus filhos mas que faziam leitura acompanhada frequentemente; Ensino baixo- Leitura livros
baixa – alunos em que os pais reportavam que as atividades de ensino e leitura acompanhada não eram
frequentes. Controlando o efeito de diferentes variáveis como o nível de escolaridade dos pais ou a
idade da criança, os investigadores obtiveram diferentes trajetórias na leitura:
Verificou-se que os alunos pertencentes ao grupo Ensino elevado-Leitura livros elevada tiveram,
ao longo do tempo, melhor desempenho, quer no 1.º ano no que se refere à leitura das palavras quer no
4.º ano avaliada através da fluência de leitura e compreensão de palavras. Outro desempenho também
positivo foi o do grupo Ensino elevado- Leitura de livro baixa, que apresentou uma trajetória similar, mas
que se distanciou do grupo elevado-elevada na compreensão verbal. Estes resultados encontram suporte
nos estudos que evidenciam que o ensino parental sobre literacia enquanto estratégia intencional e
formal é um fator promotor das competências básicas de leitura. Mais ainda, o fato de o grupo Ensino
elevado- Leitura de livros baixa não obter tao bons resultados ao nível da compreensão verbal poderá
evidenciar a importância da leitura, que vai para além do ensino parental, no que diz respeito aos ganhos
obtidos na compreensão verbal.
Relativamente ao grupo de Ensino baixo-Leitura de livros elevada, verificou-se que os
ganhos não foram tão evidentes ao longo do tempo comparado com os dois grupos de ensino alto.
No entanto, demonstrou-se que a leitura de livros mais frequente faz com que esta desvantagem
desapareça no 4.º ano ao nível da compreensão verbal (superando até a média de compreensão verbal
do grupo Ensino elevado- Leitura livros baixa). De fato, torna-se evidente que a frequência de contato
com a leitura partilhada de livros, na infância, poderá trazer vantagem a médio prazo no desempenho da
leitura da criança, talvez porque o seu impacto seja mais significativo assim que a criança aprenda a ler
e tenha mais fluência verbal.
Por último, o grupo de crianças de Ensino baixo-Leitura livros baixa, onde se pressupõe o
menor envolvimento parental em estratégias de literacia das crianças, obteve o menor desempenho
(abaixo da média da amostra) no jardim-de-infância e manteve os valores comparativamente mais baixos
até ao final do 1.º ciclo.
Estes resultados são semelhantes aos encontrados em outro estudo dos autores (Sénéchal
& LeFevre, 2001) e evidenciam a importância da exposição de crianças a estratégias de ensino
parental e leitura partilhada no desenvolvimento das competências básicas de literacia e também na
sua manutenção ao longo do tempo. Estes resultados podem ficar a dever-se por exemplo ao fato
das crianças que são expostas à leitura e a livros em idades mais precoces poderem desenvolver o
162
Ana Costa
gosto pela leitura e tornarem-se leitores mais competentes quando aprenderem a ler de forma
independente (Sénéchal, 2012). Por outro lado, crianças que recebam instrução por parte dos pais podem
eventualmente progredir mais rapidamente na aprendizagem da leitura, ao que se poderá acrescentar
o fato de lerem independentemente mais cedo e tirarem maior benefício da exposição aos livros
(Sénéchal, 2012; Cunningham & Stanovich, 1998).
Uma segunda categoria de experiências em casa que pode potencializar a literacia emergente da
criança corresponde ao conjunto das suas próprias interações de forma independente com os materiais
impressos.
De fato, as crianças são expostas a conteúdos escritos muito antes da educação formal
(Clay, 1966), por exemplo quando a criança interage com um livro que explora, comenta ou finge
que lê. A investigação tem-se dedicado a aprofundar como a criança explora os materiais impressos.
Um dos enfoques da investigação é o de perceber como as crianças compreendem o sistema de
escrita, que poderá basear-se numa compreensão não convencional: por exemplo, as crianças poderão
pensar que o tamanho da palavra escrita está relacionado com o tamanho do objeto que esta descreve
(Levin & Korat, 1993). Mais ainda, esta exploração pode levar ao que se designa por escrita inventada,
quando a criança se exprime na escrita antes do ensino de alfabetização, muitas vezes escrevendo palavras
de forma pouco usual (Chomsky, 1971; Read, 1971). Em particular, as primeiras tentativas de escrita
da criança começam pelo desenho e pelos rabiscos. Numa fase seguinte, a criança tenta representar
pela escrita os sons que ouve com o conhecimento ainda reduzido do alfabeto (Ferreiro, 1986).
Ao longo do tempo, pelas constantes tentativas de representar a linguagem oral pela escrita, as crianças
vão melhorando as suas competências através da prática (Chomsky, 1971; Read, 1971).
O processo de escrita inventada da criança parece possibilitar-lhe oportunidades para preparar-
se para a aprendizagem da leitura, bem como, para construir representações ortográficas iniciais
(Sénéchal, 2012). Em particular, a investigação tem demonstrado que a exploração que a criança faz dos
materiais impressos está correlacionada com a aquisição da sua capacidade de leitura, em particular, quanto
maior a sofisticação da escrita inventada da criança no jardim de infância melhor o seu desempenho na
leitura no 1.º ciclo (e.g., Caravolas et al., 2001; Shatil et al.,, 2000).
Num estudo de intervenção de 4 semanas com o objetivo de promover a sofisticação da escrita
inventada pela criança (Ouellette & Sénéchal 2008), os autores testaram se a promoção da escrita
inventada facilitaria a leitura de palavras de alunos não leitores que frequentavam o jardim de infância.
Depois da intervenção, os autores verificaram que o grupo de alunos que tinha recebido feedback
163
Literacia Emergente em Contexto Familiar
sobre as tentativas de escrita inventada, através da proposta de escritas alternativas mais complexas,
aprenderam a ler mais palavras novas do que os alunos que receberam treino de consciência fonológica
e dos que foram expostos a palavras-alvo durante atividades de desenho. Resultados semelhantes foram
encontrados em um outro estudo com crianças em risco de ter dificuldades de leitura devido à sua baixa
consciência fonológica (Sénéchal et al., 2011). Assim, a promoção da escrita inventada nas primeiras fases
da literacia parece ser um fator relevante na aquisição da leitura pela criança.
Esta categoria aborda as experiências em que as crianças observam os seus pais como modelos
de comportamentos de leitura e escrita (Teale & Sulzby, 1986) baseando-se na premissa de que crianças
que estão mais expostas a modelos de comportamento letrados positivos poderão desenvolver atitudes
e conhecimentos que facilitam as aprendizagens da literacia.
A modelagem de comportamentos letrados por parte dos pais acontece quando estes usam a
escrita e a leitura no seu cotidiano para escrever cartas, emails, listas de compras, ler o jornal ou um
livro apenas porque gostam de o fazer. De fato, ao realizarem estas atividades estão implicitamente a
transmitir aos seus filhos o valor da literacia assim como a possibilitar que as crianças tenham contato
com a escrita e com a leitura (Sénéchal & Young, 2008). Necessariamente para funcionarem como
modelos de literacia parece ser necessário que os pais tenham alcançado um nível mínimo de literacia.
Pais Leitores
Pais que leem por prazer frequentemente tendem a ser modelos de comportamentos de leitura
mais fortes do que os pais que não leem de forma frequente. Neste sentido, a literatura tem evidenciado
a relação entre a frequência de leitura dos pais e os resultados das crianças. Em dois estudos Sénéchal
et al. (1996) verificaram que a frequência de leitura dos pais explicava entre 7% a 9% do nível de
vocabulário de crianças de 4 anos, quando controlado o nível de escolaridade dos pais. Mais ainda, em
2008, Sénéchal e colegas verificaram também que a frequência de leitura dos pais mediava até 88% da
relação estabelecida entre a leitura partilhada e a compreensão sintática das crianças de 4 anos, depois
de controlada a influência do nível de escolaridade parental (Sénéchal et al., 2008). De fato, a frequência
de leitura parental contribuía de forma única para explicar o nível de linguagem oral das crianças, mesmo
quando o efeito da escolaridade dos pais era controlado, apoiando a ideia de que os pais quando leem
por prazer funcionam como modelos letrados positivos para as suas crianças. Mais ainda, como vimos,
o efeito da frequência de leitura dos pais parece ir além do seu nível de escolaridade. Por outro lado,
164
Ana Costa
no estudo de Sénéchal e colegas de 2008, os resultados deixaram ainda antever a possibilidade de que
os pais que leem frequentemente tendem a desenvolver esta atividade da leitura partilhada de forma
particular e mais eficaz para a aprendizagem das crianças quando comparados com os pais que fazem
leitura partilhada com os seus filhos mas que não são leitores frequentes.
O capital cultural compreende os recursos culturais dos pais ou o seu acesso a diversas atividades
culturais (e.g. museus, teatros, exposições). Em particular neste capítulo é definido como o conhecimento
dos pais obtido através da leitura e é comumente avaliado indiretamente através do número de livros
em casa. No sentido de explorar a potencialidade do capital cultural na literacia, Chiu e McBride-
Chang (2006), usando dados nacionais de 43 países (N = 199.097), demonstraram que para 98% dos
países analisados, os alunos de 15 anos que viviam em casas com mais livros tinham melhores níveis
de leitura, controlando os efeitos do nível econômico, do emprego e do nível de escolaridade dos pais
(Chiu & Chow, 2010; Chiu & McBride-Chang, 2010). Por outro lado, Tramonte e Willms (2010), usando
outra amostra de 28 países do mesmo estudo ampliado (N= 224.058), evidenciaram que o capital
cultural das famílias referente ao número de livros em casa e às interações culturais entre pais e crianças,
contribuíam de igual forma para os resultados na leitura das crianças. Também Park (2008) em um
estudo com alunos do 4.º ano de 25 países (N= 98.190), demonstrou que em 20 dos 25 países analisados,
o número de livros em casa estava mais fortemente correlacionado com os resultados do desempenho
de leitura da criança do que com as atividades precoces de literacia de pais-filhos e atitudes parentais
face à leitura, tendo em conta o efeito do nível de escolaridade dos pais.
165
Literacia Emergente em Contexto Familiar
a) Leitura de livros de histórias – seja na versão impressa ou digital – a leitura partilhada apoia
o desenvolvimento de vocabulário, de novos conhecimentos, de linguagem oral e da compreensão da
leitura das crianças. Faça por variar as histórias lidas para expor as crianças a vocabulários, contextos,
ideias, e conhecimentos variados. Incentive também a criança a seguir com o dedo as palavras durante a
leitura e a repetir consigo as palavras desconhecidas.
b) Leitura dialógica – neste tipo de leitura os pais solicitam aos filhos que conversem sobre o livro
que estão a ler, criando a oportunidade de elaborar e complexificar a compreensão das crianças sobre
as histórias - é uma forma de promover a consciência sobre a escrita e outras competências de literacia
precoce. Experimente ir acompanhando a leitura com perguntas à criança sobre o que acabou de ler:
“Por que é que algo aconteceu?”; “O que fez a personagem?”.
c) Ambiente de aprendizagem positivo e encorajador – Proporcione uma atmosfera calorosa e
adequada para a leitura e escrita. Capitalize os pedidos das crianças para ler e reler histórias favoritas,
bem como, responda às perguntas e comentários sobre escrita dentro e fora de casa, como por exemplo,
em embalagens, sinais de trânsito, menus de restaurantes etc. Elogie a criança e corrija-a gentilmente
quando esta cometer um erro. Seja paciente no processo de aprendizagem. Permita que as crianças o
auxiliem na escrita de listas de compras, postais, cartas ou cartões comemorativos.
d) Capitalizar interesses – Aproveite os interesses da criança e leia e releia histórias ou informações
relacionadas com as suas preferências ou faça passeios ou viagens a eventos ou locais relacionados,
estimulando para além dos novos conhecimentos, vocabulário e compreensão da leitura sobre estas
temáticas.
e) Recursos e materiais disponíveis – Crie um ambiente que apoie a escrita antecipada, garantindo
a disponibilidade de papel, lápis de cera, canetas, lápis e marcadores.
f) Ensino ou tutoria parental – Inclui o envolvimento em atividades de alfabetização formal ou técnica
entre pais e filhos, como o conhecimento das letras e a leitura de palavras, que ajudam as crianças a se
tornarem leitores fluentes. Os pais podem ensinar nomes e sons das letras, bem como escrever palavras
ou nomes, incentivando o desenvolvimento das competências iniciais de alfabetização.
g) Livros em casa – o número de livros em casa de uma família está forte e positivamente
correlacionado com a capacidade de leitura das crianças em idades posteriores. Os livros não precisam
ser novos ou comprados – podem ser emprestados na biblioteca ou obtidos gratuitamente através de
programas de partilha e empréstimo de livros.
166
Ana Costa
h) Exposição das crianças a diferentes formas de materiais impressos – é estimulante para a criança
o contato e a progressiva familiarização com diferentes formas de escrita – em casa, por exemplo, é
importante ter acessíveis jornais e revistas, menus, postais ou cartões comemorativos; ou no exterior,
por exemplo, explorar os sinais de estrada, placas de lojas de comércio ou publicidade. Permita à criança
que selecione diferentes materiais de leitura que lhe interessam.
i) Tornar a leitura prazerosa – desenvolver nas crianças o gosto pela leitura. Tornar a atividade
de leitura um momento de interação calorosa, estimulante e encorajadora, permitindo um maior
envolvimento da criança, que, por sua vez, potencializa as suas capacidades de literacia precoces.
j) Jogos didáticos – estimular a aprendizagem da literacia através de jogos de palavras com as
crianças, como por exemplo, jogos de tabuleiro ou “bingo” de palavras.
k) Apoiar e sugerir aos pais a escolha de livros adequados ao desenvolvimento e grau de literacia
emergente das crianças.
l) Estimular as atividades de contato com livros e consequentemente de leitura: bancos de
livros para empréstimo, atividades de leitura semanal em casa e discussão em conjunto na escola,
clube de leitura, atividades para criar ou escrever os seus próprios livros ou o acesso a bibliotecas
itinerantes.
m) Converse com os pais sobre a aprendizagem dos seus filhos ao nível da escrita e leitura, explore
as suas potencialidades e pontos a melhorar e sugira estratégias específicas para potencializar o seu
desenvolvimento.
n) Instrua os pais sobre como trabalhar com os seus filhos em casa. Desenvolva uma carta com
indicações e exemplos para os pais seguirem, adaptados ao grau de desenvolvimento das crianças.
o) Promova workshops ou sessões para pais sobre a importância da literacia emergente. Evidencie
o papel relevante do envolvimento parental no desenvolvimento de competências de literacia precoces,
fundamentais para o desempenho futuro das crianças. Nestas sessões poderá apresentar estratégias/
atividades divertidas que estimulam não só as competências de literacia da criança, mas a relação entre
pais e filhos.
167
Literacia Emergente em Contexto Familiar
Conclusão
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Literacia Emergente em Contexto Familiar
Recursos Online
• http://www.earlyliteracylearning.org/pgpracts.php
Guias práticos para educadores com estratégias e atividades para a promoção da literacia em diferentes idades.
• https://www.readingrockets.org/
Website que agrega diversos conteúdos sobre leitura, a sua promoção, estratégias e atividades.
172
Capítulo 9
Literacia Emergente no Jardim de Infância
Cecília Aguiar
Instituto Universitário de Lisboa
Lourdes Mata
ISPA-Instituto Universitário
Resumo
Ao longo deste capítulo, abordamos conceitos centrais para a perspectiva da literacia emergente,
que assenta em dois grandes vetores: a competência da criança e o papel dos contextos nas oportunidades
de contato com a linguagem escrita. Neste sentido, esta abordagem tem três enfoques principais: (1)
Explicitar o processo de apropriação da linguagem escrita, procurando ilustrar as concepções precoces
das crianças; (2) Demonstrar a importância destes conhecimentos como facilitadores das aprendizagens
mais formais; e (3) Fundamentar a importância da qualidade dos contextos educativos, não só ao nível
das oportunidades de exploração e uso da leitura e da escrita em situações reais, e com significado,
como também ao nível das interações estabelecidas com os outros. Neste capítulo, salientamos ainda o
papel central da intencionalidade dos profissionais de educação de infância e a importância de práticas
pedagógicas ajustadas às caraterísticas e conhecimentos específicos de cada criança.
173
Literacia Emergente
Literacia Emergente
O que aprendemos, para que aprendemos e como aprendemos, são três aspectos essenciais
a considerar relativamente à forma como as crianças aprendem a ler e a escrever. A aprendizagem
da leitura e da escrita requer ensino formal devido às inúmeras convenções que regem cada sistema
de escrita. Contudo, para que esse ensino seja eficaz, é imperativo compreender o processo por que
passam as crianças, desde cedo, antes mesmo de entrarem na escola. Assim, neste capítulo, procura-se
realçar, não só o que as crianças vão descobrindo e aprendendo sobre a linguagem escrita, desde idades
precoces, mas também como decorre este processo.
Todos os que contatam com crianças, constatam que estas nas suas explorações com papel e
lápis ou canetas, ao procurarem desenhar a realidade envolvente, para além de pessoas e objetos que
as rodeiam, também fazem as suas tentativas de representação da escrita. Todos já vimos nas produções
escritas de crianças, mesmo muito novas, rabiscos, garatujas, formas tipo letra, ou mesmo letras, que
claramente se diferenciam dos seus desenhos.
Estas tentativas são uma evidência de que as crianças, desde muito cedo, estão atentas à
realidade em geral e, especificamente, à escrita que está presente nos mais diversos suportes e
situações com que contatam no seu dia a dia. Porque iriam reparar nas imagens da embalagem dos seus
cereais e não na escrita que lá está (e.g., nome, marca, ingredientes, instruções)? Porque iriam reparar
nas imagens do seu livro de histórias preferido, e não no seu título ou texto que as acompanham?
Sabe-se que a consciência e conhecimentos que as crianças desenvolvem desde cedo vão além do
reconhecimento de letras, sons e palavras. As crianças, desde cedo apercebem-se de caraterísticas da
linguagem escrita que os adultos nem imaginam sequer ensinar-lhes explicitamente como, por exemplo,
a variedade de letras numa palavra, ou que as letras que a constituem devem estar juntas, ou mesmo
que palavras diferentes se escrevem com letras diferentes (Clay, 1998, 1999; Ferreiro & Teberosky, 1986).
Tradicionalmente, estes saberes e conhecimentos prévios das crianças sobre a escrita, não
eram valorizados. Considerava-se que os saberes importantes eram os ensinados em contexto formal,
por alguém habilitado para o fazer. Só assim as crianças iriam aprender bem e de forma correta.
Considerava-se também que as crianças antes dos 6 anos não tinham maturidade para aprender a ler
nem a escrever e, portanto, o papel dos contextos de educação pré-escolar nestas idades seria o de
trabalhar um conjunto de habilidades, consideradas pré-requisitos para, mais tarde, poderem iniciar a
aprendizagem da leitura e da escrita (Teale & Sulzby, 1989). Nestes casos, a abordagem na educação
174
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
pré-escolar podia ser diferenciada, passando por treinar as crianças para a escola (e.g., letras, grafismos,
coordenação, discriminação) ou por retirar a escrita destes contextos, deixando essa tarefa para mais
tarde quando entrassem na escola (Clay, 1998).
Este tipo de perspectivas levou a que, durante muitos anos, a investigação não tentasse perceber
nem mostrar o que as crianças pensavam sobre a escrita, quais as suas concepções e conhecimentos,
focando-se na análise dos pré-requisitos e no seu impacto na aprendizagem da leitura (Teale &
Sulzby, 1989). Contudo, alguns investigadores estiveram atentos às produções escritas das crianças,
realizadas espontaneamente ou por solicitação de alguém. Começaram a analisar as suas caraterísticas
e a compreender os seus fundamentos, questionando as crianças sobre as razões e critérios usados,
analisando as suas justificações e argumentos. São exemplos claros deste tipo de perspectiva e atitude
de valorização das tentativas precoces de escrita das crianças, autores como Clay (1998, 1999), Ferreiro
(Ferreiro, 1992, 2006, 2017; Ferreiro & Teberosky, 1986), Teale e Sulzby (1989) ou Alves Martins (1989,
1994).
Em contextos e realidades culturais diferentes, estes autores evidenciaram que, desde cedo,
as crianças pensam sobre a escrita com que se deparam, constroem o seu conhecimento e procuram
ativamente arranjar explicações sobre o funcionamento da escrita, o seu código e convenções, tecendo
hipóteses originais, nem sempre coincidentes com as convencionais (Ferreiro, 2006; Ferreiro & Teberosky,
1986). A estes conhecimentos precoces, que se evidenciam, por exemplo, nas tentativas de leitura e
escrita das crianças, mesmo muito novas e antes de serem formalmente ensinadas, chamou-se de literacia
emergente (Teale & Sulzby, 1989).
A perspectiva de literacia emergente está assentada na ideia de competência da criança para
agir com e pensar sobre a escrita (Clay, 1998). Esta ideia abre possibilidades para a forma como se
usa e pensa a escrita, não considerando que existe uma única via para a literacia. Para além disso,
esta perspectiva considera que cada criança interpreta e integra a informação de acordo com os seus
esquemas conceituais. O conceito de literacia emergente engloba dois aspectos centrais que o caraterizam:
por um lado, a precocidade e continuidade do processo de descoberta e apropriação da linguagem escrita
que está ilustrado no termo ‘emergente’; por outro lado, o termo ‘literacia’ que realça a interligação
da leitura e da escrita, enquanto linguagens e formas comunicação (Teale & Sulzby, 1989; Mata, 2006).
Neste âmbito, considera-se que os adultos devem proporcionar oportunidades para as crianças se
aperceberem de situações para o uso da linguagem escrita, interagindo, conhecendo e respeitando os
conhecimentos das crianças, abrindo-lhes oportunidades para novas aprendizagens (Clay, 1998).
175
Literacia Emergente
176
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
Literacia Emergente
Especificidades na Abordagem ao Processo de Aprendizagem
177
Literacia Emergente
Martins, 1996). É considerado importante o papel da criança na exploração, não só, de diferentes
formas de escrita (garatujas, formas “tipo letras”, letras), como também dos seus usos e funções.
Esta exploração pode ocorrer tanto em situações lúdicas e de brincadeira, como em situações de
utilização da leitura e da escrita na sua rotina diária em casa, na comunidade ou no jardim de infância
(Mata, 2008, 2010a; Rog, 2001; Teale & Yokota, 2000).
O processo de aprendizagem sustenta-se em aproveitar o uso real da escrita em cada contexto,
introduzindo intencionalidade na exploração de modo a facilitar a compreensão da sua utilidade e a
apropriação das diversas convenções (Morrow, 1997; Rog, 2001). As crianças são incentivadas não só
a utilizar, mas também a brincar com a leitura e escrita, pois considera-se que esta é uma forma de
exploração necessária para a sua aprendizagem (Mata, 2010a; Morrow, 1997). As atividades propostas
podem variar de criança para criança, dependendo dos interesses de cada uma, do contexto e dos
objetivos, sendo independentes da idade das crianças. Assim, os materiais e atividades são escolhidos
em função da situação e do contexto, pois os suportes de escrita utilizados são os que fazem sentido
naquele contexto e naquele momento. Deste modo, a linguagem escrita é incorporada nas atividades
que as crianças desenvolvem no seu dia a dia, não sendo o enfoque colocado no domínio da técnica ou
perícia, mas sim no desenvolvimento de competências, onde a técnica se desenvolve em paralelo com os
conhecimentos e as atitudes das crianças (Mata, 2008).
Qualquer contexto, inclusive o familiar, é importante neste processo de apropriação da linguagem
escrita. A colaboração entre os profissionais e as famílias pode ser um elemento chave para o sucesso
no desenvolvimento de competências de literacia nas crianças. Se os pais e profissionais valorizarem as
situações quotidianas de uso da leitura e da escrita e nelas envolverem as crianças intencionalmente,
conseguem proporcionar múltiplas situações para as crianças contatarem e explorarem a linguagem
escrita (Mata, 2008, 2010b; Morrow, 1997).
A investigação nesta área tem identificado não só as caraterísticas das escritas precoces das
crianças e o seu pensamento sobre as mesmas, como tem também focado a importância de as crianças
em idade pré-escolar irem desenvolvendo as suas competências de literacia emergente. Esta investigação
tem tido três enfoques diferentes, mas complementares: (1) a identificação das etapas conceituais e
pensamentos originais das crianças que se refletem nas suas escritas; (2) o caráter facilitador da qualidade
das escritas precoces para a aprendizagem da leitura durante a escolaridade; e (3) as caraterísticas
dos contextos educativos de qualidade que possam responder às necessidades das crianças e criar
oportunidades diversificadas de uso e interação com a escrita.
178
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
Figura 1
Primeiro Período - Escritas ilustrativas da diferenciação entre escrita e desenho.
O segundo período carateriza-se pela atribuição de critérios e condições para a escrita. Esses
critérios são essencialmente grafo-perceptivos e condicionam a produção e a avaliação da legibilidade de
uma escrita. Existem critérios quantitativos, que se prendem com a quantidade de letras que se utilizam.
179
Literacia Emergente
Algumas crianças consideram que somente com 1 ou 2 letras não se pode ler nada, pois são precisas
mais letras (critério da quantidade mínima). Esta é a ideia que têm do que é uma palavra escrita. Nas suas
escritas, é frequente vermos conjuntos de três ou mais letras. Outro critério tem a ver com a variedade
de letras na mesma produção/palavra (critério intrafigural). Letras iguais não podem estar juntas, tendo
que existir alguma diferenciação. Nesta fase, o significado da escrita é aquele que a criança quer, ou seja,
o que conta é a intenção do autor. Inicialmente, estes critérios de legibilidade (quantidade e variedade)
são usados para cada palavra/produção que a criança escreve, mas gradualmente começam a generalizar-
se na comparação que fazem da escrita das diferentes palavras (critério interfigural). Assim, começam a
ter um outro critério orientador das suas escritas: coisas diferentes escrevem-se com letras diferentes
(Ferreiro, 2006). Para isso, podem usar outras letras ou simplesmente trocar a ordem das letras que
usaram, retirar ou acrescentar alguma(s) (Figura 2).
Figura 2
Segundo Período - Escritas ilustrativas da utilização de critérios grafo-perceptivos
Nestes dois primeiros períodos, a escrita das crianças não toma em consideração semelhanças
ou diferenças da sua emissão sonora, mas somente os seus aspectos gráficos. Assim, são muitas vezes
chamadas de escritas grafo-percetivas.
O terceiro período carateriza-se pela compreensão de que as partes do escrito podem
corresponder a uma parte da emissão oral (Ferreiro, 2006, 2017). Esta utilização de critérios fonológicos
nas escritas inicialmente pode fazer-se de modo pontual passando, gradualmente, a ser mais sistemática
e fazendo-se uma correspondência termo a termo. Esta correspondência pode começar por ser ao
nível da sílaba (escrita silábica) em que pode ou não existir uma correspondência sonora correta com
algum fonema identificado. Posteriormente, esta correspondência passa a ser mais sistemática, quando
180
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
Figura 3
Terceiro Período - Escritas ilustrativas da utilização de critérios fonológicos
A passagem de uma etapa conceitual para outra faz-se através das reflexões da criança,
provocadas pelos conflitos cognitivos com que se vai confrontando, tanto por questionamento
por parte do adulto, como pela constatação de regularidades ou irregularidades que não estão em
sintonia com as suas hipóteses conceituais. Para além destes conflitos, tem-se também verificado
que o conhecimento de algumas convenções e as competências metalinguísticas são importantes
para a evolução das produções escritas das crianças (Silva et al., 2009; Silva & Alves Martins, 2002).
Não basta assim uma mudança conceitual, mas tendo esta que ser sustentada por alguns saberes
(e.g., nome das letras) e competências de consciência fonológica, que se liga à compreensão de que as
palavras são formadas por sons (e.g., sílabas, fonemas). O desenvolvimento de competências de análise
do oral mais complexas é essencial para as relações, cada vez mais sistemáticas, entre a mensagem oral
e a escrita que estão subjacentes às formas de escrita de períodos conceituais mais avançados.
Na sequência da identificação das conceitualizações das crianças feita nos trabalhos de Ferreiro
e colaboradores (e.g., Ferreiro, 2006; Ferreiro & Teberosky, 1986) desenvolvidos no México e no Brasil,
vários autores procuraram analisar se as mesmas se identificavam em outras realidades culturais e até
181
Literacia Emergente
com outros sistemas de escrita. Em Portugal, foram vários os trabalhos de Alves Martins e colaboradores
(e.g., Alves Martins, 1993; Alves Martins & Mendes, 1986), e trabalhos semelhantes foram desenvolvidos
para outras línguas como a italiana, a hebraica, a francesa e a inglesa (e.g., Besse, 1990, 1996; Chauveau
& Rogovas-Chauveau, 1989; Pontecorvo & Zucchermaglio, 1988; Sulzby, 1985; Tolchinsky-Landsmann,
1995). Estes trabalhos confirmaram a identificação de etapas conceituais sobre a escrita, em crianças
pequenas, mesmo antes de serem submetidas ao ensino formal. Contudo, verificaram também que,
por vezes, estas podiam assumir algumas particularidades decorrentes das caraterísticas do sistema
de escrita considerado. Por outro lado, constatou-se que também podia existir alguma diversidade nas
escritas da mesma criança, já que vários aspectos como o contexto ou as palavras a escrever podiam
levar à coexistência de formas de escrita diferentes para a mesma criança em um mesmo momento
(Alves Martins et al., 2014).
Em síntese, pudemos verificar que as crianças desde muito cedo desenvolvem diversos
conhecimentos sobre a linguagem escrita. Estes podem referir-se tanto a aspectos mais figurativos
(e.g. forma das letras, orientação da escrita) como a aspectos processuais sobre como fazer e até
a aspectos mais conceituais relacionados com as concepções que as crianças desenvolvem sobre a
funcionalidade da linguagem escrita ou sobre as diferentes convenções que regem o sistema de escrita.
Para além disso, sabe-se que existe uma relação estreita entre a capacidade de reflexão sobre
a linguagem oral e o desenvolvimento das concepções e conhecimentos sobre a linguagem escrita.
É essencial que a criança compreenda que as palavras da linguagem oral são constituídas por sons
e que desenvolva consciência fonológica, que é a competência de manipulação dos sons da fala,
levando-a a identificar, isolar, retirar, juntar ou alterar os mesmos (Alves Martins, 1996; Silva, 2003).
Esta capacidade de pensar sobre e identificar os sons das palavras, pode recair sobre unidades fonológicas
diferentes: fonemas, sílabas e unidades intra-silábicas (Silva, 2003). O desenvolvimento da consciência
fonológica é basilar para a compreensão do princípio alfabético da linguagem escrita assim como o
conhecimento do som e nome das letras pode também ser um elemento facilitador neste processo
(e.g., Treiman, 2004, 2006).
A investigação tem mostrado que uma atuação intencional, promovendo as escritas precoces
e a reflexão sobre as caraterísticas das mesmas, pode ser bastante positiva para o desenvolvimento
do conhecimento sobre a linguagem escrita e para a sofisticação das escritas posteriores. Este efeito
positivo decorre do fato de, nesta reflexão, se potencializar a compreensão dos segmentos orais das
palavras e da sua relação com as repectivas marcas gráficas, promovendo assim a análise tanto sobre a
linguagem oral como sobre a escrita (Albuquerque & Alves Martins, 2018; Alves Martins & Silva, 2006;
Hofslundsengen et al., 2016; Ouellette & Sénéchal, 2008;Treiman, 1998, 2004). Um outro aspecto bastante
realçado na investigação é que as caraterísticas das escritas precoces das crianças são um bom preditor
182
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
do seu desempenho em leitura tanto no início da escolaridade (e.g., Alves Martins, 1994; Albuquerque
& Alves Martins, 2016, 2018; Ouellette & Sénéchal, 2016; Pinto et al., 2017) como no final do 3.º ano
(Albuquerque & Alves Martins, 2019). Constata-se, assim, que as crianças que no jardim de infância tiveram
oportunidades para escrever, mesmo que de forma não convencional, e de refletir sobre as suas escritas,
não só desenvolveram diversos conhecimentos sobre a linguagem escrita e as suas caraterísticas, como
também apresentaram melhor desempenho nesta área mais tarde, depois de iniciarem a sua escolaridade
e o ensino formal da leitura e da escrita. Do mesmo modo, o vocabulário em idades precoces é um
bom preditor das competências de literacia emergente, no início da escolaridade, e das competências de
leitura ao longo da escolaridade (Suggate et al., 2018), razão pela qual a intencionalidade do educador
na promoção da linguagem oral se afigura essencial. Para mais informações sobre o desenvolvimento do
vocabulário, recomenda-se a leitura do Capítulo 10 deste Manual.
Nem todas as salas de jardim de infância são iguais. As salas de jardim de infância variam em função
da sua dimensão e organização, da quantidade e variedade de materiais, das atividades disponibilizadas às
crianças e das interações que se estabelecem entre adultos e crianças bem como entre as crianças do
grupo. Quando todas estas condições contribuem de forma positiva para o bem-estar de todas as crianças
e para que todas as crianças atinjam o seu potencial, em termos de desenvolvimento, consideramos que
estamos perante salas de elevada qualidade.
As características físicas da sala, o número de crianças, o número de adultos e o tipo de formação
que lhes é exigido são exemplos de condições que podem ser alvo de regulamentação e, portanto, dizem
respeito a dimensões estruturais dos contextos de educação de infância. A natureza das atividades
de aprendizagem proporcionadas às crianças e as interações que estabelecem com os adultos e com
os pares são indicadores da qualidade de processo (Hong et al., 2019). Atualmente, considera-se que
as características estruturais criam as condições para uma qualidade de processo elevada, mas é
precisamente a qualidade dos processos vividos pelas crianças que influencia o seu desenvolvimento,
nomeadamente no domínio cognitivo, social, da linguagem, etc. (National Institute of Child Health and
Human Development Early Child Care Research Network, 2002). Assim, os educadores/professores têm
um papel essencial na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças.
A investigação tem sugerido, por exemplo, que a qualidade do apoio emocional (e.g., clima positivo,
sensibilidade, consideração pelas perspectivas das crianças), da organização da sala (gestão positiva de
comportamentos e do tempo) e do apoio à aprendizagem (e.g., feedback de qualidade, promoção de
183
Literacia Emergente
atividades de análise e raciocínio, promoção da linguagem) (Pianta et al., 2008) influencia positivamente
o desenvolvimento da linguagem (e.g., Hong et al., 2019) e o desenvolvimento de competências sociais
(Burchinal et al., 2010) e cognitivas (Hu et al., 2017). Particularmente relevantes para este capítulo são
as evidências de que as crianças que frequentam salas de jardim de infância de maior qualidade nestes
domínios (i.e., que configuram interações adulto-criança positivas e estimulantes) tendem a revelar
melhores resultados ao nível das competências de literacia emergente (e.g., Burchinal et al., 2010; Hong
et al., 2019) e melhores resultados acadêmicos ao nível da leitura e da escrita durante os primeiros
anos do ensino básico (Pakarinen et al., 2017). Para além disso, as crianças provenientes de meios mais
desfavorecidos (e.g., crianças de famílias de nível socioeconómico mais baixo) (Schmerse, 2020; Votruba-
Drzal et al., 2004) parecem ser as que beneficiam mais destas experiências positivas, verificando-se um
efeito de atenuação das desigualdades educativas.
Há evidências que estes efeitos positivos são duradouros; contudo, tendem a ser de pequena
magnitude (e.g., Ulferts et al., 2019). Assim, pode ser necessário ir além de indicadores genéricos da
qualidade das experiências das crianças e considerar indicadores específicos alinhados com o tipo de
aprendizagens que gostaríamos de promover. Deste modo, têm vindo a ser desenhadas várias ferramentas
para avaliar a qualidade das experiências de linguagem e literacia emergente das crianças em contexto de
jardim de infância (ver Newman & Carta, 2011) que consideram indicadores como o tipo e a quantidade
de livros disponíveis, a existência de áreas na sala dedicadas à literacia emergente, as abordagens à leitura
de livros, a exploração dos sons, o ambiente de escrita, o ambiente discursivo, conversação, etc. (ver
Smith et al., 2008). De fato, verificou-se que as crianças que frequentavam salas com maior qualidade
nestes domínios revelavam mais competências de literacia emergente a curto, médio e longo prazo (e.g.,
Burchinal et al., 2016). Estes efeitos podem ser explicados pelo aumento do interesse e do envolvimento
das crianças nas atividades de literacia (Baroody & Diamond, 2016), entre outras variáveis.
Para além disso, alguns autores têm avaliado os efeitos da qualidade de práticas específicas como
a leitura interativa de livros, incluindo a quantidade de conversação para além da leitura do texto, tendo
observado efeitos positivos nas competências de linguagem e de literacia das crianças (e.g., Cabell
et al., 2019). Há ainda evidências de que quando os jardins de infância complementam o currículo
com atividades especificamente desenhadas para promover o desenvolvimento de competências de
linguagem e de literacia, mantendo a adequação ao desenvolvimento das crianças (isto é, continuando a
valorizar atividades iniciadas por elas), verificam-se benefícios a nível cognitivo e de competências pré-
acadêmicas (Chambers et al., 2016; Joo et al., 2020). Estes resultados sugerem a necessidade de uma
grande intencionalidade educativa na promoção de competências de literacia emergente em contexto
de jardim de Infância.
184
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
É importante salientar que alguns estudos sugerem que é necessário atingir patamares mínimos
de qualidade para se verificarem efeitos positivos no desenvolvimento das competências de literacia
das crianças (Hatfield et al., 2016; Li et al., 2019). Ou seja, as crianças que frequentam salas de jardim
de infância com níveis de qualidade baixos ou médios ao nível do apoio emocional ou da promoção
da linguagem e da literacia podem não beneficiar, de todo, dessas experiências. Contudo, apesar destas
evidências, os níveis de qualidade observados internacionalmente tendem a ser moderados (Ulferts
et al., 2019) e, no caso do apoio à aprendizagem (incluindo a promoção da análise e do raciocínio e a
modelação da linguagem) tendem, até, a ser baixos (Cadima et al., 2018; Hong et al., 2019). Assim, há
margem para promover a qualidade das experiências das crianças nos jardins de infância, de forma a
potencializar o desenvolvimento das competências de literacia emergente.
A literatura neste domínio (e.g., Smith et al., 2008) permite identificar um conjunto de práticas
e recursos que podem ser mobilizados em contexto de sala de atividades, no jardim de infância, para
promover o desenvolvimento de competências de literacia emergente. Neste capítulo, destacamos quatro
grandes grupos de práticas adequadas: (1) promover conversação frequente e rica, (2) utilização intencional
de livros, (3) proporcionar um ambiente rico em material escrito, e (4) apoiar o desenvolvimento da
consciência fonológica (ver também Neuman & Carta, 2011).
185
Literacia Emergente
real. Naturalmente, todas as línguas faladas pelas crianças da sala devem ser reconhecidas de forma
explícita (i.e., dando-lhes visibilidade) e valorizadas como recursos para a aprendizagem e para a vida
futura.
O ambiente deve estar organizado de forma intencional, com o objetivo explícito de promover
a aprendizagem de competências de literacia emergente. É muito importante assegurar a existência
de uma área apelativa e confortável para a exibição e uso de livros, localizada junto a outras áreas
relativamente tranquilas, de forma a assegurar que as crianças têm condições ótimas para explorar os livros.
Estes devem estar em bom estado de conservação e devem ser disponibilizados com as capas visíveis
(i.e., virados para a frente), em prateleiras suficientemente baixas para que as crianças possam acessar
de forma autônoma. Paralelamente, é importante que esta área esteja “aberta” ao longo dia, permitindo
o acesso livre das crianças. A quantidade de livros deve ser cuidadosamente considerada, assegurando
que existe uma oferta alargada, tendo em conta o número de crianças na sala.
Para além da quantidade, o tipo de livros disponibilizados deve ser pensado de forma intencional,
assegurando grande variedade em termos de conteúdo, nível de dificuldade, gênero e tipo de personagens.
Especificamente, no que diz respeito ao conteúdo, os livros devem abordar múltiplos tópicos, alinhados
com os interesses das crianças (e.g., sentimentos e experiências sociais, acontecimentos da vida diária e
áreas de conteúdo) e com os projetos em curso na sala. No que diz respeito ao grau de dificuldade do
texto e dos elementos gráficos, a área de livros deve incluir uma oferta adequada às várias idades e níveis
de desenvolvimento das crianças da sala, assegurando a existência de livros sem palavras, livros para
pré-leitores e leitores iniciais bem como livros com fotografias, ilustrações, etc.. No que diz respeito ao
gênero, recomenda-se que os educadores disponibilizem uma ampla seleção, incluindo livros de ficção e
não ficção, poesia e/ou rimas, livros informativos (e.g., alfabeto, cores, números, dinossauros, animais, …).
Finalmente, é importante que os livros representem uma variedade de personagens, incluindo pessoas
de vários grupos étnicos e culturais, com diferentes (in)capacidades, com diferentes tipos de famílias,
papéis, etc., refletindo a diversidade sociocultural e as (in)capacidades das crianças da sala.
Para além desta área dedicada, os livros podem e devem estar presentes, de forma estratégica,
em todas as áreas da sala, de acordo com os tópicos abordados (e.g., um livro sobre transportes, na
área da “garagem”). Os livros devem ser parte integral das experiências diárias da sala, sendo usados
sistematicamente, quer de forma autônoma quer com a orientação do educador, e com múltiplos fins:
para usufruir do prazer que oferecem, para estimular a imaginação e como recurso para a pesquisa, para
186
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
187
Literacia Emergente
(e.g., “Esta é a primeira letra do teu nome. Vou usar uma letra maiúscula.”), os espaços entre palavras
(e.g., “Esta é uma palavra diferente. Vou deixar um espaço.”), etc.
O ambiente da sala e do jardim de infância deve ser rico em escrita. Isso significa, por exemplo,
tornar a escrita visível de múltiplas formas e com múltiplos objetivos (e.g., rótulos nas portas, nas
prateleiras e armários), assegurar que os adultos chamam a atenção das crianças para a informação
escrita de uma forma sistemática e encorajar as crianças a produzir os seus próprios materiais escritos.
Note-se que nem todos os materiais escritos são igualmente significativos para as crianças. É
necessário que, nos jardins de infância, predominem produções escritas criadas pelos educadores e pelas
crianças no contexto de experiências autênticas, experiências que ocorrem no contexto das atividades
diárias da sala e/ou de projetos planejados e implementados com as crianças. É particularmente relevante
que os exemplos de escrita significativos para as crianças (e.g., livros ou posters produzidos pela turma
ou pelas famílias) sejam exibidos ao nível dos olhos das crianças, valorizando-os como indicador da
competência das crianças e usando-os como ilustrações dos múltiplos objetivos da escrita e de múltiplas
formas de comunicar através da escrita.
Consciência Fonológica
Os educadores devem planejar atividades bem como aproveitar as oportunidades informais que
emergem no contexto das rotinas da sala para promover o desenvolvimento da consciência fonológica
das crianças. Especificamente, o objetivo deverá ser ajudar as crianças a distinguirem as unidades da lin-
guagem (i.e., palavras, sílabas, fonemas) e a prestarem atenção aos sons da linguagem (i.e., através de ati-
vidades que envolvem rimas, segmentação de palavras em sílabas, aliteração, etc.). Para mais informações
e recomendações práticas sobre o que fazer na sala do jardim de infância para promover a consciência
fonológica, recomenda-se a leitura do Capítulo 11 deste Manual.
Conclusões
188
Cecília Aguiar & Lourdes Mata
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informação ao conhecimento. https://webinars.dge.mec.pt/webinar/aprendizagem-da-leitura-e-da-escrita-a-
tividades-ludicas
Este webinar realça que a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo que se inicia muito cedo e que a sua
abordagem intencional deve começar precocemente, através de situações de exploração lúdica no decurso das quais
as crianças vão refletindo sobre a linguagem escrita e as suas convenções.
• Plano Nacional de Leitura 2017 & EDULOG. (2020, 8 de outubro). Plataforma LER: Leitura, escrita,
recursos. https://ler.pnl2027.gov.pt/
Esta plataforma online disponibiliza um conjunto de recursos no âmbito da aprendizagem da leitura e da escrita,
apresentando, de forma sintética, informação relevante para docentes de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino
básico.
193
Capítulo 10
O Desenvolvimento do Vocabulário
Irene Cadime
Universidade do Minho
Resumo
194
Irene Cadime
O Desenvolvimento do Vocabulário
Podemos pensar no vocabulário como o nosso dicionário interno pessoal, isto é, uma lista de
todas as palavras que conhecemos. Mas o que significa conhecer uma palavra? A maioria das pessoas
responderia a esta pergunta dizendo que conhecer uma palavra implica saber o significado da mesma. No
entanto, esta definição, aparentemente consensual, pode lançar dúvidas na hora de avaliar se uma palavra
faz parte do vocabulário de uma criança. A maioria das palavras tem múltiplos significados (polissemia)
e pode assumir diferenças sutis de significado dependendo dos contextos em que são usadas. A própria
classe gramatical de uma palavra pode variar amplamente. Por exemplo, a palavra “vivo”, pode ser um
adjetivo (e.g., “Um ser vivo tem determinadas características”), um verbo (e.g., “Eu vivo no Canadá”)
ou um nome (e.g., “O lençol branco tem um vivo cor de laranja”). Mesmo enquanto adjetivo, a palavra
“vivo” pode assumir diferentes significados: na frase “O artista decidiu utilizar um tom de amarelo vivo”,
a palavra é sinônimo de intenso, enquanto que na frase “A vitória do campeonato provocou um vivo
entusiasmo nos torcedores” esta é usada para adjetivar algo que é acalorado ou enérgico, e na frase
“O animal estava vivo” é usada como sinônimo de vivente ou que tem vida. Este exemplo ilustra a com-
plexidade do construto e a dificuldade em aferir até que ponto uma palavra faz parte do léxico de uma
criança, dado que esta pode conhecer parte destas variações, mas não todas.
O conhecimento aprofundado de uma palavra não se restringe meramente a saber o que ela re-
presenta. O nosso léxico mental, ou seja, o nosso “dicionário interno pessoal”, armazena representações
das palavras que conhecemos e, de acordo com a Hipótese da Qualidade Lexical (Perfetti & Hart, 2001),
a qualidade destas representações pode ser muito variável.
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Desenvolvimento do Vocabulário
Representações de alta qualidade especificam a forma fonológica das palavras e envolvem informação
gramatical e semântica, que deverá incluir não só os múltiplos significados de uma palavra, mas também
ligações para palavras relacionadas. Deste modo, as palavras que compõem o nosso léxico fazem parte
de uma rede integrada de conhecimento (Pustejovsky, 2015). Toda esta informação leva a que represen-
tações de alta qualidade possam ser processadas mais rapidamente porque há mais oportunidades para
ativar a informação relacionada com essa palavra. Quanto mais ativação a palavra receber, mais rapida-
mente e mais facilmente percebemos o seu significado ou acessamos à sua leitura correta. Pelo contrá-
rio, nas representações de baixa qualidade, em que não existe tanta informação associada às mesmas, é
mais difícil acessar à palavra de modo a obter a sua forma fonológica e o seu significado (Perfetti, 2007).
Quando as crianças aprendem a ler e a escrever, e à medida que contatam com a linguagem escrita, vão
adicionando o conhecimento sobre a forma ortográfica das palavras às suas representações lexicais.
Deste modo, uma representação de alta qualidade de uma palavra implica armazenamento de informação
fonológica, ortográfica, sintática e semântica (Braze et al., 2007).
Importa, ainda, distinguir os conceitos de vocabulário receptivo e expressivo. O vocabulário
receptivo refere-se à capacidade de compreender o significado quando se encontra a palavra na orali-
dade ou na escrita (Jalongo & Sobolak, 2011). Um vocabulário receptivo amplo suporta a compreensão
do significado de uma mensagem, mas não significa necessariamente que essas palavras sejam usadas nas
produções orais ou escritas. O vocabulário expressivo pode definir-se como a capacidade de produzir e
usar as palavras corretamente para comunicar determinada mensagem (Owens, 2012).
Quando consideramos o papel do vocabulário na alfabetização, é igualmente importante
considerar tanto a amplitude, como a profundidade do vocabulário (Coyne et al., 2009; Ouellette, 2006;
Tannenbaum et al., 2006; Wasik et al., 2016). A amplitude do vocabulário relaciona-se com o número de
entradas lexicais que uma criança possui, ou seja, com o número diferente de palavras que uma criança
conhece. Por sua vez, a profundidade refere-se a quão bem as crianças conhecem uma determinada
palavra. Como veremos neste capítulo, a amplitude e a profundidade do vocabulário estão
inter-relacionadas, mas têm diferentes implicações para a aquisição dos diferentes aspectos da leitura e
da escrita.
No que respeita à amplitude do vocabulário, desde tenra idade, o número de palavras que uma
criança compreende é superior ao número de palavras que esta produz (Silva et al., 2017; Stolt et al.,
2008), sendo a proporção estimada de 4:1 (Jalongo & Sobolak, 2011). A maioria das crianças começa a
produzir as primeiras palavras por volta do primeiro ano de idade (Caselli et al., 1995; Silva et al., 2017).
Daí em diante, vão produzindo mais palavras novas, até que, uns meses mais tarde, ocorre o chamado
“salto no vocabulário” que se caracteriza por uma aceleração na produção de palavras (Goldfield &
Reznick, 1990). Embora a existência deste “salto” não seja consensual na literatura e se admita que pode
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Irene Cadime
não ocorrer de igual forma em todas as crianças (Conesa et al., 2010; Ganger & Brent, 2004), alguns
estudos indicam que, não obstante a variabilidade interindividual, este ocorre durante o segun-
do ano de vida, quando, tipicamente, as crianças atingem o marco de cerca de 50 palavras no seu
vocabulário expressivo (Goldfield & Reznick, 1990; Kauschke & Hofmeister, 2002; Stolt et al., 2008).
Para além do aumento no número, os primeiros anos são também marcados por uma cada vez maior
diversificação nas categoriais lexicais em que as palavras produzidas se inserem: as primeiras palavras são
geralmente nomes relativos a objetos concretos ou designações de pessoas,interjeições e palavras usadas em
contexto social ou rotinas, sendo que os predicados e as palavras de classe fechada começam a ser
incorporadas no léxico infantil mais tarde (Cadime et al., 2018; Caselli et al., 1995; Marjanovič-Umek et
al., 2013; Papaeliou & Rescorla, 2011; Stolt et al., 2008; Tardif et al., 2008).
Após os dois anos de idade, as crianças começam a aplicar progressivamente marcadores morfológicos,
tais como a marcação de gênero, dos plurais ou dos tempos verbais (Szagun et al., 2006; Viana et al.,
2017), e começam a formar campos semânticos cada vez mais complexos.
As capacidades de categorização das crianças vão-se desenvolvendo progressivamente e, por
volta dos cinco anos, a maioria das crianças é já capaz de organizar estruturas semânticas hierárquicas
(por exemplo, indicar que piranha e tubarão são duas espécies de peixe e que o peixe é um animal), e
de perceber as relações de sinonímia e antonímia (por exemplo, perceber que vermelho e encarnado
têm o mesmo significado, e que bonito e feio têm significados opostos) (Pérez-Pereira, 2004). Estima-se
que, à entrada da escolaridade formal, as crianças aprenderam já cerca de 5000 a 10000 palavras na sua
língua materna (Biemiller & Slonim, 2001; Segbers & Schroeder, 2017), sendo que esta enorme variação
deriva não só das diferenças entre línguas, mas também da opção de se contabilizar (ou não) palavras
com a mesma raiz como sendo palavras diferentes. Após a entrada na escolaridade formal, estima-se que
aprendam cerca de 2000 a 3000 palavras por ano (Nagy & Scott, 2000).
A maioria das palavras não é explicitamente ensinada, mas é adquirida através de aprendizagem
incidental durante exposição repetida. Nos primeiros anos, a aprendizagem de novas palavras ocorre
através da oralidade, quando as crianças ouvem outras pessoas a usar palavras novas no seu discurso,
daí que haja uma forte relação entre a quantidade e qualidade do discurso dirigido à criança e o seu
desenvolvimento lexical (Newman et al., 2016; Rowe, 2012; Weisleder & Fernald, 2013). Neste senti-
do, vários são os estudos que apontam que crianças de níveis socioeconómicos mais baixos possuem,
geralmente, um léxico menor comparativamente com os seus pares de níveis socioeconómicos mais
altos (Hart & Risley, 1995; Johnson, 2015), colocando-as em risco de dificuldades futuras na aquisição
de competências de leitura e de escrita (Greenwood et al., 2017). Apesar da aprendizagem de novas
palavras e expressões continuar ao longo da vida, após a alfabetização torna-se cada vez mais provável
que as palavras novas sejam aprendidas através da leitura e não apenas pela oralidade.
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Desenvolvimento do Vocabulário
Em consonância com esta ideia, tem sido encontrada uma forte relação entre hábitos de leitura e
vocabulário: crianças e adultos com mais hábitos de leitura, possuem, em geral, um vocabulário mais rico
e diversificado (Richardson & Eccles, 2007; Sullivan & Brown, 2015).
Relativamente à profundidade do vocabulário, Nagy e Scott (2000) enumeram cinco dimensões
que caracterizam o conhecimento sobre as palavras: (a) incrementalidade: a aprendizagem de palavras é
um processo que ocorre em pequenos passos, à medida que se contacta com as mesmas; (b) polissemia:
a mesma palavra pode ter significados diferentes ou significados semelhantes mas com pequenas nuances
de diferenciação; (c) multidimensionalidade: o conhecimento das palavras inclui várias formas, incluindo
a oral e a escrita, e dimensões, incluindo o conhecimento do seu significado, função gramatical e relação
com outras palavras; (d) inter-relação: qualquer palavra relaciona-se com outras palavras, categorias,
conceitos e ideias; e (e) heterogeneidade: o tipo de conhecimento que se pode adquirir acerca de uma
palavra depende do tipo de palavra em causa. A incrementalidade é uma dimensão particularmente im-
portante. Num trabalho seminal, Dale (1965) enumerou quatro estágios de conhecimento sobre uma pa-
lavra: (1) não ter ideia nenhuma sobre uma palavra; (2) ter ouvido previamente a palavra, mas não saber
o seu significado; (3) reconhecer a palavra em um contexto específico, relacionado com uma categoria
ou ideia; e (4) perceber o significado da palavra numa multiplicidade de contextos. Em fases iniciais de
aprendizagem, podemos reconhecer que já ouvimos (ou vimos uma palavra escrita), mas não sabermos
o que ela significa. Neste ponto pode existir uma representação fonológica (ou ortográfica) parcial da
palavra, sem uma representação semântica ou informação gramatical associada.
À medida que o contato com a palavra aumenta, começamos a compreender as situações e
contextos em que a palavra pode ser usada e começamos a ganhar conhecimento sobre o seu possível
posicionamento em frase. Naturalmente que este conhecimento é, numa primeira fase, limitado
a significados e contextos específicos. Só através do contato com a mesma palavra em contextos
variados, se desenvolve a compreensão de significados diferenciados da palavra em contextos
diferentes e se enriquece a sua representação com a associação a palavras relacionadas no léxico mental
(Nagy & Scott, 2000; National Reading Panel, 2000). Por conseguinte, a exposição repetida às palavras em
múltiplos contextos é determinante para promover a profundidade do vocabulário.
Dado que o vocabulário depende fundamentalmente das experiências das crianças, há uma
grande variação entre as crianças na extensão e profundidade do seu vocabulário no início da
alfabetização (Murphy et al., 2016). Um vocabulário pouco extenso e pobre dificultará a aquisição das
competências de leitura e escrita, o que se poderá repercutir em dificuldades em diversas áreas de
aprendizagem, dado que as crianças experienciarão dificuldades não só para entender o que ouvem, mas
também para compreenderem aquilo que leem (Jalongo & Sobolak, 2011).
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Na seção seguinte, são apresentados os principais resultados da investigação empírica acerca da relação
entre o vocabulário e a aquisição de competências de leitura e de escrita.
A linguagem oral é a base para a aprendizagem da linguagem escrita. A investigação tem demons-
trado que o vocabulário é um forte preditor do sucesso na alfabetização, permeando o desenvolvimento
de competências de decodificação, fluência e compreensão da leitura, bem como de competências de
ortografia e expressão escrita (Bleses et al., 2016; Duff et al., 2015; Kim et al., 2010; Ouellette & Beers,
2010).
Centremo-nos, em primeiro lugar, na relação entre o vocabulário e a decodificação de pala-
vras, que tem sido encontrada repetidamente na investigação (e.g., Mitchell & Brady, 2013; Ouellette,
2006). A decodificação pode ser definida como a capacidade de decifrar o código escrito, de modo a
obter a leitura correta das palavras (Gough & Tunmer, 1986). De acordo com o modelo de dupla via
de Coltheart (2005), existem duas vias para a leitura de palavras: a via fonológica (também designada
por sub-lexical ou indireta) e a via visual (também designada por lexical ou direta). A via fonológica é
utilizada quando a pronúncia correta de uma palavra é obtida através da aplicação do conhecimento das
correspondências entre grafemas e fonemas. Neste sentido, as palavras regulares podem ser lidas correta-
mente, mesmo que o leitor desconheça o seu significado, desde que conheça o princípio alfabético e consi-
ga aplicar as referidas correspondências grafema-fonema. Quando as crianças começam a aprender estas
correspondências, já possuem um léxico amplo, onde armazenam representações que incluem a
estrutura fonológica e o significado das palavras que conhecem na oralidade, bem como ligações com
palavras relacionadas. Como foi referido anteriormente, a aprendizagem da linguagem escrita faz com
que estas adicionem informação ortográfica a estas representações. Neste sentido, se as palavras a se-
rem lidas já estão no léxico do leitor, a aplicação de apenas uma parte das correspondências grafema-fo-
nema, pode ser suficiente para obter uma leitura correta da palavra a ser lida. Mas se a palavra a ser lida
não está no léxico do leitor, então toda a informação ortográfica tem de ser usada para a decodificação
e uma nova representação lexical tem de ser criada integralmente, o que coloca exigências adicionais ao
processo de decodificação. Para além disso, a via fonológica é de pouca utilidade para a leitura de pala-
vras irregulares, dado que não é possível aplicar as regras de correspondência entre grafemas-fonemas
para obter a sua leitura correta (Sucena et al., 2009). Neste caso, a via visual é a via privilegiada e implica
o acesso direto à representação da palavra armazenada no léxico do leitor. Neste sentido, crianças com
um vocabulário mais extenso terão maior probabilidade de possuírem já alguma informação armazenada
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Desenvolvimento do Vocabulário
no léxico relativa a uma palavra irregular que deverão ler, aumentando, deste modo, a probabilidade de
uma leitura correta (Perfetti, 1998). Ehri (2014) apresenta, ainda, duas outras estratégias usadas pelos
leitores para decodificarem palavras que não conhecem: por analogia e por predição.
A primeira estratégia envolve procurar no léxico uma palavra que seja ortograficamente seme-
lhante e ajustar a pronúncia da palavra de acordo com essa semelhança. A segunda envolve usar as letras
iniciais e eventuais pistas contextuais (por exemplo, presentes na frase ou em imagens) como apoio para
a leitura da palavra. Em ambos os casos, um vocabulário mais amplo potencializa o sucesso da utilização
destas estratégias na leitura de palavras.
A investigação tem, no entanto, demonstrado que a profundidade do vocabulário é tão ou mais
importante do que a sua extensão para os processos básicos de leitura. Tal como já foi referido, a Hipó-
tese da Qualidade Lexical (Perfetti & Hart, 2001) postula que, quanto mais sabemos sobre uma palavra,
mais fácil é acessar à sua representação e, por conseguinte, mais rapidamente conseguiremos lê-la. Por
outras palavras, a profundidade do vocabulário está associada a uma maior rapidez no acesso ao léxico
(Oakhill et al., 2012). Esta ideia é congruente com os resultados da investigação que têm sugerido uma
associação positiva entre o vocabulário e a fluência na leitura (Fernandes et al., 2017; Tobia & Marzocchi,
2014), ou seja, “a capacidade que um indivíduo tem para ler um texto de forma precisa, rápida e com
expressividade adequada” (National Reading Panel, 2000, p. 3-5).
A investigação tem também demonstrado que a relação entre vocabulário e as competências de
decodificação e de fluência da leitura não é meramente unidirecional, mas sim recíproca.
Por exemplo, em um estudo longitudinal com crianças holandesas entre o primeiro e o sexto ano de
escolaridade, o vocabulário previu a leitura posterior de palavras no 1º e 2º anos, e a leitura de palavras
previu níveis posteriores de vocabulário, embora este segundo efeito apenas fosse observado a partir do
segundo ano de escolaridade (Verhoeven et al., 2011). Resultados semelhantes têm sido encontrados para a
fluência de leitura. Por exemplo, os resultados de um estudo com estudantes portugueses indicaram que a
fluência na leitura de textos previa os níveis de vocabulário das crianças tanto no primeiro como no
sexto ano de escolaridade (Fernandes et al., 2017). Deste modo, não só o vocabulário é um forte
preditor dos níveis de leitura de palavras e fluência de leitura alcançados, como o desempenho ob-
tido nestas competências parece contribuir para melhorias no vocabulário. De fato, crianças com
melhores competências de decodificação e de fluência tendem a envolver-se mais em atividades de leitura
(Leppänen et al., 2005; Mol & Bus, 2011), o que aumenta as oportunidades para que a criança contate
com mais palavras e em contextos mais diversificados, o que potencializa o alargamento e enriqueci-
mento do vocabulário.
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A investigação tem também encontrado uma forte relação entre vocabulário e compreensão
da leitura (Kim & Pallante, 2012; Ouellette & Shaw, 2014; Ribeiro et al., 2016; Ricketts et al., 2007;
Swart et al., 2017). Esta associação tem sido encontrada em diversas ortografias e parece ser cada
vez mais forte à medida que as crianças avançam na escolaridade (Fernandes et al., 2017; Ouellet-
te & Beers, 2010; Seigneuric & Ehrlich, 2005). Este resultado da investigação tem sido interpretado
como sendo resultado da progressiva automatização da leitura que ocorre ao longo da escolaridade.
Na fase inicial da alfabetização, os processos de decodificação consomem uma elevada quantidade dos
recursos cognitivos disponíveis. Á medida que estes processos se tornam mais automáticos, há uma
maior disponibilidade de recursos cognitivos para os processos de compreensão (Stanovich, 2000).
Deste modo, o vocabulário e outras competências linguísticas tornam-se preditores cada vez
mais fortes dos níveis de compreensão da leitura alcançados pelas crianças (Catts et al., 2005; Tilstra
et al., 2009). Ainda assim, a investigação tem demonstrado que, mesmo quando as competências de
decodificação são controladas, o vocabulário explica uma parte significativa da variância observada na
compreensão da leitura, sendo que este resultado tem sido observado em crianças e jovens de diversas
faixas etárias (Braze et al., 2007; Tilstra et al., 2009).
Mas quais são os mecanismos que explicam a existência desta relação? A compreen-
são da leitura é a capacidade de construir significados a partir da linguagem escrita (RAND Rea-
ding Study Group, 2002; Snow & Sweet, 2003). Um dos modelos teóricos mais úteis para enten-
der os processos envolvidos na compreensão é o modelo construção-integração de Kintsch e
colaboradores (Kintsch, 1998; Kintsch & Rawson, 2005; Kintsch & Van Dijk, 1978). De acordo com
esse modelo, o objetivo da compreensão é construir uma representação mental coerente da situação
descrita pelo texto, denominada de modelo situacional do texto. A construção do modelo
situacional requer o processamento de dois níveis inferiores: (a) o código de superfície, que se refere às
unidades linguísticas (palavras e frases) no texto, e (b) o texto base, que se refere à construção de uma
representação das proposições elementares expressas pelo texto, ou seja, inclui a estrutura
linguística do texto e o seu significado (Kintsch & Rawson, 2005). O vocabulário assume, assim, um papel
importante na construção da representação do texto base, uma vez que a construção das proposi-
ções elementares expressas pelo texto requer o processamento lexical de palavras e frases. Embora o
significado de muitas palavras possa ser deduzido mediante o uso de pistas contextuais, as estimativas
apontam para a necessidade de conhecimento de uma percentagem de, pelo menos, 90% das palavras
contidas em um texto para que este possa ser compreendido (Nagy & Scott, 2000). No entanto, os
efeitos do vocabulário parecem ir muito para além da simples compreensão do significado das palavras
isoladamente.
O modelo situacional é uma representação mais abstrata que inclui não apenas o processamento
dos dois níveis enunciados, mas também a integração do conhecimento prévio dos leitores (Cain, 2009;
201
Desenvolvimento do Vocabulário
Graesser et al., 1994). De fato, o texto escrito raramente apresenta explicitamente todas as ideias e,
frequentemente, uma parte substancial da mensagem tem de ser inferida. As inferências têm, assim, a
função de preencher construtivamente os hiatos da mensagem lida, mediante a adição de elementos
semânticos não explícitos (Kintsch & Rawson, 2005). A realização de inferências pressupõe, deste modo,
que o leitor vá para além do significado literal do texto e que construa representações mentais a partir
da aplicação dos seus próprios conhecimentos às indicações explícitas da mensagem (Cain & Oakhill,
2014; Gutiérrez-Calvo, 1999). A existência de conhecimentos prévios sobre o tópico tratado em um
determinado texto é, assim, fundamental para a compreensão do mesmo. Deste modo, os conhecimentos
prévios e o domínio de vocabulário específico parecem ser competências complementares: quanto mais
soubermos sobre um tópico, mais provável é que tenhamos a extensão e a profundidade de vocabulário
necessárias para a compreensão do texto (Oakhill et al., 2015). Recordando a ideia basilar da Hipótese
da Qualidade Lexical (Perfetti & Hart, 2001) de que uma representação completa de uma palavra inclui
informação semântica, incluindo ligações para palavras relacionadas, tal significa que quando temos um
extenso conhecimento sobre um tópico, é provável que o vocabulário relacionado com o mesmo se en-
contre bastante bem representado e interligado no nosso léxico mental, potencializando a compreensão
da leitura (Coppens et al., 2013). Os resultados da investigação têm também convergido no sentido de
apontar que a compreensão da leitura tem uma relação mais forte com a profundidade do vocabulário
do que com a amplitude (Ouellette, 2006; Tannenbaum et al., 2006). Por conseguinte, a compreensão
parece ser mais bem-sucedida quando há um conhecimento mais aprofundado das palavras, do que
quando as crianças conhecem muitas palavras apenas superficialmente.
À semelhança do que acontece com a leitura de palavras e fluência, também a relação entre
vocabulário e compreensão da leitura parece ser recíproca, ou seja, não só o vocabulário
prediz a compreensão da leitura, como os níveis de compreensão da leitura predizem a amplitude e
profundidade do vocabulário (Verhoeven & van Leeuwe, 2008; Wagner & Meros, 2010).
Crianças com melhores competências de compreensão tendem a ler mais e a ser mais capazes de usar o
contexto para deduzir significados de palavras novas ou que assumem diferentes significados em função
desse mesmo contexto, o que contribui para o referido alargamento e enriquecimento do seu vocabulário
(Mol & Bus, 2011). No entanto, esta reciprocidade verifica-se também com as competências de
compreensão oral, ou seja, com a capacidade de construir significados a partir de informação recebida
oralmente (Verhoeven & van Leeuwe, 2008). Quanto mais informações a criança ouve (por exemplo,
histórias ou conversas), mais palavras (e seus significados) ela pode aprender. Por sua vez, quanto mais
palavras a criança souber, melhores serão os níveis de compreensão que ela obtém das informações
orais. Tendo em conta que a compreensão oral é uma das variáveis mais fortemente correlacionadas com
a compreensão da leitura (Cadime et al., 2017; Santos et al., 2020), torna-se ainda mais saliente o papel
202
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Desenvolvimento do Vocabulário
Em sala de aula, a aprendizagem de palavras novas pode ser incidental, no sentido em que
estas podem surgir espontaneamente em um debate oral ou estar presentes em um texto que está a
ser lido (Beck et al., 2002; Wasik et al., 2016). Neste sentido, as oportunidades para esta aprendizagem
incidental podem ser promovidas aumentando a frequência destas atividades. No entanto, o ensino
explícito do vocabulário é também necessário e desejável, no sentido em que parece ter efeitos
bastante positivos na aprendizagem de palavras (Beck & McKeown, 1991; Ford-Connors & Paratore,
2015; Marulis & Neuman, 2010; Silverman et al., 2014). A primeira questão que deve ser considerada é
que conjunto de palavras ensinar, dado que não é viável ensinar explicitamente todas as palavras que as
crianças precisam de aprender. O modelo de três estratos de Beck e colaboradores (2002) fornece uma
estrutura útil para a decisão sobre as palavras a priorizar no ensino explícito. As palavras de nível um são
aquelas que ocorrem na oralidade com tanta frequência que as crianças provavelmente aprendê-las-ão
incidentalmente, sem que haja necessidade de instrução explícita (por exemplo, carro, frio ou
bonito). As palavras de nível dois são menos frequentes na oralidade, mas ocorrem com frequência no
texto escrito e têm um significado que pode ser usado em múltiplos domínios e, por isso, são palavras
de extrema utilidade (por exemplo, contraditório, justificar ou reflexo). O nível três é composto por
palavras muito pouco frequentes e específicas de certos domínios (por exemplo, ecossistema, fotossínte-
se ou subtração). Os níveis dois e três são, então, aqueles onde existe necessidade de um ensino explícito.
As palavras do nível dois, por serem aquelas que aparecem mais frequentemente no texto escrito e pela
sua transversalidade, deverão ser alvo de especial atenção e o seu ensino priorizado (Beck et al., 2005;
Jalongo & Sobolak, 2011).
A questão seguinte prende-se com as técnicas a usar para este ensino explícito.
A apresentação ou a indicação para que os alunos procurem definições de dicionário das palavras
selecionadas é uma técnica frequentemente usada em sala de aula (Blachowicz et al., 2006), mas que tem
sérias limitações. A primeira limitação prende-se com o fato de frequentemente estas definições serem
difíceis de compreender, sobretudo por crianças. Vejamos, a título de exemplo, uma definição de dicioná-
rio encontrada para a palavra reflexo:
adjetivo
1. Produzido por reflexão, refletido.
2. Inconsciente, instintivo, involuntário; que se faz sem consciência do fato.
3. [Gramática] O mesmo que reflexivo.
nome masculino
4. Efeito produzido pela luz refletida.
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5. Clarão.
6. Efeito da reflexão (da luz, do som, etc.).
7. [Figurado] Imagem confusa, reminiscência.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, https://dicionario.priberam.org/reflexo
Uma segunda limitação prende-se com o tipo de aprendizagem obtida após a apresentação ou
consulta destas definições: é extremamente difícil que uma criança consiga memorizar eficazmente
as definições, na ausência de integração com informação anterior que já possui no seu léxico mental.
Uma última limitação relaciona-se com o fato de que, mesmo que a criança consiga memorizar a definição,
tal não garante que a criança consiga compreender e usar a palavra nos diferentes contextos específicos em
que ela irá surgir ou ser requerida.
Deste modo, a investigação é unânime em recomendar que o ensino explícito do vocabulário deve ser
integrado no currículo e deve partir de interações produtivas com textos, tarefas e debates orais correntes
em sala de aula (Ford-Connors & Paratore, 2015; Stahl, 2005). Para além disso, sobretudo nos anos iniciais da
alfabetização, a profundidade do vocabulário é promovida quando: (a) se desenvolve tanto o conhecimento da
definição, como o conhecimento de uma série de ligações semânticas e conceitos relacionados; (b) se fornece
exposição às palavras-alvo em múltiplos contextos; e (c) se exige que as crianças explicitem o seu raciocínio
à medida que fazem associações entre as palavras (Beck et al., 2002; Beck & McKeown, 1991; Silverman et al.,
2014). De ressalvar ainda que as técnicas mais eficazes envolvem não só a discussão oral destes aspectos, mas
também o contato com a forma escrita das palavras, de modo a potencializar a qualidade da representação
mental que vai integrar o léxico da criança (Ehri, 2014). Apresentam-se, de seguida, algumas propostas de
atividades e estratégias que integram estes princípios e que devem ser usadas de forma complementar.
Como já foi referido, a leitura de histórias para as crianças é uma estratégia eficaz para promover o
seu vocabulário. No entanto, a investigação tem mostrado que esta tem efeitos positivos não só com crianças
do pré-escolar e dos anos iniciais da alfabetização, mas também com crianças e adolescentes de anos de es-
colaridade mais avançados (Coyne et al., 2009; Penno et al., 2002; Wasik et al., 2016). Um aspecto relevante
é o de que a audição de histórias não deve ser uma atividade passiva para as crianças (Hargrave & Sénéchal,
2000). Neste sentido, estratégias como o estabelecimento de um objetivo para a audição daquela história,
realização de um reconto e/ou resposta a perguntas e discussão oral do significado de palavras desconheci-
das para uma ou mais crianças devem ser integradas na atividade. O recurso a imagens ou a ilustrações para
esclarecer o significado de algumas palavras pode também ser útil, sobretudo com crianças nos anos iniciais
da escolaridade (Apthorp, 2006). Estas estratégias têm, geralmente, também efeitos benéficos nas competên-
205
Desenvolvimento do Vocabulário
cias de compreensão (Cubukcu, 2008) e podem ser complementadas com tarefas de aprofundamento do
vocabulário descritas nas seções seguintes deste capítulo. Um segundo aspecto que deve ser considerado é
o da qualidade dos textos. Os textos devem ser intelectualmente desafiantes para as crianças e conter uma
linguagem rica (Duarte, 2011). A reestruturação dos materiais de leitura, substituindo, por exemplo, palavras
excessivamente fáceis por palavras mais desafiantes é, por vezes, também aconselhada (National Reading
Panel, 2000). A tecnologia pode também ser uma aliada, no sentido em que podem ser usados audiolivros ou
textos gravados acompanhados de imagens ou de outros recursos que ajudem a aumentar a motivação da
criança para a audição da história (Jalongo & Sobolak, 2011; Ribeiro et al., 2016).
A leitura de histórias por parte das crianças é uma atividade que também deve ser frequente em sala
de aula, à medida que as crianças desenvolvem essa competência. Dado que o objetivo de qualquer tarefa
de leitura passa pela compreensão do material a ser lido, o trabalho sobre o vocabulário deve ser feito,
preferencialmente, na fase de pré-leitura (Viana et al., 2010). Nesta fase, o professor deverá dar indicações
sobre o texto, levar os alunos a refletir e fazer previsões sobre o conteúdo do texto a partir, por exemplo,
do título ou de ilustrações, fornecer explicações sobre o significado de determinadas palavras ou expressões
ou usar outra estratégia como, por exemplo, a elaboração de mapas semânticos para conceitos centrais
no texto. A realização destas atividades nesta fase faz com que a probabilidade de os alunos terem de
interromper a leitura para procurarem os significados de palavras que desconhecem diminua. Interrupções
muito frequentes levam a que a compreensão possa ficar comprometida. Para além disso, a ativação dos
conhecimentos prévios dos alunos realizada nesta fase potencializa a integração de novo vocabulário no léxico
mental, dado que esta aprendizagem parece ser mais eficaz quando é integrada na rede conceitual pré-existente
(Eeds & Cockrum, 1985). Por outras palavras, a probabilidade de os alunos integrarem uma palavra nova no seu
vocabulário é maior quando os alunos fazem associações entre a informação nova e aquilo que já conhecem
(National Reading Panel, 2000).
Ainda assim, ao longo da leitura, podem pontualmente surgir outras palavras desconhecidas para
algumas crianças. Neste caso, o professor pode funcionar como uma espécie de “ponto de contato”, em que
serve como fonte para o esclarecimento imediato da palavra desconhecida durante a leitura (Stahl, 2005).
Esta estratégia é especialmente adequada quando a palavra desconhecida para as crianças tem um sinônimo
de uso mais corrente e que provavelmente faz parte do seu vocabulário (por exemplo, quando para a palavra
malfeitor, o professor indica que malfeitor significa bandido). Este esclarecimento deve ser breve, de modo a
minimizar a interrupção da leitura, e pode ser solicitado pela criança ou ser iniciado pelo professor perante
sinais de que a criança está a debater-se com a palavra. Ressalve-se que esta estratégia deve ser usada muito
esporadicamente, nas condições referidas, e nunca substituir um ensino mais aprofundado do vocabulário
(Christ & Wang, 2010).
206
Irene Cadime
Em anos iniciais da escolaridade, a leitura de histórias pode também ser usada como base para a
construção de um repositório de palavras. Este repositório pode ser materializado através de uma caixa com
cartões posicionada em um ponto acessível da sala de aula. De cada vez que surgirem palavras novas durante
a leitura de textos, estas podem ser registradas em um dos cartões. Utilizando a estrutura proposta por Eeds
e Cockrum (1985), cada cartão deverá ser dividido em quatro partes iguais (ou seja, quatro quadrados), sendo
que em um primeiro quadrado deverá ser registrada a palavra, e nos seguintes a sua definição, exemplos de
utilização da mesma e antónimos, caso existam. Estes cartões devem ser elaborados de forma
colaborativa pela turma e podem ser a base para outras tarefas, como por exemplo, tarefas de categorização, de
comparação com outras palavras ou tarefas de escrita.
Neste sentido, Stahl (2005) sugere que o léxico pode ser enriquecido através de tarefas que contemplem:
(a) sinonímia e antonímia: propor aos alunos tarefas em que estes devem encontrar sinônimos e antónimos
de um conjunto de palavras novas requer que estes reflitam sobre os aspectos centrais da palavra;
(b) categorização: conhecer uma palavra significa conhecer a(s) categoria(s) em que ela se insere, pelo que
podem ser propostas tarefas de categorização aos alunos, por exemplo, fornecendo palavras escritas em
cartões, para que estes os agrupem em categorias supra-ordenadas, justificando, de seguida, as suas opções;
(c) comparações com palavras semelhantes: as relações com outras palavras podem ser mais complexas do
que as simples relações “horizontais”, como no caso da busca de sinônimos, ou “verticais”, como no caso
da categorização. A utilização de esquemas ou diagramas pode ser útil para levar as crianças a refletir sobre
as inter-relações entre as palavras (Christ & Wang, 2010). Na figura 1, apresenta-se um exemplo de um di-
agrama de Venn para ilustrar as relações entre algumas palavras. No círculo central encontram-se palavras
que podem ser categorizadas como “peças de mobiliário”. No entanto, duas destas palavras – banco e ca-
deira – localizam-se na intersecção com outros dois conjuntos de palavras. As palavras do primeiro círculo
podem ser categorizadas como “locais onde se deposita algo” e as palavras do terceiro círculo podem ser
categorizadas como “palavras relacionadas com a universidade”. Pretende-se que a referida esquematização
leve as crianças a explorar e a refletir sobre os diferentes significados das palavras banco e cadeira e que esta
gere uma representação semântica mais completa das mesmas. A exploração dos significados destas palavras
207
Desenvolvimento do Vocabulário
pode ser feita com recurso a vários meios, passando pela consulta de dicionários ou pela procura na internet,
com apoio do professor. Nalgumas situações, a procura de imagens na internet pode ser um recurso bastante
útil para esclarecer significados, ultrapassando a dificuldade inerente a algumas definições (Viana et al., 2010).
Para crianças mais novas, os diagramas de Venn poderão ser utilizados para trabalhar conceitos mais sim-
ples. Por exemplo, podem ser usados para fazer a distinção entre animais carnívoros, herbívoros e onívoros
(Christ & Wang, 2010) ou ser usados para esclarecer o conceito de anfíbio, localizando exemplos destes an-
imais na intersecção de dois círculos que incluem animais que andam na água e animais que andam na terra
(Stahl, 2005). Estes diagramas podem ser usados como base para a discussão dos conceitos ou, em alternativa,
a sua elaboração pode ser feita pelas próprias crianças, fornecendo-lhes desenhos e/ou palavras escritas que
representem os diferentes subgrupos que irão integrar o diagrama.
Figura 1
Exemplo de utilização de um diagrama de Venn para promover a reflexão sobre as relações
entre um conjunto de palavras
Uma outra alternativa é a elaboração de mapas semânticos (Sedita, 2005). Idealmente deverá par-
tir-se de um material significativo, tal como um texto que esteja a ser lido em sala de aula. O professor pode
selecionar algumas palavras-chave desse texto e realizar com os alunos uma chuva de ideias sobre palavras
relacionadas com as palavras selecionadas. Por exemplo, para a palavra futebol, as crianças podem indicar as
palavras estádio, treinador, trave, jogadores, chuteiras, campeonato, entre outras. Estas palavras devem ser
anotadas à medida que são sugeridas pelas crianças para que posteriormente se proceda à discussão sobre os
seus significados e ao estabelecimento de inter-relações. Na figura 2 apresenta-se um possível mapa semân-
tico resultante da exploração da palavra futebol.
208
Irene Cadime
Figura 2
Exemplo de mapa semântico
grama
Stahl (2005) apresenta ainda uma outra atividade, originalmente proposta por Mckeon e
colaboradores (1985), e denominada de “perguntas doidas”. Esta atividade envolve selecionar aleatoriamente
duas palavras e combiná-las numa mesma pergunta, como por exemplo, “Pode um duende ser destemido?”
ou “Pode um caçador ser um duende?” ou “Pode um caçador ser um eremita?”. O objetivo destas perguntas
é o de levar as crianças a explorarem e refletirem sobre o significado das palavras selecionadas, ainda que em
alguns casos possa não existir apenas uma resposta única a estas “perguntas doidas”.
Como foi referido anteriormente, para que as crianças alarguem e aprofundem as representações
das palavras no seu léxico é necessário que estas contatem com as mesmas em diferentes contextos e
que sejam capazes de as utilizar adequadamente nesses mesmos contextos. Pedir que as crianças escrevam
frases com as palavras cujos significados foram previamente ensinados explicitamente é uma das formas mais
eficazes de promover esta competência (Apthorp et al., 2012; Duarte, 2011; Stahl, 2005). Para garantir que
as frases elaboradas expressam adequadamente os diversos significados das palavras, as crianças devem
receber feedback imediato. Este feedback pode ser dado pelo professor, ou, em alternativa, as frases
elaboradas podem ser lidas em voz alta para a turma, discutindo-se em grande grupo a adequabilidade
das mesmas. Este debate em grande grupo tem a vantagem de aumentar a probabilidade de as crianças
contatarem com mais contextos em que as palavras selecionadas podem ser utilizadas.
Em fases mais iniciais da alfabetização, poderá optar-se por uma atividade de preenchimento de espaços em
branco em frases pré-construídas.
209
Desenvolvimento do Vocabulário
Para além do ensino explícito de um conjunto fechado de palavras, outra abordagem é ensinar às
crianças estratégias que possam ajudá-las a encontrar o significado de palavras desconhecidas no futuro. Esta
abordagem permite que as crianças generalizem as estratégias a outras palavras e não se limitem apenas à
aprendizagem de uma lista restrita de palavras (Kieffer & Lesaux, 2008). Neste sentido, uma das estratégias
mais eficazes consiste em ensinar as crianças a realizar a análise morfológica das palavras (Baumann et al.,
2002, 2003). O conhecimento do significado dos prefixos e afixos e das regras da sua combinação é uma das
melhores formas de apoiar a inferência do significado de palavras desconhecidas (Duarte, 2011).
Outra alternativa é ensinar as crianças a usar pistas contextuais para descobrir o significado de palavras novas
(Cubukcu, 2008). Christ e Wang (2010) sugerem que este ensino deve ser feito numa primeira fase através de
um processo de modelagem em que o professor verbaliza o processo, seguido de questionamento dirigido e
terminando com o incentivo à utilização independente da estratégia.Vejamos o exemplo do texto seguinte:
O Pedro era um rapaz infeliz. O dedo mindinho do seu pé não parava de crescer. Foi a vários médicos e
farmacêuticos, mas ninguém lhe valeu porque o dedo crescia continuamente. Um dia, por conselho de um
amigo, decidiu ir a um curandeiro. Quando chegou ao curandeiro, este olhou para ele e disse-lhe:
- Sou especialista nestes casos.Tenho o remédio certo para ti. (Viana et al., 2010, p. 48)
Neste texto, a palavra curandeiro pode ser desconhecida para as crianças. De acordo com
a proposta de Christ e Wang (2010), numa primeira fase de ensino, o professor deveria modelar
verbalmente o processo,dizendo,por exemplo:“No texto diz que o Pedro foi a vários médicos e farmacêuticos.
Eu sei que os médicos e farmacêuticos são pessoas com habilitações para tratarem da saúde de quem os
procura. Se os médicos e os farmacêuticos não lhe valeram e ele foi procurar um curandeiro, então um
curandeiro deve ser uma pessoa que tenta curar as doenças de outras pessoas sem ter habilitações para
isso”. Numa fase subsequente de ensino desta estratégia, o professor pode realizar questões dirigidas que
ajudem os alunos a inferir os significados de palavras desconhecidas. No texto apresentado a título de
exemplo, as questões poderiam ser: “Quem é que nós procuramos quando temos um problema de saúde?”
(ativação do conhecimento prévio), “Quem é que o Pedro procurou?” (informação relevante no texto),
“As pessoas que ele procurou e que tinham habilitações para tratar problemas de saúde resolveram o
problema? Então, desesperado, quem é que o Pedro decidiu procurar?” (ligação entre o conhecimento
prévio e a informação do texto), “Então o que significará a palavra curandeiro?” (pedido de explicitação do
significado). Depois de se ter guiado as crianças várias vezes na inferência de significados, deve incentivar-se
que elas realizem o processo de forma independente nas tarefas de leitura seguintes.
210
Irene Cadime
Conclusões
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217
Desenvolvimento do Vocabulário
• Hiebert, E. H., & Kamil, M. L. (Eds.) (2005).Teaching and learning vocabulary: Bringing research to
practice. Lawrence Erlbaum Associates.
Recursos Online
• https://www.jil.miew.pt/
Uma plataforma online, acessível e gratuita, que tem por objetivos promover, através da audição de histórias,
competências associadas à leitura e escrita, entre as quais, o vocabulário. Inclui oito histórias, apresentadas em formato
áudio, e um conjunto de jogos digitais. Os diferentes jogos propostos podem ser adaptados a outras obras.
• https://www.aindaestouaprender.com/
Uma plataforma digital que contém recursos para a avaliação e intervenção nas dificuldades de aprendizagem da
leitura. Inclui materiais para avaliar e promover as competências de linguagem oral. As estratégias usadas podem ser
generalizadas para outros materiais.
218
Capítulo 11
Consciência Fonológica
e Conhecimento das Letras
Resumo
219
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
O conhecimento das características do código escrito é fundamental para que se possa com-
preender a natureza das aprendizagens e dos obstáculos que as crianças enfrentam até atingirem o
domínio da leitura e da escrita. Como em cima foi referido e, tendo em conta a estrutura alfabética do
código escrito, as crianças devem conseguir segmentar as palavras nos seus elementos fonémicos ao
nível do oral e relacioná-los na respectiva ordem com as correspondentes letras ou grafemas ao nível da
escrita. Isto é particularmente difícil na medida em que o modo mais natural de analisar a fala é através
das unidades silábicas. A saliência perceptiva das sílabas decorre do fato da articulação da consoante
e da vogal (CV) - para o caso de sílabas simples - serem consumadas ao mesmo tempo, ou seja, serem
coarticuladas. Isto significa que os movimentos articulatórios necessários para produzir cada um destes
componentes se combinam, assim como os seus efeitos acústicos, de modo que as unidades acusti-
220
Ana Cristina Silva
camente percepcionadas refletem, por exemplo, os dois fones das sílabas CV. A análise nos segmentos
fonéticos é muito mais difícil e menos intuitiva para as crianças porque este tipo de unidade sonora não
tem identidade física, tendo uma natureza abstracta que é alterada pelo contexto. Significa isto que um
determinado fonema/alvo apresenta diferentes propriedades acústicas em função dos outros fonemas
com que aparece combinado (por exemplo, as propriedades acústicas de [p] são diferentes em pato e
pipa porque as propriedades do som [p] dependem da vogal que se lhe segue). Tendo em conta estas di-
ficuldades, as competências metalinguísticas de análise dos segmentos da fala, designadas genericamente
como consciência fonológica, têm sido consideradas uma condição necessária (ainda que só por si, não
suficiente) para a promoção do sucesso educativo ao nível da alfabetização.
O conceito de consciência fonológica pode ser definido, como a capacidade para conscientemen-
te manipular - mover, combinar ou suprimir - os elementos sonoros das palavras orais (Tunmer & Rohl,
1991). A estrutura sonora das palavras pode ser decomposta em três tipos de segmentos fonológicos:
as sílabas, os fonemas e as unidades intra-silábicas - estas últimas constituem unidades do tipo ataque/
rima nas quais se pode decompor as sílabas, por exemplo fl/or no caso da palavra flor. O conceito de
consciência fonológica reenvia assim para a apreensão de unidades de diferentes dimensões: sílabas, uni-
dades ataque/rima e fonemas. A consciência fonêmica é uma das dimensões da consciência fonológica,
correspondendo especificamente ao conhecimento explícito das unidades fonéticas da fala. A definição
de consciência fonológica é, deste modo, mais abrangente do que o conceito de consciência fonêmica, na
medida em que inclui a consciência não só dos segmentos fonéticos da fala, mas igualmente de unidades
maiores que os fonemas.
O conceito de consciência fonológica reenvia assim para uma forma de conhecimento
explícito da estrutura fonológica das palavras por oposição a um tipo de conhecimento mais tácito e
inconsciente subjacente à produção e processamento da linguagem oral.Assim,vários autores definem um nível
epifonológico ou implícito (Gombert, 1992; Freitas Alves, & Costa, 2007) – referente às intuições
linguísticas infantis que permitem às crianças detectar semelhanças e diferenças entre os sons antes
de serem capazes de os manipular, por exemplo, a criança ser capaz de distinguir pato/gato. Este nível
diferencia-se de um nível metafonológico (Castelo, 2012; Gombert, 1990), o qual implica a capacidade de
tomar a linguagem como objeto de reflexão e desenvolver competências de manipulação da linguagem
oral, para além da sua utilização espontânea e automática.
As crianças chegam à escola com diversos graus de consciência fonológica. As modalidades mais
elementares da consciência fonológica abrangem a sensibilidade às sílabas, rimas e fonemas iniciais das
palavras, e podem desenvolver-se mais ou menos espontaneamente, ao longo dos anos pré-escolares
(Liberman et. al., 1974; Treiman, 1992). A consciência explícita da estrutura fonética das palavras e a
capacidade para manipular os segmentos fonémicos requerem alguma modalidade de instrução
221
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
222
Ana Cristina Silva
• Evocar: Produzir oralmente palavras que começam ou terminam por uma determinada sílaba ou
fonema – “Diz-me uma palavra que comece por «pa»?”
• Manipular: Adicionar ou suprimir sílabas ou fonemas do início, do meio ou do fim das palavras. Esta
tarefa exige muita memória e mais do que uma operação mental, iniciando-se pela segmentação da
palavra da unidade em causa – “Diz-me a primeira parte da palavra «galinha». Agora diz-me o que
fica da palavra se não disser essa parte.”
Como referimos, a dimensão das unidades a manipular (sílabas, unidades intra-silábicas ou
fonemas) é um fator que condiciona a dificuldade das tarefas fonológicas. No geral as tarefas de
consciência fonológica que incidem sobre sílabas e/ou as rimas são mais fáceis para as crianças do que
as tarefas que se focam em unidades menores e mais abstratas, como os fonemas (Anthony & et al.,
2004; Carroll et al., 2003; Freitas et al., 2007; Gillon, 2004; LeFevre et al., 2008; Liberman et al., 1974;
A. C. Silva, 1996; Sim-Sim et al., 2008). No entanto, o grau de dificuldade das tarefas é condicionado
pela natureza da operação fonológica implicada (síntese, segmentação, categorização de palavras com
base em sons comuns ou manipulação de sons). Se nos centrarmos apenas nas unidades silábicas, em
geral as crianças de idade pré-escolar têm sucesso mais em tarefas de síntese silábica (por exemplo,
“Bo-la-cha: Qual foi a palavra que eu disse?” ) do que de segmentação silábica (por exemplo,“Divide a pala-
vra «boneca» nos seus «pedacinhos»” ). Poderão ter mais dificuldade, devido a fatores de ordem mnésica,
em tarefas de detecção de sílabas comuns (por exemplo,“Fato, roda, faca, duas palavras começam pelo mesmo
«pedacinho». Quais são?” ). As tarefas silábicas mais complexas são aquelas que requerem
manipulação (por exemplo,“Fivela,diz o primeiro «pedacinho»…Agora diz a palavra sem esse «pedacinho»”.)
por implicarem uma maior sobrecarga de memória (Silva, 2003; Stanovich, 1992; Yopp, 1988).
Quanto às medidas de consciência fonológica que se centram nos fonemas podemos hierar-
quizá-las deste modo: as tarefas de detecção de um fonema comum (por exemplo, “Em boca, vaso, vila
existem duas palavras que começam pelo mesmo «pedacinho pequenino». Quais são?”) são mais fáceis
do que as tarefas de síntese – “[p] [a]: Qual foi a palavra que eu disse?”), e estas, por sua vez, são mais
fáceis do que as tarefas de segmentação (por exemplo, “Divide a palavra má nos seus «pedacinhos»” ) e de
manipulação (por exemplo, “vaca, diz o primeiro «pedacinho pequenino»… Agora diz a palavra sem esse
«pedacinho pequenino»” ). O sucesso destas duas últimas tarefas só acontece para a maior parte
das crianças nas idades escolares, decorrente da aprendizagem da leitura (Morais, 2012; Silva, 2003;
Vandervelden & Siegel, 1995)
Também fatores como a dimensão das palavras ou as propriedades articulatórias dos fo-
nemas podem influenciar a dificuldade das tarefas fonêmicas. Assim, por exemplo, as operações de
análise ou de supressão fonêmica tornam-se mais fáceis quando são utilizadas palavras menores
(Uhry & Ehri ,1999). Por outro lado, nas tarefas de detecção de um fonema inicial comum tornam-se mais
fáceis quando as palavras começam por fonemas fricativos como /f/, /v/, /s/, /z/ ou vibrantes /R/ do que
223
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
quando as palavras começam por fonemas oclusivos como /p/, /b/, /t/, /d/, /k/, /g/. Isto deve-se ao fato de a
representação acústica da primeira lista de “sons“ ser mais constante no contexto de diferentes palavras
do que a representação acústica da segunda lista de fonemas (Byrne & Fielding-Barnsley’s, 1991, 1993;
Treiman & Baron, 1981; Treiman, 1998).
O conjunto de dados existentes sobre o desempenho das crianças parece indiciar que o
construto de consciência fonológica remete, então, para uma capacidade geral com múltiplas
dimensões que influem na dificuldade das tarefas. No entanto, estudos recentes sugerem que esta
competência reenvia antes para um construto unidimensional, sobretudo, entre as crianças do
pré-escolar e primeiro ano de escolaridade (Anthony et.al, 2003). Para estes autores a consciência fonológi-
ca pode definir-se por uma “heterotypic continuity”: heterotypic, na medida em que a consciência fonológica
parece apresentar diferentes modalidades avaliativas e tem de se ter em conta o nível de desenvolvimen-
to da criança; continuity, na medida em que parece ser uma competência que evolui essencialmente ao
longo dos anos de pré-escolar e anos iniciais de escolaridade formal.
De certo modo, dentro desta lógica, Stanovich (1992) equacionou a avaliação da consciência
fonológica em um continuum, considerando competências como a detecção e produção de rimas, por
exigirem poucas capacidades analíticas e apenas sensibilidade a sequências fonológicas similares, estarão
no nível inferior, e onde as habilidades para segmentar e inverter os fonemas de palavras, na medida em
que implicam uma atitude analítica, e uma representação explícita dos segmentos fonéticos, estarão no
nível superior.
Apesar da relevância da consciência fonológica, em particular da consciência fonêmica,
para a compreensão do princípio alfabético, parece ser necessário a conjugação desta competência
com o conhecimento das letras para apreensão conceitual da lógica alfabética (Byrne, 1998; Byrne
& Fielding-Barnsley, 1991, 1993). O conhecimento das letras tem sido correlacionado com os pro-
gressos na aprendizagem da leitura (Adams, 1998; Alves Martins, 1996), quer quando as crian-
ças são questionadas sobre o nome das letras (Bruck et al, 1997) ou sobre o seu som (Caravolas
et al., 2001). Provavelmente, o modo como as crianças mobilizam este tipo de conhecimento é me-
diado pela maneira como concebem o código escrito, mas o próprio processo de mobilização po-
derá fazer evoluir as suas concepções sobre a natureza da escrita (Silva & Alves Martins, 2001). Tal-
vez a melhor evidência desta hipótese é a forma como as crianças usam o seu conhecimento do
nome das letras. Treiman et al. (1997) demonstraram que a probabilidade de as crianças de idade
pré-escolar mobilizarem uma letra correta aumenta significativamente quando a primeira sílaba da
palavra coincide com o nome da letra. Por exemplo, para o português, as crianças mobilizam mais
facilmente a letra “p” quando se pede que escrevam “pêra” e “pêssego”, em que a sílaba inicial
coincide com o nome da letra, do que quando se pede que escrevam “pano” ou “parede”, em que a sílaba
inicial não coincide com o nome da letra. Assim, a familiaridade infantil com o nome das letras facilita a
224
Ana Cristina Silva
detecção da sua pronúncia no contexto de palavras (“rede, tem um “r”!), o que permite a
compreensão da função de notação das letras no quadro do código alfabético. O efeito facilitador do
nome das letras é considerado por Treiman et. al. (1998, 2019) como o ponto de partida para apreensão do
respectivo “som.” Esta hipótese decorre de um estudo destes autores (op. cit.) em que demonstraram
que a aprendizagem do som das letras é mais acessível no caso das letras cujo som aparece no início do
nome da letra ( como em “p”, “t” “d”; etc. ) do que quando aparece no fim (como em “f” ou “l”).
É de assinalar, no entanto, que as primeiras letras são aprendidas a propósito de palavras
significativas para as crianças, sendo o nome próprio particularmente relevante. Através das tentativas
de escrita do nome próprio (e, eventualmente, de colegas) as crianças aprendem com maior facilidade o
nome das letras (Ferreiro e Teberosky, 1986; Treiman, 2017, 2020) e usam essas aprendizagens nas suas
tentativas de escrita inventada, o que facilita a evolução de escritos pré-fonológicos para escritos em
que elas mobilizam de forma convencional as letras para representar alguns dos sons identificados nas
palavras. Um estudo Both-de Vries eBus (2008) confirma esta ideia ao demonstrar que as crianças
de idade pré-escolar holandesas usam frequentemente a primeira letra do seu nome nas primeiras
fonetizações nas suas escritas inventadas.
225
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
Por outro lado, vão ser os progressos na leitura que vão permitir o sucesso em tarefas de análise fonê-
mica mais difíceis (como a supressão de um fonema numa determinada palavra).
São inúmeras as investigações em diferentes línguas que comprovam o valor preditivo da cons-
ciência fonológica no sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita, sendo que esses resultados se
verificam tanto para ortografias opacas e inconsistentes do ponto de vista das relações grafo-fonêmi-
cas, como para ortografias transparentes e regulares do ponto de vista das relações grafo-fonêmicas
(Alloway et al., 2005; Bryant, 1998; Capovilla & Dias, 2008; Carson et. al, 2014; Hulme et al., 2002; Share
et al. 1984; Torgesen et al., 1994), ainda que, para ortografias transparentes, os resultados indiquem que
a consciência fonológica é sobretudo importante para os dois primeiros anos de escolaridade (de Jong
& van der Leij 2002; Landerl & Wimmer, 2000).
É difícil comparar os vários estudos, sobretudo devido à enorme variação na natureza das
tarefas (silábicas, fonêmicas, etc.) e nas medidas de leitura utilizadas (decodificação de palavras,
pseudo-palavras, compreensão leitora, etc.).Todavia, o valor preditor da consciência fonológica mantém-se
robusto, mesmo quando são testadas outras variáveis como o nível intelectual (Alves-Martins, 1996;
Cadime et. al., 2009); o conhecimento de letras (Alves-Martins, 1996; Cadime et al., 2009); a nomeação
rápida (Rakhlin et.al, 2014) ou a memória (Alloway et al., 2005; Cadime et al., 2009).
Um dos primeiros estudos com caráter longitudinal foi realizado por Bryant et al. (1987).
Os autores realizaram um estudo com 400 crianças de 4 e 5 anos (no início da investigação), onde
apresentaram a essas crianças provas de rima e aliteração. Nestas tarefas os experimentadores liam às
crianças quatro palavras, três das quais rimavam ou começavam pelo mesmo fonema, e outra era um
intruso, devendo as crianças excluir esta última. Três anos depois as crianças foram submetidas a testes
estandardizados de leitura, ortografia e aritmética. Os autores encontraram uma significativa correlação
entre a sensibilidade inicial das crianças às rimas e aliterações e os resultados na leitura e na ortografia.
As suas pontuações nas provas de rimas permitiam prever, especificamente, o seu sucesso na leitura
e escrita, mas não no nível obtido pelas crianças na prova de aritmética. Cardoso-Martins (1995), por
seu lado, demonstrou, para o português, que entre várias medidas fonológicas passadas à entrada para a
escola, a segmentação fonêmica e a categorização de palavras em função das sílabas (exemplo: qual des-
tas três palavras começa por um som diferente pata, bala, palha?; onde a palavra alvo diferia das outras
apenas na consoante inicial), constituíam preditores independentes no sucesso das crianças em provas
de leitura e escrita um ano depois. Não foi encontrado o mesmo efeito para a detecção de rimas, o que
provavelmente se deve às diferenças na estrutura da língua inglesa e portuguesa.
Outros estudos (Burke et. al, 2009; Carson et. al., 2014) centram-se especificamente na relação
entre tarefas de consciência fonêmica e o sucesso na aprendizagem. No primeiro estudo os autores
avaliaram mais de 218 crianças do nível pré-escolar em tarefas de identificação do fonema inicial e
segmentação fonêmica, tendo demonstrado que os resultados infantis tinham um valor preditivo em
226
Ana Cristina Silva
227
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
Os autores trabalharam com crianças de idade pré-escolar divididas em três grupos experimentais,
dois trabalharam competências fonêmicas (um treinou tarefas de segmentação e síntese fonêmica e
outro só síntese fonêmica) e o terceiro grupo competências gerais de linguagem através de histórias.
Apenas as crianças dos dois primeiros grupos experimentais evoluíram do ponto de vista das
competências fonológicas, mas só o grupo com o programa mais amplo revelou diferenças significativas
no desempenho da leitura no primeiro ano de escolaridade.
Estes resultados são confirmados por outros estudos (Blachman et al., 1999; Carson et. al., 2013)
que enfatizam como o treino de competências fonológicas tem efeitos positivos nos procedimentos de
decodificação leitora, quer em palavras ou em pseudo-palavras.
Já foi referido que a compreensão do princípio alfabético requer a conjugação da consciência das
unidades fonêmicas da fala com o conhecimento de letras (Byrne; 1998). Tunmer, Herriman e Nesdale
(1988) demonstraram a existência de um efeito interativo entre a consciência fonêmica e o conheci-
mento de letras na capacidade de crianças do 1.º ano de escolaridade decodificarem pseudo-palavras.
Uma análise de regressão dos resultados infantis em provas fonológicas, conhecimento de letras e
leitura de pseudo-palavras permitiu evidenciar que o produto dos dois primeiros fatores contribuía
significativamente mais para as capacidades de leitura do que cada um dos fatores isoladamente.
Tendo em conta estes princípios, vários autores consideram que o treino de competências fonológi-
cas é mais eficaz se for associado ao treino de correspondências grafo-fonêmicas (Cunningham1990;
Hatcher et al., 2004). Outro tipo de estudos confirmam o conhecimentos das letras em crianças de idade
pré-escolar tem forte valor preditivo no sucesso da aprendizagem da leitura e escrita (Alves-martins,
1996; Gallagher et al., 2000) e este é independente do valor preditivo da consciência fonêmica (Share
et al.,1984)
Este conjunto de investigações confirma a relevância dos treinos de consciência fonológica, em
particular os que exercitam a consciência fonêmica, e do conhecimento das letras como uma forma de
prevenir as dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita. Várias outras investigações demonstraram
ainda que programas de intervenção na consciência fonológica pode ter efeitos positivos e significativos
nas crianças disléxicas ou que revelam dificuldades de aprendizagem na leitura (Carson et al., 2013; Jimé-
nez & Rojas, 2008; Silva, 2009).
No contexto de programas de treino da consciência fonológica é de realçar que as ativida-
des de treino que implicam a reflexão sobre as unidades do oral não são a única maneira de pro-
mover a consciência fonológica em crianças de idade pré-escolar. As escritas infantis pré-convencio-
nais (escritas inventadas) na medida em que constituem uma modalidade de análise da linguagem oral,
introduzem uma prática metalinguística que tem certamente consequências importantes na apreensão
consciente dos segmentos orais das palavras. Essas consequências serão provavelmente ampliadas com o
processo de fonetização da escrita onde as tentativas infantis de correspondências entre as letras e os
228
Ana Cristina Silva
sons das palavras constituem um suporte concreto para a gradual identificação dos sucessivos fonemas
que fazem parte das palavras. Vários autores (Stahl et al.,1998; Treiman,1998) consideram que as escritas
inventadas de crianças de idade pré-escolar, onde se verifica já o recurso a algumas letras convencio-
nais para representar os sons, constituem uma via para promover a consciência fonêmica. Ouzoulias
(2001) vai ainda mais longe, considerando que a consciência fonêmica em crianças de idade pré-escolar
decorre dos seus conhecimentos sobre a escrita. Vários estudos correlacionais (Alvarado,1998;
Ouellette & Sénéchal, 2008; Vernon,1998; Vernon & Ferreiro, 1999) demonstraram a existência de
correspondências entre a qualidade das escritas inventadas e o seu desempenho em testes que avaliam a
consciência fonológica.Também Silva e Alves Martins (2002, 2003), Alves Martins e Silva (2006), Ouellette
e Sénéchal (2008) confirmaram esta relação, conseguindo através de programas de intervenção ao nível
das escritas inventadas definir uma relação causal explícita entre os progressos na qualidade das escritas
inventadas e a evolução no desempenho de tarefas fonêmicas de maior complexidade analítica. De fato, a
natureza exploratória das escritas inventadas permite às crianças aprender letras e estabelecer relações
letras-”sons” ao recorrer às letras como suporte para proceder a análises fonéticas.
Nas suas investigações, Silva e Alves Martins (2002, 2003) levaram a cabo diversos estudos
experimentais em que compararam o efeito de programas destinados a fomentar a evolução de crianças
em idade pré-escolar no que respeita à qualidade das suas escritas inventadas. Após a escrita de algumas
palavras, as crianças pré-fonéticas (que ainda selecionavam as letras de acordo com critérios aleatórios)
eram confrontadas com escritas fonetizadas de uma criança mais avançada, tendo-lhes sido pedido que
analisassem a palavra no oral, que pensassem nas duas formas de escrita, que escolhessem uma e que
justificassem a sua escolha, ou seja, tendo sido induzida uma reflexão metalinguística ao nível da fala, da
escrita, e das respectivas relações. Este procedimento conduziu a uma clara evolução da qualidade das
escritas inventadas das crianças, assim como a progressos significativos na consciência fonêmica.
Também um estudo de Ouellette e Sénéchal, (2008) com um procedimento de treino
diferente chegou a conclusões semelhantes. Três grupos de crianças de idade pré-escolar participaram
em um programa de intervenção de 4 semanas. As crianças do grupo de escritas inventadas foram
convidadas a escrever palavras, da melhor maneira que eram capazes e recebiam um feedback corretivo,
sendo-lhes apresentada uma produção escrita com mais uma letra correta do que aquela que tinham
conseguido produzir. As crianças dos dois grupos de comparação foram treinadas respectivamente em
competências fonológicas e em desenhos. As crianças do grupo de intervenção em escritas inventa-
das apresentaram um melhor desempenho na consciência fonológica, na consciência ortográfica e na
leitura de palavras usadas na intervenção. Por outro lado, este grupo aprendeu mais facilmente a ler
palavras numa tarefa de aprendizagem de leitura de palavras do que as crianças dos outros dois grupos.
Esta última conclusão é reforçada em estudos mais recentes, de Alves Martins e colaboradores
(2015, 2016), nos quais se demonstra que crianças de idade pré-escolar submetidas a programas de
229
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
230
Ana Cristina Silva
criança para repetir a palavra “fada” muito devagarinho e, mal ela pronuncie a primeira sílaba, levá-la
a assinalar o que acabou de dizer. Deve de seguida repetir o procedimento para a segunda palavra.
Deste modo, a criança consegue rapidamente tomar consciência das sílabas partilhadas pelas duas
palavras.
• Devem ser dadas instruções explícitas e feedback em relação às atividades propostas.
• Devem ser trabalhadas atividades diversificadas que contemplem as dimensões de segmentação,
síntese, supressão e detecção de segmentos comuns em palavras.
• É importante na sequenciação das atividades de treino ter em conta a complexidade linguística
das unidades a manipular. Assim sendo, os jogos com unidades fonêmicas devem ser introduzidos
tardiamente e, no pré-escolar, restringir-se a jogos de identificação de fonemas iniciais idênticos
em palavras diferentes (por exemplo, “Faca, foca, ilha, … qual das três palavras começa da mesma
maneira?”), na medida em que este tipo de jogos não exige das crianças uma representação de
todos os fonemas das palavras e os segmentos fonémicos são entidades abstratas. Esta sugestão é
fundamentada pelos estudos que indicam que esta competência fonêmica é a mais relevante para o
início da compreensão do princípio alfabético (Stahl, 1998).
Deste modo, e tendo em conta que é mais fácil tomar consciência de unidades
perceptivamente salientes como rimas e sílabas e de que, no caso do português, a consciência de unidades
silábicas tem efeito preditor independente da consciência fonêmica na aprendizagem da leitura e escrita
(Cardoso Martins, 1995) sugere-se que um programa de intervenção ao nível da consciência fonológica
possa ser iniciado com tarefas relacionadas com rimas e sílabas, as quais estão ordenadas segundo o seu
nível de dificuldade (Stanovich, 1992; Yopp, 1988).
Jogos de Rimas
• Indicar palavras que rimem em poemas e lengalengas.
• Descobrir entre 3 palavras apresentadas com suporte visual duas que rimam ou aquela que não rima
Jogos de síntese silábica
Encontrar palavras a partir de sílabas pronunciadas – “Vamos fazer um jogo. Vou dizer o nome do animal
aos pedacinhos (gi/ra/fa). Qual é o animal?”
231
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
• Contar o número de sílabas de palavras (“Vamos bater as palmas e contar quantos pedacinhos
tem o nome «macaco» ou segmentar as palavras nas respectivas sílabas. Convém gradualmente
usar palavras com várias sílabas e palavras monossilábicas uma vez que os estudos indicam que
por vezes as crianças de idade pré-escolar evidenciam dificuldades em segmentar este tipo de
palavras (Sim-Sim, 1997). Nestas atividades podem escolher-se palavras que decorram de outras
atividades do pré-escolar (por exemplo da leitura de histórias), usar os nomes dos meninos da sala ou
outros nomes significativos para as crianças. Este tipo de atividades deverá ser feito de forma o mais
lúdica possível – exemplo: escolher para o jogo a Ana, a Rita , Catarina e a Carolina, pedir às crianças
cujos nomes têm o mesmo número de sílabas para dar as mãos; Colocar ao pescoço de cada menino
um cartaz com uma imagem que corresponde a uma determinada palavra, encontrar na sala outros
meninos que tenham ao pescoço imagens de palavras com o mesmo número de sílabas.
Estes jogos podem ter dois tipos de instruções: encontrar os pares de palavras que começam pela
mesma sílaba, ou encontrar o intruso (entre três palavras, existem duas que partilham a sílaba inicial e
outra que não e a tarefa consiste em encontrar o intruso); dado que são tarefas que apresentam mais
sobrecarga mnésica devem ser realizadas com suporte visual.
Estas tarefas podem apresentar-se segundo várias modalidades lúdicas das quais se dão alguns exemplos:
• Jogos com relógios com imagens representativas de palavras onde a criança deverá apontar os
ponteiros para as palavras que começam pela mesma sílaba, como em “botas” e “bola” ilustrado na
figura 1.
• Jogos de cartas com imagens, onde os jogadores jogam quando dispõem de uma carta com uma
imagem cujo nome começa pela mesma sílaba do nome representado na primeira carta a ser jogada
• Lotos com imagens que devem ser preenchidos com cartões cujos nomes se iniciam pela mesma
sílaba das do seu cartão (nota: o cartão deve conter no máximo duas a três imagens, enquanto as
crianças ainda não forem muito hábeis a jogar).
232
Ana Cristina Silva
Figura 1
Jogo do relógio
A criança deve apontar os ponteiros para imagens que correspondem a
palavras iniciadas pela mesma sílaba
233
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
Instruções:
1- Comece por mostrar às crianças os cartões com as imagens e identifique a palavra o que está repre-
sentado em cada uma, pedindo às crianças para repetir.
2 – Dê a cada uma um cartão e peça-lhes que identifiquem a sílaba inicial do seu cartão.
3 – Peça-lhe que agrupem as palavras representadas na imagem que partilham a mesma sílaba inicial
(pêssego/ pera; medo/mesa; rede/rena; letras/ Lena)
4- Peça às crianças para selecionar entre duas letras (mostrando cartões com essas mesmas letras) a
aquela que ficaria melhor para escrever os pares palavras agrupados (“Se eu quisesse começar a escrever
as palavras rede e rena, ficaria melhor um R ou um T?)
Este tipo de jogos podem de seguida realizar-se com palavras em que a sílaba inicial coincide
com o som da letra, facilitando deste modo o processo de abstração fonêmica e ajudando as crianças a
relacionar o nome com o “som” das letras, continuando a reforçar a compreensão infantil em relação ao
valor denotacional das letras (figura 3).
Figura 3
Jogo do relógio
A criança deve apontar os ponteiros para imagens que correspondem a palavras iniciadas pela
mesma sílaba (sílabas que coincidem com o som da letra).
Jogos de Manipulação
Juntar uma sílaba a uma palavra e encontrar uma nova palavra – “Vamos fazer um jogo.
Se eu disser «ma» e a seguir disser «caco», fica o nome de um animal. Qual é o animal?”
Omitir uma sílaba de palavra para encontrar uma nova palavra – “Temos aqui a Diana, se eu for ao nome
dela e tirar o pedacinho /di/, encontro o nome de outra menina. Qual é o nome dessa menina?”
Apenas quando as crianças indiciam dispor de boas competências ao nível da consciência silábica se deve
234
Ana Cristina Silva
avançar para jogos baseados em unidades fonêmicas. No entanto, tendo em conta a dificuldade infantil
em representar unidades fonêmicas sugere-se que ao nível do pré-escolar apenas se realizem jogos que
categorizem palavras em função da partilha de um fonema inicial comum. Assim, em relação à consciên-
cia fonêmica, e ordenados por nível de dificuldade, propomos as seguintes atividades:
Jogos de identificação de palavras que partilham o fonema inicial
Os jogos indicados são semelhantes aos referidos para a categorização de palavras
com base na sílaba inicial comum, incidindo neste caso na identificação do fonema comum.
No entanto, para facilitar a abstração do fonema podem inicialmente usar-se pares de palavras em
que numa delas a sílaba inicial coincide com o nome da letra (ex: rebuçado/ roupa). Os jogos que
visam a identificação fonêmica, devem incidir em primeiro lugar sobre palavras que começam por
fricativas ou vibrantes – [f], [v]; [s]; [R], etc., antes de serem trabalhadas palavras que
começam por oclusivas – [p], [t], [k], [d], [b], etc., na medida é mais fácil treinar as crianças em relação à
identidade fonêmica das fricativas do que das oclusivas já que é mais fácil isolar a primeira listagem de
fonemas (Treiman, 1998; Byrne & Fielding-Barnsley’s, 1991, 1993). Nestes jogos, deve recorrer-se, de
preferência, a palavras que integrem estruturas silábicas simples (CV), sendo igualmente facilitador que
a vogal dessas sílabas não seja acentuada para que as crianças incidam a sua atenção na consoante
(Treiman et al., 1993) (figura 4)
Figura 4
Pede-se a quatro crianças para colocaram ao pescoço imagens que correspondem a palavras.
Devem dar a mão à criança cuja palavra começa pelo mesmo som da palavra que traz pendurada ao
pescoço. Devem depois selecionar a letra mais adequada para escrever o início dessa palavra.
235
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
Conclusões
236
Ana Cristina Silva
(Liberman et. al., 1974; Treiman, 1992). A consciência explícita da estrutura fonêmica das palavras e a
capacidade para manipular os segmentos fonémicos, decorrem geralmente da aprendizagem da leitura
(Alegria & Morais, 1984).
A relação entre a consciência fonológica e a aprendizagem da leitura tem sido equacionada como
uma relação interativa , tendo sido definidas competências mínimas necessárias à compreensão das
características alfabéticas da linguagem escrita, considerando-se que outras mais sofisticadas que
resultam da aprendizagem da leitura (Byrne, 1992, 1997; Stahl & Murray, 1994, 1998; Murray, 1998).
Investigações em diferentes línguas comprovam o valor preditivo da consciência fonológica no sucesso
da aprendizagem da leitura e da escrita (Bryant, et. al, 1987; Burke et. al, 2009; Cardoso-Martins, 1995;
Carson et. al., 2014). Um outro conjunto de estudos evidencia que a implementação de programas de
treino relativos à consciência fonológica (ou seja programas que conduzem as crianças a focar a sua
atenção nos segmentos sonoros das palavras), durante a educação pré-escolar, facilita o processo formal
da aprendizagem da leitura (Bus et. al, 1999; Carson et. al. 2013; Lundberg et. al, 1988; Torgesen et. al,
1992).
O papel da consciência fonológica na aprendizagem da leitura foi redefinido através da sua
conjugação com o conhecimento do nome das letras, enquanto base fundamental para a compreensão
do princípio alfabético (Byrne; 1998; Tunmer et. al., 1988). Vários estudos confirmam o conhecimen-
tos das letras em crianças de idade pré-escolar tem forte valor preditivo no sucesso da aprendiza-
gem da leitura e escrita (Alves-martins, 1996; Gallagher et al., 2000) e este é independente do valor
preditivo da consciência fonológica (Share, et.al, 1984). O efeito destes programas de intervenção ao
nível da consciência fonológica parecem mais robustos quando associados ao treino de
correspondências grafo-fonêmicas (Cunningham1990; Hatcher et.al, 2004), provavelmente porque os
dois tipos de conhecimentos contribuem para a compreensão do princípio alfabético (Byrne; 1998).
Tendo em conta todos estes dados os programas de intervenção no domínio da consciência
fonológica apresentam um caráter preventivo ao nível do pré-escolar e primeiro ano de escolaridade e
um caracter remediativo em crianças com dificuldades de aprendizagem.
Genericamente, estes programas implicam várias atividades, as quais incidem no treino das
capacidades infantis em identificar, detectar, segmentar, sintetizar ou manipular segmentos orais das pala-
vras e o seu efeito é potenciado quando associado às correspondências grafo-fonêmicas. Os programas
de treino ao nível das escritas inventadas (Ouellette & Sénéchal, 2008; Silva & Alves Martins, 2002, 2003)
constituem uma outra possibilidade de intervenção que conduz ao desenvolvimento da consciência
fonológica e a compreensão do princípio alfabético em crianças de idade pré-escolar.
237
Consciência Fonlógica e Conhecimento das Letras
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242
Ana Cristina Silva
Recursos Online
• https://www.youtube.com/watch?v=UAYSyLfrVHM
É apresentada a relação entre a consciência fonêmica e a aprendizagem da leitura e propostas várias atividades de
consciência fonêmica.
• https://www.youtube.com/watch?v=UAYSyLfrVHM
É explicitada a diferença entre consciência fonológica e consciência fonêmica e hierarquizadas atividades de consciên-
cia fonológica.
• https://www.youtube.com/watch?v=nHjbB0yYiv0&feature=emb_rel_pause
Enquadra a consciência fonológica nas competências de literacia emergente.
243
Capítulo 12
Aprender a Escrever Palavras *
Rebecca Treiman
Resumo
* Este artigo foi originalmente publicado em inglês na revista Current Directions in Psychological Science e foi traduzido para
português por Cristina Carvalho. Artigo Original: Treiman, R. (2020). Learning to write words. Current Directions in Psychological
Science, 29(5), 521–526.
244
Rebecca Treiman
Aprender a escrever é importante para ter sucesso no mundo atual, e a ortografia é uma parte
importante da escrita. Pais e professores têm muitas questões sobre o modo como as crianças ad-
quirem esta competência. Por exemplo, o bebê de dois anos e meio de idade que produziu a garatuja
apresentada na Figura 1 identificou como escrita os rabiscos enroladinhos e pequenos que se vêem
na parte inferior esquerda do desenho. Será possível que uma criança tão nova já tenha aprendido
que a escrita é, habitualmente, pequena e densa? Um outro exemplo: uma criança de cinco anos de
idade é capaz de desenhar formas e de as legendar como mostra a Figura 2. O que leva uma criança a
produzir este tipo de erros ortográficos? A inversão do ‹d› na ortografia da palavra “diamond” [diamante]
significa que a criança pode vir a ter grandes dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita –
dislexia? O objetivo deste artigo é rever a investigação que se debruça sobre o modo como as crianças
aprendem a escrever palavras, e considerar as implicações dessa investigação.
Figura 1
Produção feita por uma criança nor te-americana de 2½ anos de idade.
245
Aprender a Escrever Palavras
Figura 2
Erros ortográficos típicos de quem está a aprender a escrever.
As crianças modernas vêem muitos exemplos de escrita, e começam a aprender sobre a aparên-
cia da escrita desde tenra idade. Num estudo realizado por Otake e colegas (2017), pediu-se a crianças
norte-americanas com idades compreendidas entre 2;0 (anos; meses) e 5;5 que escrevessem quatro
palavras e que desenhassem os objetos correspondentes. A Figura 3a-c mostra vários desenhos do sol
feitos por crianças norte-americanas, e a Figura 3d-f mostra algumas representações escritas da palavra
“sun” [sol]. Embora possamos classificar ambos os tipos de produção como garatujas, notaram-se algu-
mas diferenças entre as garatujas escritas e as garatujas desenhadas. Por exemplo, as escritas eram, em
geral, menores do que as desenhadas. Além disso, as crianças manifestaram mais tendência para escolher
uma caneta ou um lápis, em vez de um lápis de cor, para escrever. Estes resultados sugerem que, antes
de a escrita das crianças incluir letras identificáveis, é possível que já contenha algumas características
típicas da escrita.
246
Rebecca Treiman
Num outro estudo, pediu-se a crianças chinesas entre os 2 a 5 anos de idade que escrevessem as mes-
mas palavras usadas no estudo com crianças norte-americanas acima descrito, e pediu-se a adultos
que sabiam tanto inglês, como chinês que ajuizassem as produções, determinando, uma a uma, se lhes
parecia ter sido feita por uma criança norte-americana ou por uma criança chinesa (Otake et al., 2018).
A Figura 3g-i mostra algumas das produções escritas das crianças chinesas. O desempenho dos adul-
tos situou-se acima do nível do acaso na determinação da língua da criança, mesmo nas produções das
crianças de 2 e 3 anos.
Figura 3
Amostra de imagens produzidas por crianças em idade pré-escolar, em resposta ao convite para
desenhar o sol ou escrever a palavra “sun” (inglês) / [rì] (chinês)
.
247
Aprender a Escrever Palavras
Este resultado sugere que as produções continham algumas pistas quanto ao sistema de escrita
a que a criança tinha sido exposta. A produção de uma criança chinesa pode não ser identificável como
sendo um caráter específico, mas pode exibir a forma mais ou menos quadrada que é típica dos carac-
teres chineses. Um aspecto curioso foi o de os adultos terem tido mais facilidade em identificar a língua
da criança quando esta escrevia o próprio nome, do que quando escrevia outra palavra. Esta diferença
sugere que os mais novos escrevem o seu próprio nome de um modo mais avançado do que outras
palavras (Levin et al., 2005).
As crianças novas aprendem não só características gerais dos símbolos do sistema de
escrita da sua língua, como também a disposição espacial típica desses símbolos na página. Esta disposição
espacial não é idêntica em todas línguas, sendo que alguns sistemas organizam os seus símbolos
horizontalmente e outros verticalmente. Evidência disto é nos fornecida em um estudo em que se mos-
trou a crianças norte-americanas com idades compreendidas entre os 3 e 5 anos, todas elas não leitoras,
pares de arranjos de letras com diferentes disposições espaciais (Treiman et al., 2015). Alguns pares con-
trastavam letras dispostas horizontalmente, como mostrado na Figura 4a, com letras dispostas ao aca-
so, como mostrado na Figura 4d. Outros pares exibiam outros contrastes, como vertical (Figura 4b)
versus diagonal (Figura 4c). Quando letras organizadas horizontalmente foram emparelhadas com ou-
tros tipos de disposição, as crianças escolheram a disposição horizontal significativamente mais vezes do
que as esperadas numa escolha ao acaso. Conclui-se, assim, que as crianças parecem ter algum conheci-
mento sobre uma característica específica da língua do seu sistema de escrita.
Figura 4
Arranjos de letras com diferentes disposições espaciais apresentados a crianças norte-americanas com
idades entre 3 e 5 anos no estudo de Treiman et al. (2015).
248
Rebecca Treiman
Uma criança norte-americana de 4 ou 5 anos de idade é capaz de produzir uma sequência razoa-
velmente horizontal de letras reconhecíveis quando se lhe pede que escreva uma palavra. No entanto,
as letras podem não fazer sentido à luz dos fonemas (sons) da palavra: a fonologia. Por exemplo, uma
criança pode escrever ‹OAB› para “dirt”. O desempenho dessa criança será melhor se lhe for pedido
que escreva “deal” e ela produzir a forma ortográfica ‹DIT›, que, pelo menos, começa com uma letra
fonologicamente plausível. O melhor desempenho das crianças na palavra “deal” reflete o fato de os
primeiros dois sons desta palavra formarem o nome da letra “d”. As crianças que estão familiarizadas
com os nomes das letras, como é o caso de muitas crianças norte-americanas que ainda não iniciaram
a escola, usam por vezes a letra para simbolizar todos os sons presentes no nome da letra (Treiman
& Wolter, 2020). Temos, assim, que o conhecimento dos nomes das letras pode ajudar as crianças a
produzir formas ortográficas de palavras que são, pelo menos em parte, fonologicamente plausíveis.
As crianças que sabem a ortografia do seu próprio nome, como sucede com muitas crianças antes de
ingressarem na escola, podem fazer uso desse conhecimento para avançar para ortografias plausíveis de
outras palavras. Por exemplo, é provável que o Ben seja bom a usar a letra ‹b›, a primeira do seu nome,
de modo fonologicamente adequado. Isto permite-lhe produzir formas ortográficas mais aproximadas à
correta em palavras como “button” e “bear”, do que em palavras que não contêm o nome da letra “b” (Zhang
& Treiman, 2020).
Resultados como os que acabamos de descrever indicam que as crianças não progridem linearmente
de um estádio, ou fase, do desenvolvimento da literacia durante o qual usam letras aleatórias para escrever
palavras (veja Gentry, 1982; Ehri, 2015), para um período durante o qual representam alguns dos sons das
palavras por meio de letras fonologicamente apropriadas. Independentemente do estádio em que se
encontra, a criança pode produzir formas ortográficas que variam em termos de plausibilidade fonológica,
dependendo das propriedades das palavras.
Nas formas ortográficas ‹DIT› (para “deal”) e ‹b› (para “button”), o primeiro fonema da palavra
é representado com uma letra plausível, mas um pai ou professor que visse estas formas ortográficas
descontextualizadas não saberia o significado que a palavra visava transmitir. As formas ortográficas
apresentadas na Figura 2 comunicam melhor, dado que representam uma maior quantidade dos sons
existentes nas palavras que visam representar. O fato de a criança usar ‹chR› no início de “triangle” pode
parecer inusitado, mas o primeiro som de “triangle” é semelhante ao som convencionalmente grafado com
‹ch›, como o que encontramos em “chin”. As formas ortográficas produzidas pela criança revelam um
reconhecimento desta semelhança (Read, 1975), bem como alguma confusão quanto ao uso apropriado
249
Aprender a Escrever Palavras
de letras maiúsculas e minúsculas. Ainda na Figura 2, uma outra escolha de letra por parte da criança que
pode parecer estranha aos olhos de um adulto é o ‹d› na grafia de “star”. Note-se, porém, que o segundo
som da palavra “star” é semelhante ao som [d], e o uso da letra ‹d› reflete esse fato (Hannam et al., 2007).
Outros aprendizes de ortografia omitem a segunda consoante ao escrever palavras como “triangle” e “star”,
produzindo grafias como ‹chiego› e ‹SR›. Estas formas ortográficas refletem a dificuldade das crianças em
segmentar palavras faladas em fonemas, e em pensar sobre fonemas e em manipulá-los: consciência fonêmica.
É altamente provável que grupos de consoantes como os que surgem no início de “triangle” e de “star” sejam
tratados como unidades (Treiman, 1991). A omissão da vogal em formas ortográficas como ‹SDR› e ‹SR› para
“star” reflete o uso da letra ‹R› para representar tanto o som vocálico, como o som [r] do nome da letra.
Estas formas ortográficas constituem mais um exemplo de como as crianças fazem uso do conhecimento dos
nomes das letras, caso o possuam, para compor formas ortográficas.
Uma instrução que promova de modo sistemático a consciência fonêmica e o conhecimento das
correspondências entre sons e letras – instrução fónica – ajuda as crianças a aprender a escrever
palavras e a ler (Ehri et al., 2001). Uma tal instrução é maximamente eficaz quando os professores
compreendem as razões por trás dos erros das crianças e reagem em conformidade com essas razões
subjacentes. Por exemplo, um professor pode dizer a um aluno de 6 anos que escreveu a palavra “trick”
como ‹chrik› que ele ouviu muito bem a palavra e escreveu muito bem os sons que ouviu. O professor
pode, no entanto, explicar que o primeiro som de “trick” também é semelhante a [t], como na palavra
“tick”, e que se usa a letra ‹t› para o escrever. Um professor poderá não dizer a uma criança desta idade que,
normalmente, o som [k] se grafa ‹ck› quando ocorre depois de uma vogal singular numa palavra
monossilábica, mas este dado pode perfeitamente ser integrado numa lição destinada a alunos mais
velhos. Infelizmente, muitos professores norte-americanos não tem oportunidades suficientes durante
a sua formação para aprender sobre a estrutura da língua, e como mobilizar esse conhecimento em ter-
mos da instrução ortográfica que virão a ministrar (Carreker et al., 2010).
Por vezes, pais e professores ficam preocupados quando as crianças invertem a forma das le-
tras, como por exemplo o uso de ‹b› por ‹d› na produção ortográfica de “diamond” [diamante]
mostrada na Figura 2, pensando que tal poderá ser um indício de dislexia. Todavia, este grafar as letras
“em espelho” não é incomum entre crianças novas que estão a desenvolver-se tipicamente. Na verdade,
a inversão esquerda-direita da letra ‹d› na Figura 2 sugere que a criança aprendeu que é mais provável
que as letras do alfabeto latino tenham uma haste vertical e um apêndice voltado para a direita, em li-
nha com a direcionalidade da escrita, do que uma haste vertical e um apêndice voltado para a esquerda.
Uma criança que escreve ‹d› como ‹b› está a traçar uma forma que é conforme ao padrão que se verifica,
por exemplo, em ‹h› e em ‹E› (Treiman et al., 2014).
250
Rebecca Treiman
Aprendizes de alguns sistemas de escrita, como o espanhol, por exemplo, irão grafar a maioria das
palavras corretamente se forem capazes de analisar as palavras faladas sob a forma de fonemas, e se soube-
rem qual a letra mais frequentemente utilizada para grafar cada fonema. O sistema de escrita da língua inglesa,
porém, é complexo. Há muitos sons que têm mais do que uma grafia possível. Há algumas correspondências
som-letra menos comuns do que outras, mas mesmo uma correspondência menos comum pode ser sistema-
ticamente utilizada em determinados contextos. Por exemplo, o som [k] é quase sempre grafado ‹ck› quando
é precedido por uma vogal singular no final de uma palavra monossilábica (e.g., “trick”, “back”). Este mesmo
som é quase sempre grafado ‹k› quando ocorre em início de palavra antes de ‹e› ou ‹i› (e.g., “key”, “kitten”).
Nestes casos, o contexto relevante para a grafia do fonema é a sua posição na forma ortográfica da palavra e
a grafia da letra adjacente. Noutros casos, a identidade dos sons envolventes é mais decisiva. Por exemplo, o
som [ɑ] grafa-se com a letra ‹a› em “wad” e “squash”, em vez de com a letra ‹o› que aparece em “pod”, “gosh”,
e muitas outras palavras. A presença do [w] precedente influencia a ortografia de [ɑ].
Às crianças que recebem uma instrução fónica, ensina-se-lhes as correspondências letra-som comuns, como
por exemplo as correspondências entre ‹f› e [f]. Pode ensinar-se-lhes que alguns sons têm mais do que uma
forma ortográfica possível, e pode ensinar-se-lhes que algumas opções (e.g., ‹f› para [f]) são mais comuns do
que outras (e.g., ‹ph› para [f]). No entanto, é frequente não se ensinar às crianças que o contexto pode ajudar
a selecionar a opção ortográfica correta. As crianças captam alguns padrões de “dependência de contexto”
via exposição a palavras que constem dos seus materiais de leitura, mas este processo pode demorar anos
(Hayes et al., 2006; Treiman & Kessler, 2006).
A discussão dos efeitos de contexto destacou até agora as letras e sons envolventes como
influenciadores da ortografia de um som. Noutros casos, o importante para efeitos ortográficos é se um
som ou sequência de sons é um morfema: uma unidade de significado. Por exemplo, o som [t] final em
“rapped” é um morfema separado de “rap”. Em inglês, a forma ortográfica habitual do morfema que indica que
um verbo está no passado é ‹ed›, independentemente do modo como se o pronuncia. Assim, “rapped” não
se grafa com o ‹t› final utilizado em “rapt”. Este é um dos muitos exemplos de como a ortografia inglesa é
influenciada pela morfologia (a estrutura das palavras e das partes constituintes das palavras) e pela
etimologia (a história das palavras). Tornarmo-nos alguém que escreve com correção ortográfica requer que
aprendamos sobre estas influências. Os alunos mais novos irão precisar de escrever algumas palavras que
contêm mais do que um morfema, como “jumped”, e palavras com múltiplos morfemas vão gradualmente
assumindo maior importância junto de alunos mais velhos.
251
Aprender a Escrever Palavras
Muitas das palavras morfologicamente complexas com as quais os alunos mais velhos se deparam
derivam do latim ou do grego clássico. Em comparação com as palavras do vocabulário germânico básico do
inglês, as palavras de origem latina ou grega têm alguns padrões ortográficos diferentes. Por exemplo, é mais
provável que o som [f] se grafe ‹ph› em palavras derivadas do grego (e.g., “phase” [fase]) do que em palavras
básicas (e.g., “foot” [pé]). Os estudantes universitários são sensíveis a algumas das diferenças ortográficas que
existem entre palavras derivadas do latim e do grego, e palavras que não derivam daquelas línguas, apesar
de este tipo de matérias não ser, por norma, abordado sistematicamente nas escolas (Treiman et al., 2019).
Dito isto, nem todos os adultos internalizaram completamete os padrões morfológicos do sistema de escrita
inglês (Treiman et al., no prelo).
Vale a pena ensinar alunos mais velhos sobre padrões ortográficos dependentes do contexto e
sobre como a ortografia é influenciada pela morfologia e pela etimologia? Os alunos aprendem algumas destas
coisas por si sós, através da leitura. É, contudo, um processo lento, e os adultos não aproveitam na sua
plenitude todas as regularidades que os poderiam ajudar a escrever palavras. A instrução ortográfica explícita
pode ajudar, e os estudos mostram que conduz a maiores ganhos ortográficos quando comparada com as
abordagens informal ou indireta (Graham & Santangelo, 2014). Nas escolas norte-americanas, a instrução or-
tográfica formal está tipicamente limitada aos primeiros anos de escolaridade, mas é igualmente eficaz junto
de alunos mais velhos.
Melhorar os conhecimentos de ortografia dos alunos tem vários benefícios. Desde logo, permite
àqueles que os lêem evitar a confusão suscetível de ocorrer quando, por exemplo, a palavra “prophet” [pro-
feta] é incorretamente grafada como “profit” [lucro].* (A maior parte dos corretores ortográficos não detec-
taria este erro.) Dito isto, aprender a forma ortográfica convencional das palavras não é apenas uma cortesia
para com o leitor. Aprender ortografia estimula a consciência fonêmica dos alunos e melhora a sua leitura,
sublinhando a importância da ortografia para a literacia em geral (Graham & Santangelo, 2014; Ouellette et
al., 2017).
Conclusões
Aprender a escrever palavras é um processo demorado. Até mesmo para utilizadores adultos da
língua inglesa, há certas palavras que, não lhes colocando problemas ao nível da leitura, são palavras que não
saberiam escrever. A investigação sobre ortografia revista no presente artigo clarifica o processo de aprendi-
zagem, mostrando como as crianças utilizam o conhecimento de que dispõem (incluindo os nomes das letras,
a forma ortográfica do seu próprio nome, e as semelhanças entre sons) para aprender coisas novas. Os dados
veiculados pela investigação revista mostram que, muito embora a aprendizagem implícita desempenhe um
papel no desenvolvimento da competência ortográfica, o ensino explícito também é importante.
252
Rebecca Treiman
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254
Aprender a Escrever Palavras
255
Parte C
Aprendizagem da Leitura e da Escrita
256
Capítulo 13
Compreendendo o ato de ler:
A Perspetiva do Modelo Simples de Leitura
Inês Gomes
Universidade Fernando Pessoa
Resumo
O modelo simples de leitura, proposto originalmente por Gough e Tunmer, em 1986, constitui um
dos modelos mais influentes no domínio da aprendizagem da linguagem escrita. Este modelo preconiza
a existência de duas componentes essenciais na leitura: o reconhecimento de palavras (decodificação) e
a compreensão da linguagem. No presente capítulo é efetuada uma análise às principais características
e pressupostos deste modelo, subsidiada por evidências científicas. São ainda destacadas as repectivas
implicações práticas, no pressuposto de que, ao captar a complexidade do ato de ler (e de aprender a
ler) através de uma fórmula conceitualmente não tão complexa, o mesmo fornece uma referência útil
e simultaneamente simples para a prática pedagógica. A sua apropriação permitirá ao professor efetuar
avaliações mais precisas e direcionadas das dificuldades de leitura de seus alunos, favorecendo uma maior
compreensão sobre a natureza das mesmas e orientando consequentemente a escolha de métodos de
instrução mais adequados e eficazes.
257
Compreendendo o ato de ler
O recurso à linguagem escrita é uma constante no nosso cotidiano, estando presente em mui-
tas das atividades pessoais, profissionais, culturais e sociais. Assumindo um caráter imprescindível
(Sim-Sim, 2007), a linguagem escrita tem vindo a adquirir um papel preponderante para a aprendiza-
gem humana, cuja maestria se impõe indispensável para um funcionamento, que se espera pleno, nos
diferentes quadrantes do nosso existir. Esta indispensabilidade é particularmente evidente se pensar-
mos na extraordinária volatilidade dos conhecimentos e das informações que marcam a atual Era que
atravessamos, e no consequente fluxo contínuo de novos conhecimentos e de novas informações
(Gomes & Lima Santos, 2005). Lidar eficaz e eficientemente com informações em permanente mudança
e atualização, e em diferentes formatos, requer um uso competente da linguagem escrita.
Ora, se considerarmos, na senda de Hoover e Tunmer (2020), que a leitura constitui a “ferramen-
ta tecnológica” (p. 24) que melhor garante a aquisição de conhecimentos, mais amplos e aprofundados,
quer sobre a própria linguagem quer sobre o mundo, torna-se imprescindível que o ensino formal da
linguagem escrita, em particular, nos anos iniciais da escolaridade, forneça as bases necessárias para
alavancar o processo de construção da proficiência do leitor. O domínio hábil da técnica de funciona-
mento da leitura e da escrita requer um ensino explícito, sistemático e direto, conferindo ao professor
um papel preponderante nessa aprendizagem. De acordo com Tunmer e Hoover (2019), os professores
que apresentam melhores resultados na alfabetização das crianças reúnem três características principais:
(1) detêm um conhecimento aprofundado dos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem da
linguagem escrita e aplicam esse conhecimento na escolha de métodos eficazes de instrução; (2)
conseguem aferir o conhecimento que as crianças possuem, bem como o que lhes falta adquirir para
se tornarem leitores hábeis; e (3) fornecem instrução específica em função das necessidades individuais
de literacia.
Ensinar a ler configura, assim, uma tarefa desafiante e exigente, norteada pelo desiderato de “(…)
dar às crianças as ferramentas de que precisam para estratégica e eficazmente abordarem os textos,
compreenderem o que está escrito e assim se tornarem leitores fluentes” (Sim-Sim, 2007, pp. 5-6).
Espera-se, deste modo, do professor a arte de capacitar a criança com as habilidades fundamentais de
leitura, que lhe permitam inserir-se e apropriar-se da cultura escrita. No entanto, dada a complexidade
envolvida na aprendizagem da leitura, não é de estranhar que esta capacitação que caracteriza a missão
educativa se revele exigente e até, por vezes, difícil. De fato, a leitura é uma tarefa cognitiva intrincada,
que requer a orquestração de várias competências e habilidades cognitivas (Oakhill, Cain, & Elbro, 2015).
258
Inês Gomes
A leitura pode ser definida como o processo de extrair a informação contida em um texto
escrito, sobre a qual se constrói significado. Esta habilidade de “ressignificar o texto lido” (Correa &
Mousinho, 2013, p. 80), sendo de base linguística, encontra-se enxertada na oralidade, na medida em que
depende do conhecimento da língua (Oakhill et al., 2015). Nesta perspectiva, a leitura corresponde à
habilidade de traduzir o código escrito para outro código – a linguagem falada – permitindo ao leitor o
acesso ao sentido (ibidem). Decorre daqui a necessidade de se dominar a relação entre letras e sons,
isto é, entre grafemas e fonemas, para se produzir significação no ato de ler. Falamos, deste modo, de
duas componentes-chave da leitura: a decodificação e a compreensão, respectivamente.
Apesar de envolver a compreensão do que está escrito, a leitura tem sido, não raras vezes,
circunscrita à tradução de símbolos em unidades sonoras. Expressões como “leu mas não compreendeu
/ entendeu o que leu” ou “lê e interpreta” reforçam esta ideia errada de que a compreensão está para
além da leitura, não a integrando. Embora esta independência entre as habilidades de decodificar e de
compreender se encontre cientificamente estabelecida, importa ressaltar que ler pressupõe ambas as
habilidades, pelo que uma definição que apenas valorize uma delas se encontra amputada.
Na década de 80 do século XX, Gough e Tunmer (1986) contribuíram para o esclarecimento
desta questão, ao descreverem a leitura como o resultado da relação estabelecida entre as habilidades
de decodificação e de compreensão da linguagem. Este modelo, conhecido por modelo simples de leitura1
, preconiza a independência destes dois grupos de habilidades cognitivas mas estabelece que ambos são
estritamente necessários para que a leitura ocorra, isto é, para que se verifique a extração de sentido
do que está a ser decodificado. A história de John Milton, um amante dos clássicos escritos em grego
antigo, é disto um bom exemplo (Oakhill et al., 2015). Depois de ficar cego, Milton levou as suas filhas a
aprender o alfabeto grego antigo para que estas pudessem ler os textos em voz alta. Apesar de consegui-
rem decodificar as palavras escritas, elas não conseguiam compreender o que estavam a ler porque não
dominavam a língua. Já Milton conseguia compreender o que estava escrito, sem contudo conseguir, em
virtude da cegueira, reconhecer as palavras impressas. A leitura destes textos passou a depender então
da contribuição das filhas, que dispunham das habilidades de decodificação das palavras escritas, e a da
contribuição de Milton, que dispunha das habilidades de compreensão da linguagem. Na ausência de um
destes atores, a leitura, na sua plena acepção, não era concretizável.
O modelo simples de leitura (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990) considera que a habilidade
de extrair sentido do que se lê corresponde ao produto de dois processos psicolinguísticos essenciais –
o reconhecimento de palavras, ou decodificação, e a compreensão da linguagem oral –, sendo expresso
através da equação:
L=DxC
Em que,
À luz deste modelo, a leitura com compreensão de um texto escrito requer, numa primeira fase,
a decodificação e o reconhecimento das palavras que o integram. Só após o acesso a esta informação
lexical é possível passar à fase seguinte, a da interpretação, aplicando-se, para o efeito, os mesmos me-
canismos empregados no processamento da linguagem oral. Decorre daqui o primeiro pressuposto do
modelo simples de leitura: a leitura resulta apenas de duas componentes – a decodificação e a com-
preensão da linguagem.
A decodificação pode ser definida como a habilidade de converter um input escrito numa repre-
sentação que permita o acesso à correspondente entrada no léxico mental (ibidem). Esta habilidade
representacional começa por ter, no leitor aprendiz, uma base predominantemente fonológica, que pro-
gressivamente vai cedendo lugar a uma via de acesso lexical direto, fruto da prática acumulada de leitura
e em resultado da memorização das formas gráficas das palavras. Em consequência, observa-se um au-
mento da rapidez e da precisão da decodificação, o que se traduz em um ganho para a etapa seguinte da
leitura, designadamente, acessar ao significado das palavras reconhecidas (Hoover & Tunmer, 2018).
Importa ressaltar que na versão inicial do modelo simples de leitura (Gough & Tunmer, 1986;
Hoover & Gough, 1990), o termo decodificação foi usado numa acepção mais lata, de reconhecimento de
palavras, e não em sentido restrito, de codificação alfabética. No entanto, a forte conotação deste termo
com a decodificação fonológica, motivou a alteração da designação para reconhecimento de palavras,
com o intuito de evitar a confusão conceitual (Hoover & Tunmer, 2018).
Por sua vez, a compreensão da linguagem diz respeito à habilidade de extrair significado a partir
de um discurso apresentado oralmente. O conhecimento linguístico (semântico, sintático e pragmático)
é aplicado às palavras previamente reconhecidas no léxico mental, de forma a possibilitar a construção
260
Inês Gomes
de representações mentais coerentes sobre o seu conteúdo e a permitir, consequentemente, a sua in-
terpretação.
Na mesma linha, a compreensão da leitura diz respeito à habilidade de extrair significado, desta vez
a partir de textos escritos. Trata-se de uma definição paralela à da compreensão da linguagem, na me-
dida em que faz uso dos mesmos processos cognitivos, diferindo apenas na natureza do input (visual vs.
auditivo, respectivamente). No entanto, importa ressaltar que a compreensão da leitura implica que pro-
cessos de nível inferior, como a decodificação, estejam integrados em sistemas de compreensão de nível
superior (Perfetti, Yang, & Schmalhoher, 2008). Isto é particularmente importante se pensarmos que os
recursos de processamento do sistema em que estes processos ocorrem, quer na memória a curto-pra-
zo quer na capacidade cognitiva geral, são limitados. Habilidades de decodificação bem desenvolvidas, ao
permitirem o reconhecimento das palavras de modo preciso e fluente, libertam recursos cognitivos para
a compreensão de nível superior do texto escrito e para a realização de inferências. Em sentido inverso,
quantos mais recursos forem consumidos na decodificação menos ficam disponíveis para se deterem na
compreensão (Hoover & Tunmer, 2018; Ozernov-Palchik et al., 2021; Sprenger-Charolles, 2003).
O segundo pressuposto do modelo simples de leitura diz respeito à independência das duas
componentes que o integram e ao contributo separado de ambas para a habilidade da leitura. Para sus-
tentar este pressuposto, Gough e Tunmer (1986) chamaram a atenção para a existência de perturbações
de leitura diferenciadas, cujas características favorecem a independência funcional destas habilidades. A
existência, por um lado, de casos de dislexia, isto é, de crianças com compreensão linguística na média
ou acima da média mas incapazes de decodificar, e, por outro lado, de casos de hiperlexia, isto é, crianças
com boas habilidades de decodificação mas com dificuldades na compreensão da linguagem, atestam a
existência de dupla dissociação entre ambas as componentes. Já a demonstração inequívoca da sepa-
ração da decodificação e da compreensão da linguagem nos bons leitores tem-se revelado mais difícil
(Hoover & Gough, 1990). Ainda assim, é possível atestar esta independência com recurso ao contributo
diferenciado de ambas as componentes durante a aprendizagem. De fato, os estudos empíricos (e.g.,
Hoover & Tunmer, 2018; Joshi et al., 2015; Tilstra et al., 2009) têm evidenciado uma maior correlação da
decodificação com a compreensão leitora nos anos iniciais da escolarização. No entanto, à medida que a
escolaridade vai avançando, a compreensão linguística vai aumentando progressivamente o seu peso, até
se tornar predominante na compreensão da leitura.
Por sua vez, o terceiro pressuposto que sobressai deste modelo coloca a ênfase no caráter
indispensável de ambas as componentes. Efetivamente, a decodificação e a compreensão da linguagem
assumem igual importância para a leitura, não sendo nenhuma delas suficiente por si só. Significa isto
que o sucesso da leitura é antes determinado pela combinação das duas habilidades. De fato, apesar de
indispensável, a decodificação não garante per se a compreensão do que é lido, tal como a compreensão
da linguagem, na ausência de decodificação, também o não faz.
261
Compreendendo o ato de ler
Decorre deste um quarto pressuposto, que remete para a contribuição efetiva de cada uma das
habilidades na explicação da variação individual de desempenho na leitura. De acordo com o modelo,
ambas as componentes variam entre 0, ausência de competência, e 1, total competência (perfeição), o
que permite captar a gama completa de habilidades de leitura (Hoover & Tunmer, 2018). Esta variabilida-
de da compreensão leitora é consequência da relação multiplicativa das duas componentes, abrangendo
desde o não leitor, onde pelo menos uma das componentes é inexistente, até ao leitor proficiente, onde
ambas se encontram totalmente desenvolvidas (cf. Figura 1).
Figura 1
Representação tridimensional do modelo simples de leitura, estabelecendo as relações teóricas entre as
três componentes, variando, cada uma delas, entre 0 (sem competência) e 1 (competência perfeita)
Ao contrário da versão aditiva deste modelo (Dreyer & Katz, 1992), em que o nível de desen-
volvimento de cada uma das componentes é somado (admitindo-se, por conseguinte, a compreensão da
leitura na ausência de uma delas), a relação multiplicativa do modelo simples de leitura impossibilita a
existência de compreensão leitora na ausência de qualquer uma das suas componentes. Nos termos das
propriedades da multiplicação, o zero constitui o elemento absorvente, sendo o produto de dois fatores
nulo quando um dos fatores da equação tiver esse valor. Consequentemente, se a decodificação for zero
262
Inês Gomes
não haverá compreensão da leitura. O mesmo resultado será observado se, mesmo perante uma boa
capacidade de decodificação, a compreensão da linguagem oral for zero. Já um desempenho positivo a
nível da compreensão da leitura pressupõe um bom desempenho em ambas as componentes.
O modelo considera, assim, que o incremento da proficiência leitora depende do aumento de
ambas as habilidades e não apenas de uma só (Hoover & Tunmer, 2018). Consideremos hipoteticamente
que a demarcação (arbitrária) entre bons e maus leitores se situa a um nível de competência de leitura
de 0,5. Neste caso, para estarmos perante um bom leitor serão necessárias habilidades de decodificação
e de compreensão da linguagem bem desenvolvidas (D e C > 0,5 valores). Pelo contrário, se ambas as
habilidades forem pobres, estaremos perante um mau leitor (L < 0,5). Esta constatação sugere a ne-
cessidade de ambas as componentes serem consideradas no ensino da leitura, desde as fases iniciais da
alfabetização. De fato, o aumento da compreensão leitora, ao ser mais expressivo quando ambas as com-
ponentes aumentam e não apenas uma, traz consigo implicações pedagógicas evidentes. Uma instrução
direcionada para o desenvolvimento de habilidades de decodificação, por exemplo, permitirá obter
ganhos mais expressivos na compreensão leitora, se a criança tiver boas habilidades de compreensão da
linguagem do que se as tiver pouco desenvolvidas.
Por fim, o quinto pressuposto deste modelo deixa antever três condições específicas para ex-
plicar as dificuldades na compreensão da leitura: quando as habilidades de decodificação são adequadas
mas as habilidades de compreensão da linguagem são reduzidas; quando as habilidades de compreensão
da linguagem são adequadas mas as habilidades de decodificação são reduzidas; ou quando ambas as ha-
bilidades são incipientes. Para os leitores menos hábeis, esta relação entre decodificação e compreensão
da linguagem apresenta-se negativa (Hoover & Gough, 1990).
Com base neste pressuposto, é possível identificar quatro perfis de leitores, em função do grau
de desenvolvimento e de maestria das habilidades de decodificação e de compreensão da linguagem
oral (cf. Figura 2). No quadrante superior direito encontram-se os bons leitores, com um desempenho
proficiente em ambas as habilidades. Os restantes três quadrantes correspondem às três condições
específicas que sustentam a existência de dificuldades diferenciadas de leitura: crianças com um baixo
desempenho na decodificação mas sem dificuldades na compreensão oral (perfil de dislexia; quadrante
superior esquerdo); crianças com padrão inverso, isto é, com um baixo desempenho na compreensão
oral mas sem dificuldades de decodificação (perfil de hiperlexia; quadrante inferior direito), e crianças
com dificuldades em ambas as componentes (perfil de dificuldades mistas de leitura; quadrante inferior
esquerdo).
263
Compreendendo o ato de ler
Figura 2
Perfis de leitura à luz do modelo simples de leitura
A simplicidade conceitual deste modelo explicativo, ainda que sem negar a complexidade da lei-
tura (e.g., Hoover, & Gough, 1990; Hoover & Tunmer, 2018), tem encontrado na comunidade científica
alguma resistência. A principal crítica tem sido dirigida à redução da leitura a apenas duas componentes,
o que tem impulsionado a criação de versões expandidas do modelo simples de leitura (e.g., Joshi, &
Aaron, 2000; Kim, 2017). Os autores rebatem esta limitação afirmando que a existência de apenas duas
componentes – a decodificação e a compreensão da linguagem – não tem implícito a simplicidade de am-
bas. Pelo contrário, ambas as componentes agrupam habilidades linguísticas específicas, sendo, por isso,
dotadas de características altamente complexas. Enquanto as habilidades relativas ao código2 facilitam a
apropriação do princípio alfabético (isto é, de que os grafemas representam os sons da fala, os fonemas),
e integram, por conseguinte, o conhecimento de letras e a consciência fonológica, as habilidades relativas
264
Inês Gomes
O modelo simples de leitura é um dos modelos mais estudados na literatura, tendo instigado,
durante mais de 30 décadas de existência, inúmeras investigações voltadas para o entendimento e vali-
dação da sua arquitetura conceitual e para o estudo da sua aplicabilidade em contextos específicos. De
acordo com Nation (2019), até janeiro de 2019, os trabalhos seminais de Gough e Tunmer (1986) e de
Hoover e Gough (1990) haviam sido citados mais de 5000 vezes no Google Scholar. Ao atualizarmos
estes dados verificamos que, em um espaço de dois anos (desde janeiro de 2019 até março de 2021), os
trabalhos foram citados em mais de 1400 publicações, evidenciando o interesse que este tema continua
266
Inês Gomes
267
Compreendendo o ato de ler
iniciais da alfabetização, na medida em que o leitor aprendiz se encontra na fase de aprender a ler; já nos
anos mais avançados, a compreensão passa a desempenhar um papel maior, fruto da transição da criança
para a fase seguinte, do ler para aprender.
Estando a leitura intrinsecamente associada ao código escrito, não é de estranhar que a univer-
salidade do modelo simples de leitura e a sua aplicação em outras ortografias e, até, em outros sistemas
de escrita, tenha vindo, nos últimos anos, a mobilizar vários pesquisadores. Apesar da convergência de
resultados entre estes estudos e os conduzidos para a língua inglesa, há algumas especificidades que
decorrem da natureza das ortografias em questão. No que concerne ao contributo das habilidades
de reconhecimento de palavras e de compreensão de linguagem para a compreensão da leitura, em
ortografias como o espanhol (e.g., Nakamoto, Lindsey, & Manis, 2008), o francês (Megherbi, Seigneuric,
& Ehrlich, 2006), o holandês (e.g., Verhoeven, Voeten, & Vermeer, 2019), o italiano (e.g., Tobia, & Bonifacci,
2015) e o português (e.g., Cadime et al., 2017; Fernandes, Querido, Verhaeghe, Marques, & Araújo, 2017),
as percentagens da variância de leitura explicada por ambas as componentes encontra-se dentro dos
mesmos valores, i.e., entre 40 e 80%, sendo inclusive em, alguns casos, superior a 90% (e.g., Bonifacci
& Tobia, 2017). Também em outros sistemas de escrita, como o chinês (e.g., Peng, Lee, Luo, Joshi, & Tao,
2021), o hebreu (Joshi et al., 2015) e o árabe (e.g., Asadi & Ibrahim, 2018), a variação na compreensão de
textos é determinada por ambas as componentes.
Se é verdade que, independentemente do sistema de escrita e da ortografia, o reconhecimento
de palavras e a compreensão da linguagem constituem as duas componentes essenciais da leitura, já o
peso relativo de cada uma dessas componentes ao longo da escolaridade apresenta contornos ligeira-
mente diferentes dos observados para a língua inglesa.
Em função da unidade gráfica menor que representam (Joshi, 2018), os sistemas de escrita podem
ser globalmente classificados em alfabético, silábico (e.g., japonês) e logográfico (e.g., chinês). No caso do
sistema alfabético, onde se inclui a ortografia do português, essa unidade corresponde à letra (ou grafe-
ma) e representa a unidade mínima da fala, o fonema. Ora, as diferentes ortografias variam em função do
grau de consistência das relações que se estabelecem entre grafemas e fonemas. Assim, de acordo com a
natureza destas correspondências, as ortografias podem ser classificadas como transparentes ou opacas.
A ortografia diz-se transparente, quando a quase totalidade das correspondências são de um-para-um
(e.g., em português, o grafema ‘f ’ e o fonema /f/ estabelecem uma correspondência unívoca, em que ‘f ’
apenas pode ser lido /f/ e o som /f/ apenas pode ser escrito com o grafema ‘f ’). Exemplos de ortografias
transparentes são o finlandês, o espanhol e o italiano. No sentido oposto, encontramos as ortografias
opacas, caracterizadas por uma elevada inconsistência das correspondências grafema-fonema, sendo
majoritariamente de muitos-para-muitos (e.g., o grafema ‘s’ pode ser lido de três maneiras diferentes
– /s/, como em ‘sapo’, /z/, como em ‘casa’ e /ʃ/, como em ‘festa’ -; já o som /s/ pode ser escrito de cinco
maneiras diferentes – ‘s’, ‘ss’, como em pássaro’, ‘c’, como em ‘céu’, ‘ç’, como em açúcar’, e ‘x’, como em
268
Inês Gomes
‘auxílio’). São exemplos de ortografias opacas o francês e o inglês. As restantes ortografias distribuem-se
ao longo do contínuo, entre o polo transparente e o polo opaco. No caso do português, o grau de opaci-
dade é intermédio, subsistindo, todavia, diferenças consoante se trate da variante europeia ou brasileira.
Na verdade, a ortografia do português do Brasil apresenta-se mais transparente (Cardoso-Martins, 2006;
Germano et al., 2014) do que o português europeu (Cadime et al., 2017; Sucena, Castro, & Seymour,
2009).
Considerando a variação na consistência das ortografias, é esperado que esta variável exerça
a sua influência na aprendizagem da leitura e possa exigir da criança mais ou menos tempo para a sua
apropriação. A partir da análise de 13 ortografias europeias, Seymour, Aro e Erskine (2003) verificaram
que o tempo médio para a aquisição dessas habilidades é de aproximadamente 2 anos para as ortografias
mais opacas e de apenas 1 ano para as ortografias transparentes.
Efetivamente, nas ortografias mais transparentes, o aumento na contribuição da compreensão da
linguagem na leitura observa-se mais cedo, logo no 1.º ano, tornando-se inclusive mais robusta do que
o reconhecimento de palavras (e.g., Dolean et al., 2021). Já em ortografias profundas, como o inglês, a
leitura é majoritariamente explicada pela habilidade de decodificação, prolongando-se por mais tempo,
mantendo-se até ao 4.º ano de escolaridade (e.g., Joshi et al., 2015).
Um outro contexto que tem merecido a atenção dos investigadores é a aprendizagem de uma se-
gunda língua. Esta aprendizagem assume-se como uma tarefa particularmente desafiante, principalmente
se a exposição à segunda língua for limitada, uma vez que a compreensão da linguagem tenderá a estar
pouco desenvolvida. Se isso acontecer, serão exibidas, à luz do modelo, dificuldades na compreensão da
leitura (Verhoeven et al., 2019). De fato, os estudos realizados com crianças bilíngues têm evidenciado a
adequação do modelo simples de leitura, não só no que diz respeito à aprendizagem da língua materna
mas também em relação à segunda língua (e.g., Bonifacci & Tobia, 2017; Verhoeven et al., 2019).
Apesar de uma boa parte das evidências empíricas sustentar o modelo simples de leitura, têm
vindo a ser apontadas algumas críticas aos seus pressupostos teóricos. Essas críticas assentam, sobretu-
do, em três aspectos: a independência das componentes do modelo, a falta de subsistemas da linguagem,
e a adequação do modelo simples de leitura em crianças mais velhas. Sobre a independência das habili-
dades de reconhecimento de palavras e de compreensão da linguagem, Catts (2018) argumenta que es-
tas componentes não são tão independentes como o modelo prevê, havendo uma quantidade substancial
de variância partilhada entre as mesmas.
Quanto à falta de subsistemas da linguagem, há dois tipos de críticas que merecem atenção. Na
primeira é questionado o caráter unidimensional e sem complexidade da compreensão da linguagem
e da compreensão da leitura (Hulme & Snowling, 2009). Esta crítica foi rebatida por Tunmer e Hoover
(2019), alegando que o modelo prediz apenas a compreensão da linguagem e da compreensão da leitu-
ra enquanto construtos hipotéticos cuja operacionalização pode ser efetuada em diferentes níveis de
269
Compreendendo o ato de ler
complexidade linguística e, até, tendo por base diferentes tipos de discurso linguístico. Neste caso, o que
importa assegurar, para efeitos de avaliação dos dois construtos, é a existência de formas paralelas, i.e.
comparáveis, para avaliar ambas as componentes.
Na segunda crítica é questionada a estrutura bifatorial do modelo, considerando-se que estão
ausentes outras habilidades igualmente importantes para a leitura, como a fluência da leitura (e.g.,
Cadime et al.,2017), o conhecimento do vocabulário (e.g., Massonnié et al., 2019; Ouellette & Beers,
2010; Verhoeven et al., 2019), a integração léxico-semântica, e algumas componentes das funções ex-
ecutivas (e.g., Barber et al., 2021). Kim (2017) encontrou evidências no seu estudo que sugerem que o
reconhecimento de palavras e a compreensão da linguagem são habilidades de nível superior, construídas
a partir de múltiplas habilidades cognitivas e linguísticas.
Por fim, a terceira crítica advoga a insuficiência do modelo simples de leitura na descrição da
compreensão de leitura em leitores mais velhos, na medida em que vão sendo requeridos níveis de com-
preensão cada vez mais complexos (Snow, 2018).
Em síntese, ainda que subsistam alguns dados inconsistentes, é possível afirmar que o modelo
simples de leitura é baseado em evidências, o que faz deste modelo um dos mais influentes no domí-
nio da compreensão leitora (Kim, 2017). O insight dos autores sobre a leitura, enquanto produto da
decodificação e da compreensão da linguagem, contribuiu (e continua a contribuir) extraordinariamente
para o avanço do conhecimento nesta área. Na senda de Joshi (2018), trata-se de um importante modelo
teórico que, pela sua simplicidade, lhe confere uma enorme aplicabilidade, quer no contexto da avaliação
quer no contexto da intervenção, permitindo identificar no leitor as forças e fraquezas, e guiando, deste
modo, a instrução na leitura.
270
Inês Gomes
Apesar dos dados apresentados nos aproximarem da meta da universalidade no acesso à lin-
guagem escrita, subsiste, ainda, um longo caminho a percorrer, não só no sentido da erradicação do
analfabetismo mas também na promoção de níveis mais elevados de literacia. Na verdade, apesar de
próximos, alfabetização e literacia são construtos distintos, sendo que o primeiro é condição necessária
mas não suficiente para que o segundo se verifique. Enquanto a alfabetização nos remete para o ensino
das habilidades de leitura (decodificação) e de escrita (codificação), em um sistema de escrita alfabética
(Ministério da Educação – Secretaria de Alfabetização [PNA], 2019), a literacia pressupõe o uso profi-
ciente das competências de leitura e de escrita, sustentado em um pensamento crítico e em capacidades
de interpretação, de análise, de síntese e de explicação bem desenvolvidas (Lima Santos & Gomes, 2009).
A literacia traduz, assim, a competência de compreender, de produzir e de usar, com independência e
maestria, a linguagem escrita, encontrando-se ancorada nas habilidades ensinadas e aprendidas no de-
curso da alfabetização.
Por conseguinte, a aprendizagem da técnica da leitura e da escrita assume um papel central, ainda
que não exclusivo, na posterior aquisição de níveis elevados de literacia (Gomes & Lima Santos, 2005),
chamando a atenção para a importância dos primeiros anos de escolaridade, não só no ensino dessas
habilidades mas também na sua consolidação e expansão para níveis de desenvolvimento superiores, que
permitam à criança aprender, transmitir e até produzir novos conhecimentos. Deste modo, é conferido
ao professor a responsabilidade – e o desafio – de mobilizar métodos e técnicas de ensino que melhor
garantam essa aprendizagem. Isto é particularmente importante já que, conforme alerta Wren (2001), se
as dificuldades de leitura persistirem no 3.º ano de escolaridade haverá uma forte probabilidade de as
mesmas se manterem para o resto da vida.
Para que esta mobilização aconteça, impõe-se, desde logo, da parte do professor, o conhecimento
e a compreensão dos processos de leitura e de escrita, o que lhe permitirá sustentar a adoção de práti-
cas pedagógicas baseadas nos achados mais robustos das pesquisas científicas. A promoção de um ensino
baseado na evidência constitui, aliás, uma tendência das atuais políticas educativas, de que o Brasil não é
exceção (cf. PNA, 2019).
A maior e mais compreensiva revisão baseada na evidência sobre o modo como as crianças
aprendem a ler foi conduzida nos Estados Unidos da América, pelo National Reading Panel (NRP). O
resultado desta metanálise quantitativa, publicado em 2000, concluiu pela existência de cinco pilares que
deverão nortear o processo de alfabetização: a consciência fonêmica, a instrução fónica sistemática, a
fluência de leitura, o vocabulário e a compreensão de textos. A robustez destas evidências motivou vári-
os países a integrar estes cincos pilares nos repectivos programas de alfabetização. Também no Brasil, a
Política Nacional da Alfabetização (2009), instituída pelo Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019, prevê
o ensino destas cinco componentes, acrescentando uma sexta – a produção de escrita.
271
Compreendendo o ato de ler
Alguns anos mais tarde, e em alinhamento com as recomendações do National Reading Panel, o
relatório Rose (2006) veio apresentar um conjunto de orientações para o ensino da linguagem escrita,
advogando as vantagens da aplicação do modelo simples de leitura. Por se tratar de um modelo causal
direto, que conceitualiza o reconhecimento de palavras e a compreensão da linguagem como causas
proximais das diferenças individuais de desempenho na leitura, apresenta-se como um poderoso instru-
mento de trabalho para a sua compreensão. Estas duas componentes estão, por sua vez, dependentes do
desenvolvimento de outras habilidades cognitivas, que se encontram representadas na estrutura funda-
cional proposta por Hoover e Tunmer (2020; Tunmer & Hoover, 2019).
Trazer este modelo para a sala de aula permite ao professor ficar a conhecer quais as habili-
dades cognitivas menos desenvolvidas e, assim, adotar práticas pedagógicas diferenciadas, ajustadas às
necessidades individuais dos seus alunos. Na ausência de instrução explícita especificamente direcionada
para aquelas habilidades de leitura que se encontram subdesenvolvidas, a criança tenderá a privilegiar
estratégias de aprendizagem de literacia menos eficazes (e.g., recurso a pistas visuais e/ou contextuais
para ler palavras). Ora, a utilização continuada de estratégias compensatórias ineficazes conduz inevitav-
elmente, conforme sublinham Tunmer e Hoover (2019), à solidificação das dificuldades de aprendizagem,
com claras repercussões negativas para a realização acadêmica futura.
Tais consequências ilustram um efeito que Walberg, em 1983 (citado por Wren, 2001), cunhou
de ‘efeito Mateus’. Este efeito foi descrito por analogia com a passagem bíblica que afirma “Pois a quem
tem, mais será dado, e terá em grande quantidade. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado.”
(Mateus, 25:29). Esta profecia de que os ricos ficarão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres
deixa antever duas implicações importantes. A primeira (efeito Mateus positivo) realça a existência de
ganhos nas crianças bem preparadas: à medida que se vão tornando bons leitores, vão sendo expostas a
atividades cada vez mais complexas, que configuram oportunidades de prática e reforço das habilidades
de reconhecimento de palavras e de fluência da leitura; também a exposição a textos mais avançados
reforçará a construção de competências de compreensão da linguagem, expandindo o conhecimento
lexical e sintático e promovendo a formação de bases de conhecimento cada vez mais elaboradas (Tun-
mer & Hoover, 2019; Hoover & Tunmer, 2020). Em sentido inverso, a segunda implicação (efeito Mateus
negativo) chama a atenção para o fato de os maus leitores, pelas dificuldades que detêm na apropriação
do código escrito, tenderem a ver diminuída a sua prática de leitura, em resultado de lerem menos, de
lerem menos corretamente e de lerem mais lentamente; ao serem confrontados com materiais de com-
plexidade crescente, as dificuldades tenderão a ficar cada vez mais exacerbadas.
Na fase inicial da alfabetização, as diferenças entre estes dois grupos de crianças são pouco
expressivas, podendo ser facilmente suprimidas; a partir do 2.º ano e com o passar do tempo, essas
diferenças vão tornando-se cada vez mais acentuadas, deixando para trás aquelas cujas habilidades de
leitura se encontram subdesenvolvidas (Wren, 2001; cf. Figura 4). Dada a natureza do efeito Mateus, fica
272
Inês Gomes
evidente que a opção por uma estratégia de ensino focada em ajudar as crianças que detenham reduzi-
das habilidades cognitivas fundamentais será seguramente mais efetiva do que adotar a estratégia de wait
to fail, atrasando as ações até serem reunidas evidências da acumulação substancial de dificuldades de
aprendizagem (Hoover & Tunmer, 2020; Torgesen, 1998; Tunmer & Hoover, 2019). Impõe-se, deste modo,
atuar o mais precocemente possível, numa altura em que as dificuldades com as competências cognitivas
relacionadas com a leitura sejam ainda pequenas. Esta atuação, com início logo no 1.º ano de instrução
formal, evitará que as dificuldades se venham a tornar mais generalizadas e, por conseguinte, mais resist-
entes à mudança (já que as estratégias ineficazes tendem a ser mais difíceis de “desaprender”).
Figura 4
Ilustração do efeito Mateus
O modelo simples de leitura, conforme já referido, tem-se revelado uma abordagem bastante útil na
priorização precoce e na instrução intensiva, fruto sobretudo de duas características principais: a primeira
prende-se com a noção de que a habilidade da leitura é previsível a partir de uma medida da habilidade de
decodificação e de uma medida de compreensão auditiva; a segunda com a diferenciação de quatro perfis de
desempenho na leitura, três dos quais com algum nível de dificuldade de leitura ou perturbação (Gough &
Tunmer, 1986; Hoover & Tunmer, 2018). Ambas as características abrem caminho para o desenho de práticas
pedagógicas diferenciadas e mais ajustadas às necessidades de cada aluno, potencializando-se a interação en-
tre as diferentes habilidades cognitivas fundamentais necessárias para se tornarem leitores hábeis.
273
Compreendendo o ato de ler
Figura 5
Modelo de resposta à intervenção
Juntamente com a estrutura das fundações cognitivas, o modelo simples de leitura fornece ao profes-
sor uma base para a avaliação das crianças (Tunmer & Hoover, 2019). Se o leitor aprendiz não está a conseguir
extrair significado a partir do texto escrito (i.e., compreensão leitora), então é porque tem dificuldades com
a linguagem que está a ser lida (i.e., compreensão da linguagem), ou porque tem dificuldades em reconhecer
as palavras do texto, de forma precisa e fluente (i.e., reconhecimento de palavras), ou porque tem dificuldades
em ambas as componentes. Se a avaliação revelar dificuldades no reconhecimento de palavras, o problema
residirá nas habilidades de codificação alfabética, derivado ou de uma instrução explícita insuficiente ou de
oportunidades de prática inadequadas (incluindo-se aqui a obtenção de feedback). Se após o reforço da
instrução e de práticas explícitas as habilidades de codificação alfabética permanecerem fracas, então as
274
Inês Gomes
275
Compreendendo o ato de ler
Importa assim salientar a vantagem de um ensino explícito, sistemático e estruturado da leitura (NRP,
2000; Rose, 2006, 2009). A instrução explícita do princípio alfabético deve integrar a abordagem pedagógica
do professor, mesmo para crianças que entram para a escola (aparentemente) a saber ler.Tal opção justifica-se
pela impossibilidade de o professor saber de antemão quais as crianças que irão desenvolver dificuldades
específicas de leitura (Buckingham, Wheldall, & Wheldall, 2019). Ora, sabendo-se que as hipóteses de recu-
peração de crianças em risco ou com dislexia são maiores quanto mais cedo for implementada a intervenção
(Rose, 2009), tornam-se evidentes as vantagens de o ensino explícito do princípio alfabético ser ampliado a
todas as crianças.
A relação multiplicativa entre as habilidades de reconhecimento de palavras e as habilidades de com-
preensão da linguagem preconizada no modelo simples de leitura traz consigo outros aportes para a in-
strução da leitura. À entrada para a escola, as habilidades de reconhecimento de palavras do leitor aprendiz
são or conseguinte, o foco da instrução da leitura terá de privilegiar o reconhecimento de palavras. À medida
que se observam melhorias nestas habilidades de reconhecimento, o leitor aprendiz passa a estar apto para
compreender o que lê desde que consiga compreender através da fala. Então, nos anos de escolaridade mais
avançada, a compreensão da linguagem passa a constituir o cerne da intervenção dos professores (Hoover &
Tunmer, 2018).
Ainda que o desenvolvimento da compreensão leitora pressuponha um ensino diferenciado das duas
habilidades que a determinam (i.e., o reconhecimento de palavras nos anos iniciais da alfabetização e a
compreensão da linguagem nos anos seguintes), Hoover e Gough (1990) aconselham uma abordagem
integrada, desde o 1.º ano, direcionada para ambas as componentes. A justificação para o efeito reside no
fato de a compreensão leitora depender, numa relação multiplicativa, de ambas as componentes. Imagine-
mos o caso de duas crianças que, à entrada para a escola, apresentam o mesmo nível de desenvolvimento:
D = 0 e C = 0,5. Consideremos ainda que ambas as crianças serão alvo de instrução explícita das habilidades
de reconhecimento de palavras mas que apenas uma delas verá essa instrução complementada com o ensino
de habilidades de compreensão da linguagem. Ao fim de alguns meses, mesmo que o desenvolvimento das
habilidades de reconhecimento de palavras (D = 0,25) tenha sido idêntico em ambas as crianças, os ganhos
na compreensão leitora serão maiores na que usufruiu de instrução na compreensão da linguagem: L = 0,25
x 0,7 =0,175 vs. L = 0,25 x 0,5 = 0,125.
A recomendação de se integrar atividades de compreensão da linguagem desde o 1.º ano é particular-
mente relevante no caso das ortografias transparentes, onde a apropriação das correspondências entre grafe-
mas e fonemas é mais rápida, dada a sua natureza unívoca. No estudo de Tobia e Bonifacci (2015), conduzido
com crianças italianas, a percentagem de variância na compreensão de leitura no 1.º ano que foi explicada
pela compreensão oral foi praticamente o dobro da percentagem de variância explicada pelo reconhecimen-
to de palavras (66% vs. 34%, respectivamente). Este resultado faz sobressair o papel central da compreensão
da linguagem na predição da compreensão leitora, em ortografias transparentes, constituindo uma evidência
276
Inês Gomes
empírica da necessidade de se contemplar o ensino destas habilidades nos anos iniciais da escolarização.
Quando se considera a estrutura das fundações cognitivas, ainda que o modelo conceitual estabeleça uma
hierarquia de habilidades, Hoover e Tunmer sugerem um ensino integrado das mesmas, ao invés de se cen-
trarem nas suas componentes isoladamente (i.e., uma de cada vez; Hoover & Tunmer, 2020; Tunmer & Hoo-
ver, 2019). Assim, para além de se proporcionar ao leitor aprendiz oportunidades para praticar e receber
feedback sobre habilidades recém-adquiridas, são introduzidas atividades em paralelo, apelando a funções
cognitivas mais avançadas, nos termos especificadas no modelo. As Figuras 7 e 8 sistematizam algumas pistas
para a instrução e a avaliação de cada uma das componentes fundamentais cognitivas.
Figura 7
Pistas para a instrução e a avaliação informal, em sala de aula, das fundações cognitivas que integram a
componente do reconhecimento de palavras
277
Compreendendo o ato de ler
Figura 8
Pistas para a instrução e a avaliação informal, em sala de aula, das fundações cognitivas que integram a
componente da compreensão da linguagem
278
Inês Gomes
Figura 9
Recomendações de Foorman et al. (2016) para o desenvolvimento das habilidades fundamentais de
leitura, desde o pré-escolar até ao 3.º ano de escolaridade
Nota. Para cada recomendação é apresentado o nível de evidência científica que a suporta, variando
entre mínimo, moderado e forte (com um, dois ou três quadrados a verde, respectivamente).
Para além da atenção que deve ser dada às duas componentes do modelo simples de leitura e às habil-
idades da estrutura das fundações cognitivas, importa não negligenciar a componente da compreensão leitora
propriamente dita. Oakhill e colaboradores (2015) alertam para a importância de a instrução prever o ensino
explícito de como ler com compreensão. Assim, para além das habilidades contributivas da compreensão
leitora, o professor deverá ter em consideração as exigências específicas da linguagem escrita.
279
Compreendendo o ato de ler
De fato, a investigação tem mostrado que os alunos podem ser melhor ensinados a compreender um
texto escrito durante a leitura do mesmo (Shanahan, 2005). O tipo de instrução que melhor beneficia esta
aprendizagem é o ensino explícito de estratégias de compreensão, designadamente, de ações intencionais
que podem ser usadas durante a leitura para orientar o pensamento. Nas palavras de Sim-Sim (2007), estas
estratégias sobre como e quando usar determinada informação durante a leitura de textos configuram “«fer-
ramentas» de que os alunos se servem deliberadamente para melhor compreenderem o que leem” (p. 15),
podendo ocorrer antes, durante e após a leitura de textos. A elaboração de resumos, mapas de histórias ou
organizadores gráficos ou semânticos e os questionamentos constituem alguns exemplos dessas estratégias.
A abordagem mais eficaz para o seu ensino a passa por uma libertação gradual da responsabilidade do pro-
fessor, com início na demonstração e na modelação da estratégia alvo (“eu faço isto”), passando pela orien-
tação do aluno a usá-la com sucesso dentro da leitura (“Nós fazemos isto”), até à prática independente da
estratégia (“Tu fazes isto”) (Shanahan, 2005).Trata-se, pois, de uma abordagem assentada na demonstração, na
modelação, na explicação direta e na prática guiada.
Para auxiliar a sua prática, o professor tem ao seu dispor uma panóplia de materiais criteriosamente
concebidos para desenvolver as habilidades de leitura, bem como alguns programas de intervenção pedagógi-
ca. Mousinho, Correa e Oliveira (2019), por exemplo, disponibilizam um conjunto de atividades para promov-
er a compreensão de textos escritos em português do Brasil, abrangendo áreas bem diversas, que incluem o
processamento fonológico, a fluência da leitura, a prosódia, o vocabulário, a memória de trabalho fonológica,
o conhecimento do mundo e os modelos mentais, a compreensão e vinculação de frases, a estrutura textual,
a inferência e as habilidades de monitoração.
Para o português europeu, destaca-se o programa de intervenção para o ensino da compreensão de
textos para o professor, de Viana e colaboradores (2010), e um conjunto de atividades propostas por Sim-
Sim (2007), direcionadas para o desenvolvimento de competências de compreensão de textos de diferentes
tipologias (informativos, narrativos, de teatro, poesia, instrucionais). Também a plataforma educativa AINDA
ESTOU A APRENDER (Ribeiro et al., 2016) constitui um outro exemplo de recurso útil para a avaliação e
intervenção nas dificuldades na aprendizagem da leitura, em crianças do ensino fundamental.
Por fim, importa chamar a atenção para a necessária monitoração das respostas dos alunos em
momentos temporais precisos, de modo a ser possível introduzir os ajustes que se revelem necessários
(Tunmer & Hoover, 2019). De fato, a avaliação e a monitoração do desempenho dos alunos é condição
fundamental para o ensino sistemático e explícito da leitura. Estas avaliações distribuem-se por quatro
rubricas – sendo as duas primeiras de natureza formativa e as duas últimas de natureza sumativa:
• avaliação baseada no currículo (avaliação para determinar o que a criança sabe e o que não sabe);
• medidas baseadas no currículo (monitoração dos progressos obtidos na aprendizagem);
280
Inês Gomes
• avaliação referenciada a critério (avaliação efetuada por referência às finalidades e aos objetivos pre-
viamente definidos); e,
• avaliação normativa (avaliação com recurso a testes estandardizados).
Esta avaliação, pela abrangência das habilidades a considerar e pela complexidade das mesmas, nem
sempre se releva fácil. A avaliação das habilidades de compreensão, por exemplo, requer o uso de formas
paralelas de testes, emparelhados quanto à complexidade linguística, para que seja possível obter uma
estimativa fiável da contribuição da compreensão da linguagem para a leitura (Hoover & Tunmer, 2018).
Uma segunda fonte de dificuldade poderá ser encontrada na avaliação da leitura em crianças com limitações
na fala, já que na maior parte dos instrumentos é requerida uma resposta verbal (Davidson, 2021).
Em síntese, considerando que a promoção das habilidades de reconhecimento de palavras e das
habilidades de compreensão da linguagem exigem estratégias de ensino diferentes, a avaliação do nível de
compreensão leitora das crianças adquire um papel central. É a partir da determinação do que os leitores
aprendizes sabem e do que precisam de saber para se tornarem leitores hábeis, que será possível ao profes-
sor tomar decisões em matéria de instrução, que melhor e mais diretamente respondam às suas necessidades
individuais.
Conclusões
281
Compreendendo o ato de ler
Importa, ainda, sublinhar que o modelo simples de leitura não se assume como um modelo desen-
volvimental, não tendo, por conseguinte, a pretensão de descrever a aquisição da leitura em estágios ou fases
nem de caracterizar a evolução das estratégias utilizadas por crianças nas fases iniciais dessa aprendizagem.
Embora, como referem Hoover e Tunmer (2018), certos aspectos do desenvolvimento da leitura possam
ser capturados como mudanças sucessivas na força relativa das duas componentes em vários momentos
temporais distintos, este modelo caracteriza-se por ser estático registando essas habilidades em um dado
momento. Por outras palavras, o modelo simples de leitura não responde a como a leitura se desenvolve ao
longo do tempo mas sim a quanto está desenvolvido em qualquer momento do tempo, sendo que este nível
de desenvolvimento atingido pela criança vai depender inteiramente e apenas da combinação multiplicativa
do desenvolvimento observado em cada uma das componentes (ibidem).
Ainda que subsistam na literatura algumas críticas a este modelo, as implicações do mesmo para o
ensino da leitura são inegáveis. Na verdade, ao considerar a independência das habilidades de reconhecimen-
to de palavras e de compreensão da linguagem abre-se a possibilidade de as mesmas não se desenvolverem
necessariamente em conjunto, o que poderá exigir abordagens pedagógicas distintas para o desenvolvimento
de umas e de outras. A esta implicação junta-se uma segunda, designadamente, a possibilidade de se avaliar,
em separado, cada uma das componentes de leitura. Mas talvez uma das mais relevantes implicações para o
ensino diz respeito à obrigatoriedade de ambas as componentes estarem presentes para que a leitura plena,
isto é, com compreensão, se verifique. A inexistência ou um domínio incipiente de uma das componentes,
ao limitar grandemente a extração de sentido do texto escrito, chama a atenção para a necessidade de se
atender a ambas as componentes para uma aprendizagem da leitura de sucesso. Deste modo, passa a ser
exigido ao professor a tomada de consciência não só dos processos cognitivos subjacentes ao reconheci-
mento de palavras escritas mas também dos envolvidos na compreensão da linguagem (Oakhill et al., 2015).
Ainda que as evidências empíricas sugiram a importância de um ensino centrado nas habilidades de
reconhecimento de palavras escritas, nas fases iniciais da alfabetização, e que à medida que a mecânica da
leitura se vai consolidando, e que as habilidades de decodificação vão ficando cada vez mais automatizadas,
precisas e fluentes, o foco passe a privilegiar a compreensão, importa repensar as práticas pedagógicas à luz
dos pressupostos do modelo simples de leitura. De fato, perspetivar um ensino que, sem desvirtuar a ordem
de aquisição das habilidades de leitura (a criança primeiro tem de ser capaz de decodificar o texto escrito
para fazer derivar, de seguida, o repectivo sentido), consiga conciliar, desde as fases iniciais da alfabetização,
ambas as componentes é seguramente um desafio importante.
Em jeito de conclusão, a importância de se ser bem sucedido no início do percurso escolar é eviden-
te, se pensarmos que os primeiros anos de escolaridade permitem alicerçar as bases da linguagem escrita,
constituindo-se como fundamentais para a plena maestria das habilidades de leitura (Gomes & Lima Santos,
2005). No entanto, apesar da aparente simplicidade com que o leitor hábil decodifica os sinais gráficos e
282
Inês Gomes
constrói significado a partir de um texto escrito, ler e aprender a ler constituem processos complexos. A ex-
istência de problemas nas fases iniciais de alfabetização não é, deste ponto de vista, surpreendente mas requer
uma atuação dirigida, intencional e precoce, por parte dos diferentes atores educativos, para que os mesmos
não persistam no tempo e possam ser ultrapassados. Caso contrário, as futuras aprendizagens poderão ficar
seriamente comprometidas (Torgesen, 1998), limitando, por conseguinte, o percurso individual, escolar, social
e até profissional destas crianças. O professor tem, por isso, a enorme responsabilidade de conduzir as cri-
anças à apropriação do código escrito, através da adoção de métodos, técnicas e estratégias pedagógicas mais
adequados e eficazes às necessidades individuais dos seus alunos. Só assim será possível alcançar o grande
desiderato do ensino da leitura: aprender a compreender os textos escritos.
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Inês Gomes
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Desenvolvida em Portugal pelo Plano Nacional de Leitura (PNL2027), em parceria com o EDULOG, esta plataforma
digital congrega informação científica sobre a aprendizagem da leitura e da escrita, constituindo uma importante ferra-
menta de apoio à prática pedagógica nos anos iniciais da escolarização, através da disponibilização de recomendações
baseadas em evidências e de recursos pedagógicos em português europeu.
287
Capítulo 14
Métodos Fónicos Sistemáticos no
Ensino da Leitura
Resumo
Este capítulo discute porque é que os métodos fônicos são um componente crítico no início
da aprendizagem da leitura em um sistema alfabético. Abordados numa perspectiva da psicologia
cognitiva, são apresentados como uma dimensão do ensino estruturado da linguagem requerendo
instrução explícita e sistemática de habilidades linguísticas. As suas características e o seu papel na
aprendizagem e no desenvolvimento da leitura são explicados com base em teoria e na investigação,
sendo disponibilizados exemplos de boas práticas para a sala de aula assim como exemplos contrastantes
não alinhados com as evidências científicas. O capítulo termina com uma proposta de reflexão que ajude
a reconhecer a importância da integração da ciência nas práticas letivas e conclui enfatizando algumas
ideias complementares ao uso dos métodos fônicos sistemáticos com a finalidade de contribuir para um
olhar mais integral do ensino da leitura.
Palavras-chave: métodos fônicos sistemáticos, princípio alfabético, decodificação, ensino da leitura práticas
de ensino da decodificação.
288
Ana Paula Vale
Saber ler é uma habilidade que tem que ser aprendida e tem que ser ensinada. A importância de
ensinar as habilidades fundamentais da leitura - consciência fonológica, mecanismo fônico (o funciona-
mento do código) e reconhecimento fluente de palavras - tem vindo a ser solidamente estabelecida ao
longo das últimas décadas (Castles et al., 2018; Foorman et al., 2016; Torgerson et al., 2018). Sem ensino
explícito, deixadas apenas à exposição da escrita, as crianças não conseguem induzir o funcionamen-
to do sistema alfabético, tal como o provam aqueles que foram alfabetizados apenas na idade adulta
(Kolinsky et al., 2018). Enquanto processo cognitivo, aprender a ler implica o tratamento das palavras
atendendo às suas propriedades linguísticas, incluindo ortográficas, e não a sua memorização como um
objeto visual (Dehaene & Cohen, 2011; Miles & Ehri, 2019). Por isso, quando se aprende a ler em um
sistema alfabético, não é possível iludir a norma de que cada grafema representa um fonema - o
Princípio Alfabético (Byrne & Fielding-Barnsley, 1989, 1990). Assim, se o objetivo da escola é capacitar
a maioria dos alunos para ler bem e evitar o insucesso na leitura, é vantajoso que o ensino se faça atra-
vés de métodos fônicos sistemáticos, acompanhados do ensino da tomada de consciência dos fonemas,
tendo como alvo crucial as correspondências entre grafemas e fonemas.
Os métodos fônicos são técnicas de ensino da leitura que têm como base a perspectiva de
que, desde o início da aprendizagem, as crianças devem entender que existem relações consistentes
entre os “sons” mínimos da fala, os fonemas, e os grafemas (uma letra [e.g., <d>] ou duas [e.g., <ch>).
Dito de outro modo, é necessário que as crianças compreendam o raciocínio e a lógica que existem na
habilidade de ler.
Atualmente distingue-se entre métodos fônicos e métodos fônicos sistemáticos. Mais adiante
no texto esta distinção será pormenorizada, mas estabeleceremos desde já que os métodos fônicos
sistemáticos são os que preparam, acrescentemos melhor para evitar absolu-tismos, as crianças para
iniciar e prosseguir eficazmente a tarefa complexa de ler em um sistema alfabético (Buckingham, 2020;
Seindberg, 2017; Torgerson et al., 2018). A partir deste ponto, quando forem mencionados métodos
fônicos estaremos a referir-nos a métodos fônicos sistemáticos, exceto quando anotado.
289
Métodos Fónicos Sistemáticos
Os métodos fônicos sistemáticos focam-se no ensino do Princípio Alfabético. Por essa razão,
envolvem três tipos de aprendizagem basilares que interagem entre si e se reforçam reciprocamente:
a das letras, a tomada de consciência dos fonemas e a das relações entre letras (ou grupos de letras)
e fonemas. Estas três aprendizagens – um ciclo virtuoso (Mutter et al., 2004; Snowling & Hulme, 2011) -
são os pilares do conhecimento alfabético, sendo cada uma um elo necessário.
Uma pergunta pertinente cuja resposta pode ajudar a compreender melhor a importân-
cia dos métodos fônicos, é: porque é que ensinar explicitamente, e em conjunto, esses três tipos de
conhecimento funciona eficazmente? A resposta prende-se com a natureza do sistema de escrita que
temos que aprender.
Os sistemas de escrita são códigos da linguagem oral e diferem entre si relativamente à unidade
oral que representam. Existem essencialmente três categorias de sistemas de escrita: os alfabetos, cujos
símbolos representam a unidade mínima da fala, o fonema (e.g., Português); os silabários, cujos símbolos
representam globalmente sílabas (e.g., Hiragana Japonês); os morfofonéticos (ou logográficos), cujos
símbolos representam elementos de “som” e elementos de significado (e.g., Chinês).
Sublinhando a ideia, diferentemente da escrita Japonesa e da escrita Chinesa, sendo o nosso
sistema de escrita um alfabeto, cada fonema de uma palavra é, regra geral, representado por um gra-
fema. Vejamos por exemplo a palavra chá, que tem dois fonemas (/ʃ/ e /a/) e, por isso, escreve-se
com dois grafemas (<ch> e <á>); a palavra quinto, tem quatro fonemas (/k/, /ĩ/, /t/, /u/ em Português
Europeu [PE]; /k/, /ĩ/, /t/, /o/ em Português do Brasil [PB]) e tem quatro grafemas (<qu>, <in>, <t>, <o>); se
/ʃa/ e /da/ diferem no fonema inicial, também devem ser diferentes no grafema inicial, <chá> e <dá>.
Assim, se uma palavra tem, por exemplo, quatro grafemas (e.g., <f>, <i>, <l>, <a> - <fila>), quando a
lemos temos que produzir quatro fonemas (/f/, /i/, /l/, /ɐ/) e juntá-los numa sequência apropriada para
pronunciar a palavra fila e acessar ao significado. Por isso, desenvolver representações abstratas dos
“sons” mínimos da fala – tomar consciência dos fonemas – e aprender os símbolos que os representam
– grafemas - é a chave para usar o código e aprender a ler.
Algumas crianças podem aprender a identificar palavras escritas de forma global, como se
fossem um objeto visual (e.g., <pai> - /paj/). No entanto, isso não lhes permite compreender a função
das letras, nem as ajuda a entender que as palavras são compostas por fonemas. Se as crianças não
forem ensinadas, ou tiverem dificuldades, a desenvolver representações conscientes dos fonemas, terão
dificuldades em aprender as suas relações com as letras. Nesse caso, não entenderão que a forma escrita
das palavras depende de uma relação consistente entre fonemas e grafemas; sem a lógica do funcionamento
alfabético, a forma escrita de uma palavra parecerá arbitrária. Então a leitura dependerá mais da
290
Ana Paula Vale
memorização de palavras do que do uso do Princípio Alfabético, o que a tornará uma tarefa praticamen-
te impossível.
Dado que os métodos fônicos assentam nas relações regulares entre letras e fonemas, essa
aprendizagem torna-se em um poderoso mecanismo de autoensino (Share, 1995). A aprendizagem da
decodificação - que é o exercício de converter os grafemas em fonemas, juntá-los um-a-um da
esquerda para a direita e, fazendo a síntese, produzir a palavra - sustentada por um Princípio que foi
explicitado - proporciona aos alunos autonomia, no sentido em que podem aplicar sem ajuda externa os
conhecimentos parcelares que vão adquirindo a palavras novas (Steacy et al., 2016). Por exemplo, quem
sabe ler pula, sabe ler lupa; quem sabe ler mola e galo pode ler goma; quem sabe ler cama e mel pode
conseguir ler camelo. Cada sucesso na leitura de uma palavra produz um reforço nas associações entre
os grafemas e fonemas que a compõem. Por isso, a decodificação enquanto mecanismo de autoensino
gera novas aprendizagens e reforça as que já existem. Esta autonomia, que apenas os métodos fônicos
permitem e que, em princípio, poderá ser atingida no final do 1.º ano para a maioria das palavras que
se encontram em livros desse nível de escolaridade, é um dos fatores mais potentes na progressão da
aprendizagem da leitura.
O uso dos métodos fônicos sistemáticos é particularmente relevante nas fases iniciais da
aprendizagem, quando as crianças devem ser explicitamente ensinadas sobre o mecanismo de
decodificação. Quando as crianças começam a decodificar e até atingirem maestria no uso desse
mecanismo, fazem-no de um modo intencional, que lhes exige esforço e um controle consciente
sobre os processos de tratamento do código. Prestam atenção pormenorizada aos elementos
que constituem as palavras, estabelecendo correspondências entre grafemas e fonemas um-a-um,
mantendo na memória de trabalho a sequência de fonemas até pronunciar a palavra. Por isso, este
processo é caracteristicamente vagaroso, sobretudo nas fases iniciais quando o conhecimento é
ainda frágil. Não se trata de uma particularidade da aprendizagem da leitura, pois todos os processos
cognitivos que exigem controle consciente são lentos. A passagem para a automatização, isto é, para a
identificação imediata sem esforço cognitivo, das palavras, dá-se progressivamente.
Desde o início da aprendizagem, é essencial combinar o ensino da decodificação com o ensino da
codificação (a escrita de palavras). Para escrever uma palavra, as crianças têm que analisar a sequência
de fonemas na ordem em que se organizam na palavra, têm que manter essa sequência em memória até
que façam a conversão de cada fonema em um grafema e tracem as suas formas na mesma ordem em
um papel. Este é um exercício exigente e particularmente eficaz na consolidação das associações entre
fonemas-grafemas. O traçado da letra em conjugação com a produção do fonema (som da le-
291
Métodos Fónicos Sistemáticos
tra) é um dos mecanismos que mais fortalece as redes neuronais dedicadas ao reconhecimento de
letras e à leitura (James & Engelhardt, 2012), provavelmente porque adiciona um código motor que vai
facilitar a memorização (Bara et al., 2016). A decodificação e a codificação reforçam-se mutuamente
(Graham & Santangelo, 2014; Uhry & Shepherd, 1993) porque a combinação da síntese e da análise fo-
nêmicas associadas ao emparelhamento com os grafemas ajuda a fixar em memória o conhecimento das
correspondências um-a-um, mas também as estruturas sublexicais mais amplas (e.g., <@mp>) e a tríade
forma-pronúncia-significado das palavras, o que por sua vez, aumenta a probabilidade de sucesso nas
experiências seguintes de decodificação/codificação.
O funcionamento do Princípio Alfabético será depois reelaborado pelo aprendiz quando este
se confrontar com a situação em que a decodificação de um grafema depende do contexto (letra
anterior e/ou seguinte) em que ocorre (Vale, 2011). Por exemplo, o <r> corresponde ao fonema /r/
quando ocorre entre vogais (e.g., cara), mas corresponde ao fonema /R/ no início das palavras (e.g., rua).
Embora estas correspondências sejam inteiramente consistentes em cada um dos contextos, o que
facilita a aprendizagem, este conhecimento é mais complexo do que o conhecimento alfabético estrito
porque envolve o entendimento de que alguns grafemas têm mais do que uma conversão fonológica.
Nesta fase é necessário estruturar o ensino explícito das regras contextuais.
292
Ana Paula Vale
Por exemplo, na palavra reta nenhuma das letras minúsculas se parece com as letras maiúsculas (reta
– RETA); no entanto se a criança aprender a palavra numa das formas, tipicamente reconhece imediata-
mente a palavra em outros tipos de letra. Portanto, é a ordem das letras, e não o formato do “objeto”
que é relevante na memória ortográfica.
Com a automatização da decodificação, a leitura torna-se fluente e liberta esforço cognitivo
para melhorar os processos de reconhecimento e de compreensão da leitura. Percebe-se, portanto, que
as habilidades adquiridas e treinadas durante as fases de início de aprendizagem através dos métodos
fônicos sistemáticos são condições facilitadoras de outros processos envolvidos na leitura como o
reconhecimento de palavras e a compreensão.
Muitas vezes fazem-se críticas aos métodos fônicos dizendo que se trata de um procedimento
que assenta apenas na técnica, o que o torna artificial, repetitivo e desmotivador, que o método ignora
a importância do significado, que não promove a compreensão porque usa um número limitado de pala-
vras muito específicas para o ensino, que distancia as crianças da sua cultura e do prazer da leitura. Este
tipo de concepções revela desconhecimento sobre a dinâmica do ensino, particularmente do ensino da
leitura, e afasta alguns professores do uso destes métodos. Em resposta a essas objeções, uma questão
muito importante a esclarecer é que a adoção dos métodos fônicos sistemáticos não impede a utilização
de outros meios e estratégias enriquecedoras do ensino da leitura.
A par dos métodos fônicos sistemáticos, que trabalham a decodificação e a codificação, é fundamen-
tal que os professores ensinem linguagem oral, vocabulário, leiam textos para os seus alunos, permitam
aos alunos ler textos de acordo com as suas aprendizagens, exercitem a escrita e trabalhem a compreen-
são e o gosto pela leitura. Todas estas práticas sustentam a aprendizagem da leitura. Adicionalmente, uma
vez que nem mesmo nos sistemas alfabéticos há sempre uma correspondência fixa de um-para-um entre
grafemas e fonemas, pode haver a necessidade de, perante palavras que contêm grafemas ou estruturas
sublexicais inconsistentes (e.g., respectivamente, táxi, muito) para as quais não há regras definidas, os pro-
fessores modelarem a leitura e clarificarem que os alunos precisam fixar a forma-pronúncia-significado
daquela palavra. Mas na leitura há poucas palavras desta natureza, elas são muito mais numerosas na escrita
(e.g., sino é inteiramente consistente na leitura, mas o fonema /s/, neste contexto, pode escrever-se
como <s> ou <c>). Regressando à leitura, convém talvez sublinhar que a utilização da prática que apela
mais à memorização deve ser controlada e enquadrada em um plano de ensino estruturado, na falta do
qual o ensino pode tornar-se uma forma de fazer “um pedacinho de tudo”, criando-se o risco sério de
perder a dimensão da sistematização que dá aos métodos fônicos a sua vantagem.
293
Métodos Fónicos Sistemáticos
• facilidade de acesso aos fonemas: os primeiros fonemas a serem trabalhados devem ser aqueles que
são mais fáceis de perceber e isolar, aqueles que conseguimos produzir prolongadamente – as vogais,
as consoantes fricativas e as líquidas antes das oclusivas (ver exemplos neste volume);
• grau de consistência: as relações grafema-fonema que têm correspondências fixas nas duas direções
(leitura e escrita) antes daquelas que têm mais do que uma correspondência. Por exemplo, o fonema
/f/ e a letra <f> têm sempre a mesma correspondência quer na leitura, quer na escrita; as vogais têm
alguma variabilidade, mas as que são mais estáveis devem ser ensinadas primeiro - a letra “i” quase
sempre se lê /i/ e se escreve <i>;
• complexidade do grafema: começar pelos grafemas simples, aqueles que têm só uma letra, antes dos
que são constituídos por duas letras (dígrafos, como, por exemplo, <um>, <lh>, <ss>, <qu>) e dos
que têm diacríticos (e.g., á, ç, õ);
294
Ana Paula Vale
- estrutura silábica: iniciar com estruturas simples CV (consoante-vogal), depois usar essa estrutura em
sequências um pouco mais longas (CVCV) e introduzir outras estruturas curtas (VCV, CVV); a estrutura
CC (e.g., <fruta>; <tecla>) deve ser a última a ensinar.
295
Métodos Fónicos Sistemáticos
giani et al., 2018; Schabmann et al., 2009) às menos consistentes (Buckingham, 2020; Double et al., 2019;
Ehri, et al., 2001).
Apesar da robustez desses dados e do consenso amplo, a investigação também mostra que existe
um distanciamento considerável entre o que a ciência provou ser eficaz no ensino da leitura e as práticas
de ensino nas escolas (Brady, 2011; Joshi et al., 2016, número especial de Annals of Dyslexia; Moats, 2014;
Spear-Swerling et al., 2016; Stark et al., 2016; Seidenberg, 2017).
Ouve-se com alguma frequência atribuir o insucesso na leitura a fatores externos à escola,
apontando-se designadamente a pobreza como causa primária do insucesso. Ainda que, indiscutivelmen-
te, a pobreza tenha um impacto considerável em todos os aspectos ligados à aprendizagem acadêmica,
fixarmo-nos apenas nesse fator desvia a atenção do fato de as práticas de ensino da leitura, se forem
inadequadas, terem um papel maximizador das desigualdades e, além disso, conduz à ideia errada de que
apenas pessoas desfavorecidas economicamente têm insucesso na leitura (Morais, 2018; Seidenberg,
2017; Seidenberg & Borkenhagen, 2020).
O método usado no ensino da leitura é um dos fatores mais relevantes no sucesso da
aprendizagem da leitura para todo o tipo de crianças, além de ter impacto no abandono escolar bem
como na trajetória de aprendizagem daqueles que entram em desvantagem na escola (Deauvieau et al.,
2015; Hirata & Oliveira, 2019; Machin et al., 2018).
A falta de ajustamento entre a ciência da leitura e as práticas do ensino da leitura tem
sido atribuída principalmente a falhas de conhecimento teórico e prático sobre os processos
envolvidos na leitura e no ensino da leitura quer por parte dos professores quer por parte dos seus
formadores, incluindo em Portugal (Lopes et al., 2014) e no Brasil (Oliveira, 2015). Por outro lado,
também existem estudos que indicam que a aplicação de programas de desenvolvimento profissional
para professores no domínio do ensino da leitura baseado em evidências científicas pode melhorar
significativamente os conhecimentos dos professores e os desempenhos em leitura dos seus alunos
(Ehri & Flugman, 2018; Vale et al., 2017; Vale et al., 2018). Por isso, conhecer o que a investigação tem
vindo a mostrar de forma consistente, pode ajudar a desenvolver ideias sobre a leitura, sobre a sua
aprendizagem e a tomar decisões sobre como incorporar esses conhecimentos nas práticas de ensino,
o que por sua vez pode ajudar a fazer um melhor trabalho com os alunos.
Tendo em mente a aprendizagem do Princípio Alfabético, que é o objetivo crítico dos méto-
dos fônicos sistemáticos, torna-se crucial compreender que estabelecer conexões entre letras e os
seus “sons” (fonemas) não é uma habilidade intuitiva. Isto foi provado há vários anos numa série de
estudos, que se tornaram exemplos clássicos da aprendizagem do Princípio Alfabético, realizados por
Byrne e Fielding-Barnsley (1989; 1990) com crianças entre os 3 e os 5 anos que não conheciam letras.
Os investigadores ensinavam as crianças a identificar (dizer em voz alta) palavras como “fat” e
“bat” e depois verificaram se as crianças conseguiam transferir o seu conhecimento, identificando
296
Ana Paula Vale
outras palavras não ensinadas. Apresentavam-lhes a palavra “fun” e perguntavam se era “fun” ou “bun”.
A grande maioria das crianças teve insucesso na tarefa, pois não conseguiu isolar o fonema /f/ nas pala-
vras ensinadas e transferir esse conhecimento para a nova palavra. Quando as crianças foram ensinadas
a atribuir “sons” às letras e a segmentar os fonemas nas palavras de modo a identificar as letras e os
sons, tiveram um grau de sucesso muito maior na tarefa de transferência. A pesquisa mais recente em
neurociências ajudou a confirmar estes resultados. Quando um grupo de adultos foi ensinado a ler
palavras inventadas escritas numa ortografia não familiar, os participantes tinham mais sucesso na
leitura, na generalização e na compreensão de palavras se tivessem sido ensinados predominantemente
sobre as relações entre símbolos e sons do que predominantemente sobre as relações entre símbolos e
significado (Taylor et al. 2017). Este estudo também reproduziu resultados anteriores mostrando que
aprender associações arbitrárias holísticas entre escrita e significado era processado por uma via neural
diferente da que era usada na aprendizagem de emparelhamentos sistemáticos entre símbolos e sons.
As evidências mencionadas acima deixam claro que as relações entre letras e fonemas devem ser
ensinadas explicitamente.
Consideremos brevemente (para uma perspectiva mais aprofundada ver capítulo 15 neste volu-
me) a aprendizagem sobre a tomada de consciência dos fonemas, a consciência fonêmica.
A natureza abstrata dos fonemas e o modo como estão coarticulados entre si na fala
torna-os efêmeros, inacessíveis ao uso intencional se não for feito um exercício para transformá-los em
representações conscientes. Por isso, tomar consciência dos fonemas requer treino explícito (Castles &
Coltheart, 2004; Morais et al., 1979) e, para algumas crianças, é uma conquista difícil de alcançar.
Num estudo realizado por Cary e Verhaeghe (1994) com crianças portuguesas do último
ano do pré-escolar, com média de 5;5 anos de idade, foi demonstrado que apenas os programas que
treinavam a manipulação de fonemas, ao contrário daqueles que só treinavam manipulação de rimas e
sílabas,levavam as crianças a progredir na sua capacidade para lidar com fonemas. Este estudo
importante mostrou que a tomada de consciência dos fonemas não se desenvolve a partir de unidades
fonológicas mais amplas e exige um trabalho focado em fonemas.
O trabalho sobre o ensino da consciência fonêmica requer que a formação de professores incida
sobre conceitos psicolinguísticos relacionados com a tomada de consciência dos fonemas, principalmen-
te aprender a trabalhar com eles. Os resultados de alguns estudos nesse domínio (Carlisle & Berebitsky,
2011) sugerem que essa formação pode exigir mais tempo e mais prática do que normalmente acontece.
Portanto, nem a aprendizagem nem o ensino da consciência fonêmica estão isentos de dificuldade. No
entanto, a existência de uma relação estreita entre consciência fonêmica e a aprendizagem da leitura é
incontestável (Hulme & Snowling, 2015; Kjeldsen et al., 2019; Suggate, 2016). Por isso, o ensino da tomada
de consciência dos fonemas é considerado um componente fundamental e incontornável da aplicação
297
Métodos Fónicos Sistemáticos
dos métodos fônicos (Buescu et al., 2012; Maluff, 2015; Morais & Oliveira, 2015; Scliar-Cabral 2013; 2014;
Melby-Lervåg et al., 2012).
Outra das peças fundamentais da aprendizagem da leitura através de métodos fônicos é o
conhecimento de letras (Cardoso-Martins, 2002; Hulme et al., 2012; Vale & Cary, 1998). Conhe-
cer letras é um dos componentes fundamentais do Princípio Alfabético e, além disso, ajuda a
lidar com os fonemas. Ajuda a concretizar as representações abstratas que são os fonemas, ajuda a reter
em memória os fonemas (Castles et al., 2011) e ajuda a emparelhar os fonemas nas palavras com os
repectivos grafemas, o que solidifica as relações entre letras e fonemas nas palavras (de Abreu & Car-
doso-Martins, 1995) e cria uma memória ortográfica (Miles & Ehri, 2019). Adicionalmente, existem
evidências de que manipular fonemas sem a ajuda de letras é difícil, ou mesmo não possível, para as
crianças que iniciam a aprendizagem da leitura (Carroll, 2004; Morais et al., 1987). Num estudo de
Carroll (2004) foram apresentadas imagens (e.g., portão, em inglês gate) cujo nome era pronunciado,
exceto o fonema final (neste caso /gej/), que a criança deveria completar (/t/). Nenhuma criança que não
conhecesse pelo menos três letras conseguiu realizar essa tarefa, em que tinha que completar um nome
fornecendo o fonema final. No entanto, de entre as 22 crianças que conheciam mais de 20 letras apenas
uma teve insucesso na tarefa.
Apesar do papel central que têm, como ensinar letras raramente foi objeto de estudo; mas
começa a tornar-se um tópico de interesse da investigação mais recente, que aponta para resultados que
podem parecer contraintuitivos, até mesmo não imediatamente acomodáveis. Nessa linha, um estudo
sugere que, nos momentos mais iniciais da aprendizagem da leitura, parece ser mais importante que a
criança aprenda a produzir o “som” da letra que lhe é apresentada do que reconhecer rapidamente a
letra, isto é, ser rápida a decidir se um dado “som” é ou não uma letra particular que lhe é mostrada
(Clayton et al., 2019). Embora tarefas de reconhecimento sejam normalmente mais fáceis de realizar
do que tarefas de evocação, este resultado deve-se provavelmente ao fato de que pedir às crianças que
digam o “som” de um grafema é um modo de avaliar o conhecimento das conversões grafema-fonema,
que é afinal a base do mecanismo de decodificação. Um outro estudo (Sunde et al., 2019), que usou
técnicas metodológicas robustas e uma grande amostra de crianças norueguesas do 1.º ano (923 crian-
ças) replicou resultados de um trabalho anterior mostrando que o ensino espaçado das letras (1 ou 2
por semana) prediz resultados mais baixos de conhecimento de letras, leitura e escrita de palavras no
final do ano letivo do que um ensino mais célere, particularmente para as crianças com níveis mais
baixos de conhecimento no início da aprendizagem. Este estudo não menciona o número de letras que
obteve o melhor valor preditivo, mas um estudo anterior (Jones & Reutzel, 2012) indicava que as crianças
expostas a uma letra por dia e a vários ciclos de ensino dessa letra aprenderam melhor as letras. O ra-
cional é o seguinte: a aprendizagem das letras e da sua relação com os “sons” da fala depende
298
Ana Paula Vale
predominantemente da quantidade de prática, particularmente da repetição do uso das letras para ler
ou escrever palavras. Se o ensino for lento, as crianças aprenderão poucas letras e terão poucas opor-
tunidades de exercitar o uso das letras na decodificação/codificação, em tarefas de leitura e escrita. Isso,
por sua vez, diminuirá as suas oportunidades de encontrar palavras que contenham essas letras, de ter
experiência de decodificação e de reforçar as aprendizagens de correspondências entre letras e “sons”,
as quais, sabemos há muito tempo, se reforçam mutuamente (Hulme et al., 2012; Mutter et al., 2004;
Share, 1995).
Os resultados do estudo de Clayton et al., (2019) alinham bem com o resultado de uma pesquisa
sobre a ordem do ensino das letras (Treiman et al., 2019). Nesta pesquisa verificou-se que o conheci-
mento das letras ensinadas primeiro era mais sólido do que o das letras ensinadas mais tarde, o que
sugere que as aprendizagens realizadas mais tardiamente podem não ter sido suficientemente praticadas.
Embora o ritmo do ensino das letras esteja muito pouco estudado, e os resultados devam, portanto,
ser encarados com cautela, a lógica subjacente a esses resultados vai ao encontro de conhecimentos já
solidamente estabelecidos, que sublinharemos abaixo.
Ensinar conjuntamente consciência fonêmica, letras e as correspondências grafema – fonema
enquadrando essas práticas em tarefas de leitura e escrita - o ciclo virtuoso (Mutter et al., 2004; Snowling
& Hulme, 2011) já anteriormente mencionado - tem sido indicado como o modo mais eficaz de aplicar
os métodos fônicos a todas as crianças, com e sem dificuldades (ou pobreza) de aprendizagem (Brady,
2011; Buckingham, 2020; Hatcher et al., 2004; Seindenberg et al., 2020). Existem evidências dessa van-
tagem há vários anos. Por exemplo, Hatcher e colegas (1994) compararam o efeito de três programas
aplicados a crianças de sete anos que tinham dificuldades de leitura, em um período de 20 semanas em
sessões de 34-40 minutos. As 182 crianças participantes tinham desempenhos equivalentes em Q.I. e
em leitura antes do treino e foram distribuídas aleatoriamente por quatro grupos, um grupo controle e
três de intervenção: só consciência fonológica (Cf); só leitura (L); leitura e consciência fonológica (L+Cf).
No grupo que só treinava consciência fonológica não se trabalhava as letras, no grupo que só
treinava leitura não se explicitavam as relações entre grafemas e sons a menos que, incidentalmen-
te, alguma criança fizesse perguntas. No grupo de L+Cf as relações entre grafemas e fonemas eram
explicitadas e eram treinadas em exercícios de leitura e de escrita. Os resultados mostraram que o
programa L+Cf produziu os maiores progressos em leitura e escrita, que perduraram pelo menos até
9 meses depois. Brady (2011) fez mais tarde uma revisão sistemática da investigação relevante para o
ensino da leitura e concluiu que os métodos fônicos sistemáticos, em que o ensino envolvia a in-
tegração dos componentes fundamentais da leitura, eram os mais vantajosos para todas as crianças.
A prática do ensino integrado dos vários componentes vai reforçando na mente da criança as asso-
ciações recíprocas entre forma-fonologia-significado das palavras, o que aumenta o seu domínio da
299
Métodos Fónicos Sistemáticos
leitura. Práticas de ensino que exercitam de forma isolada os diferentes componentes envolvidos, são
práticas incompletas, menos eficazes para o alcance do objetivo de levar as crianças a compreender o
funcionamento do sistema de escrita.
Para um leitor fluente, a tarefa multifacetada de aprender letras, “sons” e as relações entre
eles pode parecer fácil, mas vários estudos mostram que uma percentagem elevada de crianças tem
dificuldades sérias em adquirir esse conjunto de conhecimentos (Denton et al., 2014; Vale et al., 2011).
Por isso, o modo como se realiza o ensino é determinante nessa aprendizagem. Um elemento facilitador
da aprendizagem das relações grafema-fonema é incluir no ensino a modelagem e a explicitação dos
gestos articulatórios da produção dos fonemas (Boyer & Ehri, 2011; Sargiani et al., 2018).
Para estabelecer representações robustas e especificadas dos fonemas, a criança deve diferenciar os
fonemas através das suas características acústicas e articulatórias. Isto pode ser realizado focando a
atenção das crianças nas posições e movimentos dos lábios e língua quando se produz, ou tenta produzir
o mais fielmente possível, um fonema.
Mais recentemente, a investigação tem vindo a provar a importância de um outro aspecto rele-
vante na aplicação dos métodos fônicos sistemáticos, que é o da quantidade de prática, o da quantida-
de de exercício desses vários passos que conduzem à maestria da decodificação (Castles et al., 2018;
Jones et al., 2013). A exposição repetida às palavras escritas e ao exercício de decodificação torna o
conhecimento das relações grafema-fonema cada vez mais sólido e por isso, cada vez mais
automático. Com a prática, a criança desenvolve mecanismos de reconhecimento, isto é, de acesso
automático à pronúncia e significado das palavras, o que funciona como um elemento de otimização para a
compreensão da leitura (Double et al., 2019). A explicação para a importância fundamental da
quantidade de experiência em leitura reside no fato de que a prática continuada possibilita uma forma
de aprender - a aprendizagem implícita (Seidenberg, 2017) - que é distinta e complementar daquela que
ocorre com base na explicitação conduzida pelos professores. A aprendizagem implícita é uma forma
de aprendizagem intuitiva, que resulta das nossas capacidades para extrair regularidades a partir da
informação que temos que manipular (Seidenberg et al., 2020). Por exemplo, se a criança é exposta várias
vezes a palavras como exame, exato, exercício, exemplo, provavelmente vai ler bem a palavra exótico,
mesmo que <ex> seja um padrão inconsistente (e.g., exposta – existo) e ela nunca tenha visto essa
palavra escrita. De acordo com estudos recentes, os programas que têm produzido melhores resultados
de aprendizagem dedicam entre 30 a 45 minutos por dia ao ensino explícito fônico e à sua aplicação na
leitura de palavras isoladas e em contexto (Moats, 2019), o que sugere que deve haver um balanço entre
o ensino explícito e a oportunidade de realizar aprendizagens implícitas através das práticas de leitura
e escrita.
Por fim, põe-se a questão muito relevante de saber qual dos dois tipos de métodos fóni-
cossistemáticos – sintético ou analítico – é mais eficaz. Sobre este tópico, a investigação não é
300
Ana Paula Vale
claramente conclusiva. Embora a maioria dos investigadores aponte o método sintético como mais
produtivo (Buckingham, 2020), estudos que realizaram revisões e análises em profundidade de grandes
quantidades de investigação concluiram que, globalmente, os dados não sustentam que haja diferenças
suficientemente claras entre os dois (Torgerson et al., 2018).
Se tomarmos em conta os princípios que regem as práticas de uma e de outra dessas duas
versões, o método sintético parece incluir as condições que asseguram um melhor controle da
sistematicidade do ensino das relações fonema/grafema. Além disso, pode ser mais efi-
caz na operação da síntese fonêmica. Um estudo recente (Gonzalez-Frey & Ehri, 2020) foca-
do apenas no método sintético comparou duas práticas de ensino usando “palavras inventadas”.
Numa, denominada “fonação segmentada”, o experimentador ensinava as crianças a converter grafe-
mas em fonemas através da segmentação da fala (e.g., “sss – aaa – nnn”) antes da junção (síntese) dos
fonemas, para pronunciar a pseudopalavra; na outra, denominada “fonação conectada” o experimenta-
dor ensinava a produzir a fala sem quebras entre os fonemas (e.g., “sssaaannn”) antes da junção (sín-
tese) dos fonemas numa palavra. Nas duas condições eram usadas letras a acompanhar os exercícios
e todas as crianças conheciam os sons das letras, mas não eram capazes de ler “palavras inventadas”.
A fase de treino foi feita com consoantes contínuas que pudessem ser “prolongadas” e ligadas aos fone-
mas seguintes. Na fase de teste, foi pedido às crianças que lessem “palavras inventadas” com consoantes
oclusivas. Os resultados mostraram que o procedimento em que foi usada a “fonação conectada” produ-
ziu melhores desempenhos, tendo sido observadas diferenças de grande magnitude entre os dois tipos
de práticas. Os autores verificaram que o procedimento por “fonação segmentada” levava as crianças a
esquecer os fonemas iniciais durante a fase de junção.
Portanto, entre os dois procedimentos sintéticos usados neste estudo, o procedimento de na-
tureza mais sintética foi o que gerou melhores desempenhos, o que sugere que a prática da fusão de
fonemas possa ser facilitadora do processo de aprendizagem.
Em síntese, os métodos fônicos sistemáticos mostraram ser vantajosos na aprendizagem da
leitura quando comparados quer com outros métodos quer com métodos fônicos não sistemáticos.
301
Métodos Fónicos Sistemáticos
As evidências sobre as vantagens a longo prazo são menos consistentes do que as que existem
sobre os seus efeitos a curto prazo. No entanto, estudos que utilizaram metodologias sólidas mostra-
ram que os benefícios são inequívocos para a escrita e, comparativamente com métodos não sistemá-
ticos, mantêm uma forte vantagem até dois anos que podem perdurar até cinco anos relativamente à
compreensão da leitura em crianças que iniciaram a aprendizagem em desvantagem.
O conjunto dos estudos apresentados leva a sublinhar que os métodos fônicos não são progra-
mas completos de ensino. A maioria dos investigadores sublinha que devem ser usados em combinação
com outros componentes fundamentais: a tomada de consciência de fonemas, o conhecimento de letras,
escrita de palavras, vocabulário, compreensão da leitura e atividades de leitura e escrita.
Comparações entre as duas versões dos métodos fônicos não produziram evidências claras
sobre as vantagens do método fônico sintético. É importante enfatizar, no entanto, que vários estudos
convergem em provar que o ingrediente chave da eficiência dos métodos fônicos é o serem aplicados
sistematicamente.
O que Fazer na Sala de Aula?
Apesar de este capítulo não poder tratar todas as complexidades que envolvem a aplicação de
um programa completo de ensino fônico, alguns exemplos e reflexões poderão ilustrar o conteúdo e os
métodos desta abordagem.
Uma primeira ideia estruturante é a seguinte: equacionar o ensino da leitura distinguindo os seus
componentes deve ser uma orientação para os professores, mas não para as crianças. Há programas
que aplicam separadamente 10 minutos por dia de atividades de consciência fonêmica, 15 minutos de
exercícios fônicos e 15 minutos para trabalhar fluência. Trata-se de uma má aplicação dos dados da inves-
tigação. Decodificar não é uma habilidade que deva ser ensinada apenas através da repetição mecânica
de associações. Do ponto de vista da aprendizagem, para os alunos, não faz sentido isolar o exercício da
tomada de consciência dos fonemas dos outros conhecimentos que lhe são coadjuvantes, como o co-
nhecimento de letras e o conhecimento das relações grafema-fonema. Para os professores, no entanto,
é importante saberem que atividades, ou que parte das atividades, estão mais diretamente implicadas no
desenvolvimento de um componente específico. Isso permitirá que façam o planejamento do ensino não
perdendo de vista os objetivos específicos que têm que atingir.
A aprendizagem deve ser conduzida passo a passo e, por isso, tal como foi mencionado acima no
texto, requer um plano de instrução explícita, estruturada e sistemática que deve ser monitorado por
quem ensina. No Quadro 1 podem ser apreciados exemplos de um ensino explícito e de um ensino não
explícito que foram adaptados a partir de exemplos de Moats (2019). Repare no caráter incidental do
ensino não explícito e nas explicações pormenorizadas do ensino explícito.
302
Ana Paula Vale
Quadro 1
Exemplos de uma Explicação Explícita e uma Não Explícita de um Padrão Or tográfico
Ensino Explícito Ensino NÃO explícito
• Professor/a: “hoje vamos aprender outro som, o /ĩ/. • Ao ler uma frase, o aluno leu fita em vez de finta:
Já aprendemos o /ũ/, como em um, atum, fundo e o jogador fez uma fita à trave
jumbo”. • O/A professor/a pergunta: “isso parece-vos alguma
• Primeiro, vamos ouvir o som. Se ouvirem /ĩ/ na jogada no futebol? Lê de novo e pensa numa
palavra que eu disser, ponham a mão no ar: linda, jogada que conheças”
pudim, dente, pito, tinta, etc. • Os alunos dizem “É finta!!”
• Olhem no espelho como faz a vossa boca quando • O/A professor/a, mais tarde, escreve as seguintes
dizem /ĩ/. O que faz a vossa boca? palavras no quadro: finta, lindo, vinte, cinco, tinta,
A forma mais frequente de escrever /ĩ/ é in - IN. etc., e orienta os alunos na leitura coral da lista de
• Vamos dizer os sons da palavra lindo. /l/, /ĩ/, /d/, /u/. palavras
O/A professor/a põem blocos em quatro “caixas de • O/A professor/a diz: “estas palavras são todas da
som”, à medida que os alunos dizem os quatro sons família do <in>: se souberem ler tinta, sabem ler
levantando um dedo para cada som. finta.”
• O/A professor/a escreve a palavra lindo nas “caixas de
sons” de Elkonin. “Olhem para a palavra lindo”.
• Quantas letras tem? (5); quantos sons? (4); Quais são
as letras desta palavra que, sozinhas, não representam
sons? Nem a letra <i> nem a letra <n> têm uma
“caixa” cada uma, porque não representam um som
sozinhas nesta palavra.
• Só quando estão juntas, são uma unidade, fazem o
som /ĩ/. O/A professor/a desenha um círculo à volta
do grafema <in> para sublinhar a ideia de “unidade”.
No decorrer da leitura de um texto, também há diferenças entre uma orientação explícita e uma não
explícita quando é necessário focar uma palavra específica. O Quadro 2 diferencia essas duas abordagens.
Quadro 2
Exemplos de orientações em um ensino explícito e em um ensino não explícito quando surge uma palavra
desconhecida em um texto
Ensino Explícito Ensino NÃO explícito
1. Olha cuidadosamente para a palavra. Diz as letras se 1. Pensa no que pode fazer sentido nesse texto
precisares 2. Salta a palavra e lê a frase completa
2. Decodifica em voz alta, da esquerda para a direita 3. Olha para as imagens, para ajudar
3. Verifica. Faz sentido? 4. Olha para a primeira letra; qual é o som?
5. Diz a palavra toda
303
Métodos Fónicos Sistemáticos
1. Vamos ouvir com atenção a palavra fio. Todos sabem o que é um fio, certo? O/A professor/a aguarda as
respostas das crianças e depois de conversar um pouco mostra um fio ou uma imagem de um fio, por
exemplo como esta:
2. Eu consigo dizer a palavra fio muito devagar. Ouçam com atenção os sons da palavra: /fffffffff/ /iiii/ /oooo/
(/uuuu/ em PE); /ff ii oo/, /fio/.
3. Se eu disser /f/, /i/, /o/, que palavra vem? Isso, fio.
4. O primeiro som de fio é /ffffffffffffff/. Reparem na minha boca. O/A professor/a também mostra uma
imagem como esta:
Reparem nesta imagem. É como a minha boca? Como está a vossa boca?
Os dentes encostam no lábio inferior e sai um sopro? Olhem no vosso espelho. Digam comigo /fffffff/ a ver
no espelho. A palavra fio começa com o som /ffffffffff/ - /f/. Repitam comigo: /fffffff/- /f/.
304
Ana Paula Vale
5. Qual é o primeiro som da palavra fio? Digam vocês. Isso, /f/, muito bem!! O som /f/ escreve-se com a letra
F. O/A professor/a escreve no quadro e/ou mostra um cartãozinho com a letra
6. Agora vamos escrever a letra, que tem duas formas: esta que é o F grande ou maiúsculo, ou esta
que é o pequeno ou minúsculo. As crianças praticam. O/A professor pode aproximar-se de cada
estudante enquanto escrevem a letra e pedir-lhe que pronuncie o fonema /f/.
7. Agora vamos fazer um jogo com o som /f/. Eu vou dizer palavras e vocês vão ouvir com atenção.
Se ouvirem o som /f/ no início, levantam o braço: figo, fada, boca, foca, vento, sala, fumo, etc. O/A professor
explica explicitamente, se as respostas estão certas ou não.
8. Alguém conhece palavras que começam com /f/? Vamos tentar… As palavras que começam com o som
/f/, começam com a letra F/f.
Repare que no exemplo acima foram usados vários dos componentes anteriormente apontados
como cruciais na aprendizagem da decodificação. Adicionalmente foram usados facilitadores, como o uso de
imagens para associar aos gestos articulatórios e à letra, a escrita da letra e o ensino simultâneo da forma
maiúscula e minúscula da letra.
As duas habilidades de consciência fonêmica mais importantes para a aprendizagem do
Princípio Alfabético são a fusão (síntese) e a segmentação de fonemas (Seidenberg, 2017).
Para ensinar a fazer a síntese (fusão) de fonemas use palavras do vocabulário da criança.
Por exemplo, FILA. Um jogo/exercício possível pode chamar-se “Dizer a palavra”. Pode começar a
pronunciar o primeiro fonema durante cerca de 2 segundos, depois o segundo também dois segundos e
assim sucessivamente com os quatro fonemas. Depois repita o procedimento duas ou três vezes, mas
encurte o tempo entre cada fonema até que cada um seja articulado por cerca de apenas 0,5 segundo.
Então pergunte que palavra pensam que é. Tendo sido dita a palavra, de seguida escreva uma letra para cada
fonema, produzindo o fonema para cada uma e diga a palavra completa em um registro de fala natural: fila.
Peça depois que a turma, e depois algumas crianças individualmente, faça o mesmo exercício com outras
palavras.
A mesma atividade deve ser realizada sendo a criança a fazer a síntese/fusão desde o início. Entre
outros, Parker (2019) sugere o seguinte exercício, que adaptámos:
F I L A
305
Métodos Fónicos Sistemáticos
Escolha um/a estudante e peça-lhe que diga o som da letra para onde vai apontar durante o tempo
em que estiver a apontar. Quando a criança estiver pronta aponte para o F durante cerca de 2 segundos,
quando o tempo acabar passe para o I e mantenha 2 segundos e assim sucessivamente com os quatro fonemas.
A seguir diga-lhe que ele/ela vai fazer a mesma coisa, mas um pouco mais rápido. Mantenha 1 segundo
para cada letra. Depois diga-lhe que vai fazer ainda mais rápido e mantenha 0,5 segundo para cada letra.
Agora, diga-lhe que tem que preparar-se para dizer mais rápido ainda. Quando a criança estiver pronta, deslize
o seu dedo suavemente por baixo das letras gastando 0,5 segundo no total. Pergunte então, qual é a palavra?
Reforce a resposta correta e repita a palavra.
Faça todo o exercício com um outro, ou até um terceiro, estudante. Depois repita com toda a turma.
Felicite as crianças pelo esforço e o sucesso. De seguida escreva a palavra no quadro em três formatos:
FILA
fila
Fila
Enfatize que é a Palavra Fila e que Pode ser Escrita Daquelas Três Maneiras.
Muitos investigadores e relatórios oficiais sobre boas práticas dos métodos fônicos (Foorman, 2016)
indicam o uso das “Caixas de sons” de Elkonin (1963), que tiveram depois muitas adaptações, para facilitar o
ensino da segmentação e síntese fonêmicas.
As “Caixas de sons” de Elkonin são uma ferramenta muito simples, mas muito útil. Cada “caixa”
representa um fonema da palavra que está a ser estudada. Por exemplo, a palavra uva tem três fonemas, por
isso serão precisas três “caixas” para trabalhar esta palavra.
Figura 1
“Caixas de som” de Elkonin
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Ana Paula Vale
307
Métodos Fónicos Sistemáticos
No entanto, para verificar se esses conhecimentos estão bem estabelecidos não basta avaliar a ex-
atidão dos desempenhos, também é muito importante que os professores verifiquem o tempo que as crianças
levam a realizar esse tipo de tarefas. Se uma criança for muito lenta a decidir o som de uma letra/grafema ou
a decodificar uma palavra que tenha letras conhecidas, isso é um indicador de que a aprendizagem não está
consolidada.
A característica mais diferenciadora dos métodos fônicos sistemáticos é precisamente obedecerem
a uma sistematização, isto é, a uma ordenação no ensino dos conteúdos que reflete os princípios orienta-
dores da aprendizagem comprovados pela investigação. O Quadro 3, inspirado em Moats (2019), mostra
diferenças entre um ensino sistemático e um não sistemático.
Quadro 3
Exemplos de ensino sistemático e não sistemático da leitura
Ensino Sistemático Ensino NÃO Sistemático
• Segue uma ordem no ensino dos fonemas: • Ensina os conceitos à medida que surgem –
- mais > menos pronunciáveis: vogais, fricativas, durante a leitura ou a escrita de um texto
líquidas antes das oclusivas • Não ensina o sistema completo das correspondên-
• Segue uma ordem no ensino dos grafemas: cias ou outros aspectos da estrutura da palavra
- simples > complexos (e.g.,<f> - <rr>) relativamente a um enquadramento completo
- consistentes > inconsistentes (e.g.,<f> - <qu>) • Não segue rotinas estabelecidas em cada lição
- formas distintas > formas em espelho • Não categoriza os conceitos nem os enquadra
• estrutura silábica: CV; CV.CV; outras; CC última em um sistema de linguagem, por exemplo <ão>
• Identifica o fonema alvo nas palavras pode ser ensinado numa família de palavras que
• Pronuncia e descreve as características articulatóri- rimam com <ão>, mas os alunos não são ensinados
as do fonema (com espelhos; com imagens) sobre o seu padrão de acentuação silábica.
• Escreve as letras correspondentes aos fonemas • Não usa materiais para praticar frequentemente as
• Decodifica palavras com a correspondência estruturas ensinadas. Por exemplo, os textos que
grafema-fonema alvo usam não são pensados para que as crianças
• Codifica (escreve) palavras com a correspondência • tenham oportunidade de praticar relações entre
fonema-grafema alvo grafema-fonema. O material de leitura é, normal-
• Os textos para leitura são decodificáveis, com mente, escolhido por outras razões, por exemplo, o
palavras e padrões ortográficos ensinados durante tópico que tratam.
o ensino fônico.
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Ana Paula Vale
No Quadro 4 pode ser observado um exemplo do uso das “caixas de som” para exercícios com
diferentes palavras.
Quadro 4
“Caixas de som” de Elkonin com vários exemplos de segmentação de fonemas e repectivos grafemas
Palavras 1.º som 2.º som 3.º som 4.º som 5.º som 6.º som
sol s o l
fim f im
quente qu en te
carta c a r t a
pinguim p in g u im
hotel ho t e l
chimpanzé ch im p an z é
Conclusões
Globalmente, as ideias e estudos apresentados neste capítulo contribuem para destacar duas linhas
de evidência que são uma boa base de reflexão para o reconhecimento da importância de integrar os dados
da ciência cognitiva da leitura nas práticas de ensino da leitura: a) os métodos fônicos sistemáticos são hoje
considerados o modo mais eficaz de ensinar a ler qualquer criança em um sistema alfabético, e b) os métodos
fônicos sistemáticos não são um programa completo de ensino da leitura. Integrar criticamente as perspecti-
vas que decorrem dos dados que sustentam essas duas afirmações, permitirá conceber um ensino da leitura
de grande qualidade. Em complemento, é ainda relevante recordar e enfatizar algumas ideias. Em primeiro
lugar, o papel determinante da prática diária na aprendizagem da leitura, para fortalecer a exatidão na decodi-
ficação e desenvolver a automatização. O que se ensina deve ser praticado e o que não é praticado perde fun-
cionadade. Por isso, o planejamento do ensino deve incluir diferentes tipos de prática: trabalho com palavras
isoladas, com palavras de diferentes frequências, conjugar leitura e escrita de palavras, mas sempre, sempre, a
leitura de frases e textos, primeiro apenas decodificáveis e, pouco depois, incluindo diversos tipos de palavras.
Para além disso, ouvir o/a professor/a ler, e debater depois o que foi lido, deveria ser considerado como um
dos elementos obrigatórios do ensino da leitura. Esse componente é um dos que mais sustenta a motivação
para ler, que engrandece a literatura aos olhos das crianças e que lhes dá aspiração para, também eles, lerem
sozinhos essas histórias. Uma segunda ideia é que, no quadro da estrutura da linguagem, os métodos fônicos
estão diretamente implicados no ensino do mecanismo que traduz a fonologia, porém é importante com-
preender que o nosso sistema de escrita não representa apenas a fonologia, mas também outros aspectos
da linguagem, como a semântica e a morfossintaxe. Estes aspectos devem ser, mais tarde, objeto de ensino
explicito. Aprender sobre a organização morfossintática é essencial para a compreensão da leitura e também
309
Métodos Fónicos Sistemáticos
para aprender a escrever. Por exemplo, <pintarmos> e <pintar-mos> (e.g., “é hábito pintarmos ovos na
Páscoa” e “não consigo pintar os ovos; tens que vir pintar-mos”), apesar de fonologicamente iguais referem-se
a ideias diferentes. Outro exemplo, é perceber que <im> em importante não tem o mesmo significado que
em impaciente. Estas complexidades têm uma lógica que pertence ao domínio do funcionamento da língua e
que está para além dos métodos fônicos. É necessário que as crianças a compreendam para serem leitores
hábeis e com sentido crítico.
Uma terceira ideia diz respeito à importância de monitorar regularmente as experiências de
aprendizagem das crianças de modo a detectar tão cedo quanto possível aquelas que necessitam de uma
diferenciação no ensino. Dada a sua estruturação e sistematização, os métodos fônicos são particularmente
eficazes em revelar as fragilidades nas aprendizagens alfabéticas.
Finalmente, uma palavra para um aspecto crítico no ensino da leitura - a formação. Sabemos que
existe, quer em Portugal, quer no Brasil, uma falha acentuada na formação de futuros professores quanto ao
ensino da leitura e também parece ser claro que a formação no âmbito do Desenvolvimento Profissional de
professores não pode continuar a fazer-se com oficinas de formação de apenas algumas horas. A investigação
já mostrou que os conteúdos em causa e as práticas que lhes devem estar associadas não são fáceis nem
rápidas de aprender. Portanto é urgente investir na melhoria da formação de professores nesta área, tra-
zendo para a formação os dados da ciência e conseguindo que os professores reconheçam que os dados da
ciência podem trazer grandes benefícios para o ensino. Para terminar, sublinha-se que também os psicólogos
que trabalham nas escolas e têm um papel na avaliação, na intervenção e na consultoria aos professores e pais
estão, na sua grande maioria, em Portugal e também no Brasil, muito afastados da ciência da leitura. Logo, quer
professores quer outros profissionais nesta área necessitam e merecem ter formação e suporte substanciais
para implementar programas com as características que aqui foram apontadas como sendo cruciais para o
ensino/intervenção de qualidade da leitura.
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Métodos Fónicos Sistemáticos
• Morais, J, Araújo, L, Leite, Isabel, Carvalho, C., Fernandes & S., Querido, L. (2012).
Criar Leitores: O ensino da leitura - para professores e encarregados de educação. Livpsic.
• Vale, A.P. (2014). Leitura de Palavras. In Viana, F. L. & Ribeiro, I. (Orgs). Ler para ser. Os caminhos antes,
durante e depois de aprender a ler (pp. 33-59). Almedina.
Recursos Online
• https://ler.pnl2027.gov.pt
uma plataforma de acesso gratuito do Projeto LER – Leitura, Escrita, Recursos (PNL/EDULOG), que contém
textos explicativos em português e recursos para práticas letivas no âmbito do desenvolvimento da linguagem e da
aprendizagem da leitura/escrita desde o nível pré-escolar até ao 2.º ciclo, concebidos por investigadores na área da
aprendizagem/ensino da leitura para professores e educadores.
• http://avamec.mec.gov.br/#/instituicao/sealf/curso/5401/informacoes
A Plataforma AVAMEC é um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a concepção, administração
e desenvolvimento de diversos tipos de cursos, sendo um deles um curso de alfabetização. A inscrição e participação
online é livre. Tem muitas ideias e vídeos que ajudam a demonstrar como ensinar a ler através de métodos fônicos.
• https://info.grapholearn.com/partners/
É uma plataforma sobre o jogo GraphoLearn, um jogo concebido de acordo com os métodos fônicos e que assiste
na aprendizagem da leitura. Na plataforma fica a saber como fazer parte da equipe e adaptar para a sua língua os
materiais já existentes, entre os quais em Português Europeu.
316
Capítulo 15
A Importância da Consciência Fonêmica na
Aprendizagem da Leitura e da Escrita
Isabel Leite
Universidade de Évora
Resumo
317
Consciência Fonémica
Todos os sistemas de escrita representam a fala através de um conjunto de sinais gráficos que
simbolizam os seus constituintes sonoros (Perfetti et al., 2005). Nos sistemas de escrita alfabéticos, como é o
caso do alfabeto latino que se utiliza para ler e escrever no Português do Brasil, as letras representam a fala
ao nível do fonema (Liberman, 1970). O fonema é a unidade mínima do sistema de uma língua que permite
distinções de significado. Por exemplo, as palavras BOLA e MOLA, diferenciam-se somente pelo “som” inicial
ou, de forma mais precisa, pelo primeiro fonema, respectivamente /b/ e /m/. Vejamos dois outros exemplos:
FÁ e VÁ; FÁ e FÉ. Dois pares de palavras constituídas por uma única sílaba. Em ambos os pares, as palavras
distinguem-se uma da outra também por um único fonema: no primeiro par pelo fonema inicial, pela
consoante, /f/ e /v/; no segundo par pelo fonema final, pela vogal, /a/ e /ɛ/. Esta é a característica distintiva do
alfabeto: um sistema de escrita onde as vogais e as consoantes, as unidades mais elementares da fala que se
combinam para formar sílabas e palavras, são representadas separadamente (e.g., Fowler & Shankweiler, 2016;
Morais, 2009).
No momento em que se inicia a aprendizagem formal da leitura e da escrita a maioria das crian-
ças são já falantes competentes da sua língua, capazes de pronunciar e compreender milhares de pala-
vras. A produção ou compreensão de enunciados linguísticos não exige um conhecimento explícito da
estrutura fonológica da fala, do mesmo modo que não requer um conhecimento explícito das regras de
formação das palavras ou de combinação das palavras em frases. Mas para aprender a ler e a escrever
o leitor aprendiz tem de tomar consciência das unidades que constituem as palavras para perceber o
que os sinais gráficos representam-no caso da escrita alfabética, perceber que as letras representam os
fonemas (e.g., Liberman, Shankweiler, Fischer & Carter, 1974; Morais, 2003). A criança tem também de
aprender as correspondências entre as letras e cada um dos fonemas da sua língua (e.g., Byrne, 2013;
Byrne & Fielding-Barnsley, 1989) e ser capaz de utilizar esse conhecimento na pronúncia das palavras
escritas. A aprendizagem da leitura e da escrita assenta, por isto, no desenvolvimento de habilidades para
lidar conscientemente com os constituintes fonológicos da linguagem oral, consciência fonológica, em
particular no desenvolvimento da capacidade para identificar e manipular os fonemas que constituem as
palavras, consciência fonêmica. O reconhecimento do papel da consciência fonêmica na aprendizagem
da leitura é fundamental para o professor que tem a nobre missão, e responsabilidade, de ensinar a ler
e a escrever. Ajudá-lo-á a definir metas de aprendizagem devidamente escalonadas no tempo, o tipo de
instrução destinado à sua promoção, a sequência de atividades e como devem ser conjugadas com o
ensino do código e o exercício da leitura, a ordem de introdução das correspondências grafema-fonema.
Será ainda útil para a detecção e interpretação das dificuldades das crianças e definição do feedback
corretivo necessário.
318
Isabel Leite
319
Consciência Fonémica
sensibilidade à sílaba e a sensibilidade a esta é, por sua vez, dominada antes de ser alcançada a sensibilidade
ao ataque e à rima (Anthony & Lonigan, 2004; Anthony et al., 2002; Anthony et al., 2003).
A consciência fonêmica é uma forma de consciência fonológica, mas exige um grau mais elevado de
abstração. As vogais, tal como as sílabas, são fáceis de identificar e isolar porque podem ser pronunciadas iso-
ladamente. Repare como sem qualquer dificuldade pronunciamos as vogais da palavras IVO, respectivamente
/i/ e /u/. No ato de fala, as vogais são produzidas através da livre passagem do ar ao longo do trato vocal. O
mesmo não se passa com as consoantes cuja articulação se caracteriza por uma obstrução parcial ou total do
fluxo de ar. Para serem pronunciadas a maioria das consoantes, tal como o próprio nome indica - “com-soan-
te” - necessitam das vogais – das “soantes”. Repare como é impossível pronunciar /d/ sem dizer uma vogal. Na
produção da fala os gestos articulatórios das consoantes combinam-se, e temporariamente sobrepõem-se,
com os das vogais (cf. Caixa de texto). Porque são co-articuladas com as unidades contíguas, as consoantes
não correspondem a segmentos isoláveis e a sua realidade acústica, o seu som, não é constante/invariante
(e.g., Fowler, Studdert-Kennedy, & Shankweiler, 2016; Shankweiler & Fowler, 2019). É por esta razão, e porque
no uso da linguagem não é necessário dirigir a atenção para os procedimentos implicados na sua produção e
compreensão, que a existência do fonema não é evidente e a maioria das crianças em idade pré-escolar falha
em tarefas que exigem, por exemplo, a sua identificação, contagem ou manipulação (e.g., Byrne, 1996, 1998;
Byrne & Fielding-Barnsley, 1989; Liberman et al., 1974). Esta dificuldade na identificação ou manipulação de
unidades fonêmicas contrasta com a facilidade de execução de tarefas de consciência fonológica com unida-
des de maiores dimensões, como por exemplo a sílaba (e.g., Liberman et al., 1974; Leite, 2010).
Caixa I
320
Isabel Leite
Tendo por referência uma perspectiva desenvolvimental, poder-se-ia pensar que a consciência fonêmi-
ca é alcançada naturalmente, correspondendo ao culminar do processo de desenvolvimento das habilidades
metalinguísticas. Se assim fosse, a maior dificuldade das crianças do pré-escolar em tarefas de consciência
fonêmica seria explicada pela idade, pela falta de maturidade. Seria, portanto, lógico só iniciar o ensino da
leitura e da escrita quando a criança começasse a manifestar alguma capacidade para identificar ou mani-
pular fonemas. No entanto, os resultados da investigação científica sobre o que leva ao desenvolvimento da
consciência fonêmica não confirmaram esta hipótese. O fator determinante não é a idade, mas sim a própria
aprendizagem da leitura em um sistema de escrita que representa de forma distinta, i.e. com símbolos gráficos
diferentes, os fonemas da língua.
A primeira evidência neste sentido surgiu há mais de quatro décadas, em um estudo pioneiro de
Morais e colaboradores (1979) com adultos letrados e ex-iletrados portugueses. Os primeiros foram incapa-
zes de realizar operações de subtração e fusão de fonemas, enquanto os segundos, alfabetizados já na idade
adulta e com pouco tempo de instrução, foram bem-sucedidos. Outras investigações vieram confirmar esta
descoberta seminal e mostrar que para se ter a noção de que a fala é constituída por fonemas é, quase sem
exceção, necessário aprender a ler em um sistema de escrita que representa de forma distinta, i.e. com símbo-
los gráficos diferentes, os fonemas da língua. Read, Zhang, Nie e Ding (1986) demonstraram-no ao testarem
dois grupos de letrados chineses, um grupo letrado só em caracteres chineses (um sistema de escrita onde
os caracteres não representam a fala ao nível do fonema) e outro grupo letrado e alfabetizado. Os letrados
não alfabetizados tinham dificuldades na manipulação de fonemas comparáveis às dos iletrados Portugueses.
No mesmo sentido apontaram os resultados de estudos com crianças onde se explorou a relação
entre tarefas de contagem e de manipulação fonêmica, o tempo de instrução da leitura e o método de ensino
da leitura. As crianças que tinham tido mais tempo de instrução de leitura (e.g., Alegria & Morais, 1979) e as
que tinham aprendido a ler através de um método fônico (e.g., Alegria, Pignot & Morais, 1982), um método
que assenta no ensino explícito das correspondências entre as letras e os fonemas (ver capítulo de Vale neste
volume), tiveram desempenhos significativamente melhores em tarefas de consciência fonêmica.
Em suma, a noção de que a fala é composta por uma sequência de unidades elementares, por
fonemas, contrasta com as restantes formas de consciência fonológica. A consciência fonêmica não emerge
naturalmente.
A ideia de que a competência de leitura, avaliada pela precisão e velocidade de pronúncia das
palavras escritas, está fortemente relacionada com capacidades para lidar conscientemente com os
321
Consciência Fonémica
constituintes fonológicos da linguagem oral está há muito demonstrada (National Institute for Literacy, 2008).
No entanto, o papel das diferentes formas de consciência fonológica na aprendizagem da leitura só
recentemente começou a ficar esclarecido. De um ponto de vista teórico a questão é importante para
compreender os mecanismos que estão implicados na leitura. De um ponto de vista prático, é crucial para se
perceber que instrução é necessária à aprendizagem.
Uma das mais influentes teorias sobre a importância das capacidades fonológicas para a aprendiza-
gem da leitura e da escrita propunha que as crianças apreendem a ler palavras prestando atenção às letras
que correspondem ao ataque e à rima das sílabas (Goswami & Bryant, 1990), uma vez que aquelas que
exibem melhores desempenhos na manipulação destas unidades têm também melhores desempenhos na
leitura (Bradley & Bryant, 1983). A consciência fonêmica era, nesta perspectiva claramente desenvolvimental,
essencialmente entendida como um produto da aprendizagem da leitura; seria uma consequência da atenção
dirigida aos ataques e às rimas que correspondem a um simples fonema (como por exemplo o /p/ e o /a/, na
palavra PÁ). O sucesso na aprendizagem da leitura estaria assim dependente das capacidades de manipula-
ção da fala ao nível do ataque e da rima, devendo, por conseguinte, ser esse o foco da instrução no início da
aprendizagem da leitura.
Uma outra perspectiva defendia que a consciência fonêmica é a capacidade crítica para progredir na
aprendizagem da leitura porque a base do princípio alfabético é precisamente a representação dos fonemas
da língua.
Diversos estudos compararam a associação das diferentes formas de consciência fonológica
(consciência do ataque e da rima vs. consciência fonêmica) com o desempenho e a progressão na leitura.
Fizeram-no i) analisando o grau de associação entre os dois fatores em um dado momento, ii) explorando
a relação longitudinalmente, i.e., avaliando em que medida as diferentes formas de consciência fonológica
avaliadas em um dado momento (T1) eram preditoras do desempenho futuro na leitura (T2), e iii) comparan-
do o desempenho de crianças disléxicas com o de crianças sem dificuldades na leitura nas diferentes medidas
de consciência fonológica. Inúmeras investigações, em diversas línguas (incluindo no Português do Brasil), mos-
traram que a consciência fonêmica tem uma correlação mais elevada e é um preditor mais forte do sucesso
na aprendizagem da leitura (e.g., Cardoso-Martins, 1995; Hatcher & Hulme, 1999; Hulme et al. 2002; Mann &
Foy, 2003). Revelaram também que as crianças com dislexia exibem défcits mais significativos nas tarefas de
consciência fonêmica. Os resultados de estudos de meta-análise (Castles & Coltheart, 2004; Melby-Lervaͦg;
Lyster & Hulme, 2012) confirmaram-no e mostraram ainda que o efeito da consciência da rima não é inde-
pendente do nível de consciência fonêmica. Por outras palavras, quando se comparam os efeitos das dife-
rentes medidas de consciência fonológica é a consciência fonêmica o fator que melhor explica as diferenças
individuais na aprendizagem da leitura e da escrita.
322
Isabel Leite
A hipótese de uma relação causal entre a consciência fonêmica e a aprendizagem da leitura, indiciada
pelos estudos correlacionais e pelas fracas capacidades fonêmicas das crianças disléxicas quando comparadas
com crianças mais novas com o mesmo nível de leitura (e.g., Goswami & Bryant, 1989; Backman, Mamen, &
Ferguson, 1984), é suportada pelos resultados de estudos experimentais. O exercício da consciência fonêmica
acelera o ritmo de aprendizagem da leitura e reduz dificuldades (e.g., Bentin & Leshem, 1993; Hatcher, Hulme,
& Snowling, 2004; Leite, 2010; Lundberg, Frost, & Petersen, 1988; National Reading Panel, 2000).
As implicações pedagógicas destas descobertas são claras. Dado que a noção de que a fala é
constituída por fonemas não emerge naturalmente e que é esta habilidade que tem um efeito direto,
causal, no desenvolvimento da leitura, ela deve ser exercitada desde as etapas mais precoces da aprendizagem.
Como o exercício das habilidades metafonológicas (ao nível da sílaba, do ataque e da rima) não culmina no
desenvolvimento da consciência fonêmica, têm de existir exercícios específicos que levem a criança a
descobrir as unidades mais elementares que compõem as palavras. São esses exercícios que facilitam a apren-
dizagem da leitura (ver adiante exemplos de atividades).
No momento em que se inicia a aprendizagem da leitura, o leitor aprendiz começa por aprender a
decompor a palavra em sequências de fonemas e grafemas, a estabelecer correspondências sistemáticas entre
ortografia e fonologia e a fundir ou integrar as sequências de fonemas de modo a recuperar a pronúncia de
cada palavra escrita. À medida que este mecanismo de decodificação é exercitado e se torna mais eficiente,
ele contribui para o desenvolvimento de um mecanismo de leitura mais eficaz e qualitativamente diferente,
que corresponde à recuperação automática da pronúncia de palavras cuja forma escrita está já memorizada.
A memória da forma escrita das palavras – a sua representação ortográfica – resulta de múltiplas repetições
de decodificação bem-sucedidas (Share, 1995), que fortalecem as ligações entre a ortografia e a fonologia, e
a tornam cada vez mais precisa.
Durante algum tempo pensou-se que os leitores competentes já só acessariam à fonologia da palavra
quando as palavras eram pouco frequentes e regulares (Perfetti & Bell, 1991) mas hoje sabe-se que mesmo
na leitura proficiente há sempre uma ativação das correspondências fonológicas das unidades ortográficas.
O acesso à fonologia é inevitável e efetuado de forma rápida, automática. Por outras palavras, quando lemos
recuperamos de forma automática, mas muito precisa, “os sons” que correspondem à forma escrita das
palavras.
Uma das primeiras evidências foi uma experiência realizada por Van Orden (1987). Nessa experiência
os participantes, leitores, tinham de dizer se uma determinada sequência de letras correspondia ou não a um
nome de uma determinada categoria semântica (por exemplo, se ROSE, ou ROWS ou ROBS era uma flor).
323
Consciência Fonémica
Os erros foram muito mais frequentes nos itens homófonos (ROWS) do que nos itens semelhantes do ponto
de vista ortográfico (ROBS). Efeitos idênticos foram observados em crianças a aprender a ler (e.g., Booth,
Perfetti & McWhinney, 1999). Isto significa que a natureza fonológica da leitura está presente em todos os
níveis de proficiência desta habilidade. Aprender a ler é precisamente tornar-se capaz de a partir da palavra
escrita recuperar de modo cada vez mais preciso e rápido a sua pronúncia. Num sistema de escrita que
representa os fonemas da língua as habilidades fonêmicas em que assenta a decodificação assumem particular
relevância.
O que Mostra Então a Investigação Empírica Sobre o que é Necessário para a Criança Compreender
que a Fala é Constituída por Fonemas e Aprender Como o Sistema de Escrita as Representa?
Como vimos anteriormente, como a consciência dos fonemas não é necessária ao uso da linguagem,
habitualmente ela só é alcançada com a aprendizagem da leitura em um sistema de escrita que representa a
fala a esse nível. Tal não significa que seja impossível dirigir a atenção para estas unidades da fala sem o con-
tato com a escrita alfabética. Há relatos de crianças e de adultos não familiarizados com a escrita alfabética
e ainda assim com bons desempenhos em testes de consciência fonêmica (e.g., Lundberg, 1991; Mann, 1991).
Alguns destes casos foram encontrados em culturas com tradição de jogos orais que implicam a análise e
manipulação dos fonemas (por exemplo, a troca de posição das consoantes de uma palavra mantendo as
vogais; ver Fowler, Shankweiler, & Studdert-Kennedy, 2016). Outros exemplos são documentados em estudos
experimentais que exploraram o efeito do treino das capacidades de identificação e manipulação fonêmica
sem qualquer instrução do sistema de escrita, onde se verificou que é possível dirigir a atenção para os sons
da fala – em particular para as vogais e as consoantes fricativas – e obter alguns progressos nas capacidades
fonêmicas. Porém a investigação também mostrou que sendo a consciência fonêmica uma condição necessá-
ria para o sucesso na aprendizagem da leitura ela não é, por si só, suficiente.
Byrne e colaboradores (1989, 1990, 1995, 2000) demonstraram-no através de um elegante conjunto
de experiências onde a capacidade e o conhecimento das crianças foram exercitadas e testadas de modo
incremental. Começaram por apresentar e pedir a memorização de pares de palavras escritas que dife-
riam apenas na primeira letra. O equivalente em Português poderia ser PAR e MAR. De seguida apresen-
tavam uma palavra escrita, por exemplo PÁS, e perguntavam à criança se se pronunciaria “pás” ou “más”.
As respostas foram dadas ao acaso.As crianças não conseguiram inferir que tendo PÁS a mesma letra e pronúncia
que PAR no início da palavra, a resposta correta seria “pás” (ver Morais, 2009; Leite, 2010). Mesmo depois de
treinadas a analisar e a identificar os “sons” das palavras continuaram a não ser capazes de inferir a relação
destes com as letras. Só quando tomaram consciência dos fonemas e lhes foram explicitamente ensinadas as
letras correspondentes é que as crianças foram capazes de efetuar a tarefa de identificação da palavra escrita
324
Isabel Leite
com sucesso. Por outras palavras, o exercício isolado, exclusivo, das habilidades de análise e de identificação
de fonemas não tem grande utilidade se não for acompanhado do ensino explícito das correspondências
entre letras e fonemas e da demonstração de como esse conhecimento alfabético é utilizado na leitura e
escrita de palavras. A confirmar as descobertas de Byrne e colaboradores existem hoje inúmeros estudos
experimentais e de meta-análise, rigorosamente controlados (e.g., Bentin & Leshem, 1993; Hatcher, Hulme
& Snowling, 2004; Leite, 2010; Lundberg, Frost & Petersen, 1988; National Reading Panel, 2000; Troia, 1999).
Do mesmo modo, o conhecimento das letras e do seu nome não é, para a maioria das crianças,
suficiente para inferirem o que as letras representam. Mesmo conhecendo a forma e o nome de várias
letras, sem serem capazes de destrinçar as consoantes das vogais as crianças não conseguem utilizar o co-
nhecimento que têm das letras na identificação das palavras escritas (Ball & Blachman, 1991; Leite, 2010).
Quando pronunciamos o nome das letras ou o som correspondente inevitavelmente produzimos uma vogal.
Por exemplo quando um professor demonstra a pronúncia de uma palavra como PAR descreve: o P lê-se /pə/,
o A lê-se /a/ e o R /rə/. Como cada um destes elementos é uma sílaba a criança tem de ter alguma capacida-
de de análise e representação fonêmica para inferir os fonemas correspondentes a cada letra e fundi-los na
pronúncia da palavra. Concluindo, a consciência fonêmica não é suficiente, por si só, para a criança progredir
na leitura, mas é indispensável. O exercício e a demonstração de como as capacidades fonêmicas se aplicam
na leitura e na escrita, explicitando as relações entre os fonemas e grafemas, modelando a fusão de fonemas
sucessivos na pronúncia de sílabas ou a segmentação de uma sílaba nos seus constituintes elementares, tem
efeitos significativos no ritmo de aprendizagem. Os efeitos são observáveis a curto e a longo-prazo, direta-
mente em medidas de precisão e velocidade de leitura e escrita (de palavras e pseudopalavras) e indireta-
mente também em medidas de compreensão da leitura (para uma revisão ver National Reading Panel, 2000).
A consciência fonêmica facilita a aprendizagem das correspondências, da leitura e da escrita e estas,
por seu turno, promovem uma noção dos fonemas da fala progressivamente mais abstrata e precisa, numa
relação de influência recíproca (ver Morais, 2003; Morais, Alegria & Content, 1987). As técnicas de registro e
de imagiologia da atividade cerebral vieram revelar as bases neuronais implicadas na aprendizagem da leitura
e as evidências sustentam a hipótese de reciprocidade entre a aprendizagem da leitura e o desenvolvimen-
to das habilidades metalinguísticas. Quando se aprende a ler há a integração de novos circuitos neuronais
no processamento da fala. Mesmo com muito pouco tempo de instrução tanto os adultos (Dehaene, et al.,
2010) como as crianças (Monzalvo & Dehaene-Lambertz, 2013) quando ouvem palavras ativam a Área da
Forma Visual da Palavra, ou seja a representação escrita dessas palavras. A ativação das regiões implicadas
no processamento da fala, em especial as que estão envolvidas no processamento dos fonemas, aumenta
com a aprendizagem da leitura e a conectividade entre as diferentes regiões implicadas no reconhecimento
da fala e das palavras escritas é reforçada (para uma revisão ver Kolinsky, Morais, Cohen, & Dehaene, 2018).
Por outras palavras, a partir o momento em que nos tornamos leitores deixamos de ser capazes de tratar as
325
Consciência Fonémica
palavras sem sermos influenciados pelo conhecimento da sua forma escrita e o processamento da estrutura
sonora da palavra é afinado (para uma revisão dos dados de estudos comportamentais ver também Kolinsky,
Pattamadilok, & Morais, 2012).
Em síntese, ao longo de quatro décadas de investigação acumularam-se provas de que a consciência
fonêmica pode ser ensinada e aprendida, demonstrou-se o seu papel crucial na aprendizagem da leitura e per-
cebeu-se como o seu desenvolvimento está relacionado, na esmagadora maioria das vezes, com a exigência
de aprendizagem de um sistema de escrita que obriga à representação mental das consoantes e vogais como
elementos distintos da fala.
A investigação das condições que influenciam o desenvolvimento das capacidades fonêmicas
permite acrescentar a estas outras conclusões relevantes (para uma revisão ver as conclusões do estudo de
meta-análise do National Reading Panel, 2000).
Diversos exercícios podem ser utilizados para levar a criança (ou o adulto iletrado) a individualizar os
“sons” e a categorizá-los de uma forma que leva à descoberta e compreensão de que a fala é constituída por
unidades elementares, por fonemas (identificação, isolamento, segmentação, fusão, subtração, …; ver, neste
capítulo, O que fazer na sala de aula?). Ensinar a criança a reconhecer uma determinada unidade fonêmica
no contexto de diferentes palavras, a analisar os constituintes elementares de uma sílaba, a fundir fonemas
para produzir sílabas e palavras ou a manipular fonemas são formas muito eficazes de levar a criança a
descobrir os constituintes das palavras.
As letras, enquanto símbolos visuais concretos, ajudam o leitor aprendiz a abstrair-se das variações
acústicas resultantes da coarticulação e a realizar a abstração dos fonemas (Foulin, 2005). Por isso, ensinar as
letras correspondentes aos fonemas (a sua forma visual, o seu nome ou som) e utilizá-las para demonstrar a
manipulação a realizar facilita a abstração dos fonemas.
326
Isabel Leite
O ensino das capacidades fonêmicas implica instrução e modelação das atividades e implica sobretudo
uma atenção particular ao desempenho individual dos alunos. Só assim o educador/o professor será capaz
de reparar na evolução de cada aluno, aperceber-se das dificuldades que alguns irão enfrentar, dar o feedback
corretivo necessário e ajustar a instrução, o ritmo e intensidade das atividades às necessidades individuais. A
superioridade dos efeitos do trabalho com pequenos grupos de alunos comparativamente ao efeito do traba-
lho realizado com a turma comprova-o. O fato de os alunos beneficiarem mais com o trabalho em pequeno
grupo do que com o trabalho individual sugere que as crianças podem tirar partido da interação com os co-
legas e destes com o professor. Por outras palavras, ouvir as respostas dos colegas e o feedback do professor
traz, possivelmente, vantagens.
327
Consciência Fonémica
desenvolver a habilidade de analisar a fala e a tomar consciência dos seus constituintes fonológicos (dos seus
“sons”) mais elementares.
As práticas de ensino que se têm revelado mais eficazes são as que ajudam o leitor aprendiz a
familiarizar-se com a ideia de que as palavras são compostas por “pedacinhos de som”, as sílabas e, em conjun-
to com as letras e com outros índices, nomeadamente a demonstração dos gestos articulatórios, levam-no a
reparar que estas se podem dividir em segmentos mais pequenos, os fonemas. O conhecimento das letras
correspondentes ao fonema a manipular e a aplicação da manipulação dos fonemas à leitura e escrita de pa-
lavras são indispensáveis, pois são os elementos que conferem utilidade à habilidade fonêmica. O ensino deve
ser explícito e sistemático (i.e., do mais simples para o mais complexo), requer tarefas muito estruturadas,
explicadas, modeladas e exemplificadas.
Várias atividades podem ser utilizadas, que se distinguem pelo tipo de operação envolvido na tarefa que é
solicitada:
• Isolamento do fonema – ensina-se a criança a isolar os fonemas de uma palavra
Professor: “Qual é o primeiro som de FFFFOCA?” Repita1 a palavra FOCA, como eu estou a dizer:
FFFFFOCA. Que som dizemos no início? ”
Aluno: “O primeiro som de FOCA é /f/”
Professor: “Muito bem, FFFFOCA começa com o som /f/, que se escreve com esta letra: F
[o Professor mostra ou escreve a letra F]”
• Identidade do fonema - ensina-se a criança a reconhecer um determinado fonema apresentado no con-
texto de diferentes palavras
Professor: “Quais destas palavras começam com o mesmo som: FILA, FATO,VILA2 , FURO?”
Vamos dizer cada uma destas palavras prolongando o som inicial: FFFILA, FFFATO,VVVILA, FFFURO.”
Aluno: “As palavras que começam com o mesmo som são: FILA, FATO e FURO”
Professor: “Certo. FILA, FATO, FURO começam com o mesmo som, o som /ffff/. O som /fff/ escreve-se com a
letra F ”
• Distinção fonêmica – ensina-se a criança a reconhecer qual a palavra de um determinado conjunto tem
um som diferente
328
Isabel Leite
Professor: “Qual destas palavras começa com um som diferente: PATA, BATA, PULA, PELE?”
Aluno: “A palavra que começa com um som diferente é BATA”
• Fusão de fonemas – pronuncia-se um conjunto de “sons” separadamente e ensina-se a criança a fundi-los
para formar uma palavra
Professor: “Que palavra temos se juntarmos o som /vvvvv/ com o som /iiii/?”
Aluno: “Se juntarmos /v/ e /i/ temos VI”
Nota: a demonstração da operação de fusão fonêmica é facilitada quando se utilizam letras; exemplo:
Professor: “A letra V [o professor mostra uma letra móvel ou escreve a letra V] serve para escrever
o som /vvvv/. A letra I [o professor mostra uma letra móvel ou escreve a letra I] serve para escrever
o som /iiii/. Que palavra temos se juntarmos o som /vvvvv/ com o som /iiii/ [o professor junta as duas
letras móveis ou escreve VI]? ”
• Segmentação fonêmica – ensina-se a criança a separar, ou segmentar, e a identificar “os sons” que
constituem uma palavra. Nota: a demonstração da operação de segmentação fonêmica é facilitada
quando se utilizam letras
Professor: “Vamos escrever a palavra VILA. Quantas sílabas tem a palavra VILA.Vamos bater uma
palma por cada sílaba: VI-LA?”
Aluno: “VILA tem duas sílabas.”
Professor: “Muito bem, a palavra VILA tem duas sílabas:VI-LA. Para escrevermos começamos por
escrever a sílaba que pronunciamos primeiro:VI. Que sons tem a sílaba VI. Reparem: /vvvviiii/?”
Aluno: “VI tem os sons /v/ e /i/”
Professor: “Muito bem. Então escrevemos /vvvviiiii/ com as letras:V e I. Como pronunciamos
primeiro /v/ escrevemos primeiro a letra V e só depois a letra I. Já temos VI, agora vamos escrever LA.
Que sons tem a sílaba /la/?”
Aluno: “LA tem os sons /L/ e /ɑ/”
Professor: “Muito bem. Como pronunciamos primeiro /l/ escrevemos primeiro a letra L e só
depois a letra A para escrever o som /ɑ/.”
• Subtrair fonemas – incita-se a representação e manipulação do fonema
Professor: “Como fica a palavra MATO sem o som /m/?”
Aluno: “ATO.”
329
Consciência Fonémica
Conclusões
Para aprender a ler e a escrever é indispensável o leitor aprendiz perceber a relação entre os símbolos
gráficos do sistema de escrita e as unidades da fala, aprender as correspondências entre os constituin-
tes fonológicos e os ortográficos e ser capaz de utilizar esse conhecimento na identificação e escrita de
palavras. Num sistema de escrita alfabético as letras representam os fonemas, os constituintes fonológicos
mais elementares que introduzem diferenças de significado. Tomar consciência dos fonemas e ser capaz de
os representar mentalmente é dos tipos de consciência fonológica o que exige um grau mais elevado de
abstração, mas é também esta capacidade para representar e lidar mentalmente com os fonemas a chave para
a utilização do código escrito.
330
Isabel Leite
Sem consciência fonêmica o leitor aprendiz (criança ou adulto analfabeto) não compreenderá o que
as letras representam; terá dificuldade a aprender as correspondências entre letras e fonemas e a utilizar
esse conhecimento na pronúncia das palavras escritas. Sem consciência fonêmica a criança (ou o adulto)
tenderá a basear a identificação das sílabas e das palavras na memorização visual de conjuntos de letras e da
repectiva pronúncia, comprometendo a aprendizagem de um mecanismo que permite a leitura de toda e
qualquer palavra, i.e., de palavras conhecidas e de palavras novas.
Ao contrário de outros tipos de consciência fonológica (como a consciência da sílaba, do ataque e da
rima) que podem ser alcançados facilmente, por introspecção, ou através de alguns exemplos, a
consciência fonêmica não se desenvolve, salvo muito raras exceções, espontaneamente. A noção de que a fala
é constituída por fonemas tem de ser ensinada, explícita e sistematicamente.Inúmeras atividades podem ser
utilizadas para promover a consciência fonêmica.As práticas mais eficazes são as que incitam a análise das síla-
bas nos seus constituintes, requerem a sua identificação e formas de manipulação que se aproximam das que
estão implicadas na leitura e escrita (e.g., fusão fonêmica sucessiva e segmentação). O treino da consciência
fonêmica é sobretudo eficaz e útil quando o exercício das habilidades fonêmicas é executado em conjunto
com a relação entre letras e fonemas e no contexto de aprendizagem dos mecanismos de leitura e de escrita.
O ensino deve ser explícito e sistemático, começando pelas unidades fonêmicas mais salientes e
consistentes na ortografia. É, por isto, indispensável que o futuro professor tenha um conhecimento apro-
fundado da língua e do código ortográfico em que vai ensinar a ler e a escrever. Sem este conhecimento, os
professores terão dificuldade em explicar como a escrita representa a fala, selecionar exemplos adequados
para pôr em evidência a estrutura fonêmica da fala, escolher palavras ou partes de palavras cujo contraste
facilita a tomada de consciência do fonema, interpretar os erros das crianças e ajustar o foco da instrução.
Felizmente esse conhecimento sobre o português está disponível, desde logo, neste manual e também
acessível em numerosas outras fontes.
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334
Isabel Leite
Recursos Online
• https://ler.pnl2027.gov.pt
LER – Leitura, Escrita, Recursos: Uma plataforma desenvolvida em parceria pelo Plano Nacional de Leitura português
e pelo EDULOG, Think Tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo. De acesso gratuito contém textos
de divulgação das principais descobertas científicas relacionadas com a aprendizagem da leitura e da escrita, com a
explicação das suas implicações para a prática pedagógica e exemplos de recursos educativos.
• https://www.readingrockets.org/
Website, em língua inglesa, que agrega diversos conteúdos sobre a aprendizagem da leitura, a sua promoção, estratégias
e atividades. Inclui textos de divulgação do conhecimento científico, exemplos de atividades e vídeos demonstrativos.
• http://avamec.mec.gov.br/#/instituicao/sealf/curso/5401/informacoes
A Plataforma AVAMEC é um espaço virtual de aprendizagem que permite a concepção, administração e
desenvolvimento de diversos cursos, entre eles um curso de formação de alfabetizadores. A inscrição e participação
online é livre. Tem muitas ideias e vídeos que ajudam a demonstrar como ensinar a ler e a promover as habilidades
específicas necessárias à aprendizagem da leitura, como é o caso da consciência fonêmica.
335
Capítulo 16
Fluência na Leitura Oral
Sandra Fernandes
Universidade de Lisboa
Resumo
336
Sandra Fernandes
A leitura proficiente é caracterizada pela velocidade, precisão e ausência de esforço, com que os
leitores respondem ao material escrito como padrões ortográficos, fonológicos e semânticos coerentes
(Adams, 1990). Esta habilidade de ler palavras rapidamente e com precisão (i.e., corretamente), quer
isoladamente, quer em contexto, é designada por fluência em leitura (Fuchs et al., 2001; Jenkins et al.,
2003). O conceito de fluência em leitura é apoiado pela investigação que sugere que a leitura automática
de palavras está altamente correlacionada com a fluência na leitura oral de texto (e.g., Torgesen et al.,
1999). A fluência na leitura.
A fluência na leitura oral é definida, com mais frequência, como a leitura rápida e precisa de
um texto e é, por isso, medida como uma combinação da precisão e da velocidade relativa, expressa
através do número de palavras lidas corretamente em voz alta, por minuto (e.g., Torgesen et al., 2001).
Contudo, a definição de fluência pode incluir três componentes ou dimensões: precisão, velocidade
relativa e prosódia, sendo assim também definida como a habilidade para ler um texto, rapidamente,
com precisão e com expressividade/prosódia adequada (e.g., Hudson et al., 2009; National Reading
Panel, 2000). A prosódia refere-se ao “aspecto rítmico e de entonação da fala: a “musicalidade” da
linguagem oral” (Hudson et al., 2005, p.704). Cada caraterística da prosódia (e.g., acentuação, pausas,
etc.), contribui para a leitura expressiva de um texto, a que podemos chamar “leitura prosódica de um
texto”. Quando um leitor lê um texto prosodicamente vai além da extração do significado das palavras
do texto, conseguindo transmitir, por exemplo, admiração, surpresa e interrogação. Ou seja, utiliza, além
da pontuação gráfica, várias pistas sintáticas, semânticas, pragmáticas, entre outras. Segundo Kuhn e
colaboradores (2010), a prosódia é o coração do desenvolvimento da habilidade de leitura e está
certamente relacionada com o desenvolvimento da fluência na leitura oral. É necessária, além das
habilidades de decodificação, para que ocorra a compreensão adequada de um texto.
A importância da prosódia está patente nas mais consensuais definições de fluência na
leitura oral: “A fluência combina precisão, automaticidade e prosódia na leitura oral, que tomadas
conjuntamente, facilitam ao leitor a construção do significado. (…) É um fator quer na leitura oral quer
na silenciosa que pode limitar ou apoiar a compreensão” (Kuhn et al., 2010, p. 240). No entanto, apenas
há pouco mais de uma década se começou a dar importância a esta característica/dimensão da fluência
na leitura oral.
337
Fluência na Leitura Oral
338
Sandra Fernandes
alfabético e tenta usar pistas visuais da palavra para a identificar (e.g.., podem reconhecer <camelo>
pelas “bossas” características da letra <m> e do animal); 2) Parcialmente-alfabética, na qual, apesar de
reconhecer a existência de uma relação entre letras e “sons”, o leitor pode centrar-se apenas em partes
específicas facilmente identificáveis da palavra, usualmente a primeira e a última letra de uma palavra
(e.g., a palavra <saco> pode ser bem identificada, mas pode ser confundida com <sino> que começa e
termina com as mesmas letras); 3) Totalmente-alfabética, reconhecendo aqui que os “sons” correspon-
dem a letras, os leitores são capazes de agrupar “sons” para chegar a uma pronúncia, i.e., através das
correspondências grafema-fonema que permitirão a leitura de palavras não familiares ou desconhecidas
para a criança; e, finalmente, a quarta fase, 4) Consolidação Alfabética, na qual os encontros repetidos
com as palavras permitem ao leitor armazenar padrões de letras que surgem em palavras diferentes (e.g.,
<exame>, <exemplo>, <exímio>) e ler palavras conhecidas numa apreensão única (do original, by sight).
Será esta a chave da leitura hábil (Ehri, 1998).
Estas aquisições, logicamente sucessivas, tendem, no entanto, a sobrepor-se, em certa medida.
A fluência na produção de “sons” correspondentes a letras (mais precisamente grafemas) reflete o
domínio do princípio alfabético, mas não é suficiente para alcançar a decodificação. Para uma leitura
fluente, e atendendo a que não existe uma correspondência linear letra-“som” (grafema-fonema), a
criança tem de conhecer as regras ortográficas da língua. Por exemplo, <r> na posição inicial de uma
palavra corresponde a /R/ (ex., <rato>), mas numa posição intervocálica corresponde a /r/ (ex., <caro>).
As crianças que não têm as bases necessárias para desenvolver a decodificação não estão em
posição de alcançar fluência na leitura. Os “sons” associados às letras sucessivas em um padrão de grafia
aceitável devem ser representados mentalmente a um nível mais abstrato, o nível dos fonemas, de modo
a serem combinados e, assim, se produzir a pronúncia de uma potencial, ou conhecida, palavra escrita.
A fluência na decodificação aumenta quando o leitor elabora representações fonológicas de mais do que
um grafema que podem ser acedidas diretamente.
Padrões de letras ou grafemas que aparecem repetidamente em várias palavras são
importantes para uma decodificação eficiente, mas variam com as regras e com a opacidade da ortografia
da língua. As línguas alfabéticas não têm, na sua grande maioria, uma ortografia transparente, ou seja, não
apresentam uma correspondência linear, biunívoca, entre grafemas e fonemas. No caso da leitura, um
mesmo grafema pode corresponder a vários fonemas (no Português Europeu temos o grafema <x>
como um bom exemplo, em <xaile>, lê-se /ʃ/, em <máximo>, lê-se /s/, em <exato>, lê-se /z/ e em
<táxi> lê-se /ks/). O grau em que a ortografia reflete a pronúncia varia em um continuum entre as mais
transparentes (e.g., finlandês) e as mais opacas (e.g., inglês). O Inglês, por exemplo, é mais regu-
lar/transparente ao nível das rimas e de outros agrupamentos do que ao nível grafema-fonema
(e.g., Kessler & Treiman, 2003). O mesmo não se passa, por exemplo, com o Português Europeu
339
Fluência na Leitura Oral
(PE) e o Português do Brasil (ver Fernandes et al., 2008; Pinheiro, 1995; Guimarães, 2011, para uma
caracterização destas ortografias), cujos códigos, ainda que diferentes, são mais transparentes do que o
do Inglês, sendo considerados como tendo um grau intermédio de opacidade, aproximando-se mais do
Francês do que do Inglês. No entanto, independentemente da língua, os leitores precisam de adquirir
representações sensíveis ao contexto das relações entre fonemas e grafemas, bem como unidades
maiores para se tornarem bons decodificadores e leitores fluentes (e.g., Berninger et al., 2006).
A fluência na leitura oral de pseudopalavras (leitura rápida e precisa de listas de pseudopalavras,
expressa através do número de itens lidos corretamente em voz alta, por minuto) é uma medida pura
do mecanismo de decodificação e é muitas vezes considerada como um indicador de automaticidade
na aplicação do princípio alfabético e uma ponte para a leitura de palavras reais (Berninger et al., 2006).
As pseudopalavras são itens compostos por um conjunto de grafemas, ou de fonemas, que não consti-
tuem uma palavra, uma vez que, embora obedeçam às regras sequenciais da língua (i.e., regras fonotáti-
cas), não têm um significado, logo exigem o recurso ao mecanismo de decodificação, pois não têm uma
representação ortográfica (armazenada na memória). Furispa e pimonho são exemplos de pseudopala-
vras. As pseudopalavras são utilizadas em diferentes contextos (experimental e clínico) em substituição
de “palavras desconhecidas”, pois funcionam como tal. Se se pedir a um estudante para ler um excerto
que tenha uma proporção relativamente alta de palavras desconhecidas que tenham de ser analiticamen-
te decodificadas (i.e., fazendo uso necessariamente da conversão grafema-fonema), ou identificadas atra-
vés de inferência contextual (i.e., através da ajuda do contexto envolvente) isto terá um efeito adverso
na fluência da leitura e, em consequência, na compreensão (Hudson et al., 2009).
No início da aprendizagem da leitura, os mecanismos de decodificação terão um papel
muito importante na fluência na leitura oral de texto, uma vez que as palavras desconhecidas no
texto terão de ser lidas tão rápida e eficientemente quanto a identificação de “sons” associados às letras
numa palavra, e a combinação desses “sons” aproximada à pronúncia de uma palavra real o permitirem.
Este processo continuará até anos mais tardios da aprendizagem da leitura, mas a sua importância
irá diminuindo gradualmente. Por volta do final do segundo ano, um grande número de palavras já
será lido numa apreensão única (by sight) não necessitando, assim, de ser identificadas analiticamente
(e.g., Ehri, 2005). A quantidade de palavras que um leitor é capaz de ler by sight desempenha um
papel primordial no quão rápido e preciso é o leitor (e.g., Adams, 1990; Torgesen et al., 2001). A leitura
automática e fluente de palavras é um componente nuclear da fluência na leitura oral de texto e é
considerada importante para predizer a compreensão em leitura (e.g., Gough, 1996).
A leitura fluente de um texto só é atingida com automaticidade das chamadas habilidades
sub-lexicais (i.e., grosso modo, habilidades em lidar com unidades inferiores à palavra, tais como,
recuperação do som das letras, consciência fonêmica e decodificação) e pela leitura by sight de
340
Sandra Fernandes
palavras (e.g., Ehri, 1998). No entanto, ler um texto envolve, além da leitura de palavras, uma análise
sintática e semântica involuntária das frases e o processamento intencional e esforçado do significado do
texto. Assim, a fluência na leitura oral de um texto depende consideravelmente do reconhecimento
da palavra (livre de contexto), mas é também influenciada por processos que têm origem no contexto
(Jenkins et al., 2003).
De fato, quando se compara a fluência na leitura de um texto com a fluência das
mesmas palavras desse texto distribuídas aleatoriamente em listas, constata-se que as palavras
apresentadas em contexto são lidas mais rapidamente do que as mesmas em listas (e.g., Fernandes et
al., 2015; Jenkins et al., 2003). Estudos de movimentos oculares com estudantes mostram que, quando
da leitura, algumas palavras não são fixadas (as curtas e as frequentes), indicando que o processamento
não intencional do contexto fornece pistas suficientes acerca da identidade dessas palavras de modo
a não ser necessário processá-las (ver Rayner et al., 2006, para uma revisão). O processamento não
intencional (i.e., sem esforço consciente) do significado e da estrutura sintática é crucial para a
compreensão de frases e, por isso, para a compreensão de textos. A fluência na leitura oral de
texto beneficia deste processamento sem esforço das pistas sintáticas e semânticas presentes nas frases
organizadas no texto.
Como vimos até aqui, a fluência está amplamente relacionada com as fases de desenvolvimento
da leitura. A teoria de Ehri (1995, 1998), referida anteriormente, foca-se fundamentalmente na decodifi-
cação como uma fase do desenvolvimento da fluência na leitura oral. Chall (1996) apresenta uma teoria
de desenvolvimento da leitura, com muitos aspectos comuns à teoria de Ehri, mas além da decodificação,
descreve várias fases da compreensão em leitura (para uma revisão desta teoria ver Kuhn & Stahl, 2003).
Em ambas as teorias se assume que o desenvolvimento das habilidades que permitem a leitura fluente é
essencial para o sucesso acadêmico das crianças.
O Modelo Simples da Leitura (Simple View of Reading – SVR) e a Fluência na Leitura Oral
A SVR (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990) postula que a compreensão em
leitura é o produto de dois processos de igual importância: decodificação e compreensão linguística.
A decodificação, no sentido mais estrito, é sinônima de conversão grafema-fonema em série. No
entanto, de acordo com a SVR, decodificação é definida como a habilidade para “ler palavras isoladas
rapidamente, com precisão, e silenciosamente” (Gough & Tunmer, 1986, p. 7). A decodificação com
precisão requer consciência fonológica e conhecimento ortográfico (Hoover & Gough, 1990). A
compreensão linguística, também referida como compreensão oral, é a habilidade de “compreender a
linguagem” (Hoover & Gough, 1990, p. 131) ou o processo pelo qual se interpreta determinada
341
Fluência na Leitura Oral
informação lexical (palavra), frase ou discurso (Gough & Tunmer, 1986). Cada um destes
componentes (decodificação e compreensão linguística) varia entre a incapacidade (0) e a perfeição (1)
(Gough & Tunmer, 1986).
De acordo com esta teoria estes processos são independentes, sendo que cada componente é
necessário para o sucesso na leitura, mas nenhum deles é suficiente, por si só. A investigação, de um
modo geral, tem fornecido apoio a esta conceitualização. A maior parte dos estudos que a apoiam tem
habitualmente medido o componente de decodificação em termos de precisão na leitura de palavras
isoladas ou de fluência na leitura oral de palavras (e.g., Fuchs et al., 2001).
A compreensão linguística tem sido frequentemente avaliada recorrendo a tarefas de
compreensão oral (e.g., Hoover & Gough, 1990). No entanto, vários estudos têm também referido,
neste contexto, o vocabulário oral como o preditor mais significativo da compreensão em leitura
mesmo quando controlado pelas habilidades iniciais de consciência fonêmica, conhecimento de
letras e reconhecimento de palavras (e.g., Muter et al., 2004). Nos anos de escolaridade iniciais, a
compreensão em leitura é na maioria dos casos explicada pelo reconhecimento das palavras e, mais
especificamente, pela decodificação, uma vez que não foi ainda atingida a automaticidade na leitura de um
grande número de palavras. Assim, no início da aprendizagem o reconhecimento de palavras deve ser
fundamentalmente avaliado pela precisão (leitura correta). Em níveis de escolaridade mais avançados
é esperada a automaticidade (avaliada pela leitura rápida e precisa, by sight) (e.g., Adlof et al., 2006).
À medida que se avança para anos escolares mais tardios, quando os alunos se veem confrontados com
textos linguisticamente mais difíceis, a contribuição da compreensão oral (ou do vocabulário) aumenta
enquanto a contribuição do reconhecimento de palavras diminui.
A importância da fluência no processo de compreensão em leitura tem vindo a ser reconhecida
há algumas décadas (LaBerge & Samuels, 1974; Perfetti, 1985). Segundo o National Reading Panel (2000),
sem fluência, a compreensão em leitura estará dificultada. Uma perspectiva teórica que atribui um papel
importante à fluência na leitura oral, como vimos anteriormente, é a Teoria da Eficiência Verbal de Per-
fetti (1985). Segundo esta teoria, um mecanismo de decodificação eficiente permitirá que mais recursos
cognitivos sejam dedicados aos processos de compreensão incluindo a ativação de conhecimento rele-
vante. Esta teoria parte do pressuposto de que o sistema cognitivo é limitado a responder em simultâ-
neo à decodificação de palavras e à extração de significado.
Ainda que a habilidade de compreensão linguística seja adequada, se a decodificação for precisa,
mas não rápida o suficiente, a atenção e os recursos cognitivos necessários para o processamento do
significado serão comprometidos resultando numa pobre compreensão em leitura.
Deste modo, a fluência na leitura oral pode desempenhar um papel importante na compreensão
em leitura, uma vez que na sua definição a automaticidade é considerada um componente essencial
342
Sandra Fernandes
(e.g., Hudson et al., 2009). A fluência na leitura oral poderá moderar ou mediar o papel da decodifica-
ção na compreensão em leitura (Silverman et al., 2013). Esta mediação pressupõe que a decodificação
contribui para a fluência na leitura oral e esta por sua vez para a compreensão em leitura, havendo,
portanto, um contributo indireto da decodificação na compreensão em leitura mediado pela fluência na
leitura oral.
Muitos estudos têm demonstrado o papel preponderante das habilidades sublexicais (fluência
letra-som, letra-nome da letra, fluência na leitura oral de pseudopalavras) no desenvolvimento da fluên-
cia na leitura oral, embora não tenham explorado a via inversa (i.e., da fluência na leitura oral para as
habilidades sublexicais). A fluência letra-som (i.e., a rapidez com que se reproduzem corretamente os
fonemas correspondentes a letras/grafemas apresentadas) e a consciência fonológica das crianças da
pré-escola foram considerados como os melhores preditores da fluência na leitura oral de texto, no
primeiro ano (Speece et al., 2003). A fluência letra-nome da letra (i.e., a rapidez com que se reproduzem
corretamente os nomes das letras correspondentes a letras apresentadas) também tem sido referida
como um preditor da fluência na leitura oral de texto da pré-escola para o primeiro ano de escolari-
dade (e.g., Stage et al., 2001). Outros investigadores referem a fluência letra-som como um preditor da
fluência na leitura oral de texto do primeiro para o segundo ano (e.g., Speece & Ritchey, 2005). Hudson
e colaboradores (2012) mostraram que a fluência na decodificação (fluência na leitura oral de pseudopa-
lavras) desempenha um papel único quer na fluência na leitura oral de texto, quer na fluência na leitura
oral de palavras no segundo ano de escolaridade. No primeiro ano, Burke e colaboradores (2009) não
encontraram uma ligação entre fluência na decodificação e fluência na leitura oral de texto.
Jenkins e colaboradores (2003) forneceram evidências de outros fatores que podem contribuir
para a fluência na leitura oral de texto. Observaram que a fluência na leitura oral de palavras (em lista) e
a compreensão em leitura são preditores, com contributos únicos, da fluência na leitura oral de texto, no
quarto ano de escolaridade. Verificaram ainda que a fluência na leitura oral de texto é um forte preditor
da compreensão em leitura.
De acordo com Hudson e colaboradores (2012), a fluência na decodificação desenvolver-se-á
primeiro e contribuirá para o desenvolvimento da fluência na leitura oral de palavras e de texto e para
a compreensão em leitura. A fluência na leitura oral de palavras por sua vez contribuirá para a fluência
na leitura oral de texto e para a compreensão em leitura. Finalmente, a fluência na leitura oral de texto
343
Fluência na Leitura Oral
A relação entre diferentes tipos de fluência na leitura oral e a compreensão em leitura tem sido
examinada. No entanto, os resultados de estudos no Inglês revelam-se, em certa medida, inconclusivos.
Na verdade, enquanto alguns sugerem que a “fluência na decodificação” tem um contributo único signi-
ficativo para a compreensão em leitura (e.g., Cutting & Scarborough, 2006, com uma medida de fluência
na leitura oral de palavras; Schwanenflugel et al., 2006, com uma medida conjunta/composta de fluência
na leitura oral de palavras e de pseudopalavras), outros não observaram esse contributo (e.g., Adlof et
al., 2006, também com uma medida composta e, neste caso com uma população especial, de crianças com
défcit de linguagem e/ou cognitivo não verbal).
Em ortografias mais transparentes do que o Inglês, os estudos são mais escassos e os
resultados são também inconsistentes. Por exemplo, enquanto no Finlandês (e.g., Müller & Brady, 2001) a
contribuição da fluência na leitura oral (avaliada pela leitura de palavras e de pseudopalavras em
lista) para a compreensão em leitura é fraca, no Holandês (de Jong & van der Leij, 2002), é referida uma
contribuição importante da fluência na leitura oral (avaliada pela leitura de palavras em lista).
No Português do Brasil apenas foram observadas correlações entre as habilidades básicas de leitura,
onde incluem a velocidade de leitura (bem como o tempo e a exatidão) e compreensão em leitura, em
um grupo de estudantes com dificuldades de aprendizagem (Cunha et al., 2012).
No que se refere à fluência na leitura oral de texto, a natureza, o poder e a direcionalidade
da relação entre a fluência na leitura oral e a compreensão em leitura também varia entre os vários
estudos. Talvez estes fatores dependam do grau de transparência do código ortográfico das línguas em
344
Sandra Fernandes
estudo. No caso do Inglês, existem mais estudos que referem a fluência na leitura oral de texto como
um forte preditor da compreensão em leitura (e.g., Berninger et al., 2006) do que estudos que não o
referem (e.g., Adlof et al., 2006). Para as ortografias mais transparentes, existe evidência para esta relação
(e.g., Kim, 2015) embora os estudos sejam mais escassos.
Não obstante, verifica-se um consenso relativamente a uma importante influência (direta ou in-
direta) da fluência na leitura oral na compreensão em leitura, e ao fato de esta dever desempenhar um
papel numa das mais influentes teorias da leitura, a SVR (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990).
Relativamente ao contributo direto, no estudo longitudinal (Adlof et al., 2006), referido anteriormente,
constatou-se que depois de controlada pelo reconhecimento de palavras e pela compreensão linguísti-
ca, a fluência não foi preditora da compreensão em leitura em qualquer dos anos em estudo. Contudo,
em um estudo transversal com estudantes ingleses do 4.º e do 8.º ano (Tilstra et al., 2009), verificou-se
que a fluência na leitura (de texto), bem como a eficiência verbal, foram preditoras da compreensão em
leitura além da decodificação e da compreensão linguística.
Num estudo com crianças inglesas do 4.º ano (Silverman et al., 2013), concluiu-se que a fluência
(medida composta considerando para a análise estatística a fluência na leitura oral de palavras, a fluência
na leitura oral de texto, a nomeação rápida e a fluência na escrita, em simultâneo) teve um contributo
único para a compreensão em leitura além da decodificação e da compreensão linguística e, além disso,
desempenha um papel mediador na relação entre decodificação e compreensão em leitura. Ou seja, a
decodificação teve um efeito direto na fluência na leitura oral que por sua vez teve um efeito direto
na compreensão em leitura. Segundo os autores, “teoricamente, esta descoberta está em acordo com
a teoria da eficiência verbal, uma vez que a decodificação precisa e rápida de palavras é um requisito
para a compreensão em leitura” (p.22). Consideram ainda que, pelo menos no 4.º ano, a decodificação
e a compreensão oral são insuficientes para explicar a compreensão em leitura de modo que é neces-
sário considerar a fluência no modo como esta “tempera” ou magnifica o papel da decodificação na
compreensão em leitura. De fato, Adlof e colaboradores (2006) verificaram que, no início da aprendiza-
gem da leitura, a decodificação e a fluência constituíram um construto único, mas diferenciaram-se em
fatores separados no 4.º e no 8.º ano. Neste sentido, Tilstra e colaboradores (2009) observaram que a
relação entre a decodificação e a compreensão em leitura diminuiu ao longo da escolaridade, enquanto
a relação entre compreensão linguística e compreensão em leitura aumentou do 4.º para o 7.º ano.
No PE, Fernandes et al. (2017) examinaram a influência direta e indireta dos três componentes
de fluência na leitura oral na compreensão em leitura, e concluíram que, nos anos mais iniciais (1.º e
2.º), a fluência na decodificação foi o fator que mais contribuiu para a compreensão em leitura e em
anos mais avançados (a partir do 3.º) passou a ser a fluência na leitura oral de texto o fator mais im-
portante. Este padrão de resultados é concordante com a SVR (Hoover & Gough, 1990) que assume a
345
Fluência na Leitura Oral
decodificação como melhor preditor da compreensão em leitura para leitores principiantes, mas quando
a decodificação se torna eficiente, outros processos se tornam mais discriminativos.
346
Sandra Fernandes
na leitura oral de texto e a compreensão em leitura, de modo que os estudantes com níveis satisfatórios
de fluência na leitura oral de texto e pobre compreensão apresentavam um pobre vocabulário.
O papel das competências linguísticas (como o vocabulário) na relação entre a fluência na
leitura oral de texto e a compreensão em leitura foi também um dos aspectos analisado no estudo de
Fernandes et al. (2017) no PE. O vocabulário começou a influenciar a compreensão em leitura
diretamente a partir do 2.º ano (embora com uma influência muito inferior à verificada pelos diferentes
componentes da fluência). Mediou a relação entre fluência na leitura oral de texto e a compreensão
no 6.º ano. Este papel mais tardio do vocabulário, sugere que os alunos só terão recursos disponíveis
para os processos de compreensão de textos mais tarde no desenvolvimento (LaBerge & Samuels, 1974;
Perfetti, 1985).
Existem alguns estudos (e.g., Schwanenflugel et al., 2004) que mostram que os leitores com boas
habilidades de decodificação apresentam uma prosódia mais apropriada quando da leitura em voz alta.
Assim, o desenvolvimento da prosódia em leitura pode depender das habilidades de decodificação, o que
está de acordo com a visão consensual de que a leitura com prosódia é um fenômeno que ocorre apenas
após a habilidade de decodificação estar consolidada.
A avaliação da prosódia é mais difícil do que a avaliação da precisão e da velocidade
relativa e, talvez por esta razão, acabe por ser considerada com menos frequência nos estudos acerca da
fluência na leitura oral. Existem três tipos de medidas de avaliação da prosódia que são mais comuns na
literatura: medidas indiretas (e.g., tarefa de sensibilidade à acentuação em que a criança ouve palavras
e tem de indicar a sílaba tônica), diretas (e.g., medidas espectrográficas, que permitem representar
visualmente e analisar as ondas sonoras relativamente a várias características, como por exemplo,
a duração das pausas na leitura e a colocação da acentuação) e escalas de avaliação (que avaliam a
leitura através de uma pontuação global ou em diferentes dimensões, como por exemplo, a precisão,
a expressividade e o ritmo; e.g., Rasinski et al., 2009). Em comparação com as medidas espetrográficas,
as escalas tornam-se mais úteis e fáceis de aplicar, quer para investigadores nestas áreas, quer para
professores em sala de aula (Schwanenflugel & Benjamin, 2012).
À medida que as crianças se tornam leitores mais fluentes, apresentam uma entonação e
expressividade mais próxima da característica do adulto, por exemplo, diminuindo o número e
extensão das pausas entre e dentro das frases (e.g., Miller & Schwanenflugel, 2008). Esta evolução,
347
Fluência na Leitura Oral
que ocorre habitualmente entre o 1.º e o 2.º ano, e que emerge geralmente após a consolidação dos
mecanismos de decodificação, tem-se apresentado como preditora da fluência na leitura oral de texto
(ver Miller & Schwanenflugel, 2008).
Tem sido sugerido (e.g., Miller & Schwanenflugel, 2008) que a habilidade de representar o
que é lido imitando os aspectos rítmicos e de entonação típicos da linguagem oral, ou da fala, se
desenvolve à medida que a leitura se torna mais fluente. Os leitores com dificuldades geralmente não
apresentam uma leitura prosódica. Segundo Kuhn e Stahl (2000), a leitura prosódica é necessária, além da
decodificação automática de palavras, para que possa ocorrer uma adequada compreensão. Deste modo,
a leitura prosódica, segundo estes autores, é reveladora da habilidade de segmentar um texto de acordo
com os seus principais elementos sintáticos e semânticos.
A direcionalidade e causalidade da relação entre leitura prosódica e compreensão em leitura
não é ainda clara na literatura. Contrariamente ao que acontece “na oralidade”, onde é claro que a
prosódia de um leitor (que lê em voz alta) é uma ajuda importante para o ouvinte, é menos claro que a
prosódia seja usada pelo próprio leitor para ajudar a compreender o que está a ler (ver Torgesen &
Hudson, 2006).
Teoricamente é assumida a bidirecionalidade da relação entre prosódia e compreensão em
leitura. Por um lado, Kuhn e Stahl (2000 e 2003) sugerem que a leitura prosódica indica que o leitor com-
preende o que está a ler. Além disso, assumem que a prosódia promove e melhora a compreensão em
leitura. Por outro lado, Schwanenflugel e colaboradores (2004) sugerem que uma melhor compreensão
permitirá à criança uma leitura com melhor prosódia. Estes autores assumem também a relação inversa.
A bidirecionalidade desta relação, apesar de teoricamente suposta, não tem sido objeto de
muitos estudos empíricos. No entanto, quatro estudos (Klauda & Guthrie, 2008; Schwanenflugel et
al., 2004; Veenendaal et al., 2016; e Fernandes et al., 2018) que exploraram esta questão chegaram a
diferentes resultados, embora todos tenham observado uma influência da leitura prosódica na
compreensão em leitura, nem todos observaram um contributo da compreensão em leitura na leitura
prosódica. Talvez os resultados tenham diferido devido aos diferentes métodos usados para a avaliação
da prosódia, aos diferentes níveis de escolaridade das crianças envolvidas e aos diferentes graus de
transparência da ortografia em estudo. Veenendaal et al. (2016) (estudo com crianças holandesas
do 4.º ao 6.º ano de escolaridade) usando para avaliar a prosódia da leitura escalas de classificação,
encontraram evidência de uma relação recíproca entre prosódia e compreensão em leitura. Esta
relação bidirecional não foi, no entanto, encontrada no PE entre o 2.º e o 3.º ano e entre o 4.º e o 5.º
ano de escolaridade (Fernandes et al., 2018). De acordo com os autores, a relação pode depender do
nível de escolaridade e ser fortemente influenciada pelo grau de transparência ortográfica. Note-se que a
ortografia do PE é considerada de nível intermédio de opacidade, em comparação com o holandês,
que é transparente. Assim, a relação entre a leitura prosódica de um texto e a compreensão em leitura
348
Sandra Fernandes
parece diferir quer de acordo com o nível de escolaridade, quer com a opacidade da ortografia em
estudo. Ou seja, em ortografias mais consistentes esta relação parece observar-se mais precocemente e,
em ortografias menos consistentes esta relação poderá surgir mais tardiamente no desenvolvimento da
leitura, após o estabelecimento de um mecanismo de decodificação eficiente.
349
Fluência na Leitura Oral
350
Sandra Fernandes
Um estudo de revisão sistemática mais recente (Hudson et al., 2020) propôs-se a examinar os
tipos de intervenção e o seu impacto nas habilidades de leitura (fluência em leitura e compreensão
em leitura) em estudantes com dificuldades. Revelou que 87,5% das intervenções se centravam em
procedimentos de leitura repetida e que estas tinham um impacto quer na fluência em leitura quer na
compreensão em leitura. Além disso, os resultados sugeriram que as intervenções melhor sucedidas
foram realizadas por técnicos treinados em um contexto de um para um.
Contemplar os múltiplos processos cognitivos envolvidos na leitura (decodificação, identificação
de palavras, etc.) e os vários aspectos da linguagem (ortografia, morfologia, sintaxe, semântica) neste
tipo de programa de treino de leitura repetida, tem também sido apontado como relevante (e.g., Mor-
ris et al., 2012). Nestes programas são combinados e treinados vários componentes (e.g., Wolf et al.,
2009). Por exemplo, a análise fonológica é considerada um dos componentes que consiste no treino de
análise de fonemas, fusão fonêmica e ensino de correspondência grafema-fonema, até se atingir um
critério de maestria e pode ser combinada com componentes linguísticos críticos para a compreensão em
leitura, que incluam o treino da ortografia, da semântica, da sintaxe e da morfologia. As crianças
aprendem um conjunto de palavras alvo em cada semana que exemplifique princípios linguísticos críticos e
diariamente devem fazer ligações entre eles (e.g., uma palavra é analisada ao nível do fonema e
posteriormente a criança aprende a sua correspondência ortográfica, são dadas estratégias que lhes
permitam segmentar as unidades ortográficas e morfológicas mais comuns nas palavras, como é o caso dos
morfemas finais). A instrução do vocabulário, nesta combinação, serve para treinar os aspectos semânti-
cos e melhorar a velocidade e precisão da recuperação lexical (i.e., recuperação das palavras da memória).
A apresentação de histórias com vocabulário controlado, que incorpore padrões fonémicos e
ortográficos, múltiplos significados e contextos sintáticos variados para as palavras em treino,
beneficiará a fluência e em particular a compreensão em leitura. Este tipo de programa dedica igual
tempo diário quer às habilidades de decodificação, quer ao conhecimento semântico, ortográfico e
morfossintático e utiliza estratégias de instrução explicitas.
Este tipo de intervenções, focadas em múltiplos componentes, parecem levar a melhores
resultados do que aquelas focadas em um dos aspectos (Morris et al., 2012). Contudo, é fundamental
um conhecimento preciso do perfil da(s) criança(s), quer em termos de precisão, quer em termos de
velocidade da leitura, da palavra ao texto, para que se possa aplicar um programa direcionado que
contemple estes múltiplos componentes.
O treino das habilidades fonológicas (por exemplo, consciência fonológica, e correspondências
grafema-fonema), focado na precisão e não na velocidade, complementado com treino da leitura de
palavras irregulares (quando a sua ortografia não é completamente determinada por regras,
por exemplo, a palavra máximo, no PE) tem sido apresentado como promotor da fluência na leitura oral
e da CL. Por exemplo, os resultados do estudo de McArthur et al. (2015) mostraram que o treino da
351
Fluência na Leitura Oral
leitura de palavras irregulares (do original by sight training) beneficiou a leitura posterior dessas mesmas
palavras e de palavras irregulares não treinadas. No entanto, é de sublinhar que neste mesmo estudo, o
treino fônico (do original phonics training) foi também promotor da leitura de palavras irregulares e o
melhor promotor da leitura de pseudopalavras (que correspondem a palavras novas). Verificou-se ainda
que começar pelo treino fônico e depois pelo das palavras irregulares teve um maior efeito positivo na
leitura das palavras irregulares não treinadas do que a ordem inversa. Ambos tiveram um impacto
positivo na fluência na leitura oral de palavras e na compreensão em leitura, independentemente da
ordem do treino.
O envolvimento efetivo das crianças e jovens em qualquer atividade de leitura parece depender
em certa medida da motivação para a leitura. De fato, os professores relatam, com convicção, que a mo-
tivação está subjacente a grande parte do sucesso na leitura dos seus alunos (e.g., Gambrell et al., 1996).
Estudos empíricos mostram que esta influência positiva da motivação (intrínseca, e não extrínseca) no
desempenho em leitura (e em particular na compreensão em leitura) (e.g., Law, 2008; Wang & Guthrie,
2004) parece ser mediada pela quantidade de leitura (Schiefele et al., 2012; Schaffner et al., 2013). Este
resultado foi encontrado, por exemplo, em um estudo com crianças alemãs do 2.º e 3.º ano (Stutz et
al., 2016), onde se demonstrou que a motivação intrínseca teve um efeito positivo na compreensão em
leitura e que esta relação foi mediada pela quantidade de leitura destas crianças.
Num estudo com crianças portuguesas do 2.º ao 4.º ano (Silva, 2018) também se observou uma
relação positiva entre a motivação intrínseca e a quantidade de leitura. Crianças que gostam de ler,
leem mais. Os resultados de outros estudos (e.g., Morgan & Fuchs, 2007) apoiam a possibilidade de uma
relação bidirecional (i.e., recíproca) entre motivação e habilidade de leitura. Além disso, tem sido
sugerido que a relação entre motivação (em particular a intrínseca) e competência em leitura aumenta
com a idade (e.g., Stutz et al., 2016).
Proporcionar a escolha de uma variedade de literatura de qualidade e a troca de ideias/diálogos
(debates sobre o material a ler) é de grande importância (Palmer et al., 1994) e selecionar materiais
(textos e palavras), no contexto de sala de aula, relacionadas com os interesses da(s) criança(s) e jo-
vem(ns) é fundamental.
Além disso, e especificamente para a promoção da fluência na leitura oral, o professor pode
propor concursos, entre os alunos, de velocidade de leitura em voz alta (em que as palavras sejam reco-
nhecíveis e a prosódia respeitada), com a anotação, por parte do estudante, dos progressos alcançados,
contemplando a atribuição de prêmios (por exemplo, livros) (Morais et al., 2012).
352
Sandra Fernandes
Como Pode o Professor Saber se a Velocidade de Leitura dos seus Alunos se Encontra na Norma
do Grupo Etário/Nível de Ensino?
Os professores, de uma maneira geral, têm uma grande sensibilidade para detectar quando
os seus alunos estão em risco de dificuldades. No entanto, medidas objetivas são necessárias para
confirmar intuições. Em Portugal não temos normas para a fluência na leitura oral. No entanto, temos
disponíveis níveis de referência (e.g., do teste de fluência na leitura oral de texto “o Rei”: Carvalho, 2009)
e níveis desejáveis (ou metas) a atingir (baseados em literatura científica, e tendo em consideração as
características do código, inclusive no PE: Metas Curriculares de Português, MEC, 2012 e no Português
do Brasil: e.g., Instituto Alfa e Beto, 2013). O número de palavras lidas com precisão por minuto aumenta
com a aprendizagem (e.g., Fernandes et al., 2017; Fernandes et al., 2015).
As Metas Curriculares de Português (MEC, 2012) apontam para níveis desejáveis de 55 palavras
lidas corretamente por minuto no 1.º ano, 90 no 2.º, 110 no 3.º, 125 no 4.º, 140 no 5.º e 150 no 6.º. Para
anos de escolaridade posteriores, no PE foram observadas 157 palavras lidas corretamente por minuto
em alunos do 8.º ano e 181 no 10.º ano (Fernandes et al., 2015), o que denota uma evolução pelo menos
até ao 10.º ano.
Os níveis apontados pelas Metas Curriculares de Português (MEC, 2012) basearam-se nos
dados de fluência na leitura oral de texto observados para as crianças portugueses (no âmbito do
estudo “Estabelecimento de níveis de referência do desenvolvimento da leitura e da escrita do 1.º
ao 6.º ano de escolaridade” do Plano Nacional de Leitura) e em dados observados com crianças que
aprenderam a ler numa língua cuja ortografia tem alguma proximidade (em termos de opacidade/
transparência) com o PE. Neste caso, a língua francesa (Cogni-Sciences, 2008), cuja ortografia, apesar
de mais opaca, é mais semelhante à do PE do que a do Inglês. Estes dados mostram que promover e
estimular a leitura de textos com precisão e velocidade de modo a treinar a fluência na leitura oral deve
ir além do 1.º Ciclo do Ensino Básico.
É fundamental que a prática da leitura se estenda além do contexto de sala de aula. Também aqui
o professor/a escola pode ter um papel importante. Pode, por exemplo, enviar atividades relacionadas
com o interesse individual da(s) criança(s) (e.g., Meyer et al., 2017), enviar aos pais, encarregados de
educação, mensagens informativas (curtas e claras, em linguagem não técnica) com evidência científica
relativa à eficácia da realização de atividades de literacia (neste caso, promotoras da fluência na leitura
oral) ao longo do ano letivo e, em particular, durante as férias (e.g., Kraft & Montinussbaum, 2017).
353
Fluência na Leitura Oral
Conclusões
O presente capítulo expôs uma análise da literatura relacionada com a fluência na leitura oral e
a sua importância no desenvolvimento das habilidades de leitura e em particular na compreensão em
leitura, durante a aprendizagem. Ilustrou-se e sublinhou-se o avanço da investigação neste âmbito e as
suas implicações práticas. Salientou-se a importância da operacionalização de conceitos e construtos, a
uniformização de medidas e métodos de avaliação em diferentes contextos.
O termo fluência em leitura tem, como vimos, um amplo uso na literatura. Contudo, embora
com diferentes pesos, são consideradas três dimensões principais na sua definição (precisão, velocidade
e prosódia) e três componentes podem constituir o construto (fluência na leitura de pseudopalavras, de
palavras e de texto). Fluência na leitura de pseudopalavras (também apelidada de fluência na decodi-
ficação) e de palavras referem-se respectivamente, à leitura de “palavras sem sentido” e de palavras reais
apresentadas isoladamente ou em lista, e a fluência de leitura de texto refere-se à leitura de palavras
apresentadas em textos conectados completos ou em passagens de textos.
Os preditores diretos e indiretos da fluência na leitura de texto (e de outros componentes da
fluência) no decorrer do desenvolvimento podem variar com a fase da aprendizagem da leitura e com a
consistência ortográfica da língua em questão.
Um grande número de estudos mostrou uma relação importante entre a fluência na leitura de
texto e a aprendizagem da leitura, e o papel fundamental da fluência na leitura de texto na compreensão
em leitura. Além disso, variáveis como o vocabulário, foram identificadas como mediadoras na relação
entre estas habilidades ao longo da aprendizagem. Ainda neste contexto, é reconhecida e consensual a
importância da leitura prosódica para a compreensão em leitura.
A investigação recente indica que a fluência pode ser melhorada através da exposição repetida
a material escrito (textos, as mesmas palavras em diferentes contextos, palavras isoladas e pseudopa-
lavras). A investigação sugere também que o progresso será maior se o material apresentado for de
crescente complexidade acompanhando a evolução da criança. A instrução da fluência não deverá ser
iniciada sem antes se conhecer a proficiência na leitura da criança, determinando o seu nível de desem-
penho nos vários aspetos da leitura. O treino das habilidades fonológicas e ortográficas deve anteceder
e, a certa altura, coexistir com o treino da fluência na leitura oral.
Neste contexto, o papel do professor (e da família) é fundamental na medida em que o jovem
leitor beneficia da seleção criteriosa de textos apropriados ao seu perfil de desempenho, de um modelo
de fluência na leitura oral, de alguém que encoraje, dê feedback corretivo formativo, motive e conheça
os níveis de desempenho esperados.
354
Sandra Fernandes
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Fluência na Leitura Oral
Recursos Online
• CiiL - Centro de Investigação e Intervenção na Leitura. http://www.pnl2027.gov.pt/np4/ciil.html
“Mantendo a intensidade da intervenção, são publicadas através dos canais Facebook, Instagram e YouTube, atividades
sob a forma de vídeo dirigidas à promoção das competências pré-leitoras e das competências leitoras.”
360
Capítulo 17
Compreensão na Leitura: Investigação e Ensino
Otília Sousa
Instituto Politécnico de Lisboa
Teresa Costa-Pereira
UIDEF, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
Resumo
361
Compreensão na Leitura
Ler é compreender. A compreensão é o objetivo final da leitura. Mesmo que um leitor leia
com alguma rapidez, se não entender o texto, não leu. A leitura é uma atividade cultural, interativa e
transformadora (Cunningham & Stanovich, 1998; Goody 1968; Magalhães, 2001). Ler é reconstruir os
sentidos do texto, em um processo em que o leitor interage e se envolve com o texto (Rosenblatt,
1984). Ao ler e ao interagir com diferentes formas de pensar, perspectivar o mundo e de sentir, o sujeito
leitor transforma o seu conhecimento e transforma-se. Ler é, assim, um processo que muda o sujeito e
o seu modo de representar o mundo e essas mudanças acarretam novas ações e aprofundam a relação
e o papel do sujeito no mundo. Desse modo, o domínio da leitura é uma competência simultaneamente
conscientizadora e libertadora do leitor (Magalhães, 2001).
Como a atividade de leitura é um processo criativo (dado que o leitor recria os sentidos do
texto) baseado no texto, no conhecimento e na experiência do leitor, haverá variação na reconstrução
da significação dos textos, entre os diferentes leitores.
Este entendimento da leitura, em que ler, pensar e ser são indissociáveis, terá um impacto em sala
de aula, no modo como se lê e se ensina a ler, não só na aula de Língua, mas em todas as áreas curriculares
(Matemática, História, Ciências, Geografia, etc.). Como a finalidade da leitura é a compreensão (Costa,
1992; Perfetti, & Hart, 2001; Rose, & Martin, 2012, Viana et al., 2010), então ensina-se a ler o livro de
Português, de História, o problema de Matemática ou a questão de avaliação de Geografia. Sendo a
compreensão um processo altamente complexo, em que o leitor constrói uma representação mental
usando a informação do texto de forma integrada com os seus conhecimentos prévios (Kintsch, 2004),
é necessário ensinar a ler de modo a que o leitor aborde os textos de forma cada vez mais autônoma
e flexível. A complexidade advém dos diferentes intervenientes na atividade de leitura e dos diversos
níveis das operações subjacentes.
Esta concepção de leitura é a assumida pelo PISA quando defende que a literacia de leitura
engloba um leque de “(...) situações nas quais as pessoas leem, os modos diferentes como os textos são
apresentados, e a variedade de formas como os leitores abordam e usam os textos, desde o funcional
e finito, como identificar uma informação prática, até à leitura profunda e de longo alcance, como
compreender diferentes modos de fazer, pensar e ser (...)” Relatório da OCDE (2010, p. 13, tradução
nossa).
Se ler um texto impresso é difícil, atualmente há novos desafios para o leitor: a leitura digital é
ainda mais exigente, sendo preciso que este aprofunde e expanda o seu papel. Enquanto em um livro a
362
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
reconstrução da significação é do leitor (Rosenblatt, 1994), nos suportes digitais o leitor enfrenta desafios
mais exigentes. Por um lado, precisa decidir que sítios merecem a sua confiança, quais os textos a ler e
quais ignorar, por outro, reconstrói a significação de cada texto, decide que texto ou fragmento ler de
seguida e, assim, pelo acúmulo de textos (ou fragmentos de texto) constrói conhecimento (Cummings,
2017). O leitor torna-se, deste modo, responsável pelos percursos e organização da leitura (Sousa,
2015), assumindo, assim, parte das funções do autor.
A diferença entre o leitor proficiente e o mau leitor é que o primeiro entende a leitura como
um processo interativo e dinâmico para reconstruir a significação do texto e o segundo ou lê palavra a
palavra centrando-se na decodificação ou, mesmo lendo com rapidez, não reconstrói a ideia global do
texto. A competência de reconstruir a significação permite ler mais (Cunningham, & Stanovich, 1998) e,
assim, transitar no universo dos escritos, possibilitando aos sujeitos entender o mundo e tomar posição
face ao mesmo. A compreensão de textos é fundamental para: continuar a estudar, trabalhar, socializar,
construindo o sujeito leitor para si um percurso de integração, dado que níveis elevados de proficiência
apresentam correlação positiva com percursos acadêmicos de sucesso, com qualidade de vida, com
mais saúde e melhor futuro dos filhos (Mullis, Martin, Foy, & Drucker, 2012; Schröter, & Bar-Kochva,
2019). Inversamente, níveis reduzidos de proficiência aparecem demasiado frequentemente associados a
pobreza e exclusão (OCDE, 2010, The New London Group, 1996).
A aprendizagem e desenvolvimento da proficiência na leitura é uma responsabilidade da escola,
desde a educação infantil, sendo a leitura um pilar fundamental na construção de um percurso escolar
de sucesso. Mormente, uma aprendizagem insuficiente da leitura tem consequências desastrosas, pois
debilita a sensação de domínio e eficácia cognitiva que a escola deveria estimular: quem não compreende
textos não consegue continuar na escola a aprender e terá não só o percurso escolar como profissional
comprometidos, mas, também, essa falta de domínio terá impacto na autoimagem de competências e
capacidades do aluno.
O relatório preliminar sobre o PISA de 2018 no Brasil revela que 50% dos estudantes brasileiros
de 15 anos se situa no nível 1 de leitura (numa escala de 6 níveis), não atingindo o mínimo que deve
ser atingido até o final do ensino médio. Os estudantes brasileiros estão dois anos e meio abaixo
dos países da OCDE em relação ao nível de escolarização de proficiência em leitura (INEP, 2019).
O mesmo relatório revela também que as assimetrias são grandes em um país tão vasto, mas que os
níveis de proficiência estão atrelados a índices de desenvolvimento e ao ensino.
363
Compreensão na Leitura
Compreensão de Textos
Aprender a ler ocorre em contextos em que a criança interage com outros e com textos,
em situação de tutoria. A compreensão do texto é o entendimento dos sentidos do texto,
integrando-os nos conhecimentos do leitor. Desde o início da escolarização, mesmo que a criança não
leia de forma independente, o ensino da compreensão deve estar presente. Como a compreensão
depende crucialmente do conhecimento e do vocabulário, desde o início estes devem ser focados,
lendo para as crianças diariamente narrativas, textos expositivos e outros, de modo a alargar os seus
conhecimentos e o seu vocabulário (Sapage, Cruz-Santo, & Abreu, 2020). O entendimento que primeiro se
aprende a decodificar e depois a compreender é um obstáculo à própria aprendizagem da decodificação.
Além do mais, a leitura frequente, tendo em vista a compreensão, ajuda a criança a construir o seu
projeto pessoal de leitor, motivando-a para o mundo do escrito e da leitura. Na leitura há que ter em
conta o leitor e a finalidade com que lê, o texto a ler e os contextos do leitor e dos textos, lendo
interativamente, modelando comportamentos de leitor, auscultando e ajustando a leitura aos leitores e
aos seus conhecimentos, de modo a cativá-los para os universos que se partilham pela leitura.
Compreender um texto - uma notícia de jornal, a bula de um medicamento, as instruções de
como usar a máquina de café, operar com máquinas, ou um SMS, um romance de ficção ou histórico,
um poema, uma receita - é uma competência essencial na vida, tanto na vida privada, como na social, na
escolar, na profissional, etc. Compreender é a razão de ler. Um bom leitor pensa ativamente enquanto lê,
mobilizando a sua experiência e os seus conhecimentos sobre o mundo, sobre os textos, sobre a língua,
sobre as estratégias cognitivas para reconstruir a significação do texto. É um leitor estratégico e adapta
os seus objetivos e estratégias ao gênero de texto e às finalidades que estabeleceu para a leitura. Ao
ler para as crianças o professor modela os comportamentos leitores, partilhando o texto e as formas e
estratégias de leitura. Esta modelação é crucial para ensinar a ler.
Para compreender, o leitor precisa de (i) conhecimentos prévios sobre o tópico para que a
informação nova encaixe no que já conhece, (ii) um bom conhecimento linguístico, com ênfase no
léxico, para que possa entender as palavras novas, integrando-as em redes semânticas complexas de
modo a entender os conceitos, para fazer inferências e reconstruir os sentidos locais e globais do texto,
(iii) conhecer os gêneros textuais de modo a compreender a finalidade do texto e a estruturação da
informação (iv) filtrar a informação relevante e pertinente para a reconstrução da significação, (v) ter
capacidade de memória para guardar a informação de que precisa, (vi) interrogar o texto de modo a
fazer a relação entre informação nova e informação já conhecida, buscando a coerência do texto.
Como vimos, compreender é um processo ativo no qual o leitor usa conhecimentos e estratégias
efetivas para extrair e processar informação de um texto quer seja escrito, quer seja oral (aqui texto
364
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
oral como oralizado por um leitor). Quando o bom leitor não compreende (quando “se perde”) reflete
sobre a falha e volta atrás, escolhendo o comportamento adequado para retomar a compreensão.
A compreensão é, como vemos, um processo complexo que mobiliza conhecimento, experiência,
pensamento sobre o texto e sobre as estratégias a usar para compreender e depende crucialmente de
ensino eficiente. Ler com proficiência um texto escrito supõe competências de diversa natureza.
Assim, depende grandemente de CONHECIMENTO – conhecimento amplo do (i) mundo (físico
e cultural), da (ii) língua, dos (iii) textos e do (iv) universo do impresso. EXPERIÊNCIA (i) de leitura e
de vida para se envolver nos universos contidos no texto e (ii) experiência de modos de ler para se
adaptar à atividade de leitura. Envolve, também, PENSAMENTO avaliativo e inferencial e não apenas o
entendimento literal das palavras do texto. Depende crucialmente das condições de ENSINO: ensino
explícito e eficiente da decodificação, da fluência e das estratégias a mobilizar para compreender um
texto.
Conhecimento
365
Compreensão na Leitura
se lê, menos se treina a leitura e menos se aprende (Cunningham, & Stanovich, 1998).
Por isso, a construção de conhecimentos e de competências de leitura deve começar cedo.
A construção de conhecimento deve ser precoce (Willinghan, 2016), pois o conhecimento que se possui,
os designados conhecimentos prévios (Meurer, 1991) são fundamentais para implantar efetivamente
processos cognitivos importantes que possibilitam compreender os textos. O ensino da decodificação
e da fluência é também crucial, pois desde muito cedo, as crianças com dificuldades na decodificação
e na fluência (se não forem ajudadas) tendem a ficar para trás (Cunningaham & Stanovich, 1998). É fácil
perceber que podem ler as palavras sem compreender o texto, mas será impossível compreender o
texto se não se lerem as palavras (Perfetti & Hart, 2001).
O conhecimento, a nomeação das coisas do mundo e a elaboração e integração desse conhecimento
precisa de conhecimento linguístico. Na compreensão da leitura conflui um conjunto de competências
linguísticas (ver, entre outros, Costa, 1992; Gascoine, 2005): a) competência gramatical (conhecimento
da morfologia, sintaxe, vocabulário); b) competência sociolinguística (saber o que é esperado social
e culturalmente pelos autores do texto); c) competência discursiva (capacidade para compreender
mecanismos coesivos tais como pronomes, conjunções e articuladores discursivos e também a capacidade
para reconhecer como é que a coerência é estabelecida). Por isso, o desenvolvimento da linguagem e o
conhecimento da língua de escolarização são primordiais nos processos de compreensão (Teberosky, &
Sepúlveda, 2018; Sapage et al., 2020).
Uma das dificuldades da compreensão de textos relaciona-se com o fato de a linguagem da
escrita apresentar padrões léxico-gramaticais diferentes do oral (Halliday, 2009). As diferenças situam-se
a vários níveis: morfologia, sintaxe, vocabulário. O conhecimento da morfologia, do vocabulário (James
et al.,2020) e da sintaxe (Brimo, Lund, & Sapp, 2018; Lopes, & Morgado, 2020) são importantes na
compreensão da leitura. Muitas vezes, as palavras além de serem distantes do mundo da criança são
palavras complexas (vejam-se, por exemplo, nominalizações - combustão, desflorestação - ou palavras
com radicais clássicos - ecologia, neurobiologia - ou palavras mais abstratas, técnicas e literárias.
Na verdade, para ler A jararaca, a perereca e a tiririca a uma criança de Portugal precisamos esclarecer,
antes de mais, o significado das palavras do título, pois os nomes não fazem parte do léxico de uma
criança portuguesa. Sem conhecimento dos vocábulos e da relação entre eles, a compreensão não é
possível. Além do vocabulário, os padrões morfossintáticos também precisam de análise e de ensino
explícito. Assim, por exemplo, as frases passivas, as frases complexas, os sujeitos distantes dos predicados,
o uso de pronomes átonos nas anáforas são mecanismos linguísticos que precisam de leitura orientada
e explícita de modo a assegurar a compreensão.
As diferenças entre o modo escrito e o modo oral e texto impresso e digital têm sido enfatizados
por diversos autores. Com efeito, as caraterísticas (enunciativas, lexicais, sintáticas) do texto escrito, em
366
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
especial do texto escrito acadêmico, são apontadas como um dos fatores de dificuldade dos alunos na
escola (Lahire, 1993; Halliday, 1996; Hasan, 1996). Sujeitos que não decodificam, isto é, que não são capazes
de transformar um input impresso numa representação fonológica, ou decodificam e não compreendem,
por desconhecimento do vocabulário e/ou por não serem capazes de integrar a informação em esquemas
e conhecimentos prévios, não avançam, pois “não integram o conhecimento novo no já conhecido
e, como tal, não reelaboram e redefinem as redes conceituais que possuem.” (Sousa, 2015, p. 39).
A integração do conhecimento é também facilitada pela leitura de vários textos sobre o mesmo tema
(Cummings, 2017), o que se verifica quando as crianças, por exemplo, investigam para realizar trabalho
de projeto (Costa-Pereira, Faria, & Sousa, 2019; Sousa, & Costa-Pereira, 2018; Vasconcelos et al., 2011)
Conhecer tanto o léxico, como os padrões sintáticos e as convenções de organização dos textos
(Adam, 1992) de uma dada comunidade textual, é pedra de toque no acesso à significação (Sousa, 2015).
Uma criança com contato com textos reconhece uma poesia, uma receita ou um texto explicativo pela
organização do texto na página. Reconhecer o gênero do texto, facilita o estabelecimento de objetivos
de leitura: clarificando para que se vai ler, como se vai ler. Estabelecer objetivos para a leitura é um
comportamento leitor a ensinar: para que vamos ler? Que texto vamos ler? O que acham que vamos
aprender?
De fato, para compreender uma narrativa tradicional, uma fábula ou um texto expositivo, o leitor
mobiliza conhecimentos diferentes. Ao ler uma narrativa tradicional, o leitor sabe que os bons serão
recompensados e os maus castigados, na fábula espera que termine com a moral (Spinillo et al.,2020) e
no texto expositivo espera encontrar informações sobre um dado tema. Para entender o sentido global
de um texto, o leitor processa a informação seguindo um determinado roteiro. Por isso, a quantidade
e diversidade dos textos lidos são muito importantes, mas a explicitação da estrutura subjacente aos
textos é fundamental. Este conhecimento é crucial na leitura e uma mais-valia na escrita.
O conhecimento do universo do impresso supõe que a criança compreenda que o escrito veicula
significados, que os livros têm letras e palavras, compreenda o que é um livro, para que serve e como
é usado. A criança familiarizada com livros sabe como pegar em um livro, como virar as páginas, o
que é a capa e a contracapa, qual a orientação da escrita, onde achar o título. Sabe identificar uma
palavra e aprende que palavra e realidade são coisas diferentes: formiga é uma palavra grande que
representa um animal pequeno e cão é uma palavra pequena que representa um animal grande.
Estes comportamentos emergentes de leitura constituem as fundações para a construção de bons
leitores, uma vez que é a partir deste conhecimento de base que se desenvolvem as outras competências
de leitura, a decodificação, a fluência e a compreensão. Não se nasce leitor, os bons leitores fazem-
se e os professores têm um papel crucial na formação de sujeitos leitores (Roux-Baron, 2019).
Para isso é necessário que os professores leiam diariamente para as crianças, as desafiem a ler e as
cativem para a leitura.
367
Compreensão na Leitura
Experiência
O conhecimento pode ser amplo quando alia o saber à experiência. Para que a criança possa criar
um projeto pessoal de leitor, observável na vontade de ler (eu quero ler), precisa de experimentar a leitura:
o que é ler, como se lê, para que se lê. Se os contextos – família, igreja, biblioteca de bairro - são importantes
nesta construção, os educadores e os professores têm um papel único ao envolverem as crianças em um
ambiente escolar rico em escritos. Ler para as crianças desde tenra idade, várias vezes ao dia, escrever o que
estas ditam, desafiá-las a ler, propor projetos de leitura exequíveis e desafiantes e integrá-las em atividades do
cotidiano da sala de aula que envolvam leituras diversificadas, mostrar-lhes como a leitura é muito prazerosa e
útil (Magalhães, 2008), ouvir as crianças sobre o que ouviram ler, levar a sério a criança que tenta ler (mesmo
sem saber decodificar) são atividades que ajudam a construir a vontade de ler. A vontade de ler, a motivação
para a leitura são capital fundador de bons e fiéis leitores.
Neste sentido, é muito importante que o professor crie rotinas de leitura, leia, modelando a
compreensão e o interesse pela leitura. Quando os alunos já leem, incentivá-los a ler, propor roda de livros,
organizar momentos de partilha e de leituras em voz alta, incentivar a discussão das leituras feitas (Sousa,
2007) é crucial na vida das crianças. Deixar que as crianças experimentem o poder da palavra lendo, recitando,
discutindo fundamentadamente, proporcionando, de fato, experiências felizes de leitura.
A leitura depende crucialmente dos conhecimentos do leitor: quanto maior a sua experiência
de mundo, como dos textos, maior o capital para investir na compreensão dos textos. É a partir dos
conhecimentos prévios das crianças que se vão construindo redes de informação em que se estabelecem
conexões entre o que já se sabe e a informação nova veiculada pelos textos. Percebe-se assim, a importância
da educação infantil (Roux-Baron, 2019; Sapage et al., 2020) no desenvolvimento de crianças e jovens leitores.
Pensamento
368
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
explícitas e ideias implícitas, entre os sentidos locais e a significação global, recriando os sentidos do texto.
Por isso, habitualmente, consideram-se diversos níveis de compreensão: do mais básico (e absolutamente
imprescindível) o da compreensão literal à compreensão crítica, passando pela compreensão inferencial.
Ler bem supõe ser capaz de planejar a leitura e estabelecer objetivos, avaliar e modificar o percurso
da leitura se se encontrarem dificuldades durante o processo. No fundo, é conhecer a leitura e pensar como
se processa e como se constrói significação. Ler supõe, assim, a competência de refletir sobre o pensar, isto
é, saber quando se errou durante o processo de compreensão: saber identificar as falhas de compreensão e
corrigi-las. Estes são processos considerados de nível superior ou metacognitivos e exigem, também, ensino
explícito (Viana et al., 2010). A metacognição é o processo de aplicar a cognição à própria cognição para
orientação e melhoria desta, trata-se de refletir sobre o pensar e sobre as formas como abordamos os
textos, como pensamos e construímos conhecimento, isto é, pensar para que vamos ler, pensar qual a melhor
maneira de ler para responder aos objetivos propostos. Se se pretende aprender, identificam-se os conceitos
e palavras-chave ou faz-se um esquema, por outro lado, se se pretende fazer o resumo de uma história,
sublinham-se as categorias da narrativa, etc... Trata-se, assim, de pensar nas competências que se possuem e
monitorar a compreensão durante o processo. Se, numa passagem, o leitor não consegue recriar o sentido
do texto, isto é, não compreende, precisa de saber avaliar o que falhou e que estratégia é necessário aplicar.
369
Compreensão na Leitura
a fase da pré-leitura, durante a qual a criança desenvolve comportamentos emergentes de leitor. As fases
1 e 2 caracterizam-se pelo “aprender a ler”, isto é, a criança é capaz de ler textos simples e familiares e
adquire o princípio alfabético. A criança é capaz de decodificar palavras que não identifica automaticamente
e torna-se fluente, especialmente quando lê textos que utilizam palavras que fazem parte da sua experiência
e capacidade (1.º ao 3.º de escolaridade). As fases 3 a 5 caracterizam-se pelo “ler para aprender”, isto é,
quando os textos se tornam mais variados, complexos e desafiantes tanto linguística como cognitivamente.
A partir da fase 3 (corresponderia no sistema de ensino brasileiro ao período entre as 4ª. e 8ª. séries), as
crianças começam a usar a leitura como uma ferramenta para aprender, começando os textos a conter novas
palavras e ideias, distanciando-se do registro cotidiano da própria criança e do seu conhecimento do mundo.
Na fase 3 da aprendizagem da leitura, o ensino da compreensão é crucial: ensino de estratégias que visem o
conhecimento do léxico, a mobilização de conhecimentos prévios (nomeadamente conhecimento de tipos
de texto) e estratégias cognitivas que facilitem o processamento da informação ao nível mais local de frases
e parágrafos, à relação entre parágrafos, com especial atenção às anáforas.
As fases 4 e 5 caracterizam-se pela capacidade de o leitor compreender múltiplos pontos de vista e
construir conhecimento altamente abstrato. Na última fase – fase 6 - o leitor é capaz de sintetizar criticamente
o trabalho de outros e construir conhecimento a partir daí (corresponderá, grosso modo, ao ensino superior).
Como se conclui, a aprendizagem da leitura ocorre durante todo o percurso escolar dos estudantes.Torna-se,
portanto, necessário pensar o ensino ao longo de toda a escolaridade de modo a facilitar a sua aprendizagem.
Um outro modelo de desenvolvimento da leitura, Giasson (2007, p. 31), propôs, para a evolução do
jovem leitor, um percurso que vai da emergência da leitura à leitura de textos variados, com as seguintes
etapas de evolução: (i) o leitor em emergência - compreende as funções do escrito, gosta de ouvir ler,
reconhece palavras presentes no meio em que vive, mas ainda não compreende o princípio alfabético; (ii)
o aprendiz de leitor - a criança descobre o princípio alfabético. Nesta fase a criança é um consumidor
feliz que gosta que lhe leiam histórias, gosta de ver e comentar um livro com um adulto que lê para ela,
torna-se observadora curiosa de quem lê e de quem escreve, e vai construindo o seu projeto pessoal
de leitor; (iii)o leitor principiante - domina os princípios que lhe permitem identificar palavras. Domina
bem o código e é capaz de ler textos novos. No entanto, a sua leitura é ainda hesitante, porque ainda não
reconhece rapidamente todas as palavras e identifica muitas palavras uma a uma; (iv) O leitor em transição -
vai diminuindo a frequência com que decifra, porque possui um repertório amplo de palavras que reconhece
automaticamente. Segundo a autora, este período de aprendizagem encontra-se entre o final da 2.ª série e
o início da 3.ª série; (v) o aprendiz estratega - para continuar a evoluir, a criança deve dominar estratégias
de compreensão. Estas serão fundamentais para compreender textos que não apresentam dificuldades de
maior; e (vi) o leitor confirmado, no 5.º e 6.º anos de escolaridade, o leitor deve afinar as estratégias de
compreensão, adotando estratégias cada vez mais complexas para tirar partido da variedade dos textos e das
situações de leitura.
370
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
Ler e Pensar
Assume-se que a compreensão tem vários níveis distintos que devem ser ensinados. A título de
exemplo, compreender o que está escrito e compreender o significado entrelinhas, isto é, compreensão literal
e a inferencial. A compreensão literal baseia-se na informação que o texto contém nas suas frases organizadas
em parágrafos. Já a compreensão inferencial acrescenta ao texto as relações implícitas que o texto contém.
A compreensão literal é a base da compreensão inferencial e estas a base da compreensão crítica, isto é, a
compreensão que vai além do texto e que supõe os conhecimentos e experiências do leitor e competências
para se posicionar face ao texto lido. Ensinar a compreender é modelar comportamentos, interagindo e
questionando o texto. Ensine os seus alunos a questionar os textos. As questões são fundamentais: questões
antes, durante e depois da leitura. Mais do que a quantidade, a diversidade das questões é fundamental
(Albanese, 1999; Raphael, 1984).
Vejamos, a título de exemplo, modos de modelar comportamentos leitores, a) antes de ler, o leitor
pode questionar-se: (i) a partir do título, do tópico, subtítulos ou imagens, o que é que eu já sei que posso
ligar ao texto? (ii) a partir dos mesmos indícios, pode questionar-se acerca de que será este texto? b) durante
a leitura: (i) o que acontecerá a seguir? (ii) qual é o problema e como será resolvido? (iii) quais os eventos/
informações importantes? (iv) Qual será a personagem principal/a frase mais importante deste parágrafo? c)
depois da leitura: (i) Qual a mensagem do texto? (ii) Como é que este assunto está ligado à realidade em que
vivemos? (iii) que estratégias usa o autor para nos influenciar? (iv) onde está no texto a palavra/ ideia que
suporta o que eu disse?
Ao realizar atividades de compreensão, nomeadamente através da colocação de questões sobre
os textos, contribui-se para o desenvolvimento de competências como: (i) localizar informação explícita
presente em um texto (compreensão literal); (ii) formular deduções sobre o conteúdo do texto a partir
dos indícios que proporciona a leitura (compreensão inferencial); (iii) Sistematizar, esquematizar ou resumir
a informação, consolidando ou reordenando as ideias a partir da informação que se vai obtendo de forma a
obter uma síntese compreensiva da mesma (reorganização); (iv) formar juízos próprios, com respostas de
caráter subjetivo (compreensão crítica) (Viana et al., 2012).
371
Compreensão na Leitura
Assim, e retomando alguns dos tipos de compreensão apresentados por Viana e colegas (2012),
podemos dizer que: na compreensão literal: o leitor identifica, por exemplo, a ordem (ações, ingredientes);
identifica personagens, caraterísticas, especificidades, tempos e espaços explícitos; identifica emoções, razões
explícitas de certos personagens ou fenômenos. Na compreensão literal, o leitor reconhece, ainda, o tópico
ou tema central, faz um resumo ou um mapa conceitual. Neste nível de compreensão, as questões sobre o
texto visam o que está escrito e os leitores sabem identificar a palavra, o segmento ou segmentos em que se
encontra a informação. É importante ensinar a identificar informação que se encontra em diferentes partes
do texto, porque os leitores tendem a identificar apenas um segmento, esquecendo que a mesma informação
pode estar disposta em segmentos diferentes.
Na compreensão inferencial o leitor explicita relações e razões que vão além do texto lido, ampliando
os sentidos literais. Relaciona o lido com os seus conhecimentos prévios; formula hipóteses, elabora conclusões.
As questões incidem sobre combinar informação do texto para inferir sentidos, podem justificar as razões ou
motivos de personagens, a razão de determinado fenômeno, as consequências de uma escolha ou evento, etc.
Na compreensão crítica, o leitor formula juízos fundamentados sobre o lido. Avalia o lido de acordo
com a sua experiência de leitura, a sua experiência do mundo em que vive; as leituras de outras fontes de
informação;. Por exemplo, julga-se se determinada asserção é um fato ou uma opinião, qual a idoneidade da
fonte ou do autor, etc.
Na compreensão apreciativa, que engloba as dimensões anteriores, o leitor responde pessoalmente
ao conteúdo do texto verbalizando interesse ou desinteresse; reage à forma ou linguagem do texto; verbaliza
empatia pelas personagens, etc... Nos textos literários, o leitor pode pronunciar-se sobre os valores estéticos
(mas esta capacidade supõe um leitor muito avançado).
No processo de leitura, o leitor precisa de usar estratégias de leitura para compreender a significação
do texto. As estratégias de leitura são elementos chave no desenvolvimento dos estudantes na compreensão
dos textos. O domínio de estratégias influencia o leitor permitindo ajustar o seu comportamento leitor
quando encontra dificuldades nos textos ou nas tarefas pedidas, sabendo qual, quando, como e porquê usar
as estratégias durante o seu processo de compreensão. Este foi o foco do nosso capítulo.
Um leitor proficiente identifica a ideia principal de um texto, descobre, a partir do contexto, o
significado de um vocábulo desconhecido, clarifica o sentido de uma frase, apercebe-se que se perdeu e relê,
sumaria, etc... Ao aprender a ser leitor estratégico, o estudante torna-se um leitor ativo, construtor de
sentidos a partir do que lê. Um leitor eficaz mobiliza um conjunto de competências para fazer sentido a
partir dos textos. Assim o leitor envolve-se no processo de compreensão, usando diferentes estratégias para
acessar e monitorar a construção da significação.
372
Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
Conclusões
Como se defende, ler é interagir e envolver-se com o(s) texto(s). A interação é tanto maior quanto
maiores o conhecimento, a motivação e as competências de compreensão. Sublinhamos que as competências
principais são culturais e, como tal, construídas nos diferentes contextos em que a criança circula, em especial
a comunidade escolar, tendo os professores um papel imprescindível no desenvolvimento da compreensão e na
formação de leitores proficientes.
Foi sublinhado que a compreensão na leitura supõe uma decodificação rápida, fluência e envolvimento
com a leitura. Assim cabe ao professor envolver e motivar as crianças com os livros e os textos e ensiná-
las a ler. Ensinar as crianças e os jovens a pensar - refletir sobre os textos, os seus formatos, organização,
estruturas, palavras, metáforas, inferências, isto é, sobre o explícito e o implícito dos textos. Proporcionar
momentos em que a criança experiencia de forma prazerosa e com a autoperceção de que é capaz de
compreender e de ultrapassar as dificuldades com que se depara. A rotina de ler em voz alta para as crianças,
de ler com as crianças diariamente, apresentando a leitura quer como recriação, quer com finalidades ligada
ao currículo são momentos de experiência importantes porque, ao pôr em comum textos e pensamento
sobre os textos, ajuda a criar uma comunidade letrada.
Quando se partilham leituras e se constrói uma comunidade letrada, está a criar-se conhecimento:
conhecimento de livros, de textos, de linguagem letrada (léxico, sintaxe, semântica, figuras de estilo), mas,
igualmente, conhecimento dos tópicos abordados (floresta amazónica, o Antártico, os animais de estimação,
a mata atlântica, direitos humanos) e, também, modos de organizar a informação (como se apresenta a
informação sobre a capivara? ou como se organiza a informação numa fábula?).
Estamos a integrar a criança, todas as crianças, no círculo virtuoso da leitura: quanto mais se lê,
mais se conhece, quanto mais se conhece melhor se lê, quanto melhor se lê, mais fácil se torna ler e mais
queremos ler.
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Otília Sousa & Teresa Costa-Pereira
Recursos Online
• https://www.readingtolearn.com.au
Site do projeto read2learn realizado em salas de aula na Austrália (e mais tarde em outros países). o projeto revelou
excelentes resultados. O site apresenta material interessante que ilustra a abordagem defendida e recursos para
apoiar a sala de aula. Ainda que em inglês, será interessante visitar o sítio e discutir entre professores quer os princípios,
quer as demonstrações de sala de aula.
• http://www.pnl2027.gov.pt/np4/acoes?cat=Projetos
Site do Programa nacional de leitura (de Portugal) recomendamos, em particular, a área projetos que proporciona
contato com trabalhos realizados em sala de aula e pode motivar discussões enriquecedora sobre como motivar e
envolver as crianças na leitura, sobretudo as que estão afastadas da cultura letrada.
• https://aprenderaestudartextos.org.br/
Neste endereço tem informação sobre como ensinar textos de História e pode usar uma ferramenta informática
(analisador de textos) que o ajuda a preparar as suas aulas de compreensão da leitura.
377
Capítulo 18
Aprendizagem da Ortografia
Resumo
Neste capítulo abordo a aprendizagem da ortografia que, sem dúvida, contribui para a qualidade
da escrita, apesar desta implicar muitos outros aspectos para além da ortografia. Na primeira parte,
começo por definir o que é a ortografia, por referir características dos sistemas alfabéticos de escrita com
implicações nas formas como se aprende a ler e a escrever e analisar, genericamente, as características
do sistema de escrita do português. Numa segunda parte, descrevo alguns modelos de aprendizagem
da ortografia e analiso um conjunto de fatores que influenciam a sua aprendizagem. Numa terceira
parte, abordo as restrições ortográficas do português, referindo alguns erros típicos que ocorrem em
situações iniciais de aprendizagem e faço referência a estratégias pedagógicas que podem ser usadas em
sala de aula para ajudar as crianças no processo de aprendizagem da ortografia.
378
Margarida Alves Martins
A Aprendizagem da Ortografia
A escrita pode ser definida “à luz de um duplo princípio, fonográfico (notação das unidades
sonoras de uma língua) e semiográfico (notação das unidades significativas). Estes princípios permitem
diversas opções que dependem de diferentes fatores (especificidades das línguas e das culturas, condições
históricas e sociais, etc.). Cada sociedade é assim levada a escolher uma solução particular, que pode ser
alfabética (Europa, mundo árabe…) ou não (China, Japão…). Com o tempo, as escritas normalizam-se,
cristalizam e tornam-se então ortografias. Uma vez existentes, as ortografias revelam zonas de (relativa)
fragilidade que são objeto de modificações mais ou menos profundas, mais ou menos toleráveis, mais ou
menos aceitos pelo grupo dominante.” (Jaffré & Fayol 1997, pp. 8-9). A ortografia é assim a normalização
de um sistema de notação das unidades linguísticas com a ajuda de marcas visíveis e convencionais,
ditadas pelo uso, evolução histórica e etimologia das palavras. A ortografia reflete a história e a cultura
da língua que representa.
As Ortografias Alfabéticas
O que é o princípio alfabético? Trata-se de um princípio que faz corresponder uma letra a um
som da fala, mais concretamente a um fonema, que é o som mínimo que introduz diferenças no significado
das palavras. Uma escrita alfabética idealmente deveria dispor de um material que lhe permitisse notar
os diferentes fonemas com precisão. No entanto, na grande maioria das escritas alfabéticas, o número de
fonemas é superior ao número de letras do alfabeto e nem sempre as correspondências são biunívocas,
podendo uma mesma letra corresponder a diferentes fonemas e um mesmo fonema a diferentes letras
ou conjuntos de letras (grafemas). Podemos então dizer que na grande maioria das escritas alfabéticas
não há correspondências termo a termo entre letras e sons, mas sim formas diferentes de notar as
unidades fonológicas em unidades ortográficas (Seymour, 2005; Ziegler & Goswami, 2005).
Nem todas as ortografias têm a mesma complexidade. Segundo Katz e Frost (1992, p.71) “há
diferenças entre ortografias alfabéticas quanto à profundidade ortográfica, e essas diferenças são
resultado de diferenças na fonologia e morfologia das línguas que representam”.
A complexidade de uma ortografia depende, entre outros fatores, do sistema de correspondências
entre fonemas e grafemas. Existem ortografias transparentes em que as correspondências entre fonemas
e grafemas são consistentes, ou seja, em que há relações de um para um entre fonemas e grafemas e
379
Aprendizagem da Ortografia
grafemas e fonemas e, em um polo oposto, ortografias opacas em que essas correspondências são
inconsistentes, ou seja, são complexas e muitas vezes imprevisíveis, podendo um mesmo fonema ser
representado por diferentes grafemas e um mesmo grafema corresponder a diferentes fonemas. O
finlandês é um exemplo de ortografia transparente em que a cada grafema corresponde um único
fonema. Já no inglês, exemplo de uma ortografia opaca, o mesmo fonema pode corresponder a diferentes
grafemas e o mesmo grafema pode representar diferentes fonemas. As diversas línguas alfabéticas situam-
se entre estes dois polos, umas mais próximas do polo da transparência, outras mais próximas do polo
da opacidade.
Num estudo realizado por Seymour, Aro, Erskine e a Cost Action A8 network (2003) sobre
a aprendizagem da leitura e da escrita em 13 línguas europeias, os autores delinearam um esquema
apresentado no Quadro 1, em que as diferentes ortografias foram classificadas segundo o seu
grau de transparência e as diferentes línguas segundo a complexidade da sua estrutura silábica.
Há línguas com estruturas silábicas simples, tipicamente as línguas românicas e línguas com
estruturas silábicas complexas, tipicamente as línguas germânicas. Nas primeiras, muitas sílabas são
constituídas por uma consoante e uma vogal (sílaba CV) e os encontros consonantais (sequência
de duas ou mais consoantes sem a existência de uma vogal intermédia) são pouco frequentes;
nas segundas, as estruturas silábicas são complexas e os encontros consonantais frequentes.
Quadro 1
Classificação hipotética de 13 línguas europeias relativa às dimensões de complexidade silábica (simples, complexa)
e de profundidade or tográfica (transparente a opaca) (Adaptado de Seymour et al., 2003, p.146)
380
Margarida Alves Martins
Como se pode ver a partir do Quadro 1, no que se refere às línguas com estruturas
silábicas simples, o finlandês, o grego, o italiano e o espanhol estariam mais próximos do polo da
transparência e o francês do polo da opacidade. O português situar-se-ia numa posição intermédia.
No que se refere às línguas com estruturas silábicas complexas, o alemão o norueguês e o islandês
estariam mais próximas do polo da transparência e o inglês do polo da opacidade.
Segundo estes autores, a complexidade das relações entre fonemas e grafemas e a estrutura
silábica das diferentes línguas são os fatores que mais influenciam a aprendizagem da leitura e da escrita.
Também Ziegler e Goswami (2005) consideram que quanto mais opaca é a ortografia de uma língua mais
lenta será a aquisição da leitura e da escrita.
381
Aprendizagem da Ortografia
1 “Os fonemas /m/ e /n/, quando em início de sílaba, estabelecem relações regulares com os grafemas M e N: quando em seu outro uso – em fim de sílaba – não
são aqui considerados como um fonema, porque apenas atuam sobre a vogal anterior para marcar nasalidade…” Soares (2016, p. 297)
382
Margarida Alves Martins
383
Aprendizagem da Ortografia
Morais (2005), resume da seguinte forma as relações entre a fonologia e a ortografia para o português:
regularidades diretas – correspondentes a relações biunívocas entre fonemas e grafemas; regularidades
contextuais – regras que têm em conta a posição da correspondência fonema grafema dentro da palavra;
regularidades morfossintáticas – regras implicadas na análise dos morfemas no interior das palavras e dentro
das repectivas orações frásicas; irregularidades - situações em que não há regra ou princípio gerativo possível
de ser aplicado às palavras do português, sendo estas palavras escritas de acordo com a sua etimologia ou
tradição de uso.
No português, as irregularidades são mais comuns na escrita do que na leitura, o que torna mais
difícil a sua aprendizagem. Segundo Morais (2005) “No português, como na maioria das línguas com escrita
alfabética, existem muito mais regras sobre os valores sonoros que as letras podem assumir na leitura das
palavras que regras que ajudem o usuário a escrever as mesmas palavras corretamente” (p. 20). A respeito
da transparência ortográfica, embora o sistema português seja classificado como intermédio na direção
da leitura, é mais opaco na direção da escrita. Gomes (2001) refere que para a língua portuguesa, 64%
dos grafemas tem uma correspondência fixa com os fonemas no sentido da leitura e que apenas 41% das
correspondências entre fonemas e grafemas é fixa, no sentido da escrita.
Quanto à estrutura silábica, apesar do português ser considerada uma língua com estrutura
silábica simples, em que a maioria das sílabas tem a estrutura consoante vogal (CV) (ex. pa-to),
consoante-vogal-vogal (CVV) (ex. pai), ou vogal (V) (ex. a-no), existem também outros tipos de padrões
silábicos frequentes como, por exemplo, sílabas consoante-vogal-consoante (CVC) (ex. por-ta), sílabas
consoante-consoante-vogal (CCV) (ex. pra-to), para além de outros padrões silábicos menos frequentes.
Os padrões silábicos têm influência na aprendizagem da ortografia, sendo mais frequentes os erros em
padrões silábicos mais complexos, como nas sílabas CVC e CCV, que, contrariam a lógica das sílabas mais
frequentes como as CV.
Segundo Jaffré e Fayol (1997) a aprendizagem da ortografia requer um ensino formal por contraste
com a aquisição da linguagem oral que se dá naturalmente. Estes autores consideram que existem três fases
na aprendizagem da ortografia: a fase pré-alfabética, a fase alfabética e a fase ortográfica.
A fase pré-alfabética, começa muito cedo, muito antes do início do ensino formal da leitura e da
escrita. Muitas crianças de 3 e 4 anos que tiveram ocasião de observar e de participar em práticas culturais
em que a leitura e escrita são usadas, percebem que a escrita é diferente do desenho e tentam imitar a escrita
dos adultos, usando garatujas, traços, círculos, pseudo-letras e mesmo letras convencionais, geralmente as
384
Margarida Alves Martins
dos seus nomes próprios. Muitas vezes têm em conta a direcionalidade da escrita, da esquerda para a direita
e escrevem linearmente. Quando se lhes pede para registrar por escrito algumas palavras ou frases ditadas
pelo adulto, fazem-no tendo em conta os referentes para que elas reenviam e não as suas características
fonológicas. Escrevem, assim, mais letras para a palavra gato, por exemplo, do que para a palavra gatinho. Ainda
nesta fase, aprendem diversas palavras por associação com o contexto, mas as características alfabéticas dessas
palavras, como as letras que as constituem e a sua ordem, não são tidas em consideração - se retirarmos
ou acrescentarmos alguma letra, ou alterarmos a sua ordem, a palavra continua a ser identificada da mesma
forma. No entanto, se a mesma palavra aparecer em outro contexto deixa de ser identificada. Esta fase é
descrita detalhadamente nos trabalhos de Ferreiro e Teberosky (1979) e de Ferreiro (1988).
Numa segunda fase, a fase alfabética, as crianças descobrem que a escrita codifica ou transcreve a
língua oral e procuram fazer as correspondências entre os sons das palavras e as letras que os representam.
Esta procura leva a uma escrita e a uma leitura de base fonológica que consiste na associação sistemática de
um grafema a um fonema.
A descoberta das correspondências entre fonemas e grafemas é tanto mais fácil, quanto mais
transparente for a ortografia. Numa ortografia ideal, a cada fonema corresponderia uma letra e vice-versa,
o que não é o caso da ortografia, por exemplo, do português, em que um mesmo som pode ser escrito de
diversas formas ou uma mesma letra lida também de diversas formas, o que leva a dificuldades, quer na leitura,
quer sobretudo na escrita.
A aprendizagem da transcrição das configurações sonoras depende das capacidades de segmentação
da cadeia oral, dos conhecimentos das letras, das suas combinações e correspondências com os segmentos
do oral. Por sua vez, a segmentação da cadeia oral levanta dificuldades em função das características dos
fonemas e das suas combinações. Também a segmentação das sequências de letras pode levantar problemas
como no caso, por exemplo, de palavras constituídas por diferentes morfemas.
Nesta fase constrói-se progressivamente um léxico ortográfico através da utilização sistemática da
mediação fonológica. Este léxico ortográfico armazenaria a forma escrita das palavras. No léxico fonológico
estaria armazenada a forma oral das palavras. No léxico semântico, o significado das palavras. No léxico
mental estes três tipos de informação estariam assim armazenados em três sistemas separados, com ligações
entre si.
Existiriam duas vias de tratamento da ortografia: uma via fonológica, ou via indireta, em que as palavras
seriam escritas a partir do sistema de correspondências entre fonemas e grafemas e uma via lexical, ou via
direta, em que as palavras seriam recuperadas diretamente da memória.
Numa terceira fase, a fase ortográfica, vai havendo uma crescente utilização das normas do sistema
de escrita. Esta fase coexiste com a fase alfabética a partir do momento em que a leitura e a escrita não são
possíveis unicamente a partir de associações simples e regulares entre letras e sons. É assim necessário ter em
385
Aprendizagem da Ortografia
conta as associações irregulares entre fonemas e grafemas, assim como as regras que regem essas associações.
A leitura ou a escrita de palavras em que essas associações não são regulares pode fazer-se, ou através da
recuperação direta da forma ortográfica dessa palavra armazenada em um hipotético léxico ortográfico, no
caso da palavra ser conhecida, ou no caso da palavra ser desconhecida, através de regularidades estatísticas,
de analogia ou tendo em conta aspectos morfológicos.
Para Ehri (1997; 2005), a aprendizagem da leitura e da escrita de palavras são como duas faces da
mesma moeda. Na sua perspectiva, o que possibilita a memorização da ortografia das palavras é a formação
de conexões entre letras e sons, que permitem ligar grafias, pronúncias e significados de palavras específicas
na memória, sejam elas regulares ou irregulares, o chamado mapeamento ortográfico. Se as palavras estiverem
bem armazenadas na memória, as crianças conseguirão lê-las e escrevê-las corretamente. Estas conexões são
progressivamente adquiridas, ao longo de 4 fases: a fase pré-alfabética, a fase parcialmente alfabética, a fase
plenamente alfabética e a fase alfabética consolidada. A autora considera que não é necessário o domínio
completo de uma fase, para iniciar a fase seguinte. O nome de cada fase reflete o tipo predominante de
conexão que liga a forma escrita da palavra com a sua pronúncia e o seu significado na memória.
Na fase pré-alfabética, as crianças para ler, recorrem a pistas visuais, ou contextuais e à memorização
de aspectos visuais globais. Muitas vezes, apoiam-se nas letras do seu nome que são reconhecidas como formas
gráficas, mas não são consideradas como equivalendo a determinados sons. Não recorrem a processos de
codificação e de decodificação. As formas escritas das palavras estão ligadas ao seu significado, mas não à sua
pronúncia. A criança não revela conhecimento sobre o sistema alfabético. Formam-se conexões das palavras
com aspectos visuais, não alfabéticos.
Na fase parcialmente alfabética, a partir do momento em que as crianças já conhecem os nomes
das letras, utilizam esse conhecimento para escrever algumas palavras, ainda que não de forma correta.
Analisam as palavras oralmente sendo muitas vezes capazes de isolar um ou dois sons, geralmente o som
inicial e o som final, e representam-nos através de letras cujos nomes contêm esses sons, produzindo escritas
semi-fonéticas (ex. dedo escrito como d-u). Para ler, usam o contexto e simultaneamente pistas relacionadas
com as letras. Manifestam dificuldades em usar as correspondências grafema-fonema e em ler palavras por
analogia. Formam-se conexões entre letras salientes e sons.
Na fase plenamente alfabética, as crianças já conhecem as correspondências grafema/fonema, o que
lhes permite descodificar palavras novas que também são lidas por analogia com palavras foneticamente
semelhantes. Também a escrita de palavras em que todos os fonemas estão representados é possível, apesar
de não serem respeitadas as normas e convenções ortográficas (ex. gato escrito como gatu). Há um aumento
significativo das palavras memorizadas.
Na fase alfabética consolidada, dá-se a consolidação do sistema de relações entre os grafemas e
os fonemas; o número de palavras memorizadas cresce rapidamente e a memorização de palavras mais
386
Margarida Alves Martins
longas é possível porque as crianças conseguem estabelecer relações com grupos de letras familiares. Dá-se,
igualmente, a aquisição de conhecimento mais complexo sobre a influência de determinados conjuntos de
letras na leitura das letras que se seguem. A identificação de sequências de letras que representam unidades
grafo-fonêmicas e morfemas, predomina sobre a identificação grafema-fonema (ex., para o inglês escrita da
terminação “ed” para os verbos no passado, apesar do som que se ouve nem sempre ser o do fonema /d/
mas muitas vezes o do fonema /t/). A escrita correta de palavras passa a ser possível. Com a prática e a
acumulação de experiências de leitura e de escrita, as crianças vão-se apercebendo que as relações entre
grafemas e fonemas não se baseiam numa correspondência biunívoca e começam a identificar padrões de
letras idênticos em diferentes palavras, associando-os a sílabas, a parte de sílabas, a afixos e a prefixos.
Ehri (1997), propõe a existência de três formas de escrever palavras: de memória, por invenção, por
analogia. Para a escrita de palavras familiares, a criança acede à representação da palavra anteriormente
memorizada e guardada na memória lexical e recupera a sequência de letras. Para a escrita de palavras
não familiares, a criança analisa os sons da palavra, tem em conta as letras que lhes podem corresponder e
inventa uma ortografia que seja plausível. Também para a escrita de palavras não familiares, a criança pode
usar a analogia, procurando na sua memória palavras com padrões sonoros semelhantes cuja ortografia seja
conhecida, por exemplo, palavras que partilham sílabas ou rimas com a palavra que quer escrever, recupera a
sequência de letras correspondentes e adapta-as à palavra em causa.
387
Aprendizagem da Ortografia
atividades de contagem, análise, síntese, manipulação de rimas, sílabas e fonemas que tornem as crianças
sensíveis aos constituintes fonológicos das palavras (Morais, 2019).A sua eficácia na compreensão do princípio
alfabético e na aprendizagem das correspondências entre letras e sons tem sido comprovada, o que seria de
esperar, uma vez que a escrita alfabética representa a estrutura fonológica das palavras, ou seja, a identidade
dos sons e das suas combinações.
Têm igualmente sido desenvolvidos diversos trabalhos de investigação sobre o impacto de programas
de escrita inventada, realizados antes do início formal da aprendizagem da leitura e da escrita, na compreensão
do princípio alfabético e no domínio progressivo das relações entre letras e sons (Alves Martins & Silva, 2006;
Alves Martins, Salvador, Albuquerque & Silva, 2016; Levin & Aram, 2013; Ouellette & Sénéchal, 2008a,b; Rieben,
Ntamakiliro, Gonthier & Fayol, 2005). Nestes programas são desenvolvidas atividades em que as crianças
são levadas a refletir individualmente, ou em grupo, sobre a escrita de diversas palavras, com a mediação de
um adulto. Os resultados obtidos mostram que estas atividades promovem a consciência fonológica e, em
particular, a consciência dos fonemas, pois a escrita serve de suporte para uma análise sistemática da sequência
dos sons nas palavras. Promovem igualmente o entendimento da lógica alfabética, tendo consequências na
capacidade de descobrir as relações entre os segmentos orais das palavras e as letras correspondentes
(Adams, 1998; Read & Treiman, 2013; Treiman, 1998). Estudos longitudinais recentes mostraram também que
este tipo de atividades, realizadas em contexto de educação infantil, têm impactos positivos na aprendizagem
da leitura e da escrita de palavras no ensino fundamental (Albuquerque & Alves Martins, 2016; Ouellette
Sénéchal & Haley, 2013).
Outra habilidade metalinguística que facilita o processo de aprendizagem da escrita e, em particular,
o domínio da ortografia é a consciência morfológica. Segundo Rosa (2003) “A consciência morfológica é
uma capacidade metalinguística que pode ser conceitualizada a dois níveis: a nível implícito e a nível explícito.
A primeira fonte de consciência morfológica implícita é a linguagem oral. À medida que aumentam as
experiências da criança com a linguagem oral e com a leitura e escrita aumenta também a probabilidade de
se tornarem mais proficientes no raciocínio explícito, sobre como os significados específicos são transmitidos
por diferentes morfemas e como os estímulos linguísticos com morfemas comuns se relacionam uns com os
outros” (p. 1).
Vários estudos mostraram que as crianças, antes do início formal do ensino da leitura e da escrita,
podem melhorar a sua consciência morfológica quando desenvolvem a linguagem oral em contextos em que
uma lógica morfológica é explicitamente usada. As crianças melhoram a sua compreensão do papel estrutural
dos morfemas de base para acessar ao significado das palavras, melhoram o uso de morfemas flexionais e
derivacionais para formar novas palavras e aprimoram a sua capacidade de interpretar palavras desconhecidas.
Também foi demonstrado em diversos estudos, que a consciência morfológica desempenha um papel muito
importante no desenvolvimento da leitura e da ortografia (Guimarães & Maluf, 2010; Mota, Aníbal & Lima,
2008; Nunes, Bryant & Bindman, 1997).
388
Margarida Alves Martins
O ensino explícito da morfologia e das regras morfológicas é considerado altamente eficaz para
melhorar a aprendizagem da escrita de palavras (Nunes & Bryant, 2006, 2014).
Morais e Teberosky (1994), identificaram vários fatores que influenciam a aprendizagem da ortografia
durante os primeiros anos de escolaridade; fatores ligados aos alunos, como a consciência fonológica, o
dialeto oral e a experiência de exposição à escrita impressa e fatores ligados às propriedades das palavras
escritas, como a frequência de uso das palavras na língua escrita impressa e a regularidade ou irregularidade
nas correspondências entre fonemas e grafemas.
O papel fundamental que a consciência fonológica desempenha na aquisição da ortografia é um
dado adquirido para todos os autores que estudam estas questões, na medida em que a aprendizagem das
correspondências fonema/grafema está fortemente dependente da consciência fonológica da criança (Nunes,
Bryant & Bindman, 1997), como aliás tivemos ocasião de abordar no ponto anterior.
O dialeto oral, por sua vez, tem influência na ortografia na medida em que as crianças, numa fase inicial
de aprendizagem, têm tendência a basear-se na sua forma de pronunciar as palavras quando as escrevem.
A experiência de exposição à escrita impressa também influencia a produção ortográfica na medida
em que há palavras cuja ortografia tem que ser aprendida por memorização, dada a irregularidade das
correspondências entre fonemas e grafemas, como por exemplo, as palavras “açúcar” ou “pressa”, em que
o fonema /s/ se escreve de formas diferentes. Também no caso de palavras regulares, a exposição à escrita
impressa contribui para a sua memorização.
A frequência das palavras na escrita também exerce uma importante influência, na medida em
que a ortografia das palavras mais frequentes é mais facilmente memorizada. Da mesma forma, palavras
regulares são mais facilmente escritas do que palavras com ortografias irregulares (Pinheiro, 2008).
Começaremos por exemplificar erros de ortografia que ocorrem em fases iniciais de aprendizagem, em
particular no português do Brasil e referir algumas estratégias pedagógicas potencializadoras da aprendizagem
da ortografia.
389
Aprendizagem da Ortografia
Segundo Soares (2016, p. 297) existem 10 fonemas consonânticos com relações regulares com os
repectivos grafemas no português do Brasil: /b/ (ex. bola), /d/ (ex. dado), /p/ (ex. prato), /t/ (ex. tela), /f/ (ex.
fato), /v/ (ex. vida), /m/ (ex. mala), /n/ (ex. navio), /ɲ/ (ex. vinho) e /ʎ/ (ex. ilha). Os erros que ocorrem em
fases iniciais de aprendizagem neste tipo de correspondências, devem-se, em geral, a dificuldades na distinção
entre sons que são próximos como os fonemas /p/ e /b/; /t/ e /d/; /f/ e /v/. As crianças têm tendência a
trocá-los o que se deve a problemas de discriminação fonológica entre consoantes surdas e sonoras.
Alguns dos exemplos referidos por Soares (2016, p. 298) relativos à escrita de crianças em fases iniciais de
aprendizagem, são a escrita de cabivara em vez de capivara; capite em vez de cabide; fiola em vez de viola.
Exemplos deste tipo de trocas ocorrem também em crianças portuguesas em início de escolaridade: escrita
de abarecia em vez de aparecia; bescoço em vez de pescoço; luda em vez de luta; valada em vez de falada.
Soares (2016, p. 298) refere, no contexto do português do Brasil, que “outro erro ortográfico comum
é a representação do fonema /ʎ/ seguido das vogais <a> ou <o>, pela sílaba -li , dada a forma como algumas
palavras são pronunciadas (ex. escrita de vasília em vez de vasilha). Neste caso os problemas não são de
discriminação fonológica e o contato frequente com a escrita impressa será um meio importante para ajudar
a sua resolução.
Os erros que ocorrem neste tipo de correspondências biunívocas são, no entanto, pouco frequentes.
Existem 4 fonemas com regularidades contextuais com as consoantes: /k/ (ex. cama, quilo), /g/
(ex. gota, guitarra), /R/ (ex. rato, correr), /r/ (ex. vara, regra).
Cada sistema de escrita alfabético tem uma série de restrições ortográficas que limitam a escolha
das letras a usar na escrita das palavras em determinado contexto.
Os erros que ocorrem na escrita destes fonemas devem-se a desconhecimento das regras que regulam
estas correspondências. Alguns dos exemplos referidos por Soares (2016, p. 300) são a escrita de esceleto
em vez de esqueleto; escilo em vez de esquilo; baraca em vez de barraca. Crianças portuguesas cometem
erros do mesmo tipo: escrita de cilo em vez de quilo; cerido em vez de querido; gitarra em vez de guitarra;
corer em vez de correr.
Este tipo de erros mostra que as crianças não conhecem as regras contextuais que regulam estas
correspondências.
390
Margarida Alves Martins
Em relação à escrita do dígrafo <rr> Rego e Buarque (1999) mostraram que as crianças que estão
a começar a aprender a ler e a escrever não usam duas consoantes para representar um som, mas sim uma
única letra, talvez porque considerem que a um som corresponde uma única letra, na lógica do princípio
alfabético.
As regras que regulam estas correspondências podem ser explicitamente ensinadas, o que leva a que este tipo de
erros deixe de ocorrer.
Existem 4 fonemas com irregularidades com as consoantes: /ʒ/ (ex. jeito; gema), /z/ (ex. casa; azar;
exame), /s/ (cedo; sede; caça; massa; máximo), /ʃ/ (ex. chave; xarope)
Os erros que ocorrem na notação destes fonemas consonantais devem-se à imprevisibilidade com que
podem ser escritos. Daremos como exemplos a escrita de crianças portuguesas: escrita de geito em vez de
jeito; caza em vez de casa; ceda em vez de seda; bolça em vez de bolsa; mácimo em vez de máximo; xocolate
em vez de chocolate. Estes erros são muito frequentes e não ocorrem só no início da aprendizagem da leitura
e da escrita.
O contato frequente com palavras em que estas correspondências surgem permitirá a sua memorização, o que
contribui para resolver os problemas ortográficos que a escrita das palavras que contêm estes fonemas levanta.
Também o domínio de aspectos morfológicos e gramaticais pode ajudar a resolver algumas destas irregularidades.
Bryant e Nunes (2003) defendem que o conhecimento de morfemas e da sua ligação com os padrões
de escrita pode ser uma ajuda poderosa para uma criança em fases iniciais de aprendizagem da língua escrita.
O conhecimento das palavras da mesma família pode ajudar a resolver o problema da ortografia de
algumas palavras com correspondências irregulares. Segundo Cunha e Cintra (1991) “denomina-se Família de
Palavras o conjunto de todas as palavras que se agrupam em torno de um morfema-base comum, do qual se
formaram pelos processos de derivação ou de composição” (p.62).
Por exemplo, o conhecimento de que casa, casinha casarão, casota, são palavras da mesma família,
pode facilitar a escrita dessas palavras. Neste caso, basta conhecer a ortografia de casa para saber como
se escrevem palavras que dela derivam, o que resolve o problema de se saber se as referidas palavras se
escrevem utilizando a letra <s>, a letra <z> ou a letra <x>. O inverso também é verdadeiro, na medida em
que se se conhecer a forma como certas palavras derivadas são escritas, pode deduzir-se como escrever o
morfema-base.
391
Aprendizagem da Ortografia
O conhecimento da ortografia de certos sufixos, como é o caso dos sufixos -ência, -agem, -oso, -izar
pode ajudar a diminuir a incerteza relativa à escrita de algumas correspondências irregulares em palavras
derivadas (/s/, /ʒ/, /z/). Soares (2016, p. 304) apresenta os seguintes exemplos frequente/frequência; bobo/
bobagem; fama/famoso; final/finalizar.
É possível encontrar exemplos em que diferentes morfemas de flexão ou morfemas de derivação
partilham o mesmo som, mas são escritos de forma diferente. Rosa (2003) realizou um estudo longitudinal
com o objetivo de analisar a consciência morfológica e a escrita de sufixos homófonos -esa e -eza. Segundo o
autor, a forma como as palavras com estes sufixos se escrevem pode apenas fazer-se através do conhecimento
sobre como cada sufixo transforma o morfema-base. “O sufixo ‘-esa’ é flexão no feminino do sufixo ‘-ês’ que
forma nomes indicando pertença, proveniência, título, origem social ou étnica (e.g. ‘camponês’, ‘camponesa’).
O sufixo ‘-eza’ é um sufixo derivacional que transforma nomes ou adjetivos (e.g. ‘belo’) em nomes abstratos
(‘beleza’)” (p. 175).
392
Margarida Alves Martins
Refiram-se igualmente erros que provêm do desconhecimento da regra de que antes das letras p ou
b os fonemas nasais se escrevem com a consoante <m> e não com <n>, por exemplo a escrita de canpo em
vez de campo ou de tanbor em vez de tambor.
O ensino explícito da escrita das vogais nasais parece ser a estratégia mais adequada para promover a compreensão
da escrita dos sons nasais.
Estruturas Silábicas
Apesar do português ser considerada uma língua com estrutura silábica simples, em que a maioria
das sílabas tem a estrutura consoante-vogal (CV), como foi anteriormente referido, existem também sílabas
com estruturas mais complexas como por exemplo as sílabas consoante-vogal-consoante (CVC) e as sílabas
consoante-consoante-vogal (CCV) para além de outros padrões silábicos.
Os padrões silábicos CV e V não constituem geralmente problemas para a escrita, mesmo no início da
sua aprendizagem. No entanto, a estrutura silábica CVV, formada por uma consoante seguida de um ditongo
decrescente oral pode levar a erros na ortografia especialmente quando o ditongo é reduzido na fala. De
acordo com Soares (2016, p. 325), o ditongo <ai> é reduzido na fala quando precede o fonema /ʃ/ em sílabas
CVV como na palavra baixo, escrita frequentemente baxo; o ditongo <ei> também é reduzido antes dos
fonemas /ʃ/, /r/ e /ʒ/ o que pode ocasionar erros ortográficos que se explicam por influência da fala sobre a
escrita. É frequente, por exemplo, a escrita de pexe em vez de peixe, cadera em vez de cadeira, fejão em vez
de feijão. No caso do ditongo <ou>, a supressão da semivogal na fala acontece em todos os contextos, quer
em sílabas CVV, quer em sílabas VV, como, por exemplo, nas palavras doutor e outro, frequentemente escritas
como dotor e otro.
A ortografia das palavras contendo estes ditongos tem que ser memorizada ou aprendida com o apoio da
morfologia derivacional no caso do ditongo ei que aparece frequentemente em sufixos -eiro ou -eira, como em carteiro,
cozinheiro, laranjeira (Soares, 206, p. 326-327).
Já os padrões silábicos menos frequentes, como por exemplo o CVC e o CCV constituem um
problema, tendendo as crianças a regularizar esses padrões silábicos, transformando-os em sílabas em CV.
Nas sílabas CVC, é muito comum omitir a última consoante, transformando a sílaba CVC em sílaba
CV, por exemplo, na palavra tartaruga escrita tataruga ou, menos frequentemente, desdobrando a sílaba CVC
em duas sílabas CV, como no caso da palavra sorvete escrita sorovete (Soares, 2016, p. 323).
393
Aprendizagem da Ortografia
A omissão da segunda consoante parece indicar que a criança ainda tem dificuldade em identificar
todos os fonemas da sílaba, enquanto o desdobramento da sílaba parece indicar que a criança, identifica o
fonema, mas depois não sabe onde o colocar na escrita, optando por uma configuração escrita que lhe é mais
familiar.
Nas sílabas CCV, sílabas que levantam mais problemas na escrita do que as anteriores, e que aliás
são também mais tardiamente adquiridas na fala, os erros mais frequentes são a omissão da segunda
consoante, a troca de posição da segunda consoante e a intercalação de um fonema entre as duas consoantes
como, por exemplo a palavra floresta escrita como foresta, folresta ou foleresta (Soares, 2016, p. 316).
O desenvolvimento deste tipo de atividades metalinguísticas nas situações de ensino, de modo a que as crianças
tomem consciência das restrições contextuais e morfosintáticas associadas à ortografia das palavras, pode ser uma
estratégia importante para melhorar o desempenho ortográfico das crianças.
394
Margarida Alves Martins
Num estudo efetuado com crianças do 2º ano de escolaridade com dificuldades de aprendizagem, Silva
(2009) desenvolveu um programa de intervenção em que pretendeu perceber a relação entre a explicitação
das restrições contextuais por parte das crianças e o seu desempenho ortográfico. Nesse programa as
crianças foram levadas a descobrir regras contextuais, efetuaram exercícios de consolidação das mesmas e
produziram textos com revisão de palavras-alvo relacionadas com as regras trabalhadas. A descoberta das
diversas regras contextuais foi feita a partir de uma listagem de palavras associadas a cada uma das regras e
à sua análise em grupo. Foram formuladas várias questões sobre a relação entre a posição das letras e o som
correspondente, com o objetivo de induzir a descoberta da restrição ortográfica. A tarefa terminava quando
a criança verbalizava a regra e a escrevia pelas suas próprias palavras.
As crianças melhoraram significativamente o seu desempenho ortográfico em palavras relacionadas
com as regras trabalhadas quando comparadas com as de um outro grupo, a quem foram ensinadas as
referidas regras e que efetuaram exercícios de consolidação das mesmas. O desempenho ortográfico deste
último grupo foi equivalente ao de um grupo de controle que efetuou desenhos. A capacidade de explicitação
das regras ortográficas modela a acuidade das representações ortográficas das palavras e está associada a
melhorias no desempenho ortográfico.
A criação de situações em que as crianças sejam levadas a descobrir regras ortográficas e a explicitá-las pode ser
potencializadora de um melhor desempenho ortográfico.
Silva e Lima (2020) por sua vez, realizaram um programa de intervenção com crianças do 3º ano
de escolaridade, cujo objetivo foi analisar o impacto de procedimentos de revisão, individual ou a pares no
desempenho ortográfico. Foi dada às crianças uma grade em que eram explicitadas regras contextuais e
repectivos exemplos, erros comuns em palavras com estruturas fonológicas específicas e regras morfológicas.
As crianças foram divididas em 3 grupos, 2 experimentais, que desenvolveram os processos de revisão,
individualmente, ou a pares e um grupo de controle, que efetuou cópia das palavras. Os resultados mostraram
ganhos significativos no desempenho ortográfico dos dois grupos experimentais face ao de controle e
resultados superiores do grupo que efetuou a revisão a pares.
Salvador e Alves Martins (2017), desenvolveram com crianças portuguesas do 1º ano de escolaridade,
em risco de dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita, um programa em que as crianças refletiam
a pares sobre a escrita de palavras e frases contextualizadas, com a mediação de um adulto. Após a escrita
de cada palavra, as crianças eram confrontadas com a escrita correta dessa palavra, que deveriam analisar
comparando-a com a escrita que tinham efetuado. Os resultados mostraram que o confronto de pontos de
vista e os processos de reflexão metalinguística que eles implicam tiveram um efeito positivo na aprendizagem
da leitura e na aprendizagem da ortografia.
395
Aprendizagem da Ortografia
Processos de escrita ou de revisão a pares, orientados por instrumentos reguladores ou com a mediação de um
adulto, podem beneficiar a aprendizagem da ortografia, ajudando na construção de noções mais explícitas sobre as
restrições ortográficas e favorecendo o desenvolvimento de competências de autorregulação.
Várias investigações têm comprovado que a autocorreção da escrita é uma estratégia que melhora
o desempenho ortográfico (Gaintza & Goikoetxea, 2016; Cordewener, Hasselman, Verhoeven & Bosman,
2018). Estudos realizados em várias línguas, mostraram que a estratégia pedagógica de pedir às crianças que
corrijam de imediato os erros cometidos, depois de o professor proporcionar a escrita correta da palavra,
tem consequências positivas na escrita das palavras. Estes resultados parecem decorrer do fato de as crianças
serem induzidas de forma ativa a examinar letra a letra a sua escrita e a compará-la com a escrita convencional.
O trabalho de Cordewener et al. (2018) também permitiu concluir que a autocorreção, conjugada com uma
estratégia de questionamento à criança no sentido de a induzir a refletir sobre a ortografia das palavras, tem
efeitos positivos no desempenho ortográfico.
A criação de situações pedagógicas em que se leva as crianças a analisar detalhadamente a sua escrita
através da comparação com a escrita convencional, pode ser uma estratégia eficaz na melhoria do desempenho
ortográfico, sobretudo quando conjugada com uma estratégia de questionamento que promova uma reflexão
sobre a ortografia.
Conclusões
Os erros de ortografia são reveladores das concepções das crianças sobre o sistema de escrita que
estão a aprender. Uma vez descoberto o princípio alfabético, as crianças tendem a representar cada som
por uma letra, numa lógica que seria, aliás, a de um sistema alfabético de escrita ideal. No entanto, tal não é
o caso, pois nem sempre as correspondências entre os fonemas e os grafemas são de um para um, sendo
influenciadas por regras contextuais e morfossintáticas e, no caso de certas correspondências, não havendo
mesmo regras que possam orientar a escrita das palavras.
No caso de haver regras, elas devem ser objeto de um ensino explícito, o que não significa que
tenham que ser necessariamente transmitidas pelo professor. Elas podem ser descobertas pelos alunos, se
lhes forem fornecidos os materiais e as pistas necessárias para que tal aconteça. Uma vez descobertas, devem
ser claramente explicitadas e usadas como guia para a escrita e a sua revisão, atividades que devem ser
desenvolvidas regularmente. A investigação na área da ortografia tem mostrado que a tomada de consciência
das restrições ortográficas e a capacidade de as explicitar, pode contribuir para a aprendizagem da ortografia.
No caso de não haver regras que permitam orientar a escrita das palavras, o domínio de aspectos
morfológicos e gramaticais pode ajudar a resolver algumas das dificuldades que estas irregularidades levantam.
396
Margarida Alves Martins
Por outro lado, o contato frequente com as referidas palavras é fundamental para que a sua ortografia possa
ser memorizada, o que pode ser conseguido se a leitura e a escrita de textos forem práticas frequentes em
sala de aula. Acredita-se, frequentemente, que a melhor estratégia para que essa memorização seja possível é
a da cópia repetida de palavras em que foram cometidos erros. Esta estratégia não parece ser a mais eficaz,
havendo muitos dados de investigação que mostram que atividades que impliquem uma postura mais reflexiva
e ativa por parte dos alunos podem produzir melhores resultados.
A disponibilização de instrumentos que sirvam de suporte e de guia para a escrita e a sua revisão,
feita a pares, em pequenos grupos, ou em grande grupo, parece ser uma estratégia pedagógica eficaz
para a aprendizagem da ortografia. As interações entre as crianças com a mediação de um professor que
promova uma reflexão sobre as componentes fonológicas e morfológicas das palavras, numa postura ativa,
interrogativa e reflexiva, parecem ser da maior importância na construção de noções mais explícitas sobre as
restrições ortográficas e no desenvolvimento de competências de autorregulação, contribuindo assim para a
aprendizagem da ortografia.
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Uma análise longitudinal aos erros ortográficos de crianças portuguesas nos 3º e 4º anos de escolaridade.
Muito informativo sobre o desenvolvimento da ortografia e com importantes implicações educativas.
400
Capítulo 19
A Caligrafia como Alavanca do Desenvolvimento
da Escrita
Rui A. Alves
Universidade do Porto
Mariana Silva
Universidade do Porto
Resumo
401
Caligrafia e Escrita
É bem conhecida a afirmação de Arquimedes que tendo formulado a lei da alavanca, disse “deem-
me uma alavanca e um ponto de apoio, e eu levanto a Terra”. As alavancas são máquinas simples que
permitem multiplicar várias vezes a força exercida numa das extremidades, de modo que na outra
extremidade é gerada uma força que pode levantar pesos enormes. A alavanca é, portanto, uma máquina
bastante eficiente. A analogia que aqui queremos estabelecer é que a caligrafia pode ser usada como
uma alavanca para facilitar o desenvolvimento da escrita na criança. Essa facilitação que a caligrafia
possibilita é evidente em pelo menos cinco áreas do desenvolvimento da linguagem escrita. Desde logo na
aprendizagem inicial da leitura, mas também no funcionamento eficiente da mente, na qualidade textual,
na motivação para a literacia e na expressão da identidade. Estas cinco áreas serão revistas, em um
primeiro momento, a partir da literatura empírica disponível e em um segundo momento traduziremos
essas evidências empíricas em recomendações para a promoção da caligrafia na educação infantil e no
ensino fundamental.
A caligrafia ou escrita à mão é frequentemente definida como o desenho das letras, mas este é
um primeiro equívoco que importa esclarecer. Compreende-se que escrever e desenhar partilham uma
componente de execução gráfica, os gestos que deixam marcas em um papel, mas as intenções que
desencadeiam os gestos motores da escrita ou os do desenho são muito distintas. No caso da escrita
a intenção é linguística, consiste em usar um conjunto limitado de sinais gráficos convencionais para
expressar uma mensagem linguística. No desenho, a intenção é expressiva e a mensagem é visual, figurativa.
Esta distinção é tão forte que, como nota Treiman no seu capítulo neste manual, muito precocemente
as crianças distinguem a escrita do desenho. E a distinção entre elas é simples, uma tem linguagem e a
outra não.
A caligrafia, no sentido de escrever à mão é frequentemente apontada como uma competência
menor da escrita, às vezes chamada até de competência mecânica, quando não, competência meramente
motora. Este é outro equívoco. A caligrafia não é um gesto motor como dar um pontapé numa bola.
Não, a caligrafia é um gesto motor com valor linguístico e como tal implica a integração do gesto motor
com o conhecimento das convenções da língua escrita, o chamado conhecimento ortográfico, que é
exemplarmente discutido nos capítulos de Alves Martins e de Joshi e colaboradores neste manual. A
caligrafia pode assim ser definida não apenas como as marcas escritas deixadas em um suporte externo,
tipicamente o papel, mas também de um ponto de vista cognitivo como integração ortográfico-motora
402
Rui A. Alves & Mariana Silva
(Christensen, 2005). Escrever à mão não é desenhar e não é apenas um gesto motor, é produzir gestos
que registrados em um suporte externo têm valor de linguagem.
Para escrever à mão, a criança tem de aprender a manusear eficazmente um instrumento de
escrita, um lápis ou uma caneta, de modo que o movimento manual registrado no papel, pelo lápis,
tenha valor ortográfico; isto é, possa ter as características de convencionalidade suficientes para que
quem conheça o código o possa decodificar em linguagem falada. Esta definição de caligrafia coloca em
evidência dois aspectos centrais na caligrafia, por um lado, a destreza com que o instrumento de escrita
é manuseado, por outro, a legibilidade do registro ortográfico. A destreza pode ser observada medindo
a rapidez de escrita. A legibilidade é facilmente avaliada por um leitor. Rapidez e legibilidade são duas
dimensões centrais na caligrafia e que importa serem trabalhadas desde o início do ensino da escrita.
Já notámos que a caligrafia é às vezes apontada como um aspecto menor, mecânico da escrita,
mas o seu caráter básico, diríamos fundacional não deve ser negligenciado. Desde logo, porque sem
caligrafia, não chega a haver escrita. A caligrafia é uma condição necessária para que a escrita exista.
Além dessa razão substantiva, há pelo menos mais cinco razões pelas quais é importante valorizar a
caligrafia. São essas razões que discutimos a seguir.
403
Caligrafia e Escrita
a escrita de palavras (para uma revisão ver Hall et al., 2015). Assim, incluir atividades de escrita à mão nos
anos pré-escolares é uma recomendação com amplo apoio na investigação empírica. Além da presença
dos livros nos jardins de infância, da sua exploração conjunta e partilhada, é também muito importante
proporcionar às crianças experiências de escrita à mão, pois isso vai ter uma repercussão muito positiva
no seu desenvolvimento da literacia emergente e na aprendizagem da leitura (ver também o capítulo de
Aguiar e Mata neste manual).
É uma experiência muito reveladora observar como duas crianças, por exemplo uma no primeiro
ano e outra no sexto ano de escolaridade escrevem à mão. Se lhes pedirmos para copiarem uma
mesma frase é muito evidente que a segunda será extraordinariamente mais rápida do que a primeira.
É interessante notar como a criança no primeiro ano, devido à falta de prática na escrita, precisa de
dedicar muita atenção à caligrafia e controlar muito cuidadosamente o gesto motor e o feedback do
traçado que está a deixar no papel. Para uma criança no início da escolaridade a caligrafia é uma atividade
que requer muita atenção e esforço, e cansa. Diríamos até que toda a mente da criança é ocupada pela
caligrafia. E quando a atenção da criança está esgotada numa tarefa, ela não consegue realizar outras
tarefas simultaneamente. Contudo, sabemos que com prática, a caligrafia se torna mais rápida e eficiente.
Como notam os psicólogos cognitivos, com o treino, a caligrafia torna-se automática (e.g., Cohen et
al., 1992). Ela deixa de requerer tanta atenção e esforço, liberta-se do controle atencional ao ponto
de se tornar involuntária e deixar de interferir com outros processos cognitivos que podem assim
ocorrer simultaneamente com a caligrafia (Alves, 2013). A observação mais evidente da automatização
da caligrafia é o enorme ganho na rapidez com que as palavras podem ser escritas. Por exemplo, em um
estudo que realizámos (Alves & Limpo, 2015), verificámos que crianças portuguesas no segundo ano de
escolaridade eram capazes de copiar 9 palavras por minuto (ppm), em média, enquanto que no sexto ano
esse valor mais do que dobrava para 19 ppm. É importante notar que a rapidez na escrita de palavras
continua a aumentar com a prática e a escolaridade e mesmo entre universitários a rapidez na caligrafia
continua a ser um elemento importante no seu desempenho nos exames escritos (Connelly et al., 2005).
O ponto que queremos sublinhar é que automatizar a caligrafia, possibilita que a mente que se
está a tornar letrada pode assim funcionar mais eficientemente. Note-se que este argumento que aqui
desenvolvemos, a propósito da caligrafia, é mutatis mutandis igualmente válido para a decodificação
na leitura. Ao automatizar operações básicas, fundamentais, a mente pode produzir mais e melhor. No
exemplo dado, a criança do sexto ano consegue copiar o dobro das palavras no mesmo período de
tempo. Além da rapidez, a automatização da caligrafia possibilita ainda que os recursos atencionais, antes
necessários para o controle da caligrafia sejam agora libertados para a realização de outras operações
404
Rui A. Alves & Mariana Silva
cognitivas e por essa via melhorar a qualidade do desempenho. Esse fenômeno é visível na escrita de
textos, onde é fácil constatar que as crianças de anos mais avançados produzem melhores textos do
que crianças nos anos iniciais. O que não é tão evidente, é que a automatização da transcrição dá um
contributo muito importante para essa melhoria da qualidade textual, como vamos ver a seguir.
Múltiplos estudos nos últimos trinta anos estabeleceram que o domínio da caligrafia e do
conhecimento ortográfico, duas competências que em conjunto são chamadas de transcrição,
contribuem para a melhoria na qualidade dos textos. Vários estudos de Berninger e colaboradores nos
anos 90 (Berninger et al., 1992, 1994, 1996) mostraram que a variabilidade na transcrição explica uma
proporção considerável da variabilidade na qualidade textual. Por exemplo, do primeiro ao terceiro ano
de escolaridade, a transcrição explicou 25% da qualidade textual; do quarto ao sexto, 42% da qualidade
textual e do sétimo ao nono, 18% da qualidade textual. Um estudo de Graham et al. (1997) confirmou
essas mesmas percentagens elevadas e notou também que a transcrição explicava proporções ainda mais
elevadas quando considerada a fluência na escrita de textos. Do primeiro ao terceiro ano a transcrição
explicou 41% da variabilidade de palavras escritas por minuto e do quarto ao sexto ano 66% na fluência
textual. Estes estudos mostram inequivocamente que a automatização da transcrição está associada à
maior fluência na escrita de textos e também à melhor qualidade textual. Um estudo recente de Alves
e colaboradores (2016) mostrou também a natureza causal do treino na caligrafia na promoção da
qualidade textual. Alves et al. treinaram a caligrafia em crianças do segundo ano de escolaridade usando
um programa de duas horas semanais durante 10 semanas e mostraram que as crianças que treinaram a
caligrafia escreveram melhores textos no pós-teste do que as crianças que receberam uma intervenção
de controle.
A melhoria da qualidade textual promovida pela automatização da caligrafia parece acontecer
por múltiplas vias. Automatizar a caligrafia significa que esta se torna mais rápida, essa rapidez possibilita
que a criança possa mais rapidamente transcrever os seus pensamentos. Como é reconhecido, os
pensamentos têm natureza transiente, aparecem e desaparecem constantemente e se não são capturados
pela caligrafia são esquecidos. É comum, no início da escolaridade ouvir a queixa de que “o pensamento é
mais rápido do que a mão”. Aliás, a investigação já mostrou que no início da escolaridade a qualidade dos
textos falados das crianças é melhor do que a qualidade dos seus textos escritos, mas ao fim de alguns
anos os textos escritos tornam-se melhores do que os falados (Bereiter & Scardamalia, 1987; Graham,
1990; Hayes & Berninger, 2010). Escrever rapidamente permitirá assim à mão acompanhar o ritmo dos
pensamentos.
405
Caligrafia e Escrita
Como notado antes, escrever rapidamente liberta recursos cognitivos que podem ser utilizados
para fazer outras coisas que melhoram a qualidade do texto, por exemplo selecionar melhor as palavras
escritas, melhorar a coerência textual, corrigir erros ortográficos ou erros gramaticais. McCutchen
(1988, 2000) e também Graham e Harris (2000) assinalaram bem como automatizar a caligrafia facilita a
recursividade e a interação entre os vários processos da escrita e como isso se repercute na qualidade
do texto.
Em condições de tempo limitado, como é frequente no contexto escolar, escrever rapidamente
também significa poder escrever mais palavras e, portanto, textos mais longos, com mais detalhe e
diversidade lexical. Tudo o resto igual, textos com mais detalhe tendem a ser avaliados como de melhor
qualidade. Como se nota, a qualidade textual é necessariamente um juízo feito pelos leitores e desse
ponto de vista é muito importante que os professores, em particular, possam ter consciência do forte
viés que a caligrafia pobre introduz nas avaliações da qualidade textual. Vários estudos mostraram que
textos manuscritos com fraca legibilidade ou com erros ortográficos são avaliados como sendo de
menor qualidade do que os mesmos textos nos quais não há problemas na legibilidade ou na ortografia
(Briggs, 1980; Greifeneder et al., 2012).
Sintetizando, a automatização da caligrafia promove a melhoria da qualidade textual através de
três grandes vias: tornando mais eficiente o funcionamento da mente do escritor, melhorando as
características linguísticas do texto escrito e melhorando as impressões causadas no leitor.
Voltemos à imagem da criança de cinco, seis anos que começa a escrever à mão. O controle da
caligrafia exige-lhe toda a atenção, requer esforço e cansa-a tanto, que dificilmente se compreende como
é que a escrita se pode tornar numa atividade da qual a criança gosta. Dir-se-ia que entre escrever ou ver
um vídeo no youtube ou jogar um videojogo, a escrita perderá sempre! Mas felizmente não tem de ser
assim. E não tem de ser assim, sobretudo por duas características da escrita: o seu aspecto construtivo
e a riqueza de desafios que ela proporciona.
O aspecto construtivo da escrita está inerentemente ligado à caligrafia. É a caligrafia que permite
construir no exterior um objeto escrito. Desde os primeiros riscos nas paredes do quarto, às primeiras
palavras escritas, aos primeiros textos escritos, é bem visível como inscrever marcas no exterior tem um
efeito gratificante forte (como se a criança notasse, “eu fiz isto!”), que compele a criança a riscar todas
as superfícies que encontra, a rabiscar, a mostrar aos outros o que escreve e a interessar-se pelo mundo
da escrita. A motivação para a escrita não parece ser tanto um problema do início da aprendizagem da
escrita, mas antes algo que acontece mais à frente, na família ou na escola, a partir de um conjunto de
experiências desmotivantes (para uma revisão da motivação para a escrita em contexto escolar, ver
406
Rui A. Alves & Mariana Silva
Camacho et al., 2020). Essas experiências são eminentemente sociais e têm que ver com o valor que os
outros significativos atribuem (ou não) aos objetos escritos que a criança cria e com as experiências de
sucesso ou insucesso na escrita e como estas são sentidas e significadas pela criança (Bandura, 1997).
A escrita é reconhecidamente uma atividade difícil que implica muito esforço. Uma vez, numa
entrevista, António Lobo Antunes usou uma imagem belíssima, disse “Escrever é como tirar palavras de
um poço muito fundo”. Tal dispêndio de esforço só pode ser mantido se a atividade se tornar gratificante
e a criança puder recolher recompensas pelo seu esforço. Falamos sobretudo de recompensas internas,
daquelas suscitadas pela sensação de progresso, sucesso e realização. E nestas a caligrafia pode para a
grande maioria das crianças converter-se facilmente numa história de sucesso. Com o exercício frequente,
a caligrafia torna-se mais rápida, requer menos esforço e a criança pode notar que aquilo que antes lhe
era difícil, se tornou fácil e daí a criança derivar um sentido de realização e auto-eficácia na escrita (Alves,
2019; Alves & Limpo, 2015). A caligrafia é para a criança uma das dimensões mais salientes do escrever
bem (Olinghouse & Graham, 2009) e por isso facilmente se converte em um alicerce da identidade
da criança enquanto bom escritor. Um estudo de Limpo e Alves (2013) mostrou precisamente que do
quarto ao nono ano de escolaridade a transcrição dá um contributo forte para o estabelecimento de
um sentido de autoeficácia na escrita. Dominar a caligrafia é assim um desafio relativamente fácil que
a criança pode vencer e derivar daí a confiança necessária para enfrentar os sucessivos desafios que o
desenvolvimento da competência na escrita necessariamente encerra. É como se a caligrafia fosse um
andaime para promover a motivação para a escrita, que, como bem sabem os professores tende a ser frágil.
Um aspecto também saliente da caligrafia para a criança é que “a letra” de cada um é diferente,
é individual. Em certo momento a criança nota que podemos reconhecer uma pessoa pela sua caligrafia.
É como se a caligrafia fosse uma impressão digital. Uma impressão digital que os outros comentam na
sua legibilidade ou nas suas características estéticas. E esses comentários não são inócuos, sobretudo
quando eles tendem a inferir características psicológicas de quem os escreveu. Os professores devem
ser cautelosos quando comentam a caligrafia das crianças, sobretudo devem atender ao modo como a
criança pode interpretar esses comentários. Duas áreas em que o feedback dos professores é muito útil
e necessário são a legibilidade da caligrafia e a rapidez com que ela pode ser produzida. Estas são duas
dimensões sobre as quais a criança pode exercer algum controle e ao ensaiá-las vai modificando a sua
caligrafia. Raros são os adultos que mantêm a caligrafia que ensaiaram no ensino fundamental e isto dá
conta das alterações que cada um introduz na caligrafia que lhe foi ensinada. Essas alterações parecem
ser sobretudo ditadas por considerações de eficiência na escrita, pela legibilidade, mas também por
elementos de expressividade e individualidade, como por exemplo, o tamanho da letra, o espaçamento
407
Caligrafia e Escrita
entre palavras, uma forma particular de grafar o til, etc., etc. Tudo na caligrafia pode assumir marca
de individualidade. Talvez o elemento caligráfico que melhor assume e caracteriza esses elementos
de identidade é a assinatura de cada um. Os usos sociais da assinatura dão também bem conta da
sobreposição entre a identidade de cada um e a sua caligrafia. Apesar desta expressividade que cada um
pode encontrar no desenvolvimento da sua caligrafia, note-se que as tentativas de a interpretar e de
revelar características de personalidade a partir da caligrafia têm, até ao momento, o mesmo estatuto
científico que a astrologia ou a interpretação selvagem dos sonhos.
Tal como a temos vindo a caracterizar, a caligrafia não é um elemento menor no desenvolvimento
da literacia, antes pelo contrário, ela pode ser utilizada como uma alavanca que facilita a aprendizagem da
leitura, favorece o funcionamento eficiente da mente, promove a qualidade dos textos escritos, estimula
a motivação para a escrita, e possibilita a cada um formas de individualização e expressão. A seguir vamos
então dar conta de algumas práticas baseadas na evidência que possibilitam aos professores trabalhar a
caligrafia e através dela alavancar o desenvolvimento na literacia das suas crianças.
Dominar a caligrafia é essencial para os alunos. Quando uma criança começa a escrever, a
caligrafia implica toda a sua atenção, fazendo com que outros domínios como o planejamento e a
idealização possam ficar comprometidos. Os alunos precisam de escrever frequentemente para se
tornarem confortáveis com o ato da escrita e aperfeiçoarem as suas competências enquanto escritores
(Graham & Harris, 2013). Assim, é importante ensinar a caligrafia desde cedo, para que as crianças a
possam dominar e esta não limite o uso de outros processos cognitivos da escrita. Vários estudos têm
salientado a importância de incluir o treino da escrita na rotina da sala de aula, dedicando cerca de 50 a
100 minutos semanais ao treino da caligrafia (Graham, 2009), o que representa 10 a 20 minutos diários.
Nestas aulas, os professores devem explicar e modelar as competências necessárias para uma escrita
autônoma e eficaz.
Como já foi notado, para começar a escrever autonomamente, a criança deve ser capaz de
manusear o instrumento de escrita com destreza e eficácia, posicionar o papel de forma adequada
e sentar-se ligeiramente inclinado para a frente, para caligrafar a letra de forma correta e facilitar a
atividade da escrita (Graham, 2009). Estes procedimentos devem ser encorajados e monitorados para
todos os alunos, dando especial atenção às diferenças dos alunos que escrevem com a mão esquerda.
Quando os alunos já controlam estes aspectos, podem então focar-se em outros mais complexos como
identificar, nomear e caligrafar cada letra maiúscula e minúscula. Os primeiros passos para os alunos
são conseguir nomear as letras do alfabeto, ter uma representação precisa de cada letra na memória,
408
Rui A. Alves & Mariana Silva
conseguir corresponder o nome de cada letra à sua repectiva forma, e ser capaz de caligrafar cada letra
(Alves, Limpo, Salas & Joshi, 2019). Graham e colaboradores desenvolveram o Center on Accelerating
Student Learning (CASL) Handwriting Program que tem como objetivo ensinar alunos do 1º ano a escrever
fluentemente e com acuidade (Graham, 2009). O programa tem 27 sessões de 15 minutos, divididas em 9
unidades, nas quais os alunos aprendem três letras minúsculas por unidade. Algumas atividades sugeridas
neste programa para treinar a identificação das letras são: cantar o alfabeto e apontar para as repectivas
letras, o que permite associar os sons às letras e cada a letra à sua posição no alfabeto; apontar para
uma letra nomeada pela professora; nomear uma letra mostrada pela professora; e identificar a letra
anterior e posterior, no alfabeto, a uma letra indicada pela professora. As crianças realizam várias tarefas,
terminando com uma atividade em que podem escrever letras de formas diferentes e criativas, por
exemplo mais estreitas do que o normal, para manterem a motivação e interesse na escrita. As letras
foram agrupadas nas unidades com base em quatro critérios: (1) traçados semelhantes; (2) frequência
no vocabulário das crianças, sendo as mais frequentes ensinadas primeiro; (3) facilidade de produção,
sendo as mais fáceis ensinadas primeiro; (4) e se são facilmente confundíveis ou reversíveis, sendo por
isso ensinadas em unidades diferentes.
Outras atividades focadas no treino do alfabeto são: organizar uma lista de palavras que comecem
por cada letra do alfabeto, por ordem; unir pontos correspondentes às letras do alfabeto, por ordem
alfabética, completando assim um desenho; e começar a escrever o alfabeto a partir de uma determinada
letra, sem ser a letra A (Alves, Limpo et al., 2019).
Lavoie et al. (2019) conduziram um estudo com o objetivo de analisar os efeitos de um treino de
escrita do alfabeto no primeiro ano, com alunos entre os 6 e os 7 anos, na caligrafia e na ortografia dos
alunos. As lições ocorreram ao longo de oito semanas, duas vezes por semana, durante 30 minutos. Em
cada semana eram introduzidas entre 3 a 4 letras. Este treino ajudava os alunos a formar corretamente
cada letra, isoladamente e, depois, praticar essa letra em palavras. O programa de Lavoie e colaboradores
(2019) contempla quatro passos. O primeiro passo (5 minutos) incluiu uma atividade de estimulação
sensorial para despertar os músculos, particularmente das mãos e dos dedos, para que os alunos
estivessem preparados para as atividades seguintes. O segundo passo (10 minutos) incluiu o treino
explícito da letra em questão, através da representação visual da forma da mesma. Para isso, o professor
modelava a formação da letra, escrevendo-a no quadro com setas a indicar a sequência em que os alunos
deviam formar a letra, e descrevia verbalmente os movimentos que fazia ao formar a letra. À semelhança
do programa criado por Graham (2009) em que os professores e os alunos discutiam as semelhanças e as
diferenças entre as formas das letras que conheciam. O terceiro passo (10 minutos) incluiu a realização
de vários exercícios de treino da letra aprendida, nomeadamente copiar a letra, tracejar a letra, escrever
a letra de memória e integrá-las em palavras escolhidas pelo professor. Estas palavras deviam cumprir
409
Caligrafia e Escrita
os seguintes critérios: elevada frequência no vocabulário dos alunos, frequência da letra aprendida na
palavra, e ter uma ou duas sílabas. Por fim, o quarto passo (5 minutos) incluiu a reflexão relativamente
à sessão e letra aprendida, isto é, a avaliação da qualidade da própria letra produzida, em relação ao
modelo do professor. Nesta fase, os professores também podem pedir aos alunos que escolham a letra
que fizeram melhor e corrijam a que escreveram menos bem e, ainda, devem analisar a caligrafia dos
alunos para lhes dar feedback (Graham, 2009).
Alves et al. (2019) sugerem ainda atividades ao nível da cópia de palavras e frases; da escrita de
palavras e frases; e da escrita de textos. Ao nível da cópia de palavras e frases, os alunos podem copiar
palavras de diferentes cores, organizando-as por cores, ou palavras associadas a números, organizando-
as no local correspondente a esse número. Ainda, os alunos podem preencher espaços em branco numa
frase, recorrendo a palavras de uma lista. De seguida, podem copiar essa frase completa. Quanto à escrita
de palavras e frases, os alunos podem escrever palavras de acordo com certos critérios, como palavras
começadas por uma determinada letra ou pertencentes a um certo grupo semântico. Relativamente à
escrita de textos, para além de escreverem com frequência é importante que os alunos possam escrever
sobre tópicos que os motivem.
Para os alunos monitorizarem o seu próprio progresso na caligrafia, os professores podem,
por exemplo, encorajar os alunos a copiar uma frase, sem erros, ao longo de três sessões, contando o
número de letras que conseguiram escrever e procurando escrever sempre pelo menos mais 3 letras
na sessão seguinte (Graham, 2009). Este progresso pode depois ser registrado em imagens ou gráficos,
por exemplo na imagem de um foguetão, sendo que quando o aluno copia pelo menos mais três letras
do que na sessão anterior, pode desenhar uma estrela no topo do foguetão como indicador do objetivo
alcançado (Alves et al., 2016). Assim, para além de promover a autonomia e autorregulação dos alunos,
esta atividade melhora também a fluência da caligrafia e a rapidez do ditado dos alunos.
Dificuldades na Escrita
Apesar de todos os alunos experienciarem alguma dificuldade inicial na caligrafia, alguns alunos
mostram dificuldades persistentes com a caligrafia, por isso é importante o professor dar uma atenção
especial a estes alunos para que essas dificuldades não consolidem atitudes negativas face à escrita,
levem ao evitamento da escrita e a um impacto negativo no seu futuro enquanto escritores. Prunty et al.
(2016) mostraram que as dificuldades na caligrafia podem ter repercussões negativas na qualidade dos
seus textos. Por isso, é importante destacar estratégias específicas para os alunos com dificuldades na
caligrafia.
410
Rui A. Alves & Mariana Silva
Tecnologia na Escrita
A tecnologia pode apoiar os alunos a persistirem quando o ato da escrita se revela particularmente
desafiante (Williams & Beam, 2019), sendo que saber ser paciente e persistir é essencial numa tarefa
complexa como a escrita. Através de uma revisão da literatura, Williams e Beam (2019) concluíram que
há boas razões para se implementar o uso da tecnologia nas escolas, desde a educação infantil até ao 12º
ano, principalmente pelo seu contributo para o desenvolvimento de competências essenciais na escrita,
bem como para o aumento da motivação e atenção dos alunos. Feng e colaboradores compararam a
411
Caligrafia e Escrita
escrita à mão com a escrita em um teclado e concluíram que o uso do teclado é tão importante para a
escrita dos alunos como a escrita à mão, o que sugere que os alunos devem poder desenvolver também
competências associadas à escrita em um teclado. Através do teclado, os alunos escreveram mais rápido
e uma maior quantidade de texto do que escrevendo à mão. Contudo, escrever, à mão parece promover
melhor alguns aspectos como o planejamento e a qualidade textual.
Alves et al. (2019) apresentaram o HandSpy como uma tecnologia que permite estudar a escrita em
tempo real, recorrendo apenas a uma caneta, aparentemente igual às outras, e a uma folha de papel. Tanto
a caneta como a folha estão equipadas com tecnologias que permitem registrar os dados da caligrafia,
bem como características espaciais e temporais da escrita. Esses registos permitem posteriormente
análises temporais da escrita como as pausas, os períodos de execução, o número de palavras produzidas
por minuto, e também análises às características dos textos como a diversidade lexical e a densidade de
ideias, entre outras. Esta ferramenta possibilita assim análises precisas da escrita dos alunos, preservando
condições de escrita naturais para estes. O uso do HandSpy em sala de aula pode ser um recurso
pedagógico muito útil para os professores.
Por ser uma tarefa complexa e devido aos desafios que implica, a escrita exige motivação.
Recuperando a metáfora anteriormente usada, os professores podem também ser a alavanca que
potencializa a motivação dos alunos na escrita. Para isso, os professores devem ter uma perspectiva
equilibrada do papel da caligrafia na aprendizagem da escrita (Alves, 2019; Graham, 2009) e assim criar
uma sala de aula onde se escreve frequentemente, e onde o professor mostre entusiasmo em escrever e
em ensinar a escrever (Graham & Harris, 2013). Os alunos devem poder estabelecer objetivos claros e
desafiantes, mas realistas para si próprios, como escrever mais rapidamente. Por sua vez, os professores
devem providenciar apenas o apoio suficiente para os alunos serem capazes de persistir ou progredir,
e encorajá-los a serem capazes de se autorregular e trabalhar de modo independente durante a escrita
(Graham & Harris, 2013). Os professores devem dar feedback contínuo aos alunos, ajudando-os a
controlar ou mudar certos hábitos que possam interferir com a fluência e a rapidez da escrita (Graham,
2009). As tarefas de escrita devem, ainda, ser significativas para os alunos para que o seu envolvimento
seja maior. Numa fase muito precoce da aprendizagem, os professores podem, por exemplo, na educação
infantil, encorajar o aluno a escrever o próprio nome ou palavras que este já conheça e nas quais tenha
interesse. Mais tarde a motivação pode ser trabalhada instigando os alunos a escrever sobre os temas
que mais lhes agradam, promovendo concursos de escrita, divulgando na escola ou na comunidade
educativa os textos dos alunos, procurando assim tornar a escrita uma tarefa interessante e motivadora,
desde cedo.
412
Rui A. Alves & Mariana Silva
Conclusões
A caligrafia é uma componente chave da escrita, pois sem ela, não haveria escrita. Escrever à
mão implica não só destreza ao nível da motricidade fina, mas a sua integração com conhecimentos
ortográficos que permitam que o código seja legível e compreensível. Apesar de ser inicialmente difícil, a
caligrafia abre as portas para a literacia dos alunos, promovendo a aprendizagem e interesse pela leitura;
favorecendo o funcionamento mais eficiente da mente; melhorando a qualidade textual; potencializando
a motivação para a escrita; bem como a própria individualidade e expressividade associadas à caligrafia de
cada um. Contudo, quando se começa a escrever, a caligrafia implica toda a atenção da criança, podendo
limitar o uso de outros processos cognitivos necessários na escrita. Assim, a rapidez e a legibilidade da
escrita devem ser trabalhadas desde cedo, para que a criança possa automatizar a sua caligrafia e focar-
se em outros domínios associados à escrita. Neste sentido, os professores são peças-chave. A escrita
deve fazer parte da rotina da sala de aula, começando pelos aspectos motores inerentes à escrita, como
a destreza e eficácia de manuseamento do instrumento de escrita. Posteriormente, os professores
podem treinar a caligrafia por níveis, começando com a letra isoladamente, a letra em palavras, a cópia
de palavras e frases, a escrita de palavras e frases e, não esquecendo a escrita de textos. Os professores
devem reforçar estas estratégias para alunos com dificuldades na escrita, bem como considerar o uso de
programas informáticos, já que estes contribuem para o desenvolvimento de competências necessárias
à escrita e motivam os alunos para que estes persistam nas tarefas de escrita. Por ser uma tarefa
complexa e difícil, a escrita implica motivação e esforço. Os professores podem ser a alavanca que
potencializa a automatização da caligrafia dos alunos, bem como a sua motivação na escrita. Contudo,
o peso de melhorar a própria escrita é necessariamente uma tarefa individual, um peso que cada aluno
pode levantar com o auxílio dos professores e utilizando a sua caligrafia como alavanca do seu próprio
desenvolvimento na escrita.
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415
Caligrafia e Escrita
Recursos Online
• National Handwriting Association. https://nha-handwriting.org.uk
Website da britânica National Handwriting Association (NHA) que desenvolve um importante trabalho na
consciencialização sobre a importância da caligrafia. Reúne um conjunto útil de recursos para professores,
educadores e pais. A NHA publica também anualmente a revista Handwriting Today que divulga estudos
recentes no campo da caligrafia.
416
Capítulo 20
O Feitiço das Formas das Palavras *
R. Malatesha Joshi
Texas A&M University
Rebecca Treiman
Washington University in St. Louis
Suzanne Carreker
Principal Educational Content Lead, Lexia Learning Systems
Louisa C. Moats
Moats Associates Consulting
Resumo
*Este artigo foi originalmente publicado em inglês na revista American Educator e foi traduzido para o português por Cristina
Carvalho. Artigo Original: Joshi, R. M., Treiman, R., Carreker, S., & Moats, L. (2008). How words cast their spell. American Educator, 6-43.
417
O Feitiço das Formas das Palavras
Em 1773, Noah Webster afirmou que “a ortografia é o alicerce da leitura e o maior ornamento
da escrita” Venezky (1980). Tinha razão. O conhecimento ortográfico é essencial para a literacia, e faz
com que seja muito mais fácil escrever, pois permite a quem escreve focar-se nas ideias a transmitir, e
não nas letras necessárias para pôr essas ideias no papel.
Contudo, desde que os “ortografistas” inspirados em Webster (que se focavam na grafia dos
sons que formam as palavras, e, como tal, nos ensinavam a escrever e a ler simultaneamente) passaram
de moda, em inícios do século XX, a ortografia não tem recebido tanta atenção como a leitura.
Tal é de lamentar, porque o ensino da ortografia sustenta o sucesso na leitura, criando uma consciência
dos sons que formam as palavras e das letras que grafam esses sons. Quando as crianças aprendem
ortografia, o seu conhecimento das palavras aperfeiçoa-se e a leitura torna-se mais fácil (Ehri, 1997;
Joshi & Aaron, 1990; Joshi et al, 2003; Moats, 2005). E, no entanto, apesar de haver uma relação estreita
entre leitura e ortografia (a correlação entre as duas é bastante forte (Ehri, 1989), variando entre 0.66
e 0.90, em que 0 indica ausência de correlação e 1 uma correlação perfeita), a ortografia, nos primeiros
anos de escolaridade, é normalmente ensinada como uma competência isolada, muitas vezes como uma
tarefa visual.1
Os autores deste artigo têm entre si um total de oito décadas de experiência a ajudar professores
em formação e professores no ativo a melhorar a maneira como ensinam ortografia, leitura e escrita. Uma
percepção comum com a qual nos deparamos é a de que a base para um bom conhecimento ortográfico
é a memória visual, análoga a tirar uma fotografia mental da palavra. É frequente que professores nos
digam que ensinam ortografia encorajando a memorização da palavra inteira (e.g., mostrando um cartão
com a palavra escrita durante um momento, e instruindo depois os alunos a escrever a palavra 5 ou
10 vezes), ou pedindo aos alunos que fechem os olhos e imaginem a palavra. Deparámos tantas vezes
com esta percepção de que o conhecimento ortográfico se apoia na memória visual que, curiosos,
procurámos saber da sua origem – se virmos bem, trata-se de uma noção muitíssimo distinta dos
ortografistas inspirados em Webster.
Descobrimos que esta percepção remonta aos anos 1920: um dos primeiros estudos
a destacar o papel da memória visual na ortografia foi publicado em 1926, e dava conta de que o
desempenho ortográfico de crianças surdas, quando comparado com o de crianças normais com
uma experiência de leitura semelhante, era relativamente bom (Gates & Chase, 1926). Com base
neste estudo, e na percepção de que a relação entre os sons e as letras que os grafam é altamente
variável, muitos foram os que concluíram que aprender a ortografia das palavras é, essencialmente,
uma questão de decorar. Assim, a recomendação dos investigadores foi a de que o ensino da ortografia
colocasse a ênfase no desenvolvimento da memória visual de palavras inteiras (Cahen et al., 1971).
1 A investigação e as estratégias de ensino discutidas ao longo deste capítulo dizem respeito à ortografia da língua inglesa; e poderão não se aplicar
a outras línguas.
418
R. Malatesha Joshi et al.
Contudo, estudos mais recentes não sustentam a ideia de que a memória visual seja a chave do bom
desempenho ortográfico (Cassar et al, 2005; Treiman & Bourassa, 2000).
Vários investigadores constataram que decorar sequências de letras por memorização visual
se limita a duas ou três letras numa palavra (Zhang & Simon, 1895; Aaron, Joshi, Ayotollah et. all, 1998).
Acrescente-se a isto que os estudos em que se analisam os erros ortográficos de crianças indicam que
há outra coisa, que não a memória visual, em ação. Se as crianças recorressem à memória visual para
obter a forma ortográfica das palavras, errariam em igual medida ao escrever palavras regulares (e.g.,
stamp, sing, strike) e palavras irregulares de extensão e frequência de uso semelhantes (e.g., sword, said,
enough). Mas não é isto que se verifica. As crianças erram mais vezes ao escrever palavras irregulares do
que ao escrever palavra regulares (Treiman, 1993).
Ora bem, se as palavras não são memorizadas visualmente, como é que se chega à sua forma
ortográfica? A explicação detalhada será dada mais adiante. Por ora, fiquemo-nos pela resposta curta:
Webster estava certo não só quanto à importância da ortografia, como também quanto ao seu ensino.
Escrever com correção ortográfica é uma tarefa linguística que requer conhecimento de padrões
de som e de padrões de grafia. Ao contrário daqueles que dão erros ortográficos, que fracassam em
estabelecer associações entre esses padrões, aqueles que não dão erros ortográficos desenvolvem
conhecimentos sobre a grafia com base em correspondências som-letra2, constituintes significativos
das palavras (como a raiz bio e o sufixo logia) e a origem e a história das palavras (Cassar et al., 2005;
Ehri, 1998, 2000; Moats, 1995, 1996). Este conhecimento, por seu turno, escora um sistema mnésico
especializado: uma memória para letras em palavras. O termo técnico para esta memória especializada
é “memória ortográfica”, e desenvolve-se em conjunto com a consciência da estrutura interna das
palavras – os seus sons, sílabas, constituintes significativos, bizarrias, história, e assim por diante.
Por conseguinte, o ensino explícito da estrutura da língua, e, sobretudo, da estrutura dos sons da língua,
é essencial para aprender ortografia.
Dada não só a convicção, amplamente disseminada, de que a ortografia da língua inglesa é irregular,
como também estudos anteriores que destacam o papel da memória visual para palavras, não é de
surpreender que muitos professores ensinem ortografia escrevendo palavras em cartões (aos quais
expõem os alunos muitas vezes) ou instruindo os alunos a escreverem as mesmas palavras cinco a dez
vezes. Infelizmente, a eficácia destes métodos não está solidamente demonstrada.
2 Em linguagem técnica, designamos os mais pequenos sons da fala por fonemas, e as letras e grupos de letras que os representam por grafemas.
Assim, aquilo a que aqui chamamos “correspondências som-letra”, pode ser referido por outros autores como “correspondências fonema-grafema”.
419
O Feitiço das Formas das Palavras
Por comparação, há estudos que demonstram que um ensino da ortografia baseado nos sons da
língua produz bons resultados. Num deles, que visou testar qual dos métodos era o melhor, se um método
visual ou uma abordagem baseada na língua, um grupo de investigadores ensinou ortografia a alunos
típicos de 2.º ano usando dois métodos distintos: um método visual, e um método no qual os alunos se
focavam nas correspondências entre sons e letras (Arra & Aaron, 2001). Depois de administradas listas de
palavras como testes de ortografia, os investigadores chamaram a atenção dos alunos do “grupo visual”
para os erros que haviam cometido, escreveram corretamente as palavras em cartões, e mostraram-nos
às crianças, expondo-as assim à ortografia correta das palavras. Aos alunos do “grupo baseado na língua”,
foi dada instrução sobre os sons envolvidos nos erros ortográficos cometidos. O grupo de alunos que
recebeu instrução ortográfica baseada na língua revelou progressos significativamente maiores do que o
grupo visual.
Num outro estudo, em que se analisaram cinco abordagens bem sucedidas ao ensino da ortografa,
todas elas dirigidas a crianças com dificuldades de aprendizagem, observou-se que os programas bem
sucedidos tinham um elemento em comum: todos se baseavam numa instrução linguística estruturada,
que ensinava explicitamente princípios como as correspondências som-letra (Graham,1999). Outros
investigadores constataram também que alunos de 2.º e 3.º anos em risco de desenvolvimento de
dificuldades de literacia melhoraram a sua ortografia (bem como o reconhecimento de palavras, a
caligrafia, e a competência em composição escrita) na sequência de um ensino da ortografia estruturado,
baseado no conceito de que os sons da fala são representados por letras em palavras impressas (i.e., o
princípio alfabético) (Berninger et. al, 2000). Uma outra série de estudos evidenciou que o treino em
consciência fonológica (i.e., a consciência dos sons que constituem a língua) melhorou a ortografia e a
leitura de crianças de famílias de baixos rendimentos, alunos de escolas em zonas desfavorecidas. Este
treino foi particularmente eficaz entre as crianças que tinham piores desempenhos escolares (Ball &
Blachman, 1991; Blachman et. al, 1994, 1999).
Em suma, estes e outros estudos revelaram que a instrução ortográfica eficaz é aquela que ensina
explicitamente aos alunos os padrões som-grafia. Os alunos são ensinados a raciocinar sobre a língua, o
que lhes permite aprender a escrever palavras corretamente – não apenas a decorar palavras.
Resulta daqui que um ensino da ortografia linguisticamente explícito melhora o desempenho
ortográfico em palavras que o aluno já conhece e em palavras novas. Dois estudos exploratórios de
intervenção ortográfica compararam uma instrução ortográfica linguisticamente explícita com uma instrução
ortográfica implícita, e constataram que a instrução explícita deu aos alunos o conhecimento dos padrões
ortográficos de que eles necessitavam para escrever mais acertadamente palavras novas. No primeiro
estudo, alunos entre o 2.º e o 4.º anos foram ensinados a escrever palavras de base latina que acabavam
em tion ou sion (Post & Carreker, 2002). Os alunos foram divididos em dois grupos. Um dos grupos foi
ensinado a escrever as palavras recebendo uma instrução que enfatizava os padrões ortográficos tion e
420
R. Malatesha Joshi et al.
sion, mas sem discutir os padrões de som dessas palavras. Neste grupo, as atividades propostas levavam
os alunos a atender aos padrões visuais das palavras. Por exemplo, os alunos agrupavam as palavras
segundo a respectiva terminação ortográfica – tion ou sion.
O outro grupo, que recebeu uma instrução linguisticamente explícita, foi ensinado a escrever
as palavras recebendo uma instrução que enfatizava em simultâneo os padrões ortográficos tion e
sion e os padrões de som /shu˘n/ e /zhu˘n/3. Entre outras atividades, os alunos agrupavam as palavras
segundo o seu padrão gráfico e o seu padrão de som. Os padrões ortográficos e os padrões de som das
restantes sílabas das palavras, em especial das sílabas que precediam tion ou sion, também foram realçados.
Por exemplo, explicitando que é mais frequente que /shu˘n/ se escreva tion, mas que, depois de um
sílaba que termine em /l/, a terminação /shu˘n/ se escreve sion, como em compulsion ou expulsion. Em
comparação com os seus colegas do outro grupo, os alunos que receberam a instrução linguisticamente
explícita revelaram-se mais capazes de discriminar os sons /sh/ e /zh/, de escrever corretamente as
terminações das palavras, e de generalizar a ortografia das terminações a palavras novas.
No segundo estudo exploratório, um grupo de alunos de 1.º ano foi dividido em dois grupos (Post
& Carreker, 2002). Ambos os grupos foram ensinados a escrever palavras monossilábicas acabadas em
/k/. Um dos grupos foi ensinado a escrever as palavras usando unidades ortográficas como ank, ack, e ake.
O outro grupo foi ensinado a segmentar os sons das palavras e a pensar no padrão que determinaria a grafia
do som /k/ (e.g., depois de uma consoante ou de duas vogais, /k/ grafa-se k; depois de uma vogal breve, /k/
grafa-se ck; depois de uma vogal longa, /k/ grafa-se k com um e final). Os alunos do segundo grupo
escreveram as palavras mais acertadamente e leram-nas mais depressa.
Esta é uma pergunta que ouvimos frequentemente. Se a ortografia do inglês fosse completamente
arbitrária, poder-se-ia argumentar que a memorização visual era a única alternativa. No entanto, a
ortografia não é arbitrária.
Estudos realizados estimam que a forma ortográfica de quase 50% das palavras da língua inglesa
é previsível com base em correspondências som-letra passíveis de serem ensinadas (e.g., as grafias do
som /k/ em back, cook, e tract são previsíveis para aqueles que tenham aprendido as regras). E que a forma
ortográfica de 34% das restantes palavras é previsível exceto em um dos seus sons (e.g., knit, boat, e two)4.
Se se tiver em consideração informação adicional como a origem da palavra e o significado da palavra,
apenas 4% das palavras inglesas são genuinamente irregulares e, como tal, poderão ter de ser aprendidas
3 Para maior comodidade do leitor, os sons das letras são representados dentro de / / em vez de serem representados pelos símbolos do Alfabeto
Fonético Internacional. Assim, o /∫/ que encontramos em ship é representado por /sh/, e o /t∫/ que encontramos em chin é representado por /ch/.
4 Note que a exepção diz respeito a um som, não a uma letra. Por exemplo, se se escrever automobile como automobeal ou se bite for escrito
bight, há apenas um som errado em cada palavra. (Hanna et al.,1966)
421
O Feitiço das Formas das Palavras
visualmente (e.g., recorrendo ao uso de cartões ou da escrita repetida de cada palavra) (Hanna et. al.,
1966).
Para os reputados linguistas Noam Chomsky e Morris Halle, o inglês, longe de ser irregular
ou ilógico, é um “sistema quase ideal para efeito de representação lexical” (Chomsky & Halle, 1968).
Como é possível defender-se tal coisa? Chomsky e Halle entendem que a língua escrita não é meramente
a transposição da fala para o papel. O objetivo principal do sistema de escrita do inglês não é apenas
assegurar a pronúncia correta da palavra escrita – é transmitir significado. Se palavras com o mesmo
som (i.e., palavras homófonas como rain, rein, e reign) se grafassem da mesma maneira, seria mais difícil
diferenciar os seus significados. Por exemplo, se regularizássemos a ortografia, a frase They rode along the
rode and when they reached the lake, they rode across it tornar-se-ia difícil de compreender, ao passo que
They rode along the road and when they reached the lake, they rowed across it faz sentido.
Ademais, o sistema de escrita da língua inglesa revela a história da língua inglesa. Por exemplo, ch
pronunciado /ch/, como em chair ou chief, ocorre em palavras do anglo-saxão, ou inglês antigo; a mesma
combinação de letras ch pronunciada /sh/, como em chef e chauffeur, ocorre em palavras francesas com
origem no latim; e ch pronunciado /k/, como em ache e orchid, ocorre em palavras tomadas do grego.
Aproximadamente 20 a 25 por cento das palavras inglesas são de origem anglo-saxônica, e cerca de 60%
têm origem no latim (das quais 50% vêm diretamente do latim e 10 % do latim via francês, como chef e
chauffeur). Os restantes 15 a 20 por cento das palavras inglesas são majoritariamente de origem grega.5
Há três tipos de informação que, uma vez aprendidos, tornam a ortografia muito mais previsível:
(1) origem e história das palavras, (2) padrões silábicos e constituintes significativos das palavras, e
(3) padrões de letras. Cada um destes três tipos de informação será agora discutido de forma abreviada;
na seção seguinte do artigo, encontram-se sugestões relativamente a quando e como os ensinar.
Quando se trata de pronunciar e de escrever palavras, as origens das mesmas podem revelar-se
úteis (Carreker, 2005). Por exemplo, em palavras de origem grega, que tendem a ser longas e relacionadas
com a ciência, o som /f/ é quase sempre grafado ph, como em photosynthesis e philodendron, e o som /k/
é frequentemente grafado ch, como em chlorophyll e chemistry. Para o som /sh/, palavras elegantes de
origem francesa usam a combinação ch, como em champagne e chandelier, palavras anglo-saxônicas usam
5 Para mais informação sobre a história da língua inglesa, veja “How Spelling Supports Reading”, de Louisa C. Moats, no número Winter 2005-06 da
American Educator, disponível online em: www.aft.org/pubs-reports/american_educator/issues/winter05-06/Moats.pdf
422
R. Malatesha Joshi et al.
sh, como em ship e wish, e palavras latinas sofisticadas usam ti, si, ou ci, como em nation, percussion, e
special.
Olhemos mais atentamente para as palavras de origem anglo-saxônica. São, regra geral, palavras
curtas, relacionadas com o dia a dia, com a vida quotidiana (contrastam com as associadas à ciência,
como é o caso de muitas palavras gregas, ou as associadas a ideias nobres e elevadas, como é o caso de
muitas palavras latinas). As palavras de origem anglo-saxônica contêm frequentemente letras silenciosas
que, em tempos, se pronunciavam (e.g., knee, gnat, ghost, climb, wrist).
O modo como as palavras se pronunciam alterou-se ao longo dos tempos, mas a sua ortografia
não sofreu mudanças – a grafia continua a transportar as pronúncias iniciais. Quando os alunos aprendem
a escrever estas palavras, talvez possam gostar de usar uma pronúncia especial anglo-saxônica, que os
ajude a lembrar as letras silenciosas. Essa pronúncia sinaliza aos alunos a grafia correta das palavras. Os
alunos podem também estabelecer ligações entre palavras que têm significados semelhantes, mas que
variam quanto a conterem ou não letras silenciosas. Por exemplo, quando estão a tentar recordar a
forma ortográfica de palavras em que o w é silencioso, como wrist, wring, e wrench, é útil aos alunos notar
que estas palavras partilham o significado “twist”.
Algumas palavras têm ortografias invulgares em virtude da sua associação a determinadas figuras
históricas. Por exemplo, a palavra caesarean está associada ao imperador romano Júlio César6, que se
diz ter nascido de parto que envolveu intervenção cirúrgica. A origem da palavra silhouette remonta a
Etienne de Silhouette, um ministro das finanças francês de meados do século XVIII, que era conhecido
pelos seus negócios escuros. A palavra leotard, que designa uma peça de vestuário usada por acrobatas
e bailarinos, deve-se a Jules Léotard, um equilibrista francês do século XIX. Analogamente, pasteurize
vem de Louis Pasteur, o famoso químico e microbiologista francês, e galvanize de Luigi Galvani, médico e
físico italiano. Maverick vem de Sam Maverick, que se recusava a marcar o seu gado; daí que um maverick
seja alguém diferente, fora do comum. Outras palavras devem a sua origem não a figuras históricas,
mas a outras palavras (sobretudo, como já vimos, palavras do latim e do grego). Por exemplo, radical
significa raiz, donde o significado de radish ser “raiz comestível”. E anthology significa, literalmente, uma
“colecção de flores”; por isso se espera do editor de uma antologia que apresente uma colecção das
flores mais bem escolhidas da área.7
423
O Feitiço das Formas das Palavras
Há dois tipos comuns de sílabas (a sílaba fechada e a sílaba aberta) que se revelam deveras úteis
na ortografia (Henry, 2003; Moats, 2000). Uma sílaba fechada caracteriza-se por ter uma vogal seguida
de pelo menos uma consoante, sendo essa vogal uma vogal breve (e.g., cat, ball, e pencil). Uma sílaba
aberta termina em vogal, e essa vogal é longa (e.g., he, go, e a primeira sílaba de hotel). Aprender sobre
sílabas abertas e fechadas é especialmente útil quando se trata de decidir se se deve ou não dobrar uma
consoante no meio de uma palavra.
Se os alunos tiverem sido ensinados sobre sílabas abertas e fechadas, saberão porque é que
rabbit se escreve com dois b no meio da palavra, mas label apenas com um. A divisão da palavra rabbit
dá-se entre duas consoantes, rab/bit. A primeira sílaba, rab, é fechada, e a vogal pronuncia-se com um
a breve. A palavra label divide-se antes da consoante, la/bel. A primeira sílaba, la, é aberta, e o som da
vogal é pronunciado com um a longo. É conhecida como a “regra do coelho” [“rabbit rule”], e é uma
fórmula fácil de lembrar: numa palavra dissilábica, dobra-se a consoante do meio depois de uma vogal
breve (Carreker, 2005). Em vez de os alunos decorarem se devem escrever uma consoante simples ou
uma consoante dobrada no meio de palavras como cotton, tennis, sudden, muffin, e happen, basta-lhes
recorrerem à “regra do coelho”. Claro está que existem exceções , como cabin, robin, lemon, e camel, mas
estas não são palavras tão frequentes como as palavras que obedecem à “regra do coelho”.
O conhecimento dos constituintes significativos das palavras (prefixos, sufixos, e raízes) é de
grande utilidade no desenvolvimento da ortografia – e do vocabulário. Em termos técnicos, aquilo a que
nos referimos como constituintes significativos das palavras dá pelo nome de morfemas: são as menores
unidades de significado das palavras. Quando estas unidades têm significado por si sós, como nas palavras
cat e play, chamamos-lhes morfemas livres. A palavra cats, porém, tem dois morfemas: um morfema livre
(cat) e um morfema preso (s). Os morfemas presos não têm significado por si sós; assumem significado
quando são ligados a um morfema livre (um outro exemplo é ed em played).
Ensinar morfemas exige frequentemente que o professor preste aos alunos informação adicional
sobre a origem das palavras. Por exemplo, ao ensinar a ortografia de palavras que contêm os sufixos er
ou or, que significam “uma pessoa que”, e que ocorrem em palavras como worker ou actor, os professores
poderão dizer aos seus alunos que as palavras que vêm do inglês antigo são palavras elementares,
relacionadas com sobrevivência. Palavras como worker, carpenter, farmer, grocer, baker, brewer, e butcher
[trabalhador, carpinteiro, agricultor, merceeiro, padeiro, cervejeiro e açougueiro] são inglês antigo e usam
o sufixo er, ao passo que palavras de origem latina, mais sofisticadas, usam o sufixo or, como nas palavras
actor, professor, educator, aviator, director, e counselor. O mesmo princípio aplica-se aos sufixos able
e ible, ambos significando able to [passível de; capaz de]. Utilizamos able em palavras base do inglês antigo
424
R. Malatesha Joshi et al.
e ible em raízes latinas. Assim, temos, de um lado, passable, laughable, breakable, agreeable, e punishable, e,
do outro, edible, audible, credible, visible, and indelible.8
8 Para descrições detalhadas dos significados dos morfemas e suas ortografias por relação com as suas origens, veja: Marcia K. Henry, Unlocking
Literacy: Effective Decoding and Spelling Instruction (Baltimore, MD: Paul H. Brookes, 2003).
425
O Feitiço das Formas das Palavras
skunk like to skate.), em vez de pedir aos alunos que as memorizem visualmente. Sem dúvida que há aqui
muito a aprender por parte dos alunos, mas é perfeitamente comportável aprendê-lo quando o volume
do que há a aprender é introduzido ao longo de vários anos. As duas seções seguintes fornecem uma
perspectiva global quanto ao que ensinar no 1.º e no 2.º ciclos, e oferecem sugestões sobre como
transmitir uma instrução com base na língua.
A ordem pela qual os vários padrões são introduzidos pode variar de um programa ortográfico para
outro. A sequência que apresentamos de seguida fornece alguma orientação tendo em vista o planejamento
de uma instrução sistemática e explícita do pré-escolar ao 7.º ano de escolaridade.
No pré-escolar, atividades que intensifiquem a consciência dos sons que constituem a língua, e que
desenvolvam o conhecimento das correspondências letra-nome da letra e letra-som, fornecem aos alunos
uma fundação para a ortografia. Por exemplo, os alunos podem (1) contar o número de sílabas das palavras,
(2) escutar palavras, atentos a um som específico, e indicar com “polegar para cima” quando ouvem esse
som, e (3) contar quantos sons existem numa palavra dada, dizendo a palavra devagarinho e fazendo avançar
uma peça de contagem a cada som. Chegados ao final do pré-escolar, os alunos devem ser capazes de
nomear rapidamente letras numa tabela, à medida que o professor vai apontando para cada letra, bem
como serem capazes de articular rapidamente os sons das letras que têm um som invariável (e.g., b, d, f).
Além disto, proporcionar aos alunos amplas oportunidades para eles escreverem vai ajudá-los a estabelecer
uma ligação entre falar e escrever.
Palavras anglo-saxônicas com correspondências som-letra regulares, tanto as que envolvem
consoantes como as que envolvem vogais, são introduzidas no 1.º ano. Os alunos aprendem a grafar palavras
monossilábicas com correspondências “um para um”, como as que envolvem as vogais breves e os sons das
consoante /b/, /d/, /f/, /g/, /h/, /l/, /m/, /n/, /p/, /s/, e /t/. Aprendem, também, alguns padrões comuns para sons que
têm mais do que uma grafia, como: o som /k/ antes de a, o, u, ou consoante grafa-se c (e.g., cap, cot, cub, class,
club) e antes de e, i, ou y grafa-se k (e.g., kept, kiss, skit). Outros padrões comuns a ensinar no 1.º ano incluem
(1) quando o som de uma vogal longa em posição inicial ou medial é seguido por um som consonântico,
acrescenta-se e no final da palavra (e.g., name, these, five, rope, cube), e (2) a “regra floss”, que ajuda a que os
alunos se lembrem de que, depois de uma vogal breve, o som /f/ final se grafa ff, o som /l/ final se grafa ll, e o
som /s/ final se grafa ss (como nas palavras stiff, well, e grass). Algumas exceções frequentes a esta regra, para
as quais se deve chamar a atenção, são if, this, us, thus, yes, bus, e his. Assim que os alunos estiverem seguros no
que concerne à ortografia daqueles três primeiros sons, pode acrescentar-se /z/, como em fizz.
426
R. Malatesha Joshi et al.
No 2.º ano, os alunos devem estar aptos a aprender padrões de letras anglo-saxónicos mais complexos
e inflexões finais comuns. Os alunos aprendem a grafar palavras monossilábicas com padrões como:
• /k/ final depois de uma vogal breve numa palavra monossilábica grafa-se ck (e.g., back, peck, sick, sock,
duck);
• /k/ final depois de uma consoante ou de duas vogais grafa-se k (e.g., milk, desk, book, peek);
• /ch/ final depois de uma vogal breve numa palavra monossilábica grafa-se tch (e.g., catch, pitch, match),
e depois de uma consoante ou de duas vogais grafa-se ch (e.g., bench, pouch); as palavras which, rich,
much, e such são exceções ; /j/ final depois de uma vogal breve numa palavra monossilábica grafa-se
dge, grafando-se ge depois de uma vogal longa, de uma consoante, ou de duas vogais (e.g., badge, fudge,
age, hinge, scrooge); e
• /au/ inicial e medial é, habitualmente, grafado ou e /au/ final grafa-se ow (e.g., out, found, cow, how).
Os alunos aprendem também a escrever palavras com terminações flexionadas, como ing e ed.
A ortografia de palavras com estas terminações pode exigir dobrar ou suprimir uma letra. Por
exemplo, quando um sufixo que começa por uma vogal é acrescentado a uma palavra monossilábica que
termina em uma vogal e uma consoante, dobra-se a consoante final (e.g., hopping, running, stopped, e bagged).
O mesmo se verifica quando um sufixo que começa com uma vogal é acrescentado à ultima sílaba de uma
palavra polissilábica que termina em uma vogal e uma consoante, e a última sílaba da palavra é a sílaba tônica*
(e.g., beginning e occurred). Quando um sufixo que começa com uma vogal é acrescentado a uma palavra que
termina em e, este e final é suprimido (e.g., hoping, naming, saved, joked).
No 3.º ano, os alunos aprendem a escrever palavras polissilábicas, a vogal schwa átona (que ocorre,
por exemplo, em sofa e alone), e os prefixos e sufixos mais comuns. Aprendem padrões mais complicados,
como o uso de c tanto para o /k/ final depois de uma vogal breve numa palavra com mais do que uma sílaba
(e.g., public, lilac, fantastic), como para o /s/ medial numa palavra polissilábica depois de uma vogal e antes de e,
i, ou y (e.g., grocery, recess, recite). Os alunos aprendem também a escrever palavras com sufixos comuns que
podem exigir alterar uma letra. Por exemplo, aprendem a substituir y por i quando um sufixo que não começa
por i é acrescentado a uma palavra que termina em consoante e y (e.g., happiness, babies, plentiful).
Os prefixos, sufixos e raízes de base latina são introduzidos no 4.º ano. Os alunos aprendem a
escrever palavras com constituintes significativos, como vis (television), audi (auditorium), duc (conductor), port
(transportation), e spect (spectacular). As formas combinatórias gregas são introduzidas do 5.º aos 7.º anos.
Os alunos escrevem palavras com constituintes significativos como photo (photography), phono (symphony), logy
(biology), philo (philosophy), tele (telescope), e thermo (thermodynamic).
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O Feitiço das Formas das Palavras
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R. Malatesha Joshi et al.
Este tipo de lição apura a consciência dos alunos no tocante aos sons das palavras e chama a atenção
dos alunos para as letras e padrões de letras que grafam os sons.
Os alunos podem também identificar padrões de letras formando grupos distintos a partir de um
conjunto de palavras dadas. O Quadro 1 apresenta uma lista de palavras em que o som /k/ se grafa com k ou
c em posição inicial, e com k, ck, ou c em posição final.
Quadro I
Lista de palavras com várias grafias para /k/ em posições inicial e final
traffic dock lock
brick music seek
brook book block
keg meck lilac
hook keep kettle
public thick trunk
crash pack luck
track cure shook
kindle kilt culvert
week crater speck
quick kept duck
carpet sulk shellac
attic crook kin
cord combat elk
peck frantic rock
look task deck
Uma vez completada esta atividade, os alunos podem ser estimulados a observar quando é que o som
/k/ é representado pela letra k e quando é representado pela letra c. Os alunos vêem também os padrões
ortográficos de /k/ em posição final. Ainda que apenas 10 a 30 destas palavras apareçam na lição semanal de
ortografia e no teste de ortografia, os alunos deverão ser capazes de generalizar o que aprenderam a todas
as palavras que obedecem aos padrões ortográficos correspondentes ao som /k/.
Quando se testa o conhecimento ortográfico dos alunos, é importante ir além do simples assinalar
“certo” ou “errado” junto da palavra.A avaliação deve constituir uma oportunidade para aferir a compreensão
429
O Feitiço das Formas das Palavras
dos alunos quanto aos sons e padrões ortográficos convencionais. Os tipos de palavras em que os alunos
erram e os tipos de erros que cometem são importantes na avaliação da sua aprendizagem ortográfica
e do entendimento que eles possuem das estruturas da língua (Joshi, 1995). Por exemplo, ao analisar
atentamente os erros dos alunos, o professor pode observar que alguns alunos estão a confundir /b/ e /p/.
Perceber o que fazer nesta circunstância exige algum acompanhamento. Muitos alunos confundem /b/ e /p/
porque as letras usadas para grafar estes dois sons são visualmente semelhantes. Todavia, alguns dos alunos
que confundem consistentemente /b/ e /p/ podem não estar cientes de que, embora as posições da língua,
dentes e lábios sejam as mesmas quando se pronuncia /b/ e /p/, um destes sons é vozeado (i.e., /b/ ativa as
cordas vocais) e o outro é não vozeado (Moats, 2005). Esta dificuldade pode ser corrigida convidando o
aluno a encostar dois dedos à sua garganta de maneira a sentir se há ou não vibração das cordas vocais.”
Com o objetivo de proporcionar uma instrução mais focalizada, um grupo de investigadores concebeu
uma rubrica de sete pontos que permite ajuizar da ortografia de alunos do pré-escolar (Tangel & Blanchman,
1996). Um resultado 0 indica uma sequência de letras desprovida de representação alfabética. Resultados
entre 1 e 5 indicam graus crescentes de correção, e 6 representa um desempenho ortográfico correto. Os
resultados de alunos de famílias de baixos rendimentos, em escolas de zonas desfavorecidas, melhoraram
nesta medida após 11 semanas de instrução sobre os sons que constituem as palavras inglesas, mesmo não
tendo tido escrito corretamente todas as palavras do pós-teste.Todavia, o desempenho ortográfico pós-teste
destas crianças revelou progressos ao nível da segmentação de sons e do conhecimento das correspondências
som-letra.
Muito embora a avaliação do desempenho ortográfico através de uma rubrica validada consuma
mais tempo do que assinalar se as palavras estão certas ou erradas, fornece um quadro mais completo do
conhecimento linguístico dos alunos, e é útil para efeitos de conceber uma instrução apropriada.9
O nosso conhecimento da ortografia (e da escrita) tem ficado para trás face ao que sabemos sobre
leitura. Tem sido frequente partir-se do princípio de que a ortografia envolve principalmente memorização
visual, decorar formas ortográficas, coisa que, como temos vindo a argumentar, não é o caso. Como escreveu
Rebecca Treiman, uma das autoras do presente artigo, “Para as crianças pequenas, a ortografia é mais um
processo linguísticos criativo do que um hábito aprendido que envolve memorização visual à custa de decorar.
As crianças pequenas criam grafias para palavras com base no conhecimento que possuem da língua e da
palavra impressa. Não se limitam a memorizar sequências de letras.” (Treiman, 1998). Treiman sustentou
ainda que “conhecimento do alfabeto e consciência fonológica são duas fundações sobre as quais assenta a
aprendizagem da literacia. As crianças pequenas não são simples memorizadores quando estão a aprender
sobre os sons das letras, quando estão a aprender sobre as formas impressas dos seus próprios nomes, e
9 Para saber mais sobre avaliação da ortografia, veja: Ganske, K. (2000). Word Journeys: Assessment-Guided Phonics, Spelling, and Vocabulary
Instruction (First ed.). The Guilford Press. e Bear, D. R., Invernizzi, M., Templeton, S., & Johnston, F. (2003). Words Their Way: Word Study for Phonics,
Vocabulary, and Spelling Instruction. Prentice Hall.
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quando estão a aprender a ler as suas primeiras, e ainda poucas, palavras. Há fatores linguísticos intimamente
envolvidos nesta aprendizagem, tal como no desenvolvimento da consciência fonológica” (Treiman, 2006).
Não é nossa intenção defender que a memória visual não desempenha um papel na aprendizagem
da ortografia. Sublinhamos, sim, que a memória para padrões de letras assenta em, e é facilitada por, um
entendimento de conceitos linguísticos, incluindo sons da fala, correspondências som-letra, origem da palavra,
e constituintes significativos de palavras. O mecanismo principal para a memória de palavras não é uma
memória fotográfica, como muitos acreditam; é entender o porquê de a palavra ter a grafia que tem, ser
grafada como é.
As ortografias das palavras inglesas são influenciadas pelas posições das letras dentro das palavras, por
morfemas, e pela história da língua inglesa. Os professores podem dirigir a atenção das crianças para os tipos
de informação fornecidos neste artigo, e é de esperar que fazê-lo melhore o desempenho ortográfico dos
alunos. Escrever com correção ortográfica é um processo psicológico, linguístico e conceitual que envolve
conhecimento do alfabeto, de sílabas, do significado das palavras, e da história das palavras (Templeton &
Morris, 2000). É, assim, uma janela para aquilo que uma pessoa sabe sobre palavras. Aprender sobre palavras
e sobre a língua irá melhorar as competências ortográficas.
Ensinar Ortografia
A ortografia da língua inglesa é mais regular e regida por regras do que habitualmente se crê, mas tal não
significa que seja fácil de ensinar.A instrução tem de ser criteriosamente sequenciada, de modo a que progrida
de palavras comuns e regulares (como cat) para palavras invulgares e especializadas (como hydroponics).
Dado que uma instrução nestes moldes tem de ser levada a cabo ao longo de vários anos de escolaridade,
quem ensina poderá concluir que a melhor maneira de transmitir uma instrução ortográfica coerente é
recorrer a um programa adequadamente planeado.
Infelizmente, existe muito pouca investigação que oriente os educadores quando se trata de selecionar
um programa: não conhecemos nenhum estudo de larga escala que compare a eficácia relativa de vários
programas ortográficos.
Não obstante, como explicado no artigo principal, a investigação existente constata que uma
instrução ortográfica com base na língua (e.g., centrada nas correspondências som-letra) é mais
eficaz do que uma instrução que dependa em grande medida na memorização visual de palavras
(e.g., que utilize cartões com palavras escritas).
Os dois programas aqui apresentados – Primary Spelling by Pattern, para os primeiros anos da
educação básica, e Spellography, para os últimos anos da educação básica – oferece uma instrução explícita,
criteriosamente sequenciada, da estrutura e história da língua inglesa. Ambos enfatizam as correspondências
431
O Feitiço das Formas das Palavras
som-letra e fornecem um leque de atividades para os alunos, com o objetivo de os ajudar a compreender e
recordar as regularidades e padrões do inglês.
Desenvolvido por Ellen Javernick, professor do 1.º e 2.º anos de escolaridade, e por Louisa
Moats, investigadora especializa em leitura e ortografia, “Primary Spelling by Pattern” é um programa
destinados a alunos do 1.º ao 3.º ano, ou para alunos de anos mais avançados que manifestem dificuldades.
O nível 1 do programa está neste momento disponível; há mais dois níveis em fase de preparação neste
momento.
Spellography
Spellography é um programa destinado a alunos de 4.º e 5.º anos (com um nível de leitura de
3.º ano ou superior) ou a alunos do 2.º ciclo que necessitem de uma instrução em língua mais estruturada.
Foi desenvolvido por Louisa Moats, investigadora especializada em leitura e ortografia, e Bruce Rosow,
professor e criador de recursos para alunos do 2.º ciclo, e coordenador curricular.
Por vezes, a instrução ortográfica é remetida para segundo plano por causa da existência dos
corretores ortográficos instalados nos computadores. Não está a maestria ortográfica ao alcance de todos
os utilizadores de um computador? Na verdade, não.
Os corretores ortográficos não eliminam a necessidade de aprender a escrever corretamente as
palavras. Quando utilizámos o corretor ortográfico do computador para a frase the bevers bild tunls to
get to their loj, o corretor ortográfico apresentou grafias correctas para bevers (beavers) e para bild (build).
No entanto, não apresentou as palavras necessárias para substituir tunls (tunnels) ou loj (lodge). Em vez disso,
para tunls sugeriu tuns, tunas, tunes, tongs, tens, tans, tons, tins, tense, teens, e towns. E para loj, sugeriu log, lot, lox,
loge, look, lost, lorid, load, lock, lode, lout, lo, lob, lose, low, e logs. A verdade é que os corretores ortográficos são,
essencialmente, uma ferramenta para corrigir erros tipográficos (“gralhas”).
São úteis para pessoas com um desempenho ortográfico razoavelmente bom, mas não corrigem a má
ortografia. Acresce a isto que não podemos contar com os corretores ortográficos para palavras homófonas.
Por exemplo, um corretor ortográfico não corrige os erros da frase your sure glad to no para you’re sure glad
to know. E não identifica erros como meet em vez de meat, e week em vez de weak.
432
R. Malatesha Joshi et al.
Um estudo realizado com dois alunos de 4.º ano com dificuldades de aprendizagem constatou que
os corretores ortográficos forneceram a ortografia correta de palavras incorretamente grafadas entre 51 a
86 por cento dos casos (Dalton et al., 1990) Outros estudos dão conta de desempenhos mais variáveis na
identificação de ortografias correctas – entre cerca de 25 e 80 por cento dos casos (MacArthur et al., 1996;
Montgomery et al., 2001) Quando uma palavra era mal grafada foneticamente, o corretor ortográfico foi
capaz de a identificar em cerca de 80% dos casos. Quando uma palavra não era grafada foneticamente – algo
que ocorre comumente entre crianças pequenas – o corretor ortográfico foi capaz de a identificar em apenas
cerca de 25% dos casos.
Problemas adicionais que envolvem corretores ortográficos incluem: palavras grafadas corretamente,
mas mal utilizadas (e.g., then em vez de them) e o fato de algumas crianças não serem capazes de escolher a
forma ortográfica correta da palavra pretendida quando confrontadas com a lista de palavras sugeridas pelo
corretor (MacArthur, 1996). Em suma, muto embora os corretores ortográficos instalados nos computadores
sejam úteis, não são substituto para uma instrução ortográfica explícita.
Em meados do século XIX, a ortografia era o meio pelo qual se ensinava as crianças a ele. No
século XXI, porém, a ortografia é a enteada enjeitada da família das artes linguísticas, ignorada em sede de
bolsas de investigação federais como a “Reading First”, políticas de avaliação federais e estaduais, orientações
estaduais quanto aos programas a adoptar, editoras de programas e metas curriculares, e da comunidade
de investigação em educação. As razões para que assim seja são muitas, e incluem o domínio da abordagem
“oficina de escrita” à composição, na qual a instrução ortográfica é contextualizada, não sistemática, e reativa
(dado que se limita frequentemente a abordar apenas os erros feitos pelos alunos). A acrescer a isto, temos
ainda que muitas convicções sobre a natureza da competência ortográfica – incluindo a crença amplamente
disseminada de que se trata de uma competência de memorização visual – são equívocas.
Ao contrário do que muitos supõem, o conhecimento da ortografia está estreitamente relacionado
com a leitura, a escrita, e o desenvolvimento do vocabulário, pois todas estas competências dependem das
mesmas capacidades linguísticas subjacentes (Snow, Griffin & Burns, 2005). A conexão entre ortografia e
escrita é por demais evidente. Um dado que os estudos de investigação relevam consistentemente é que um
mau desempenho ortográfico, além de provocar frustração e vergonha a quem escreve, afeta adversamente
a composição e a transmissão de ideias (Singer & Bashir, 2004). Em termos gerais, os alunos com mau
desempenho ortográfico escrevem menos palavras (Moats, Foorman & Taylor, 2006) e escrevem composições
de pior qualidade. Quando quem escreve tem dificuldade em lembrar-se da forma ortográfica das palavras,
é frequente que se restrinja às palavras que sabe escrever, perdendo, assim, poder expressivo. Mais, o não
automatismo da ortografia consome vastos recursos atencionais necessários para os desafios conceituais de
433
O Feitiço das Formas das Palavras
434
R. Malatesha Joshi et al.
probabilidade de ele a identificar, escrever corretamente, definir, e usar apropriadamente na fala e na escrita.
Lições de ortografia sistemáticas proporcionam uma oportunidade para aprender a pensar analiticamente
sobre palavras e sobre a língua. A atenção ao detalhe que é exigida quando se comparam e diferenciam
palavras como flush, flesh, fresh, e thresh (Lindamood, 1994) estimula e nutre uma consciência mais generalizada
sobre as palavras que, por seu turno, vai encorajar uma ponderação criteriosa de todos os aspectos da língua.
Quando é bem ministrada, a instrução ortográfica é um esteio valioso para o vocabulário e para
o desenvolvimento da língua. Aqueles que escrevem com correção ortográfica não demonstram apenas
um bom entendimento dos sons que constituem as palavras, revelam, também, um bom entendimento dos
constituintes significativos das palavras (e.g., un-, desir[e], -able), do papel que as palavras desempenham nas
frases (e.g., packed é um verbo no passado, mas pact é um substantivo), e das relações de sentido entre
palavras existentes, a despeito de diferenças nos sons que as formam (e.g., image e imagination). As crianças
com habilidade ortográfica precoce, participantes na prova de soletração Scripps National Spelling Bee, revelam
um conhecimento excepcional de vocabulário, etimologia (história das palavras), e partes do discurso.
Um conhecimento de base amplo e profundo subjaz ao que, à superfície, pode parecer uma competência
“simples”. Nem todas as crianças serão vencedoras de concursos de soletração, mas todas podem beneficiar
de saber como a forma ortográfica das palavras reflete a sua origem, o seu significado, e a sua pronúncia.
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Parte D
Dificuldades e Perturbações na
Aprendizagem da Leitura e da Escrita
440
Capítulo 21
Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem
(PDL): Terminologia, Caracterização e Implicações
para os Processos de Alfabetização
Ana Paula Soares
Universidade do Minho
Marisa Lousada
Universidade de Aveiro
Margarida Ramalho
Universidade de Lisboa
Resumo
441
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
A linguagem, materializada na sua componente oral a partir da fala, exerce um papel de tal modo
fundamental nas nossas vidas que raramente nos debruçamos sobre ela. Aparece como algo natural mesmo
antes do primeiro ano de vida e, desde aí, acompanha-nos na maioria das nossas atividades, sem que a
sua aquisição ou uso mereçam a especial atenção. Tomamo-la frequentemente como algo “adquirido”,
“espontâneo” e “automático” e só nos deparamos com a sua complexidade em situações em que “falha”, como,
por exemplo, quando em um dado momento não conseguimos recuperar uma determinada palavra que nos
é familiar, quando temos dificuldades em compreender uma determinada mensagem que nos é transmitida,
quando inadvertidamente cometemos erros na fala, quando tentamos aprender uma outra língua numa idade
mais tardia ou quando conhecemos alguém com problemas significativos de compreensão e/ou produção de
linguagem. Em todas essas situações ficamos frequentemente abismados com a complexidade dos processos
e mecanismos que afinal têm de ser acionados para que esta capacidade, entendida como “natural”, se possa
concretizar sem dificuldades. E basta, para isso, pensarmos que, em qualquer comunicação que façamos,
precisamos de um hardware biológico (aparelho fonador) que a suporte, de um cérebro que “decida” o que
dizer e como dizê-lo, e como fazer com que os diferentes componentes do sistema articulatório se movam
de forma sincronizada para que a produção da vasta gama de sons que constituem a fala (fonemas) se faça de
forma apropriada. Precisamos ainda de dominar um determinado código linguístico partilhado com outros
falantes (língua) para que as mensagens transmitidas contenham significado, o que implica que conheçamos
os sons da fala e as regras para os combinar (fonologia); a estrutura das palavras e a regras para as construir
(morfologia); as regras que permitem combinar as palavras em frases (sintaxe) e extrair o seu significado
(semântica); e ainda as regras que regulam o uso apropriado da linguagem em contexto (pragmática).
A linguagem é, assim, um sistema altamente complexo de símbolos arbitrários sem significado (fonemas, no
caso da linguagem oral) e de regras que especificam a forma como esses símbolos podem ser combinados
em unidades de nível superior (i.e., palavras, frases, discursos) com significado (gramática) para comunicar
e pensar. E não podemos esquecer que a aquisição desta competência tão complexa se faz de uma forma
extremamente veloz e de um modo essencialmente implícito. Mesmo antes de conseguirem somar dois
mais dois, as crianças são capazes de compreender e produzir centenas de palavras, combiná-las em frases
cada vez mais complexas, produzir diferentes tipos de enunciados, fazer questões e usar as regras linguísticas
de forma apropriada para comunicar. Por volta dos quatro/cinco anos de idade, produzem linguisticamente
a um nível muito equivalente ao de um adulto e sem que para isso tenham de ter sido “ensinadas”, o que
contrasta claramente com o que acontece no domínio da linguagem escrita, que requer um contexto formal
de ensino-aprendizagem. Portanto, por tudo isto, não será de estranhar que, embora a maioria das crianças
adquira a linguagem sem dificuldades, exista um número significativo para as quais essa aquisição se revela
442
Ana Paula Soares et al.
particularmente difícil.
O termo Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem (PDL)1 foi recentemente introduzido na
comunidade científica e de profissionais que trabalham diretamente com crianças, para caracterizar aquelas
em que a aquisição da linguagem não segue um curso “normal” e que apresentam dificuldades significativas
de linguagem e de comunicação que não podem ser atribuídas a alguma condição biomédica conhecida, como
sejam perda auditiva ou outros défcits sensoriais e/ou motores, lesões neurológicas, perturbação do foro
intelectual, ou condições de privação afetiva e/ou sócio ambiental. São, por isso, crianças que apresentam
um desenvolvimento “normal” em todas as restantes áreas de vida e em que as dificuldades de linguagem
e de comunicação são inesperadas e entendidas como decorrendo de problemas primários nos sistemas
necessários à compreensão e produção da linguagem. Mais especificamente, o termo PDL surgiu em 2017
como resultado do projeto CATALISE (Criteria and Terminology Applied to Language Impairments: Synthesising
and Evidence), liderado por Dorothy Bishop da Universidade de Oxford, que reuniu mais de 57 peritos de
diferentes nacionalidades e áreas profissionais (e.g., terapeutas da fala, psicólogos, professores, organizações
da sociedade civil) com o objetivo de alcançar um consenso quanto à melhor forma de designar e aos
critérios a adotar para identificar as crianças que, durante o período de aquisição, apresentam dificuldades
significativas de comunicação, fala e linguagem mas que permanecem subdiagnosticadas devido, em grande
medida, à heterogeneidade da terminologia usada para as identificar (ver Bishop et al., 2016, 2017). Em 2014,
por exemplo, Dorothy Bishop contabilizou a existência de mais de 130 termos em uso na língua inglesa!
De fato, embora a preocupação com estas crianças seja ancestral, atribuindo-se o relato dos primeiros
casos de crianças com dificuldades de linguagem, que poderíamos hoje associar a PDL, a Joseph Gall na
primeira metade do século XIX, ao longo da História, foram inúmeros os termos usados para designar as
crianças com dificuldades significativas de comunicação e linguagem na ausência de outros problemas que
as pudessem justificar, incluindo termos como “afasia congénita”, “surdez verbal congénita”, “agnosia auditiva
verbal congénita”, “desvio de linguagem”, “afasia desenvolvimental”, “disfasia desenvolvimental”, “atraso de
linguagem”, “dificuldade de aprendizagem de linguagem”, “dificuldades específicas de aprendizagem”, ou,
mais recentemente, “perturbação específica de linguagem” (para uma visão histórica mais alargada, ver
Leonard, 2014).Trata-se, de fato, de uma perturbação difícil diagnosticar. Na ausência de alterações cognitivas,
auditivas, neurológicas ou ambientais evidentes e de causas claras e precisas que a possam justificar, não é de
estranhar que diferentes grupos profissionais (e.g., médicos, terapeutas da fala, psicólogos), com diferentes
abordagens metodológicas e conceituais, as tenham designado de forma distinta, o que, naturalmente, acarreta
dificuldades no seu diagnóstico, no diálogo entre os diferentes profissionais e entre os diferentes profissionais
e as academias. Assim como, em última instância, que estas crianças sejam encaminhadas para serviços de
especialidade que minimizem os efeitos perniciosos que estas dificuldades têm nas próprias crianças, nas suas
famílias e na sociedade em geral.
1 Tradução livre do inglês Developmental Language Disorder (DLD; Bishop et al., 2017).
443
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
2 Tradução livre do inglês Specific Language Impairment (SLI; Leonard 1981; Fey & Leonard 1983).
444
Ana Paula Soares et al.
com perturbações de linguagem tendam a apresentar um desempenho “normal” em tarefas não-verbais que
envolvem percepção de figuras, formas e desenhos, elas tendem a apresentar um desempenho abaixo do
que seria esperado em tarefas não-verbais mais complexas que envolvem jogo simbólico, rotação mental e
teste de hipóteses, isto é, tarefas que requerem que as crianças sejam capazes de extrair uma dada regra a
partir da exposição a alguns exemplares e que sejam capazes de aplicar essa mesma regra a novas situações
(ver Leonard, 2014; ou Soares et al., 2018, 2020 para exemplos recentes). As competências verbais têm sido
assim cada vez mais entendidas como mediando o desempenho em tarefas não-verbais, pelo que, não será de
estranhar que crianças com dificuldades significativas de linguagem possam apresentar um desempenho em
algumas tarefas não-verbais abaixo daquilo que seria considerado “normal”. Desta forma, o uso estrito do
critério de QI-não-verbal ≥ 85 no diagnóstico PEL está a fazer com que, na prática, uma porção significativa
de crianças com problemas linguísticos clinicamente significativos que pontuam abaixo de 85 nas provas
de QI não-verbal, não tenha acesso a serviços especializados. A Figura 1, retirada do trabalho de Relly et al.
(2014), permite-nos ficar com uma ideia mais clara da extensão deste problema. Ela representa a distribuição
de 603 crianças americanas de oito anos de idade oriundas do estudo epidemiológico iniciado por Tomblin
et al. (1997) nos finais dos anos 90, que procurou estimar a prevalência da SLI em crianças americanas com
idade pré-escolar, atendendo ao desempenho que manifestaram numa medida composta de competências
linguísticas (que integrou o resultado obtido em diferentes provas) e o resultado obtido em provas de QI
não-verbal.
Figura 1
Distribuição de 603 Crianças de Oito anos de Idade do Estudo Epidemiológico de
Tomblin et al. (1997) em Função da Medida Compósita de Linguagem e do QI
Não-verbal (adaptado de Relly et al., 2014, p. 421).
445
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
Como se pode observar, crianças com problemas significativos de linguagem (i.e., resultados
na medida composta de linguagem abaixo 1.25 DP da média esperada para a idade) e com um QI não-
verbal inferior ao ponto de corte de 85 (quadrante inferior esquerdo na figura), representam ainda um
número bastante expressivo. A exclusão do diagnóstico de crianças que, a par dos problemas de linguagem,
apresentem também outros problemas comportamentais ou emocionais associados (ex. défcit de atenção por
hiperatividade, dislexia, dificuldades de aprendizagem, ansiedade) tem também sido cada vez mais contestada
Com efeito, a evidência empírica acumulada nos últimos anos tem revelado que muitas das
perturbações neurodesenvolvimentais coocorrem com grande frequência e que, por isso, a comorbilidade
é mais a regra do que a exceção. Por exemplo, Dyck, Piek e Patrick (2011), em um estudo recente que
procurou testar até que ponto crianças com perturbações de coordenação motora e crianças com
perturbação de linguagem se diferenciavam de outras crianças que manifestavam outras perturbações
neurodesenvolvimentais (e.g., perturbação do espectro do autista, défcit de atenção por hiperatividade,
perturbação do desenvolvimento intelectual), recorrendo a diversas medidas de QI verbal e não-verbal,
mostrou que crianças com perturbação de coordenação motora e crianças com perturbação de linguagem
só se diferenciavam de forma significativa de crianças com perturbação do desenvolvimento intelectual e
não das crianças que manifestavam os outros tipos de perturbações. Os resultados sugeriram assim que,
com exceção da perturbação intelectual, não parecem existir fronteiras claras que permitam distinguir as
perturbações neurodesenvolvimentais e que, por isso, negar o acesso a serviços especializados a crianças
que, a par das dificuldades significativas de linguagem, apresentem outras perturbações concomitantes de
índole comportamental e/ou emocional, só contribui para perpetuar e/ou agudizar as suas dificuldades.
Por tudo isto, em 2017, no âmbito do projeto CATALISE, propôs-se que o termo SLI fosse
substituído pelo termo PDL, procurando, assim, marcar, na comunidade científica e de profissionais que
trabalham diretamente com as crianças (e.g., médicos, terapeutas da fala, psicólogos), a adoção de uma
visão mais alargada e inclusiva das crianças com dificuldades significativas de comunicação e linguagem
que precisam de intervenção. A Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala (SPTF) não ficou alheia a
estas recomendações e, em setembro de 2018, propôs que os seus profissionais adotassem esta nova
designação.
O termo PDL é usado na atualidade para designar crianças que apresentam dificuldades significativas
de produção e/ou compreensão de linguagem que interferem com o seu funcionamento no dia-a-dia e
que não revelem sinais de remissão (i.e., que se revelem persistentes). Embora o conhecimento acerca do
impacto que as dificuldades precoces de comunicação e linguagem têm no desenvolvimento linguístico e
não-linguístico posterior seja limitado, devido, em grande medida, à escassez de estudos longitudinais, os
446
Ana Paula Soares et al.
indicadores disponíveis sugerem que, quanto maior for o número de áreas linguísticas afetadas (e.g., fonologia,
morfologia, semântica, sintaxe, pragmática), maior a probabilidade de os problemas persistirem e impactarem
de forma negativa outras áreas de funcionamento. Crianças com PDL tendem a apresentar uma panóplia de
problemas linguísticos que incluem, tipicamente, dificuldades ao nível da percepção e/ou produção dos sons da
fala, problemas ao nível da combinação adequada das palavras em frases, (e.g., uso de plurais, tempos verbais),
dificuldades na compreensão de palavras, frases e narrativas (histórias), de fluência verbal (i.e., dificuldades
na “procura” de palavras no léxico mental), e de uso apropriado da linguagem em contexto (i.e., dificuldades
em compreender significados não-literais e na interpretação das intenções/necessidades comunicativas dos
outros), ao que se soma, frequentemente, problemas ao nível da retenção de informação verbal (memória
verbal). Em qualquer caso, independentemente do número de áreas afetadas, problemas de compreensão
tendem a associar-se a pior prognóstico do que problemas de produção. Dificuldades restritas à área da
fonologia expressiva associam-se habitualmente a um melhor prognóstico e devem ser diagnosticadas como
“perturbação dos sons da fala”, exceto se os problemas persistirem para lá dos cinco anos idade, o que
parece indiciar a existência de problemas mais pervasivos de linguagem. História familiar de problemas de fala,
de linguagem e/ou de leitura e escrita, baixo nível sociocultural, fraca “responsividade” social, problemas na
comunicação não-verbal e ser do sexo masculino, constituem também fatores de risco adicional. Quando os
problemas de linguagem estão associados a alguma condição biomédica de diferenciação (e.g., perda auditiva,
lesão cerebral, condições neurodegenerativas, condições genéticas como síndrome de Down, paralisia cerebral,
perturbação do espectro autista ou perturbação do desenvolvimento intelectual), o diagnóstico de PDL não
deve ser atribuído. Nestes casos, deve usar-se o termo perturbação de linguagem associada à condição
biomédica apresentada. Por exemplo, no caso da síndrome de Down, perturbação de linguagem associada a
síndrome de Down ou, no caso da perturbação do espectro autista, perturbação de linguagem associada à
perturbação do especto autista. A discrepância entre QI verbal e não-verbal deixa também de ser requerida
para o diagnóstico de PDL, ainda que, a crianças que apresentem um QI não-verbal ≤ 70, deva ser atribuído o
diagnóstico de perturbação de linguagem associada a perturbação do desenvolvimento intelectual. Problemas nos
domínios comportamental, motor e afetivo (e.g., défcit de atenção por hiperatividade, dislexia, dificuldades
de aprendizagem, problemas emocionais) podem coocorrer com PDL, não sendo assim também fator de
exclusão. Em todo o caso, convém assinalar que estas perturbações “adicionais” devem ser entendidas como
consequência da PDL e não como problemas primários que subjazem à PDL. Nesta nova concepção, a PDL
está inserida dentro de uma ampla categoria que abrange todo um conjunto de problemas/dificuldades que
afetam a fala, a linguagem e a comunicação, como pode ser apreciado na Figura 2 adaptada de Bishop et al.
(2017). A grande preocupação é que, apesar de as crianças com PDL constituírem apenas um subgrupo das
crianças com problemas significativos de produção e/ou compreensão da linguagem, todas as que apresentam
problemas significativos de linguagem, independentemente do tipo de problema e da sua etiologia, devam ser
alvo de preocupação e de intervenção.
447
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
Figura 2
Distribuição das Per turbações de Linguagem no seio das Dificuldades de Fala,
Linguagem e Comunicação (adaptado de Bishop et al., 2017, p. 1076).
Em Portugal, embora não disponhamos de dados de prevalência, estima-se que cerca de 7-10% das
crianças em idade pré-escolar apresentem dificuldades significativas na aquisição e no desenvolvimento
da linguagem (e.g., Norbury et al., 2016; Tomblin et al., 1997), o que torna a PDL numa das perturbações
neurodesenvolvimentais mais prevalentes, da qual, paradoxalmente, pouco ou nada ouvimos falar. Tanto quanto
sabemos a circunstância no Brasil é similar. E é importante notar que, apesar de globalmente desvalorizadas
pela sociedade em geral, estas dificuldades, quando não tratadas, têm um impacto muito negativo não só na
vida dessas crianças e das suas famílias, mas na sociedade em geral. Evidência recente mostra que crianças
com perturbações de linguagem apresentam um risco significativamente maior de desenvolver problemas
de aprendizagem de leitura e da escrita que concorrem fortemente para o seu insucesso escolar e para
dificuldades acrescidas de inserção socioprofissional (e.g., Botting et al., 2006; Catts et al., 2002, 2008; Conti-
Ramsden et al., 2012; Johnson et al., 2010; Tomblin et al., 2000). Interessa, por isso, partilhar conhecimentos,
formar e sensibilizar os profissionais que trabalham diretamente com estas crianças e a comunidade em
geral para esta perturbação. A escola e os profissionais de educação assumem aqui um papel crucial. Eles
são, não raras vezes, os primeiros profissionais a depararem-se com as dificuldades destas crianças e a serem
chamados a dar respostas educativas adequadas à sua resolução. Com efeito, é bom lembrar que mesmo
que não sinalizadas e/ou intervencionadas, estas crianças entram e frequentam atualmente as nossas escolas,
contribuindo certamente para avolumar o número de casos de insucesso escolar com os quais os professores
não sabem como lidar.
No ponto seguinte deste capítulo, fazemos algumas reflexões sobre as (des)continuidades entre
problemas de linguagem e problemas de leitura e escrita, que auxiliem as escolas e os profissionais de
educação a identificar estas crianças e a desenvolver respostas educativas adequadas, que contribuam não só
para ajudar as crianças com PDL a ultrapassar as suas dificuldades mas, sobretudo, para criar as condições
448
Ana Paula Soares et al.
necessárias para que a aprendizagem da leitura e da escrita, e as aprendizagens escolares de uma forma geral,
se faça sem percalços adicionais.
Aprender a ler e a escrever constitui outro dos grandes desafios com os quais as crianças que entram
na escola são confrontadas. Com efeito, embora o acesso ao conhecimento se faça hoje a partir do uso de
múltiplas plataformas, nomeadamente de natureza audiovisual, é importante notar que a palavra escrita continua
a ser o veículo privilegiado de transmissão de conhecimentos e de aquisição e avaliação das aprendizagens em
contexto escolar. Ler e escrever de forma eficiente é, por isso, uma atividade crucial, pelo que, dificuldades
no domínio destas competências acarretam problemas significativos de aprendizagem e de sucesso escolar.
O processo de aprendizagem a partir do qual o domínio destas competências é conseguido designa-se
habitualmente por alfabetização. Contudo, convém salientar que, embora o processo de alfabetização esteja
mais diretamente relacionado com a linguagem escrita, este encontra as suas fundações na linguagem oral,
existindo mesmo autores que definem a alfabetização de forma mais ampla como o domínio da linguagem
falada e da leitura e escrita (e.g., Garton & Pratt, 1998). Com efeito, em línguas alfabéticas como o português,
onde as letras (grafemas) procuram representar os sons da fala (segmentos ou fonemas), a linguagem escrita
surge na continuidade da linguagem oral assumindo-se como um segundo sistema de sinais. Não é por isso
de admirar que a qualidade do desenvolvimento da linguagem oral apresentada pelas crianças à entrada
na escolaridade seja um dos melhores preditores do sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita e,
consequentemente, que a entrada na escolaridade de crianças que à partida apresentam défcits nessas
competências nos deva preocupar.
Especificamente, a investigação que se tem debruçado sobre que competências da linguagem oral são
melhores preditores do desempenho na linguagem escrita mostra que o tamanho do vocabulário receptivo
e expressivo dominado pela criança (i.e., número de palavras que a criança conhece e/ou produz), as suas
capacidades para usar de forma adequada as regras de formação e de combinação de palavras em frases
(conhecimento morfossintático), para analisar e manipular os segmentos fonológicos das palavras ao nível
silábico e fonémico (competências metalinguísticas) e para reconhecer letras e nomear símbolos familiares
(e.g., dígitos, letras, cores) de forma rápida e precisa, são das competências que mais se associam ao sucesso
no processo de alfabetização (e.g., Ehri et al., 2001 Goswami, 2000; Hulme et al., 2002; Lervåg et al., 2018;
Snowling & Hulme, 2011). Crianças com PDL apresentam, por isso, um risco cinco a seis vezes maior de
revelarem problemas significativos de leitura e escrita (dislexia), problemas esses que, frequentemente,
persistem durante toda a escolaridade afetando as suas vidas a nível social, escolar e profissional (e.g., Botting
et al., 2006; Catts et al., 2002, 2008; Conti-Ramsden et al., 2012; Snowling et al., 2016; Snowling, Nash et al.,
2019; Tomblin et al., 2000).
449
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
À semelhança da PDL, a dislexia é também uma perturbação da linguagem (na modalidade escrita) sem
causa aparente, cujo diagnóstico se realiza, basicamente, pela verificação dos mesmos critérios de exclusão da
PDL (i.e., dificuldades inesperadas de leitura e escrita, QI não-verbal normal, oportunidades de aprendizagem
adequadas, ausência de défcits sensoriais que possam estar na base dessas dificuldades), e que atinge um
número similar (7-10%) de crianças em idade escolar (e.g., Snowling, 2000; Snowling & Hulme, 2012;Vellutino
et al., 2004; ver também o capítulo de Araújo neste volume). Esta sobreposição levou, inclusivamente, alguns
autores a sugerirem que a PDL e a dislexia deveriam ser entendidas, em um contínuo, como variantes da
mesma síndrome neuro-desenvolvimental (e.g., Catts, 1991; Kamhi & Catts, 1986; Tallal et al., 1997), e que
termos como perturbação de aprendizagem da linguagem3 deveriam ser adotados para designar crianças com
problemas de linguagem oral e/ou escrita, entendidas em um todo global.
Muitos dos estudos desenvolvidos sobre como crianças com e sem perturbações na linguagem
aprendem a ler e a escrever quando entram na escolaridade, baseiam-se em um modelo de leitura que
considera que esta envolve dois subcomponentes principais: a decodificação e a compreensão oral (Gough
& Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990). A decodificação é o processo inicial que envolve a capacidade
para reconhecer palavras, isto é, a capacidade para transformar as representações gráficas das letras na
sua unidade correspondente do léxico mental, usando, numa etapa inicial, as regras de conversão grafema-
fonema que permitem a recuperação da representação fonológica da palavra armazenada no léxico mental
para acessar ao seu significado, a que se segue o uso de uma estratégia mais ortográfica em que a criança
é capaz de reconhecer o significado das palavras de forma mais direta sem a necessidade de mediação
fonológica (ver capítulo de Alves Martins neste volume). O segundo, envolve a compreensão oral, entendida
como a capacidade para utilizar informação léxico-semântica das palavras para construir significados ao
nível da frase, texto ou discurso, fundamental à obtenção de conhecimento e à aprendizagem de uma
forma geral. Dificuldades de leitura podem emergir assim de problemas tanto ao nível dos processos de
decodificação como ao nível da compreensão, ambos entendidos como essenciais ao desenvolvimento de
uma competência leitora proficiente. Problemas ao nível da decodificação tendem a ser observados em
etapas mais precoces da aprendizagem da leitura e escrita, e estar mais associados a problemas de natureza
fonológica, ao passo que problemas de compreensão podem manter-se relativamente “camuflados” e
ser apenas observados em etapas mais avançadas da escolaridade, quando os textos se tornam mais
complexos e exigentes do ponto de vista interpretativo, estando, por isso, mais dependentes de fatores
lexicais, gramaticais e semânticos (e.g., Bishop & Snowling, 2004; Nation & Norbury, 2005; Nation et al.,
2004; Snowling, Nash et al., 2019). Nesta conceitualização, os problemas de leitura exibidos pelas crianças
com dislexia são entendidos como decorrendo de problemas ao nível da decodificação na ausência de
problemas significativos de compreensão, o que é consistente com a visão dominante na literatura de que
3 Tradução livre do inglês Language Learning Impairment (LLI; Tallal et al., 1997).
450
Ana Paula Soares et al.
o marcador cardinal desta perturbação são os défcits ao nível do processamento fonológico, tal como
evidenciados por desempenhos abaixo da média em tarefas que envolvem a manipulação de fonemas ou
sílabas, a repetição de números ou pseudopalavras (i.e., palavras inexistentes na língua mas que respeitam
todas as suas regras orto e fonotáticas) e a nomeação rápida de itens familiares (e.g., Snowling & Hulme,
2012; Snowling, Hayiou-Thomas et al., 2019; Snowling, Nash et al., 2019; Vellutino et al., 2004). Problemas
ao nível da compreensão na ausência de problemas de decodificação são entendidos como associados a
um perfil designado por compreensão leitora pobre4, ao passo que problemas que ocorrem simultaneamente
nos processos de decodificação e de compreensão são entendidos como refletindo um padrão misto de
dificuldades de leitura (e.g., Adlof & Catts, 2015; Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990; Nation et
al., 2004, 2010).
Dado que muitas crianças com perturbações de linguagem apresentam défcits fonológicos
similares aos exibidos por crianças com dislexia, que, em grande parte dos casos, se associam também a
problemas linguísticos mais alargados ao nível lexical, morfossintático e semântico, não será de admirar
que crianças com PDL apresentem um desempenho em tarefas de decodificação e de compreensão abaixo
do observado junto dos seus grupos de pares com desenvolvimento típico de linguagem (e.g., Botting
et al., 2006; Snowling, Hayiou-Thomas et al., 2019). Em todo o caso, convém salientar que, embora a
maioria dos estudos mostre que crianças com diagnóstico de PDL revelam problemas significativos de
decodificação e de compreensão que comprometem a leitura e as suas aprendizagens escolares, evidência
recente mostra também que uma parte significativa dessas crianças consegue ler palavras, escapando
assim um pouco mais “ilesas” à prova de fogo de aprender a ler e a escrever quando do seu ingresso na
escolaridade (e.g., Bishop et al., 2009; Catts et al., 2002, 2005; Fraser et al., 2010; Kelso et al., 2007; Ramus
et al., 2013; Snowling, Hayiou-Thomas et al., 2019; Snowling, Nash et al., 2019). Por exemplo Catts et al.
(2002), em um dos primeiros estudos longitudinais que seguiu crianças do pré-escolar diagnosticadas
com PDL do estudo epidemiológico de Tomblin et al. (1997), mostraram que, embora as crianças com
diagnóstico de PDL apresentassem pior desempenho do que crianças sem perturbação de linguagem em
medidas de reconhecimento de palavras e de compreensão quando avaliadas no segundo e quarto anos de
escolaridade, apenas cerca de 40% dessas crianças preenchia os requisitos para dislexia.Além disso, a análise
do perfil de competências exibido por crianças que apresentavam apenas PDL, que apresentavam apenas
dislexia e que apresentavam simultaneamente PDL e dislexia, nesse e em outros estudos (e.g., Bishop et
al., 2009; Catts et al., 2005; Fraser et al., 2010; Kelso et al., 2007; McArthur & Castles, 2013; Ramus et al.,
2013; Snowling, Hayiou-Thomas et al., 2019; Snowling, Nash et al., 2019), tem relevado que crianças com
PDL tendem a apresentar essencialmente problemas de natureza lexical, morfossintática e semântica (i.e.,
vocabulário pobre, compreensão limitada de frases e textos, dificuldades na realização de inferências) que
4 Tradução livre do inglês Poor comprehenders (Gough & Tunmer, 1986; Hoover & Gough, 1990).
451
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
comprometem o seu desempenho em tarefas de compreensão, mas que, em tarefas de natureza fonológica
(i.e., em tarefas que envolvem a manipulação de fonemas e sílabas, repetição de pseudopalavras e nomeação
rápida de itens familiares), o seu desempenho se encontra menos comprometido do que tipicamente
observado em crianças que apresentam dislexia. Um dado curioso desses estudos é que, embora a ausência
de défcits fonológicos significativos nas crianças com PDL pareça funcionar como um fator protetor do
desenvolvimento de dislexia, a análise detalhada do desempenho fonológico das crianças com PDL, parece
indicar que as estas crianças terão tanta mais probabilidade de desenvolver dislexia quanto maiores forem
as suas dificuldades em tarefas de repetição de pseudopalavras e de nomeação rápida de itens familiares,
que se têm assumido como marcadores importantes na detecção precoce das crianças com PDL que virão
a desenvolver também problemas significativos de leitura e escrita (i.e., dislexia) quando da sua entrada na
escolaridade.
Os resultados de todos estes estudos têm, assim, dado apoio à visão de que a PDL e a dislexia
devem ser entendidas como perturbações distintas, ainda que possam coocorrer com bastante frequência.
A Figura 3, adaptada de um trabalho recente de Adlof e Hogan (2018) procura apresentar a distribuição
destas perturbações em função do grau em que as competências fonológicas e linguísticas mais gerais
(que incluem aspectos de natureza lexical, sintática e semântica) podem, ou não, estar comprometidas,
baseando-se na proposta introduzida por Bishop e Snowling (2004).
Figura 3
Distribuição das Per turbações de Linguagem em Função do Comprometimento
das Competências Linguísticas Fonológicas e Não-Fonológicas
(adaptado de Adlof & Hogan, 2018, p. 766).
Como pode ser observado na Figura 3, PDL e dislexia são entendidas como perturbações distintas
que emergem de défcits diferentes. A dislexia é caracterizada por défcits de natureza fonológica na ausência de
problemas significativos de compreensão (quadrante superior esquerdo) e a PDL por défcits nas competências
452
Ana Paula Soares et al.
linguísticas mais gerais na ausência de problemas fonológicos significativos (quadrante inferior direito). Quando
as crianças apresentam simultaneamente défcits fonológicos e não-fonológicos, indiciadores de problemas mais
graves, as duas perturbações coexistem (quadrante inferior esquerdo). As crianças com compreensão leitora
pobre (quadrante superior direito), que têm sido alvo de menos investigação, apresentam habitualmente
competências de decodificação adequadas para a sua idade e défcits moderados de vocabulário, gramática e
semântica, o que as distingue quer das crianças com desenvolvimento típico de linguagem e de leitura (parte
superior do quadrante superior direito),quer das crianças com PDL cujos problemas de compreensão apresentam,
tipicamente, maior severidade (e.g., Adlof & Catts, 2015; Catts et al., 2005, 2008; Nation et al., 2004, 2010).
Em qualquer caso, convém salientar que, ainda que estes estudos indiquem que algumas das crianças com
PDL consigam escapar à consequência inexorável de desenvolver dislexia quando entram na escolaridade,
é importante enfatizar que elas tendem a apresentar problemas de compreensão que podem passar
despercebidos, sobretudo em etapas iniciais, mas que não deverão ser esquecidos, dado estarem fortemente
associados a problemas de aprendizagem e de insucesso escolar. Com efeito, se, numa etapa inicial, as crianças
estão na escola para aprender a ler, rapidamente devem ser capazes de ler para aprender, ingrediente essencial à
aprendizagem e ao sucesso escolar. Importa, por isso, desenvolver respostas educativas globais que promovam
competências de comunicação e de linguagem, e não apenas atividades centradas no desenvolvimento de
competências de processamento fonológico promotoras de maior sucesso nas tarefas de decodificação.
Proporcionar ambientes educativos que estimulem estas capacidades parece-nos, por isso, essencial.
O que Fazer?
453
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
A nível fonológico, aos 6 anos, as crianças devem apresentar um inventário de sons completo,
produzindo-os nas diferentes estruturas silábicas, em palavras polissilábicas, em diferentes posições na
palavra e em sílabas tónicas e átonas (e.g., Lousada et al., 2012; Ramalho, 2017). Como consequência, a sua
inteligibilidade é elevada mesmo para pessoas não familiares (Lousada et al., 2019). A nível semântico, é
esperado que as crianças apresentem um vocabulário passivo (aproximadamente 14000 palavras) e ativo
(cerca de 6000 palavras) diversificado (Peccei, 2006), o qual se deve desenvolver ao longo do período escolar.
No que respeita ao nível morfossintático, as crianças devem ser capazes de compreender e produzir frases
simples e complexas (coordenadas e algumas subordinadas), utilizar flexões nominais e verbais; utilizar os
diferentes constituintes, sendo que os erros gramaticais já não são esperados (e.g., Paul, 2001; Sim-Sim et al.,
2008; Mendes et al., 2014). Existem também estruturas de aquisição tardia, que, usualmente emergem durante
o primeiro ciclo, nomeadamente, as frases relativas, em particular, as relativas de objeto, como “A menina que
a senhora observa” (Costa et al. 2011) e as frases passivas “O crocodilo foi perseguido pelo jacaré” (Sim-Sim,
1998).
A nível pragmático aos 6 anos as crianças devem ser capazes de dar informações (e.g., “O João está
doente”); dar instruções aos colegas (e.g., “Todos calados!”); estabelecer regras (e.g., “Não se interrompe a
professora!”); negociar e pedir (e.g., “Só mais uma bolacha”, “Só meia”); expressar diferentes sentimentos/
emoções (e.g., “Estou triste porque...”); estabelecer opiniões (e.g., “Eu gosto mais do cor-de-rosa”); insultar e
ameaçar (e.g., “tótó!”, “Assim não vais à minha festa de anos!”); devem compreender alguns pedidos indiretos
(e.g., “Estamos a ficar atrasados!”); o sentido não literal de algumas palavras e expressões (e.g., “Consegues
fazer o trabalho com uma perna às costas”) e ser capazes de iniciar e manter uma conversa fluente durante
alguns turnos de conversação (ver Paul, 2001; Dewart & Summers, 1995; Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008).
No início da idade escolar, a criança deve apresentar não só um conhecimento implícito sólido para
produzir e compreender diferentes enunciados, mas também consciência linguística, ou seja, a capacidade
de refletir sobre as estruturas da sua língua materna, especificamente, de identificar e manipular unidades
linguísticas de forma deliberada (e.g., Duarte, 2008; Gombert 1992). Concretamente ao nível da consciência
fonológica, crianças do 1º ano devem conseguir segmentar palavras em sílabas (sendo que a estrutura silábica é
uma variável que influencia esta competência), identificar e associar palavras com o mesmo som inicial.Todavia,
na tarefa de segmentação de palavras em segmentos, podem revelar dificuldades (Afonso, 2015; Cadório &
Lousada, 2015). No que respeita à consciência morfossintática, é esperado que, nesta fase, comecem a ser
capazes de detectar e corrigir frases agramaticais (e.g., Cadório & Lousada, 2015; Sim-Sim, 1997). Do ponto
de vista da consciência semântica, devem começar também a ser capazes de identificar absurdos semânticos
(e.g., Cadório & Lousada, 2015) e de definir uma palavra, indicando a categoria gramatical e descrevendo
454
Ana Paula Soares et al.
algumas das suas características, sendo que esta competência se deve desenvolver de forma significativa
durante todo o primeiro ciclo (Sim-Sim, 1997).
A identificação precoce das crianças que apresentem níveis de desenvolvimento linguístico
substancialmente abaixo daquilo que foi apresentado devem ser alvo de preocupação. No Quadro 1 são
apresentados os principais sinais de alerta que devem orientar os educadores e os professores na identificação
de crianças que, à partida, apresentam indicadores sugestivos de dificuldades significativas na aprendizagem da
leitura e da escrita com impacto no seu sucesso escolar.
Quadro 1
Sinais de Aler ta do Desenvolvimento Linguístico das Crianças à Entrada
da Escolaridade Obrigatória
455
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
Para uma avaliação mais precisa das dificuldades linguísticas que as crianças podem apresentar, os
profissionais de educação e de saúde podem recorrer também à aplicação de instrumentos de rastreio
disponíveis de forma a identificar crianças que possam beneficiar de apoios adicionais. Para o Português
Europeu, estão disponíveis diversos instrumentos de avaliação validados (Viana et al., 2017). Entre eles,
salienta-se para o português europeu a prova de rastreio RALF (Rastreio de Linguagem e Fala; Mendes et
al., 2015) para crianças entre os 3 e os 6 anos de idade, o qual pode ser aplicado por todos os profissionais
de educação, sendo que permite avaliar competências de compreensão auditiva (e.g., compreensão de frases
complexas), expressão verbal oral (e.g., utilização de verbos), metalinguagem (e.g., identificação de palavras
com igual sílaba final) e fonético-fonológicas (e.g., sons em determinadas estruturas silábicas). Está ainda
disponível a versão portuguesa da Escala de Inteligibilidade em Contexto (McLeod, Harrison & McCormack,
2012), que foi recentemente validada para crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e 11 meses
e os 6 anos e 2 meses (Lousada et al., 2019), podendo também ser usada como instrumento de rastreio da
inteligibilidade da fala da à entrada da escolaridade.
Para o português do Brasil, uma revisão sistemática recente conduzida por Lindau et al. (2015)
concluiu que existem alguns instrumentos validados para a avaliação em fonoaudiologia, contudo apenas
estão disponíveis para uso clínico: o Teste de Linguagem Infantil – ABFW (Andrade et al., 2000, 2004), para
crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 12 anos de idade, e o PODCLE-r (Protocolo para
Observação do Desenvolvimento Cognitivo e de Linguagem Expressiva - versão revista; Flabiano et al., 2009).
Este último, permite avaliar o desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva na faixa etária dos 0
aos 7 anos e está disponível em acesso livre. A versão do português do Brasil da Escala de Inteligibilidade
em Contexto (McLeod, Harrison & McCormack, 2012b) encontra-se também disponível para uso clínico e
educacional, em acesso livre. No que se refere à avaliação de competências de pré-literacia, a ASHA (2019)
recomenda que se investiguem aspectos relacionados não apenas com o desenvolvimento linguístico (aspectos
de consciência fonológica, além da avaliação compreensiva e expressiva), mas também aspectos relacionados
com a consciência gráfica (desenvolvimento e fases evolutivas da escrita, contato com materiais de escrita
e nível de representação linguística existente nas produções escritas da criança). Encontram-se também
disponíveis para avaliação da fluência e compreensão da leitura, algumas provas publicadas em livro, de que
são exemplo para o português Europeu, o TIL (Teste de Idade de Leitura, Castro & Santos, 2010) que avalia a
compreensão leitora (pode ser aplicado em contexto de turma pelo professor) e a PAFL (Prova de Avaliação
da Fluência de Leitura; Esteves, 2013).
456
Ana Paula Soares et al.
A avaliação deve permitir a coleta de informação relevante que deve orientar os educadores e os
professores no planejamento de atividades que visem responder, de forma apropriada, às necessidades
educativas específicas apresentadas por cada criança. Embora estas possam ser variadas, apresentamos
de seguida algumas propostas e estratégias para uso em contexto pedagógico, em torno dos diferentes
componentes que integram o sistema linguístico antes mencionados, i.e., os sons da fala e as regras para
os combinar (fonologia); a estrutura das palavras e a regras para as construir (morfologia); as regras que
permitem combinar as palavras em frases (sintaxe) e extrair o seu significado (semântica); e ainda as regras
que regulam o uso apropriado da linguagem em contexto (pragmática).
A consciência fonológica, como referimos, é a capacidade para refletir, manipular e operar com os
sons da língua e com as regras que os regem na interação com a estrutura em que estão incluídos, a estrutura
prosódica da língua. Consideram-se diferentes níveis nesta competência que incluem a consciência silábica,
a consciência intrassilábica, e a consciência segmental (ou fonêmica, de cordo com vários autores), sendo
habitualmente consideradas tarefas que envolvem outras variáveis, a saber: consciência de palavra, consciência
silábica, segmental, intrassilábica e acentual (Freitas et al., 2007). Em última instância competências a este nível
permitem que a criança domine o léxico associado ao conhecimento que lhes está a ser transmitido. Assim,
e de forma a facilitar o acesso a este conhecimento, propõe-se que se use um código (que recorre a linhas,
formas geométricas e cor), que facilite o entendimento das unidades linguísticas trabalhadas (frase, palavra,
sílaba, sons) (ver Figura 4).
Figura 4
Exemplo de um Código a Usar nas Atividades de Consciência Fonológica.
457
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
5 Consultar apêndice 1, onde se ilustra a estrutura a estrutura interna da sílaba para o português à luz do modelo Ataque-Rima (Mateus &
Andrade, 2000; Mateus et al, 2003, 2005)
458
Ana Paula Soares et al.
Quadro 2
Exemplos de Palavras com Diferentes Estruturas Silábicas.
Quadro 3
Exemplos de Palavras com Diferentes Extensões Silábicas.
Quadro 4
Exemplos de Palavras com Sílabas em Diferentes Posições na Palavra.
459
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
Apresentar as palavras selecionadas às crianças (oralmente ou com recurso a imagens) e levar a criança a
nomear cada sílaba, nas diferentes posições da palavra. O educador ou professor pode recorrer a várias
palavras de um texto trabalhado em contexto de sala de aula. Por exemplo, pode iniciar a atividade dizendo o
seguinte à criança “Vamos ver os ‘nomes’” de cada sílaba”; e de seguida questioná-la “Qual a primeira sílaba de...?”/
“Qual a última sílaba de...?”. Pode também questioná-la acerca da manipulação de sílabas para formar palavras:
“Se eu juntar [ka] (“cá”) com [tu] (“to”), obtenho a palavra…. [‘katu] (<cato>)”;
Consciência Segmental. A consciência segmental é condição sine qua non para a aquisição do
princípio alfabético, sendo, por isso, a identificação de segmento (fonema, de acordo com alguns autores)
indicada como bom preditor de leitura. Para estimular a consciência segmental, os educadores e professores
podem desenvolver a seguinte atividade.
Atividade 3: Por que som Começa??? Pedir à criança que identifique e nomeie o primeiro som de
várias palavras apresentadas. É importante variar a consoante e vogal inicial. Usar palavras de um alfabeto
ilustrado ou os nomes dos meninos da turma, e questionar as crianças: ”Por que som começam as palavras...
‘Batata’?” - se a criança dizer [bɐ], reforçar dizendo que a sílaba [bɐ] tem dois sons: [b] e [ɐ]; e continuar a
questioná-la com: “Se eu tirar o [ɐ], fica só o ...”).Poderá também recorrer à atividade seguinte:
Atividade 4: Discriminar Palavras com Sons “Parecidos”. Pedir à criança que, perante palavras que
diferem quanto ao traço de vozeamento: [f]/[v], [s]/[z], [∫]/[ʒ], [p]/[b], [t]/[d], [k]/[g] como em faca/vaca; caça/
casa; queijo/queixo; pata/bata; tia/dia; cola/gola, e que identifiquem a palavra alvo. Por exemplo, mostrar as
imagens dos pares “faca” e “vaca” e perguntar: “Onde está a faca?”.
Consciência Intrassilábica. A sílaba tem uma estrutura interna e esta está associada a uma maior
ou menor complexidade. Usamos como referência o modelo Ataque-Rima (ver Figura 5), representativo da
estrutura silábica em Português Europeu (Mateus & Andrade, 2000).
Figura 5
Representação da Estrutura Silábica do Português e Possibilidades de Estruturas Silábicas em Função dos
seus Constituintes (Modelo Ataque-Rima, Mateus et al., 2005; Lamprecht et al., 2004)
460
Ana Paula Soares et al.
461
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
(de natureza enciclopédica e linguística), de forma a amplificar o conhecimento da criança sobre as mesmas.
Pode iniciar esta tarefa a partir de uma palavra conhecida dos alunos (ver Figura 7).
Figura 7
Modelo para a Atividade “Palavras difíceis”
462
Ana Paula Soares et al.
na voz passiva como antes referido, são muitas vezes processadas com bastante dificuldade pelas crianças,
apesar de surgirem com frequência em enunciados escritos e em discurso formal dirigido às crianças.6 Para
estimular a compreensão, a produção e consciência morfossintática, os educadores e professores podem
desenvolver atividades como as que de seguida propomos.
Atividade 9: Reconhecimento de Frases Agramaticais. Apresentar as frases à criança e pedir-lhe que se
pronuncie sobre a sua correção, justificando a mesma. Quando a criança não encontrar qualquer incorreção,
orientá-la no sentido de compreender porque é que a mesma não é possível. Dever-se-ão manipular estruturas
problemáticas (e.g. relativas de objeto, passivas, interrogativas). Por exemplo, dizer à criança: “Agora vais ser
tu o professor e vais dizer-me se achas que estas frases estão certas ou erradas e se não estiverem certas vais
corrigi-las: Os amigos foi à praia no fim-de-semana.; Afinal, o Joaquim não foi-se embora.; A meninas gostaram do cinema;
A menina a Catarina conheceu é muito simpática.; O rato foi apanhado o gato.
Atividade 10: Palavras em Falta. Apresentar as frases à criança (oralmente ou a criança pode lê-
las autonomamente) e procurar a palavra em falta. São sugeridos alguns alvos, mas o educador/professor
pode (e deve) replicar a atividade com outras frases. Por exemplo, pode começar por dizer: “Qual a
palavra que deve ser adicionada para completar a frase: A Amélia ficou contente _________viu os seus primos”.
Pode reforçar-se a atividade referindo-se que a frase complexa deriva de duas frases simples (“A Amélia ficou
contente.” e “A Amélia viu os seus primos.”, então, “A Amélia ficou contente porque viu os seus primos.”). Utilização de
conjunções coordenativas e subordinativas em frases complexas. “O Francisco quer comer um gelado __________
a Maria quer beber sumo.”; “O Diogo quer jantar ___________ainda é muito cedo.” (mas/ e/ porque/ que/quando).
A pragmática refere-se, como vimos, ao sistema de regras que sustenta o uso comunicativo da
linguagem. A reflexão sobre as regras que regem o uso da língua nos diversos contextos não é muitas
vezes imediata para crianças que apresentem alterações linguísticas como PDL, podendo revelar dificuldades
significativas em inferir, em compreender segundos sentidos, humor ou até mesmo em perceber mecanismos
básicos da comunicação humana (esperar pela sua vez para falar ou falar de assuntos que não interessam
aos outros). Importa por isso que educadores e professores possam desenvolver atividades que estimulem
competência a este nível7.
Atividade 11: Sentido não Literal. Podem usar-se provérbios ou expressões idiomáticas conhecidas/
usadas na região de onde a criança provém. Apresentar o(s) provérbio(s) e falar sobre o segundo sentido
que estes têm e que os mesmos podem ser aplicados a determinadas situações, explicitando-as. Distinguir
6 Algumas destas estruturas são inclusive marcadores clínicos associados a determinados diagnósticos na área da linguagem.
7 Encontra-se em desenvolvimento, para o português europeu, um programa de intervenção para idade escolar, o PICP (Silva, 2019) que integra várias
atividades que visam estimular diversas competências pragmáticas verbais e não verbais, como as expressões faciais, características prosódicas, funções
comunicativas, conversação, realização de inferências e compreensão não literal.
463
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
a compreensão literal da inferencial, associando-os a situações específicas ou a histórias. Por exemplo, pedir
à criança que reflita sobre a expressão ‘Fazes o trabalho com uma perna às costas’, podendo dar-se algumas
opções de resposta ‘O que achas que isto quer dizer? Achas que o trabalho é complicado ou fácil?’
Atividade 12: Máximas Conversacionais. Pretende-se que a criança reflita sobre as máximas
conversacionais de relevância, modo, qualidade e quantidade da informação a transmitir no diálogo. Para
isso sugere-se que os educadores ou professores solicitem à criança que crie situações comunicativas
através de banda desenhada ou descrição da situação comunicativa. Por exemplo, representar uma
situação em que o pai está atrasado para o trabalho a olhar para o relógio. O filho, para pedir ao pai
dinheiro para comprar um gelado na escola, dá demasiadas informações desnecessárias e irrelevantes face
à situação comunicativa. Nas situações comunicativas apresentadas, a criança deve pronunciar-se sobre o
desempenho comunicativo desse interlocutor (neste caso, o filho), refletindo sobre: (i) a quantidade da
informação transmitida: suficiente, insuficiente ou em excesso, tendo em conta a situação; (ii) a qualidade
da informação: informação é real/verdadeira, adequada à situação, demasiado fantasiosa, revela confabulação,
é falsa ou duvidosa; (iii) o modo como a informação é transmitida: a informação é transmitida de forma
clara, direta ou é necessário fazer inferências desnecessárias, face à situação?; e (iv) a relevância da
informação transmitida: a informação é pertinente, face à situação em que os interlocutores se encontram?
464
Ana Paula Soares et al.
Recomendações Finais
Por fim, enumeram-se algumas recomendações, para uso com crianças com PDL, passíveis de
serem implementadas em contexto de sala de aula (Ramalho, 2015).
Se a criança, tem dificuldades de compreensão, será especialmente importante:
• Simplificar a linguagem na sala de aula, de forma a facilitar a compreensão e consequentemente, o
comportamento da criança;
• Verificar e suportar a compreensão dos alunos, ajudando a criança a reconhecer quando não está a
perceber uma instrução e a dar feedback sobre o que lhe foi dito/apresentado por escrito;
• Certificar-se de olhar para a criança e de que ela olha para si quando está a dar informação;
• Antes de se iniciar a exploração de um tema, será importante fazer uma primeira abordagem geral
ao assunto, dando referências sobre os aspectos mais importantes (e.g., é importante saberes que…
sobre o que vou dizer”)
• Resumir o que foi dito, antes de iniciar uma abordagem mais detalhada a um dado tema e reforçar as
palavras-chave;
• Dar tempo extra para ouvir, processar a linguagem e para programar a resposta (e.g., pode ser
necessário repetir mais vezes as palavras e/ou as instruções);
• Repetir e reformular a informação, quando necessário;
• Encorajar a criança a repetir o que ouviu ou leu, de forma a garantir que acedeu à informação;
• Ensinar e encorajar a criança a pedir esclarecimentos (e.g., através de perguntas como “o que quer
dizer isto?”).
Quando existem dificuldades de expressão, é particularmente importante:
• Ouvir e mostrar interesse no que a criança tem para dizer (e.g., manter o contato visual e usar o seu
nome), evitando que se sintam pressionados pelo tempo para falar;
• Ser paciente e deixar que a criança perceba que vai esperar pelo que ela tem para dizer;
• Dar feedback positivo ao esforço realizado pela criança;
• Tentar aumentar as oportunidades de diálogo real e de conversa;
• Se não entender a criança e tiver de o referir, deve fazê-lo de forma assertiva, pedindo, por exemplo,
à criança que explique de outra forma. Em vez de se corrigir, é preferível fornecer o modelo correto
(em vez de dizer ‘Não se diz buxa, é bruxa’ dizer apenas ‘pois, a bruxa...’);
• Se a criança não se sentir confortável não deve pressioná-la a falar ou a ler em voz alta.
465
PDL: Terminologia, Caracterização, Alfabetização
Pode/deve sempre que possível usar pistas adicionais para suportar a linguagem (oral e escrita) como por
exemplo:
• Pistas visuais, gestos, imagens ou outros;
• Calendários visuais para ajudar na compreensão da sequência de acontecimentos/ rotinas da sala;
• Mapas mentais podem ajudar algumas crianças a evocar e organizar as ideias antes de partir para a
descrição de algo (oral ou escrito);
• Demonstrar e exemplificar sempre que possível.
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O ensino da compreensão leitora. Da teoria à prática pedagógica. Almedina.
Viana, F. L. Ribeiro, I. S., Fernandes, I., Ferreira, A., Leitão, C., Gomes, S., Mendonça, S., & Pereira, L. (2010b).
Aprender a compreender torna mais fácil o saber. Almedina.
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470
Ana Paula Soares et al.
Recursos Online
• Publicações elaboradas no âmbito do Plano Nacional do Ensino do Português (PNEP) disponibilizados em:
https://www.dge.mec.pt/materiais-didaticos-elaborados-no-ambito-do-pnep.
O PNEP dispõe de recursos muito úteis, desenvolvidos por reconhecidos especialistas, sob a coordenação do Ministé-
rio da Educação. Os manuais apresentados integram informação teórica de suporte assim como estratégias para o
desenvolvimento da Língua Portuguesa. Destacamos as seguintes publicações: (i) O conhecimento da língua: Desenvol-
ver a consciência fonológica (Freitas, Alves e Costa, 2007); (ii) O Conhecimento da Língua: Desenvolver a Consciência
Linguística (Duarte, 2008); (iii) O Ensino da Leitura: A Decifração (Sim-Sim, 2009); E (iv) O Conhecimento da Língua:
Desenvolver a Consciência Lexical (Duarte et al, 2011).
471
Capítulo 22
A Dislexia e a Alfabetização:
Da Evidência Científica à Sala de Aula
Susana Araújo
Universidade de Lisboa
Resumo
Este capítulo apresenta uma visão científica atual da dislexia de desenvolvimento, uma das
perturbações do neurodesenvolvimento mais comuns e que se caracteriza por dificuldades específicas
e permanentes na aquisição e desenvolvimento da leitura/escrita. Numa primeira parte introduzo o
conceito de dislexia e traço as manifestações comportamentais típicas que lhe estão associadas, em
crianças e adultos, para de seguida aprofundar os défcits cognitivos centrais da perturbação e os seus
correlatos cerebrais. Por fim, refiro os ingredientes-chave dos programas de intervenção eficazes, que
podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia na instrução de crianças com e
sem dificuldades de leitura. Forneço alguns exemplos de atividades focadas no sucesso da aprendizagem
da leitura que podem (e devem) ser implementadas em contexto de sala de aula.
472
Susana Araújo
Ler e escrever são competências nucleares na esfera educativa e essenciais para uma participação
bem-sucedida em todos os aspectos da vida moderna. A falta de maestria destas competências coloca os
maus leitores em risco de insucesso escolar, veda-lhes o desenvolvimento de uma carreira profissional
plena e, em última instância, constitui uma importante limitação na sua vida social. A compreensão
detalhada dos processos cognitivos envolvidos na perturbação da leitura e da escrita, com o intuito de
delinear programas de intervenção eficazes e políticas educativas bem-sucedidas dirigidas à compensação
das dificuldades de leitura, representa, assim, um esforço científico com importantes consequências
sociais.
473
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
474
Susana Araújo
em ortografias transparentes (nas quais a mesma letra é quase sempre pronunciada da mesma forma em
diferentes palavras, como no finlandês ou no italiano) do que em ortografias opacas (nas quais existe uma
grande irregularidade na correspondência letra-som, como é o caso do inglês e, em menor extensão, do
francês; Caravolas, Lervåg, Defior, Málková, & Hulme, 2013; Seymour, Aro, & Erskine, 2003). Em línguas
com ortografia transparente, a exatidão da leitura parece ser acessível mesmo às crianças disléxicas,
estando normalmente preservada; neste caso, os critérios para diagnóstico da dislexia remetem para uma
recodificação fonológica lenta, que se traduz numa leitura disfluente, e para problemas na escrita. Assim,
nestas ortografias transparentes, a dislexia é atribuída primariamente a um défcit de automatização nos
processos de identificação da palavra. Este padrão contrasta com o observado em crianças disléxicas
falantes de línguas com ortografia opaca (inglês), com um défcit muito marcado na decodificação da palavra
escrita (sobretudo na leitura de palavras menos frequentes e de pseudopalavras), que vai prejudicar
quer a exatidão quer a fluência da leitura (Landerl, Wimmer, & Frith, 1997; Wimmer, 1993; Ziegler, Perry,
Ma-Wyatt, Ladner, & Schulte-Körne, 2003). Note-se que a consistência ortográfica é também variável
conforme consideramos a leitura (no sentido da ortografia para a fonologia) ou a escrita (no sentido da
fonologia para a ortografia). Em ortografias menos consistentes no sentido da escrita, como é o caso do
português, do holandês e do alemão, as dificuldades ortográficas parecem assumir um papel ainda mais
preponderante na dislexia do que as dificuldades na leitura (ver e.g., Reis et al., 2020).
A par das dificuldades no processamento da palavra escrita, a investigação científica tem sido
profícua na identificação de uma panóplia de sintomas da dislexia, a maioria associados ao processamento
fonológico. Tal não é surpreendente se atendermos ao fato de que uma das demonstrações mais sólidas
da psicologia cognitiva e da psicolinguística nos últimos 40-50 anos é a do papel causal da fonologia na
aquisição e desenvolvimento da leitura e da escrita (Castles & Coltheart, 2004; Liberman, Shankweiler,
Fischer, & Carter, 1974; Melby-Lervåg, Lyster, & Hulme, 2012). A linguagem escrita constitui uma forma
de representação da linguagem oral, e o sistema alfabético de escrita baseia-se na representação gráfica
dos elementos da estrutura fonológica da língua, mais precisamente os fonemas (geralmente, os sistemas
alfabéticos são sistemas fonográficos). Assim, tanto as capacidades percetivas da fala como as de memória
fonológica (que permitem manter ativa a informação oral enquanto os processos mais básicos de (de)
codificação ocorrem) são suscetíveis de condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita (Baddeley,
Gathercole, & Papagno, 1998; Melby-Lervåg et al., 2012; Wagner & Torgesen, 1987). Com base nessas
capacidades, e em parte sob a influência da exposição às letras e à forma escrita das palavras, a criança
aprende a identificar, discriminar e manipular as representações mentais dos fonemas da sua língua –
as chamadas consciência fonológica e fonêmica. Estas representações intervêm nos processos de
decodificação grafofônica e de codificação fonográfica, processos estes que são cruciais na aprendizagem
da leitura e da escrita, respectivamente (Liberman et al., 1974; Morais, Alegria, & Content, 1987; Morais,
475
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Figura 1
Exemplo do formato das tarefas de nomeação rápida em série. Pede-se ao sujeito que nomeie correta e o
mais rapidamente possível, na direção da leitura, a matriz de estímulos visuais que se repetem em
sequências aleatórias. A medida de interesse é sobretudo o tempo despendido para completar a prova.
476
Susana Araújo
477
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Também a investigação das bases neurobiológicas da dislexia apoia bem a hipótese do défcit
fonológico, ao identificar problemas nos circuitos cerebrais que suportam a linguagem falada nos
leitores com dislexia (para duas meta-análises ver: Maisog, Einbinder, Flowers, Turkeltaub, & Eden, 2008;
Richlan, Kronbichler, & Wimmer, 2011). Hoje está bem descrito que a leitura é suportada por uma rede
neural altamente especializada mas distribuída que inclui três regiões corticais: uma anterior, implicada
na articulação das palavras (giro frontal inferior), e duas regiões corticais posteriores, implicadas no
processamento fonológico (junção temporoparietal) e no reconhecimento da forma visual da palavra
escrita (córtex occipitotemporal ventral; Dehaene, 2010; Dehaene, Cohen, Morais, & Kolinsky, 2015;
McCandliss, Cohen, & Dehaene, 2003; Murphy, Jogia, & Talcott, 2019). Um conjunto de estudos tem
verificado de forma sistemática em diferentes ortografias que o cérebro disléxico tende a mostrar uma
subativação das regiões posteriores durante a realização de tarefas de leitura e de tarefas que requerem
processamento fonológico, e simultaneamente uma sobreativação da região anterior que, possivelmente,
reflete o uso de estratégias compensatórias nestes leitores (Paulesu et al., 2001; Shaywitz et al., 1998).
Note-se que, apesar da vasta investigação nos défcits fonológicos, outras teorias explicativas
têm sido avançadas para a compreensão da dislexia (para uma revisão critica ver e.g. Ramus, 2003;
Ramus et al., 2003; White et al., 2006), embora não neguem necessariamente a plausibilidade do défcit
fonológico. Estas teorias geralmente enquadram-se em duas categorias. Na primeira, são apresentados
défcits alternativos, possivelmente de domínio geral, para explicar os problemas de diferentes tipos que
podem surgir na leitura de palavras. Aqui se incluem, por exemplo, diversas teorias ligadas à atenção, e
que sugerem disfunções na atenção visuo-espacial (Vidyasagar & Pammer, 2010), amplitudes de atenção
visual mais curtas (Bosse, Tainturier, & Valdois, 2007; Zoubrinetzky, Bielle, & Valdois, 2014), e dificuldades
na orientação do foco da atenção (Facoetti, Lorusso, Paganoni, Umilta, & Mascetti, 2003) como défcits
centrais subjacentes às dificuldades na leitura; as teorias visuais da dislexia, que refletem um conjunto
de problemas descritos na focagem, estabilidade e movimentos sacádicos (resultantes possivelmente
de alterações no sistema magnocelular; Stein, 2001; Stein & Walsh, 1997); e a proposta de um défcit
nas capacidades de automatização (Nicolson & Fawcett, 1990; Nicolson, Fawcett, & Dean, 2001).
Na segunda categoria, enquadram-se as teorias que advogam que o défcit fonológico na dislexia assenta
etiologicamente numa disfunção básica, sendo a mais popular a teoria do processamento auditivo
(Tallal, 1980, 1984) que preconiza um défcit auditivo primário que afeta a capacidade de percepcionar e
processar transições rápidas e sutis nos sons da fala.
No seu conjunto, poder-se-á dizer que a investigação empírica tem tornado evidente que à
dislexia se associam múltiplos défcits cognitivos, e subpopulações de disléxicos podem apresentar
défcits diferentes. Neste sentido, as causas neurocognitivas da dislexia são provavelmente multifatoriais
(Saksida et al., 2016), onde intervêm e interagem fatores protetores e fatores de risco, quer genéticos
478
Susana Araújo
quer ambientais. Não obstante, é hoje inequívoco que uma das causas principais das dificuldades na
leitura reside em um défcit fonológico, embora outras áreas possam também contribuir para a dislexia
mas sem papel causal. O estudo de Ramus e colaboradores (2003) apoia bem esta afirmação. Numa
amostra de 16 disléxicos adultos testados quanto à presença de défcits fonológicos, auditivos, visuais, e
motores, verificaram que todos apresentavam um défcit fonológico e para alguns disléxicos esse défcit
era mesmo característica única.
Como referido, está hoje bem estabelecido que a presença de dificuldades no processamento
fonológico é uma característica definidora da dislexia, tanto em crianças como em adultos, desempenhando
um papel causal na sua origem. As provas científicas mais convincentes sobre os défcits cognitivos
nucleares na dislexia são aquelas que derivam da convergência de estudos empíricos que genericamente
se alinham em três grandes tipos de desenhos metodológicos:
• Estudos comparativos entre grupos extremos (comparação de grupos oriundos de populações
leitoras normais e de populações com problemas graves de leitura), permitindo assinalar diferenças
nas capacidades relacionadas com a leitura;
• Estudos longitudinais, ao permitirem identificar fatores cognitivos preditores do futuro
desempenho na leitura e na escrita;
• Estudos de intervenção com treino, ao fornecerem uma indicação mais direta de efeitos causais
(se o treino de uma determinada capacidade resultar em um progresso maior na aprendizagem
da leitura, comparativamente a um grupo controle que não recebeu esse treino, isso fornece
evidência da influência causal dessa capacidade na aquisição da leitura).
479
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
acústico-fonética para reconhecerem palavras faladas (e.g., nas tarefas de gating, que consistem na
apresentação progressiva de segmentos acústicos-fonéticos parciais de um estímulo auditivo; Dietrich &
Brady, 2001).
A consciência fonológica – a capacidade para manipular a estrutura fonológica das palavras faladas
e refletir sobre ela – tem recebido particular atenção, pelas evidências acumuladas desde os anos 80 de
que é uma capacidade basilar para se começar a ler em um sistema alfabético (Hulme, Snowling, Caravolas,
& Caroll, 2005; Melby-Lervåg et al., 2012). Diversas tarefas podem ser usadas para avaliar a consciência
fonológica e envolvem desde operações simples, como as que avaliam a fluência fonêmica (e.g., nomear
o maior número de palavras iniciadas pelo som /p/) e a sensibilidade a unidades linguísticas maiores
(e.g., identificação de rimas em canções e lengalengas; segmentação da palavra em sílabas), a operações
mais complexas e que requerem omissão, segmentação ou manipulação dos fonemas (e.g., os testes de
eliminação de fonemas requerem repetir uma palavra sem um determinado som: diz dólar sem o som
re [r] – resposta “dóla”; os testes de spoonerismos requerem trocar os fonemas inicias entre duas palavras:
cão sal – resposta “são cal”). Duas meta-análises recentes comparando leitores hábeis com leitores com
dislexia (Melby-Lervåg et al., 2012) e em adultos (Reis et al., 2020) apoiam inequivocamente um défcit
na consciência fonológica, verificando-se um défcit de grande magnitude nestes leitores com dislexia
(comparativamente aos controlos da mesma idade) para todas as medidas de consciência fonológica
consideradas. Este resultado não deixa de ser surpreendente na população adulta, majoritariamente
estudantes universitários, que já teve muitos anos de exposição à leitura.
Além disso, a investigação dos preditores longitudinais da leitura mostra que melhores
competências de consciência fonológica em crianças pré-escolares/leitores incipientes se associam ao
sucesso na aprendizagem da leitura nos primeiros anos de escolaridade (Lervåg, Bråten, & Hulme, 2009;
Muter, Hulme, Snowling, & Stevenson, 2004); resultado que dá crédito a uma relação causal entre estas
duas variáveis. Já em 1980, em um estudo de Lundberg, Olofson e Wall em que participaram 143 crianças
que foram seguidas desde o pré-escolar até à entrada na escola, se verificou que a capacidade de
segmentar a palavra em fonemas era o melhor preditor do sucesso na aquisição da leitura. No total, os
dados recolhidos na pré-escola sobre o desempenho em tarefas de consciência fonológica conseguiram
prever o desempenho escolar na leitura em 70% das crianças. O grau de consciência fonológica constitui
assim um marcador de diagnóstico precoce de défcits de leitura, na medida em que um desempenho
deficitário nestas provas numa fase precoce prediz de modo fiável dificuldades futuras na leitura. Por
exemplo, um trabalho de Torgesen, Wagner e Rashotte (1994) revelou que as crianças que chegavam ao
1º ano com défcits na consciência fonológica eram piores do que os seus pares na leitura de palavras
isoladas, e as dificuldades de leitura perduravam ao longo de todo o ensino básico. Sabe-se ainda que
a consciência fonológica parece influenciar sobretudo a exatidão na identificação de palavras, e mais
especificamente na leitura de palavras pouco familiares e de pseudopalavras para a qual a capacidade de
480
Susana Araújo
segmentação dos fonemas é fundamental (e.g., Griffiths & Snowling, 2002). A leitura de pseudopalavras
(decodificação) é apontada precisamente como um dos fatores que mais claramente diferencia os maus
leitores dos bons leitores (Rack, Snowling, & Olson, 1992).
Os estudos com intervenção confirmam que treinar consciência fonológica na pré-escola ou
numa etapa inicial da aquisição da leitura é eficaz para a melhoria das capacidades de leitura e de
escrita nos primeiros anos escolares, sobretudo se combinado com treino no conhecimento letra-som
(Bentin & Leshem, 1993; Bus & van IJzendoorn, 1999; Byrne & Fielding-Barnsley, 1995; Hatcher, Hulme, &
Snowling, 2004; para uma revisão ver: Ehri et al., 2001). Ora, como já referido, o conhecimento de letras
é outro dos alicerces cognitivos para aprender a ler nas línguas alfabéticas, sendo um dos preditores
mais importantes numa fase inicial de aquisição de competências de leitura e que surge comprometido
em crianças com problemas graves de leitura (para uma revisão ver: Lyytinen et al., 2008; Lyytinen et al.,
2006). Note-se que conhecer a correspondência entre letras e sons não é necessariamente equivalente
ao uso eficiente deste conhecimento durante a leitura (Froyen, Bonte, van Atteveldt, & Blomert, 2009;
Froyen, Van Atteveldt, Bonte, & Blomert, 2008). Na última década, estudos de imagem cerebral vieram
mostrar uma ativação anormal em áreas cerebrais associadas ao processamento letra-som em crianças
(Blau et al., 2010) e em adultos (Blau, Van Atteveldt, Ekkebus, Goebel, & Blomert, 2009) com dislexia, não
obstante o fato de saberem que letra correspondia a cada som. Parece, assim, que a eficácia da integração
letra-som pode demorar anos até se tornar totalmente automática, particularmente em leitores com
dificuldades (Blomert, 2011).
De fato, uma meta-análise revelou que as intervenções que combinam treino fonológico com treino
nas correspondências letra-som e na capacidade de decodificação são as mais eficazes para melhorar a
leitura em crianças mais velhas com problemas no domínio da literacia (Galuschka, Ise, Krick, & Schulte-
Körne, 2014). Com base nestes dados, o grupo de trabalho de Thomas Lachmann (Center for Cognitive
Science, University of Kaiserslautern) desenvolveu recentemente o programa de treino Lautarium para
crianças com dificuldades na leitura e/ou na escrita, e que combina treino na percepção de fonemas
(e.g., discriminação e identificação de consoantes oclusivas, tais como /b/ vs. /p/, /b/ vs. /d/);
treino na consciência fonológica (e.g., exercícios que requerem emparelhar palavras com base no som
inicial ou final); treino nas correspondências grafema-fonema; e leitura de palavras e escrita. Num dos
estudos de validação deste programa, comparou-se um grupo de crianças com dislexia do 3º ano de
escolaridade que recebeu o programa de treino durante 8 semanas (5x por semana, em sessões de
20-30 minutos) com um grupo que não recebeu o treino; ambos a frequentar aulas especiais para
a dislexia. Os resultados indicaram um desempenho melhor em testes independentes de leitura de
palavras e de pseudopalavras no grupo que recebeu intervenção, e que foi sobretudo evidente no
follow up dois meses após o término do treino. A melhoria evidenciou-se também na diminuição do
número de erros na escrita, e na melhoria no desempenho em provas de consciência fonológica. A
481
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
eficácia do Lautarium foi ainda demonstrada em leitores principiantes em risco para dificuldades na
leitura (Klatte, Bergström, Steinbrink, Konerding, & Lachmann, 2018).
A nomeação rápida em série (RAN) é outro dos constructos cognitivos que mais fortemente se
associa ao (in)sucesso na leitura (Araújo & Faísca, 2019; Araújo, Reis, et al., 2015; Norton & Wolf, 2012)
e, a par da consciência fonológica, tem sido um dos mais investigados na dislexia. As capacidades de
RAN no pré-escolar e no início do primeiro ano escolar predizem as capacidades na leitura em anos
futuros (Lervåg et al., 2009; Verhagen, Aarnoutse, & van Leeuwe, 2008), e as crianças com dislexia são
consistentemente mais lentas a nomear comparativamente a leitores hábeis com a mesma idade ou com
outras perturbações de aprendizagem (e.g., Denckla & Rudel, 1976;Wolf & Bowers, 1999). O desempenho
em provas de RAN associa-se em especial ao desempenho de fluência de leitura. Nos adultos disléxicos,
e mesmo entre aqueles “com alto funcionamento” (estudantes universitários), o défcit na RAN pode
mesmo ser mais marcado que os défcits observados em outros domínios do processamento fonológico,
como a consciência fonológica e a memória fonológica (Fernandes, Araújo, Sucena, Reis, & Castro, 2017;
Reis et al., 2020; Swanson & Hsieh, 2009). Na medida em que o desempenho dos disléxicos é deficitário
tanto em provas com estímulos alfanuméricos (nomear letras, dígitos) como em provas com estímulos
não-alfanuméricos (nomear objetos, cores), pode afirmar-se que este défcit não resulta meramente de
uma baixa automaticidade no processamento de letras nestes leitores (Araújo & Faísca, 2019).
As provas de RAN são também diagnósticas da dislexia (Landerl et al., 2013; Moura, Moreno,
Pereira, & Simões, 2015). Num estudo de grande dimensão no qual participaram cerca de 1000 crianças
com dislexia e 1000 crianças controle, oriundas de países com diferentes ortografias (finlandês, húngaro,
alemão, holandês, francês e inglês), verificou-se que tanto a RAN como a eliminação de fonemas são um
forte preditor concorrente do diagnóstico de dislexia. Especificamente, uma criança cujo desempenho
em provas de eliminação de fonemas e em provas de RAN se situe abaixo da média das crianças da sua
idade (mais precisamente, um desvio-padrão abaixo da média) vai ter um risco sete vezes maior de ser
diagnosticada com dislexia do que crianças com desempenho médio nessas provas. Também a memória
de curto prazo verbal/memória de trabalho (avaliada com uma tarefa clássica de repetição de sequências
de dígitos em sentido direto e inverso) teve um papel significativo para o risco de dislexia, contudo
comparativamente menor (Landerl et al., 2013).
No que refere à intervenção, os estudos têm sido limitados, e ainda mais quando se procura
avaliar efeitos de transferência para a leitura (em que medida melhorar a RAN influência por sua vez o
desempenho na leitura). Os poucos estudos que se focaram especificamente em treinar a capacidade
de RAN forneceram resultados mistos e inconclusivos: desde efeitos nulos do treino em RAN, a efeitos
positivos após o treino na velocidade de nomeação mas cujo impacto na leitura foi restrito (por exemplo,
melhorias pequenas na fluência de leitura e que desaparecem a longo prazo; ver para uma revisão: Kirby,
Georgiou, Martinussen, & Parrila, 2010). Mais recentemente, Vander Stappen e Van Reybroeck (2018)
482
Susana Araújo
conduziram um estudo com crianças no final do segundo ano de escolaridade em que se comparou a
eficácia de um treino que visava melhorar a consciência fonológica com a eficácia de um treino que visava
melhorar a velocidade de nomeação (durante 8 semanas, 2x por semana). Especificamente, no treino
RAN as crianças realizavam exercícios de nomeação de figuras de objetos numa matriz, progredindo o
grau de dificuldade ao longo das sessões (em termos do comprimento e complexidade silábica do nome
dos objetos a nomear e da repetição ou não dos itens), sendo explicitamente encorajadas para que em
cada sessão melhorassem o tempo de nomeação da sessão anterior. Os resultados mostraram que a
velocidade de nomeação foi significativamente melhorada pelo treino, e também que o treino específico
da RAN melhorou a velocidade na leitura das crianças, benefício que se manteve seis meses após o
treino.
No entanto, carece-se ainda de estudos experimentais rigorosos que avaliem o efeito do treino
da RAN em crianças com dislexia. Além disso, ainda é alvo de controvérsia considerável aquilo que se
considera estar exatamente a medir com as provas de RAN. Parece que uma nomeação mais lenta pelos
disléxicos não resulta de mais tempo requerido para articular o nome, mas antes de uma falha durante o
tempo de processamento do estímulo que precede a sua produção (Araújo et al., 2011;Wimmer, Mayringer,
& Landerl, 1998). Uma interpretação influente é a de que a RAN é um subdomínio do processamento
fonológico, e o desempenho nestas provas refletirá a (in)eficiência no acesso ou recuperação do código
fonológico dos estímulos a nomear e que se encontra armazenado na memória de longo prazo (Clarke,
Hulme, & Snowling, 2005; Torgesen et al., 1994; Wagner & Torgesen, 1987). Esta interpretação é aliás
compatível com a observação de que os disléxicos frequentemente têm uma perturbação fonológica.
Outros autores advogam que a RAN constitui um segundo défcit central na dislexia que pode existir
juntamente ou independentemente do défcit fonológico (perspectiva popularizada como a Hipótese do
Duplo Défice; Norton & Wolf, 2012; Wolf & Bowers, 1999). De resto, a natureza multi-componentes das
provas RAN exige movimentos oculares e processamento simultâneo de múltiplos itens, e isto parece
ser um fator que exacerba as dificuldades nos leitores disléxicos (Jones, Branigan, & Kelly, 2009; Yan, Pan,
Laubrock, Kliegl, & Shu, 2013).
Em suma, a investigação empírica sobre a dislexia tem dado provas que a consciência fonológica,
o conhecimento letra-som, e a nomeação rápida em série são preditores importantes do sucesso
na leitura e da sua perturbação, e constituem por isso um campo fértil no qual os profissionais
(educadores, terapeutas) podem atuar para facilitar o desenvolvimento da literacia. O papel basilar
destas capacidades na leitura é de resto bem reconhecido na utilização de testes psicológicos que as
avaliam quando se pretende asseverar um diagnóstico de dislexia: e.g., na Dyslexia Differential Diagnosis
Maastricht Battery-3DM, desenvolvida para a avaliação da Dislexia em crianças e adaptada para diversas
línguas (Blomert & Vaessen, 2009); Bateria de Avaliação Neuropsicológica de Coimbra (BANC; Simões et
al., 2016) e na Bateria Fonológica da Universidade do Porto (BFUP; Alves et al., 2007, 2018), desenvolvidas
483
Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
484
Susana Araújo
para acessar à compreensão do texto. Assim, para que o ensino seja eficaz, o aluno deve ter
oportunidades suficientes para praticar até automatizar as competências aprendidas e, através de
atividades ativas e estruturadas, aplicá-las para ler e escrever.
A investigação científica tem mostrado que, enquanto grupo, as crianças com e sem dificuldades
de leitura respondem melhor a uma instrução sistemática e explícita dirigida à consciência fonêmica,
à aquisição do princípio alfabético e das correspondências grafema-fonema (treino fônico), à fluência
de leitura e à aquisição do vocabulário e da compreensão da leitura (National Reading Panel, 2000;
Shaywitz, 2005; Slavin, Lake, Davis, & Madden, 2011). Os programas de intervenção com eficácia objetiva
comprovada (chamados programas de intervenção baseados em evidência) partilham ainda mais duas
características que podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia da leitura:
treino de elevada intensidade (sessões curtas de 20 a 40 minutos, ocorrendo entre três a cinco dias por
semana, e durante pelo menos 12 semanas) e realizado em grupos pequenos (idealmente em grupos
com um máximo de cinco crianças). Em alguns países, de que se destacam os Estados Unidos da América
e o Reino Unido, existem já programas estruturados que visam o treino específico da leitura com
eficácia objetivamente comprovada, transferindo assim a evidência científica para a sala de aula (ver, por
exemplo, em Shaywitz, 2005). Também programas de treino com recurso a computador e que tenham
eficácia demonstrada podem fornecer uma ferramenta adicional, e motivadora, de prática para ajudar
crianças do ensino básico em situação de risco ou com dificuldades na leitura e na escrita – o Lautarium
(desenvolvido para a população alemã), referido atrás, é um desses exemplos. Note-se que qualquer
avaliação da consolidação de conhecimentos (e.g., aprendizagem da associação letra-som) deve ser feita
com materiais diferentes (palavras, frases, textos) dos usados durante o treino de instrução.
Como referido atrás, um corpo amplo de estudos com intervenção tem demonstrado que treinar
a consciência fonêmica facilita o crescimento das capacidades de literacia nos leitores principiantes,
parecendo ter um efeito ainda maior nos leitores com dificuldades.
Exemplos de atividades/exercícios:
(a) Reconhecimento de sons em palavras
• Identificar o som inicial ou final da palavra, e.g., “Diz-me qual o primeiro som em pato.” (/p/)
• Identificar o som comum em palavras diferentes, e.g., “Diz-me o som que é igual em fogo, fita,
foca” (/f/)
• Identificar a palavra “intrusa” que começa com um som diferente, e.g., “Que palavra não pertence
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
As atividades a realizar devem ser de curta duração e agradáveis para a criança: podem usar-se
cantilenas, jogos, cartões com imagens, rimas engraçadas e aliterações para tornar os sons mais salientes
para a criança.
Ilustram-se duas atividades que podem ser realizadas em contexto de sala de aula:
De um conjunto de quatro imagens, pintar apenas aquelas que representam objetos que começam com
o mesmo som (e.g., conjuntos fáceis: “boca, bolo, lápis, cama”; conjuntos mais difíceis: “pato, dado,
cato, pena”).
Num jogo de fantoches, a bruxa desdentada diz as palavras sem o primeiro som
(e.g., foca -> oca; chuva -> uva; cama -> ama).
Dar alguns exemplos e depois pedir à criança que, pegando no fantoche, “finja” ser a bruxa desdentada.
Assim, o professor dirá a palavra que a criança deve dizer sem o primeiro som.
O National Reading Panel (2000) apontou também para duas características que se associam a uma
maior eficácia do treino na consciência fonêmica:
• Focar o ensino da consciência fonêmica em uma ou duas capacidades (e.g., segmentação e combinação
de sons em palavras) é mais eficaz do que focar em múltiplas capacidades ao mesmo tempo. Sugere-se
ensinar uma capacidade de cada vez até que esta seja dominada antes de passar para a próxima.
• O treino na consciência fonêmica é mais benéfico se combinado com o conhecimento de letras
(e.g., pedir à criança para segmentar a palavra em fonemas e representar cada um com o grafema
correspondente) do que o treino sem letras, limitado à manipulação de fonemas na fala.
486
Susana Araújo
O leitor aprendiz tem também de aprender a usar diferentes sons e combinações de letras para
pronunciar e decodificar palavras e escrever, frequentemente apelidado de método fônico. Esta capacidade
tem de ser ensinada, treinada e automatizada, sendo particularmente difícil para a criança disléxica. Sempre
que uma nova correspondência grafema–fonema é introduzida, deve ser treinada várias vezes, mas as
correspondências anteriormente adquiridas devem também continuar a ser treinadas. Não se devem deixar
os dígrafos para o fim: NH ou CH correspondem sempre a um único som e permitem à criança compreender
que não é correto assumir que cada letra corresponde a um som; um conjunto de letras (e não apenas uma)
pode corresponder a um único som.
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
A criança tem de aprender a converter as letras nos seus sons correspondentes e depois a juntar
esses sons para ler uma palavra; aprender como diferentes padrões de letras representam diferentes sons;
aprender as regras, e depois aprender exceções a essas regras.Todas estas capacidades têm de ser integradas
através do ensino e da prática sistemática de atividades de leitura e de escrita, com vários momentos para a
criança praticar ativamente, com feedback e correção. O treino deve iniciar-se com palavras curtas (duas a
três sílabas) e progredir até à leitura de frases e textos
Exemplo de atividades/exercícios:
(a) Leitura em voz alta pela criança (e.g., interpretação de um diálogo onde cada criança pode ler o trecho
relativo a um personagem);
(b) Leitura em silêncio de um parágrafo pela criança, que depois deverá explicar oralmente pelas suas
palavras o que leu.
Embora se reconheça que alcançar a fluência na leitura é um indicador da leitura hábil, o treino
desta competência é tipicamente negligenciado na instrução escolar. A literatura científica, nomeadamente a
meta-análise realizada pelo Painel Nacional de Leitura norte-americano (National Reading Panel, 2000), refere
que é importante que o método fônico inclua o treino sistemático da fluência de leitura, e que alcançar a
fluência permite libertar recursos atencionais, favorecendo a compreensão da leitura. Uma forma informal de
aferir a rapidez na leitura é pedindo à criança para ler o mais correta e rapidamente possível um conjunto
de palavras/texto em um curto intervalo de tempo (por exemplo, em um minuto) e contabilizar o número
de palavras lidas corretamente.
Exemplos de Atividades/Exercícios:
(a) Leitura em voz alta pela criança, considerando a fluência, com feedback e orientação do professor – a
repetição (reler o mesmo excerto) vai permitir ao leitor criar representações mentais das palavras escritas
que encontra, podendo depois acessar a elas sempre que se deparar com palavras que já conhece. A ativação
automática da representação de uma palavra escrita permite ao leitor acessar ao significado e à pronúncia
dessa palavra diretamente a partir da sua forma visual, sem que tenha de recorrer ao processo mais lento de
decodificação grafema-fonema.
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Susana Araújo
Recomendações Úteis:
• Deve privilegiar-se a prática da leitura em contexto significativo (e.g., pequenos textos) ao invés da
leitura de palavras isoladas;
• A criança deve praticar com material que já consegue decodificar com sucesso (escolhe-se um texto
curto que a criança já é capaz de ler com elevada precisão);
• Reler o mesmo texto várias vezes (não necessariamente na mesma sessão). Quando as palavras já são
lidas fluentemente, passa-se para um novo texto, permitindo assim aumentar o vocabulário na leitura.
Especialmente em alunos com dislexia é boa prática que o treino de fluência seja diário, requerendo,
contudo, apenas alguns minutos por dia. Nos leitores disléxicos, alcançar a fluência na leitura em voz alta parece
ser uma das dificuldades mais resistentes à intervenção (Wolf & Katzir-Cohen, 2001).Assim, é importante que
o treino seja sistemático e continuado no tempo. É importante motivar a criança para continuar a treinar!
Promover o prazer na leitura e o sentimento de controle pela criança (e.g., usar textos escolhidos pela
criança; leitura de letras de canções, de poesia ou ficção) e por em evidência o progresso alcançado (e.g.,
cronometrar a velocidade de leitura e representar graficamente os resultados de modo a salientar o ganho
em cada semana).
Referiu-se na seção anterior que, com base em evidências recentes (Vander Stappen & Van Reybroeck,
2018), o treino da nomeação rápida em série melhora esta capacidade e que este benefício se transfere para
a fluência de leitura (isto é, após o treino as crianças também melhoraram na sua velocidade de leitura).
Estes resultados abrem novas possibilidades à prevenção e intervenção – o uso da nomeação em série de
objetos tem especial interesse por se poder usar facilmente com leitores principiantes –, mas ressalve-se que
a sua eficácia com outros grupos de leitores carece ainda de validação.
Por fim, note-se que até que ocorra a automatização na leitura, a criança disléxica compreenderá
tanto melhor um texto quanto mais tempo lhe for permitido para a sua leitura. Cabe ao professor garantir-
lhe esse direito, concedendo tempo adicional para completar trabalhos e exames.
Treino da Escrita
A escrita não é a versão espelho da leitura. Para se escrever corretamente, a forma ortográfica das
palavras tem de ser conhecida (e.g., a palavra “chuva” poderia ser pronunciada corretamente se escrita como
<xuva> mas esta não é a forma escrita correta). Embora atividades independentes, leitura e escrita devem
ser treinadas em conjunto, uma vez que o treino simultâneo tem efeitos positivos na aprendizagem. Note-se
que as dificuldades dos disléxicos na escrita são, não raras vezes, negligenciadas na avaliação e intervenção da
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
dislexia (Berninger, Nielsen, Abbott, Wijsman, & Raskind, 2008), muito embora sejam uma manifestação forte
da perturbação.
Exemplos de atividades/exercícios:
(a) De três imagens, pintar aquela cujo som inicial se escreve de forma diferente (e.g., xaile; chave; chupeta);
(b) Face a um desenho, selecionar a forma escrita correta (e.g., imagem de um chocolate com os estímulos
escritos <chocolate>; <xuculate>; <chucolate>);
(c) Ditado de palavras e/ou textos, seguido da identificação e participação ativa da criança na correção
dos erros cometidos – Incluir casos em que a ligação entre a expressão falada e a escrita não é linear, e
casos em que não existe uma verdadeira regra, sendo preciso conhecer a forma escrita exata das palavras
para que as possamos ler e escrever.
(d) Escrever uma lista das palavras em que a criança cometeu erros, escrevendo corretamente e assinalando
com outra cor as letras que tinha errado. Pronunciar e soletrar cada palavra, em voz alta, segmentando-a
em sílabas e fonemas.
Com base na sua experiência da prática clínica com crianças com dislexia, alguns autores sugerem
que também a caligrafia deve ser trabalhada juntamente com a escrita, pois uma caligrafia incorreta, de difícil
decodificação, dificulta a identificação e contribui para a persistência dos erros ortográficos (Teles, 2018).
Considerações Gerais
O reconhecimento atempado de sinais de alerta (ver Quadro 1), que permitam identificar crianças em
risco de dificuldades futuras na aquisição da leitura e da escrita, é fundamental para uma intervenção precoce,
e merece por isso toda a atenção por parte dos educadores/professores.
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Susana Araújo
Quadro 1.
Sinais de alerta de dificuldades de leitura em crianças
Sinais de alerta da presença de dificuldades de leitura em idade escolar
Dificuldade no reconhecimento de palavras (e.g., perante o desenho de um automóvel com a legenda escrita
<automóvel>, a criança diz “carro”);
Dificuldade em ler de forma fluída (e.g., omissão de palavras em frases, ritmo irregular de leitura, e
velocidade de leitura com precisão abaixo do esperado para a idade);
Dificuldades na escrita (erros de transcrição fonológica, por exemplo, colher torna-se “culher” quando escrito;
troca de letras; trocas lexicais);
Recurso a estratégias para evitar a leitura (e.g., distração fácil em momentos de leitura);
Capacidades de leitura inferiores à capacidade cognitiva geral (apesar das dificuldades de leitura mostra
capacidades normativas ou acima da média noutras áreas);
Não raras vezes, a criança com dislexia apresenta dificuldades na atenção, o que por si mesmo pode
ter um papel determinante para o insucesso na aquisição da leitura e da escrita. Indicam-se algumas
estratégias informais que podem ser úteis em contexto de sala de aula:
• Sentar a criança na primeira mesa, e evitar fontes de estimulação alheias à aprendizagem (sentar longe
das janelas e dos locais onde a criança se possa distrair; evitar objetos desnecessários na mesa onde
trabalha);
• Supervisionar frequentemente o seu trabalho e ajudar a prosseguir nas tarefas;
• Permitir tempo extra para a conclusão dos trabalhos;
• Reduzir as tarefas ou os períodos de trabalho, ajustando-os à capacidade de realização da criança;
• Dividir trabalhos longos em partes menores para que a criança possa perspetivar o fim do trabalho;
• Atribuir uma tarefa de cada vez;
• Dar instruções claras e concisas, e associar instruções verbais a instruções escritas.
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Conclusões
Uma percentagem muito significativa de crianças tem dificuldades no domínio da leitura e da escrita, e
em parte dessas crianças tais dificuldades refletem uma perturbação específica de desenvolvimento da leitura
(dislexia). Hoje sabemos que a dislexia se define para além daquela que é a sua característica mais proeminente,
o défcit de leitura, manifestando-se em várias outras dificuldades que se expressam antes e durante a aquisição
da leitura (incluindo dificuldades no uso, armazenamento e recuperação de códigos fonológicos na memória).
O conhecimento científico atual sobre essas dificuldades proporciona uma oportunidade para a prevenção e
intervenção precoce, e os professores, sendo muitas vezes os primeiros a confrontarem-se com a perturbação,
desempenham um papel crucial.Vimos que a dislexia é uma perturbação neurobiológica de desenvolvimento,
com natureza genética, mas importa enfatizar que as causas não operam em um modo tudo ou nada (ter ou
não ter a perturbação). Fatores protetores e fatores de risco, quer genéticos quer ambientais, e entre eles
se destaca a qualidade da instrução, aumentam ou diminuem a probabilidade de o aluno ter baixos níveis de
desempenho na leitura e na escrita.
Mas sendo a dislexia uma perturbação de origem neurobiológica, é ou não possível melhorar as
competências leitoras nesta população? A investigação científica mostra que sim, mas constata também que
as crianças que apresentam dificuldades no início da aprendizagem da leitura e escrita dificilmente recuperam
se não tiverem uma intervenção precoce e especializada. Também um artigo recente (Huettig, Lachmann,
Reis, & Petersson, 2018) contém uma forte argumentação em favor da ideia de que a fraca ou má experiência
de leitura é, ela mesma, uma parte importante da explicação da dislexia. Dito de outra forma, ler menos
ou ler com pouca qualidade vai impedir o desenvolvimento de competências de leitura e outras com elas
relacionadas. Assim, se o aluno dá sinais de possíveis dificuldades, “esperar para ver” nunca é uma boa opção!
A melhor intervenção é a prevenção ou reeducação numa fase prévia ou inicial da aprendizagem da leitura.
Felizmente hoje compreendemos melhor os precursores do sucesso ou falha na leitura. Sabemos também
quais são os ingredientes-chave para uma receita de sucesso no ensino da leitura: a aquisição da consciência
fonêmica, favorecida por um treino fônico explícito e sistemático do princípio alfabético e das correspondências
grafema-fonema; o treino da fluência de leitura; o treino da compreensão oral e do vocabulário. E sabemos
também como estes devem ser cozinhados: atividades ativas e estruturadas de leitura, elevada intensidade
do treino de instrução, e realizadas em pequenos grupos. Detemos, portanto, o conhecimento científico
necessário para desenhar formas de instrução e de acompanhamento que permitam a todos os aprendizes
da literacia a melhor experiência de alfabetização possível. Temos de ser nós, que acreditamos ser possível a
prevenção das dificuldades de leitura ou a sua reeducação atempada e eficiente, a pôr em ação essas formas
de instrução baseadas em evidência científica.
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Susana Araújo
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Recursos Online
• http://ler.juntadigital.com/
A plataforma LER foi desenvolvida com o apoio de uma equipe de reputados investigadores, com vista à sistematiza-
ção das principais vertentes do conhecimento acerca da aprendizagem da leitura e da escrita, dirigindo-se em parti-
cular aos docentes da educação pré-escolar e do 1.º ciclo.
500
Capítulo 23
Compreendendo a Disgrafia:
Das Evidências Científicas à Sala de Aula
Octávio Moura
Universidade de Coimbra
Resumo
A disgrafia é uma dificuldade específica no domínio da caligrafia (ou escrita à mão) que afeta a
legibilidade (i.e., forma, tamanho, espaçamento, alinhamento, traçado e ligação das letras) e a rapidez
de escrita. Em consequência, a escrita das crianças com disgrafia é menos legível, mais lenta e difícil
de decifrar, a capacidade de comunicar e de transmitir os pensamentos através de textos encontra-
se diminuída, o que pode afetar a motivação pela aprendizagem, o desempenho escolar e o sucesso
educativo. A escrita à mão interage de forma relativamente independente, mas complementar, com
os restantes processos da escrita (ortografia, planejamento, textualização e revisão). Uma intervenção
regular através de uma instrução explícita da escrita encontra-se associada a uma melhoria significativa
na qualidade da caligrafia em crianças com disgrafia. Esta intervenção pode ser complementada com a
aplicação de acomodações e adaptações curriculares em contexto de sala de aula.
501
Compreendendo a Disgrafia
1 Ao longo deste capítulo iremos utilizar ambos os termos (como sinônimos) para nos referirmos à execução grafomotora da escrita.
502
Octávio Moura
que estas crianças têm que despender durante as atividades de escrita podem fazer com que elas sejam
difíceis, extenuantes e pouco motivadoras (para uma revisão ver: Alves et al., 2018).
A escrita é uma habilidade essencial em qualquer sistema educativo uma vez que 30% a 60%
das atividades realizadas durante um dia escolar requerem esta competência (Engel-Yeger et al., 2009).
A escrita envolve um conjunto de processos independentes mas inter-relacionados, nomeadamente
os processos periféricos (i.e., relacionados com a caligrafia; handwriting) e os processos centrais
(i.e., relacionados com a ortografia; spelling) (Kandel et al., 2013). Vários autores distinguem ainda os
processos de ordem inferior (lower order processes), relacionados com a caligrafia e a ortografia, dos
processos de ordem superior (higher order processes), associados ao planejamento, textualização e
revisão de textos (Alves et al., 2018; McCloskey & Rapp, 2017).
A presença de fragilidades na escrita em crianças em idade escolar é bastante frequente, apesar
de uma adequada instrução e de uma prática regular destas habilidades (Döhla & Heim, 2016; Karlsdottir
& Stefansson, 2002). Estas dificuldades podem afetar significativamente a aprendizagem dos diversos
conteúdos curriculares, o desempenho escolar, a capacidade de comunicar e de transmitir os pensamentos
e ideias pela escrita, o bem-estar emocional (e.g., ansiedade, sentimentos de frustração, percepção de
autoeficácia), o funcionamento social, entre outros (Alves et al., 2016; Graham et al., 2013).
A disgrafia (dysgraphia) é uma palavra grega, onde “dis” (dys) significa dificuldade, “graf ”
(graph) indica a escrita das letras pela mão e “ia” (ia) a presença de uma condição clínica
(Berninger et al., 2015). De modo genérico, os sintomas nucleares da disgrafia referidos na literatura são:
(1) ilegibilidade da caligrafia (e.g., alterações quanto à forma, tamanho, espaçamento, alinhamento, traçado
e ligação das letras); (2) reduzida rapidez de escrita (ou fluência/velocidade de escrita à mão; handwriting
fluency); (3) reduzida precisão ortográfica (e.g., erros sublexicais/fonológicos e lexicais/ortográficos); (4)
dificuldades na clareza, planejamento e organização da expressão escrita; (5) pontuação inadequada das
frases; entre outros (para uma revisão ver: Kandel et al., 2017; McCloskey & Rapp, 2017).
Dado este espectro de dificuldades nos processos de escrita associado à disgrafia, várias
designações (e.g., disgrafia de desenvolvimento, disgrafia periférica, disgrafia central, perturbação da
aprendizagem específica com défcit na expressão escrita), definições e conjunto de sintomas têm sido
referidos na literatura (e.g., Berninger & Wolf, 2009; Kandel et al., 2017; Torres & Fernández, 2001).
Neste capítulo, a nossa opção recai pelo termo disgrafia para expressar as dificuldades na escrita à mão.
Neste sentido, a disgrafia poderá ser definida como uma dificuldade específica no domínio da caligrafia
que afeta a legibilidade (quanto à forma, tamanho, espaçamento, alinhamento, traçado e ligação das
503
Compreendendo a Disgrafia
letras) e a rapidez de escrita, apesar das condições educativas proporcionadas e da ausência de evidente
neuropatologia ou perturbação sensório-motora.
504
Octávio Moura
• Rapidez de escrita: escrita demasiado lenta e necessidade de efetuar bastantes pausas durante
a escrita de textos, o que pode levar a dificuldades em finalizar as atividades dentro do tempo
estabelecido.
Para além destes sintomas, as crianças com disgrafia podem ainda apresentar um conjunto de
manifestações secundárias, nomeadamente uma postura gráfica incorreta, forma imprecisa de segurar o
lápis e dificuldades na preensão e pressão do lápis (Torres & Fernández, 2001).
A opção pelo uso da escrita cursiva (e.g., gato) ou manuscrita (e.g., gato ou gato) varia de país
para país. Em vários países europeus (e.g., Portugal) a escrita cursiva é a única a ser ensinada, enquanto
nos Estados Unidos da América é frequente a escrita manuscrita ser ensinado durante o 1º ano de
escolaridade e só depois é introduzida a escrita cursiva.
A escrita manuscrita é mais fácil de aprender (e.g., algumas crianças em idade pré-escolar
já reconhecem e escrevem algumas letras maiúsculas manuscritas) e promove a leitura (é bastante
equivalente à letra impressa que se encontra nos livros e por isso mais fácil de ser reconhecida).
Por seu lado, a escrita cursiva permite uma escrita mais rápida, uma vez que as linhas curvas das letras
são mais fáceis de reproduzir do que as linhas retas, e possibilita um movimento mais natural da mão
(Graham, 2009; Schwellnus et al., 2012).
Muito embora os movimentos de pulso e dedos necessitem de estar coordenados durante
a escrita das letras em ambas as caligrafias, existem algumas diferenças que importam destacar.
A escrita manuscrita envolve um elevado número de levantamentos do lápis (em 33% a 66% das
letras dependendo do tipo de letra manuscrita que é utilizada) e consequentemente uma grande
quantidade de reposicionamentos sobre a folha, bem como um maior número de linhas diagonais.
Neste tipo de caligrafia as letras com simetria (e.g., <b-d>, <p-q> e <N-Z>) são as mais difíceis de aprender.
Por seu lado, a escrita cursiva requer menos levantamentos, reposicionamentos e linhas diagonais, mas
exige uma estreita ligação entre as letras, uma maior sequência de movimentos e mudanças de direção,
envolve um maior número de movimentos em forma de “onda” (e.g., <r> = r e <z> = z) que são bastante
exigentes em termos dos movimentos de pulso e dedos, e uma acentuada curvatura das linhas em
algumas letras (e.g., <k> = k, <s> = s e <x> = x) (Graham, 1999, 2009; Meulenbroek & Van Galen, 1990;
Schwellnus et al., 2012).
Algumas investigações têm sido desenvolvidas para compreender qual o tipo de caligrafia (cursiva,
manuscrita ou mista [i.e., algumas letras cursivas e outras manuscritas]) que permite uma maior rapidez
505
Compreendendo a Disgrafia
e legibilidade da escrita. De um modo geral, os alunos (do 4º ao 9º ano de escolaridade) que utilizam
uma caligrafia mista apresentam uma escrita mais rápida do que os alunos que usam exclusivamente
um tipo de caligrafia (letras corretamente copiadas por minuto: 104 no tipo predominantemente
manuscrita, 98 no tipo predominantemente cursiva, 88 no tipo exclusivamente manuscrita e 85 no tipo
exclusivamente cursiva). No que se refere à legibilidade, os alunos que utilizam uma caligrafia
predominantemente cursiva apresentam textos claramente mais legíveis do que os restantes tipos de
caligrafia (em segundo lugar surge o tipo exclusivamente cursiva) (Graham, Weintraub, et al., 1998).
Não obstante estes dados, a caligrafia cursiva é substancialmente mais exigente no que respeita ao
controle psicomotor, pelo que os alunos com disgrafia experienciam dificuldades significativas quanto
à sua rapidez e legibilidade pois não desenvolvem o controle e a destreza psicomotora necessária para
este tipo de caligrafia (Arfé et al., 2020; Pagliarini et al., 2015).
Um outro estudo, realizado por Graham e colaboradores (2001), numa amostra de 300 alunos
do 1º ao 3º ano de escolaridade norte-americanos, procurou analisar a dificuldade da escrita à mão do
alfabeto em letra manuscrita minúscula. Os resultados demonstraram que as letras apresentam níveis de
dificuldade variados quanto aos critérios de legibilidade utilizados. Assim, no 1º ano de escolaridade as
letras mais fáceis foram o <s>, <e> e <c> (94%, 93% e 91% das crianças conseguiram escrever de forma
legível estas letras em minúsculas e na caligrafia manuscrita, respectivamente). As letras mais difíceis
foram o <q> (apenas 24% dos alunos do 1º ano, 32% do 2º ano e 37% do 3º ano conseguiram escrever
de modo totalmente legível esta letra), <z> (54% dos alunos do 1º ano, 87% do 2º ano e 88% do 3º
ano), <u> (73% dos alunos do 1º ano, 85% do 2º ano e 94% do 3º ano), <j> (78% dos alunos do 1º ano,
94% do 2º ano e 87% do 3º ano) e <k> (75% dos alunos do 1º ano, 95% do 2º ano e 90% do 3º ano).
Estas cinco letras totalizaram 43% de todos os erros de legibilidade produzidos pelas crianças, pelo
que os professores deverão dar uma atenção particular a estas letras durante o processo de ensino da
escrita.
Independentemente do tipo de escrita que é ensinado à criança, esta acaba inevitavelmente
por desenvolver o seu próprio estilo de escrita ao longo do seu percurso escolar (normalmente uma
combinação entre letras manuscritas e cursivas).
O número de crianças com dificuldades na escrita é particularmente elevado. Por exemplo, Hooper
e colaboradores (1993) observaram que 35% dos alunos apresentavam dificuldades na expressão escrita,
enquanto mais recentemente Döhla e Heim (2016) estimaram que 7% a 15% das crianças em idade escolar
revelam défcits em um ou mais processos da escrita. Esta elevada ocorrência não se verifica apenas
506
Octávio Moura
na população geral, sendo ainda mais frequente nas perturbações do neurodesenvolvimento. Numa
amostra de crianças com perturbação da aprendizagem específica2, os défcits na expressão escrita são
claramente os mais comuns, quer quando ocorrem isoladamente (50% das crianças) (Mayes & Calhoun,
2007) quer em combinação com os défcits na leitura (50% das crianças) e/ou na matemática (44% das
crianças) (Landerl & Moll, 2010). Situação similar é observada na perturbação de hiperatividade/défcit
de atenção (PHDA), com 63% das crianças a apresentarem dificuldades na expressão escrita e 25% na
ortografia (Mayes & Calhoun, 2006).
Os dados reportados no parágrafo anterior são relativos aos vários processos da escrita.
Analisando especificamente as alterações na caligrafia, estas são igualmente bastante frequentes e mais
prevalentes nos meninos. Numa amostra de crianças do 2º ano de escolaridade foram identificadas
dificuldades na caligrafia em 10% de alunos, com os meninos a manifestarem défcits mais pronunciados
(apenas os meninos pontuaram abaixo do percentil 10) (Hamstra-Bletz & Blöte, 1993). Maeland (1992)
reportou uma incidência da disgrafia de 9.6% em crianças com 10 anos de idade (88% são meninos). Num
outro estudo com crianças do 2º ao 6º ano de escolaridade foram identificadas fragilidades na caligrafia
em 17% dos alunos (3/4 são meninos), com os professores a estimarem que 21% a 32% dos meninos
teriam dificuldades neste domínio e 11% a 12% das meninas (Smits-Engelsman, 1995). Numa investigação
mais recente foi encontrada uma prevalência de 22.3% em crianças dos 6 aos 16 anos (Mayes et al.,
2018). Por seu lado, Overvelde e Hulstijn (2011) avaliaram a presença de características compatíveis com
o diagnóstico de disgrafia em crianças do 2º e 3º anos de escolaridade em dois momentos temporais
(no início e no final de cada ano letivo). A percentagem de crianças com disgrafia no início do 2º ano
de escolaridade foi de 37% e no final do ano foi de 17%, enquanto no 3º ano de escolaridade foi de 6%
nos dois momentos de avaliação. O número de meninos com disgrafia foi significativamente superior em
ambos os anos de escolaridade. Por fim, Karlsdottir e Stefansson (2002) verificaram que 28% dos alunos
com disgrafia identificada no 1º ano de escolaridade mantinham a ilegibilidade da escrita no final do 5º
ano de escolaridade (62% no 2º ano e 37% no 3º ano).
2 O DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014) estima uma prevalência da Perturbação da Aprendizagem Específica nos três
domínios acadêmicos (leitura, expressão escrita e matemática) de 5% a 15% das crianças em idade escolar nas diferentes línguas e
culturas.
507
Compreendendo a Disgrafia
conseguirão dedicar recursos cognitivos adicionais para os restantes aspectos da escrita, nomeadamente
os relacionados com a ortografia (processos centrais) e o planejamento, textualização e revisão
(processos de ordem superior) (McCloskey & Rapp, 2017; Palmis et al., 2017; Pontart et al., 2013).
A interligação entre os processos centrais da escrita (i.e., ortografia) e os processos periféricos
(i.e., escrita à mão) encontra-se esquematizada nas Figuras 1 e 2. De um modo genérico, quando
do ditado de uma palavra familiar (e.g., gato), a sequência dos fonemas (/ɡatu/) identificada pelos
processos de reconhecimento da fala conduz à ativação de uma representação na memória fonológica
de longo-prazo (léxico fonológico) que, por sua vez, leva à ativação de uma representação semântica.
Esta representação semântica levará à ativação da representação escrita da palavra que se encontra na
memória ortográfica de longo-prazo (léxico ortográfico), permitindo a identificação da forma e ordem
das letras que compõem a ortografia da palavra. Esta representação ortográfica da palavra é mantida
temporariamente na memória de trabalho enquanto são executados os processos grafomotores da
escrita. Se a palavra a ser escrita for uma pseudopalavra (ou uma palavra desconhecida), então será
ativada a via sublexical (através da correspondência fonema-grafema) uma vez que, neste caso, não
existe uma representação léxico-fonológica, semântica ou léxico-ortográfica que permita a identificação
automática da palavra (ver Figura 1A).
Após esta representação ortográfica (recuperada através da memória de longo-prazo ou da
correspondência fonema-grafema) é, ainda, necessário a escrita à mão da palavra. Em primeiro lugar, a
representação abstrata de cada letra precisa de ser convertida em um alógrafo (i.e., a forma da letra;
allograph) correspondente ao formato de escrita pretendido (e.g., letra minúscula cursiva [gato] ou
manuscrita [gato]). Por sua vez, as representações alográficas ativam o planejamento grafomotor da
escrita que contém os movimentos aprendidos (i.e., a sequência de traços) e necessários para escrever
cada uma das letras no formato pretendido3 . Por fim, este planejamento grafomotor é convertido em um
movimento motor para um determinado órgão efetor (e.g., mão direita). Durante a escrita, o feedback
visual desempenha um papel importante de modo a assegurar a adequada orientação, espaçamento e
forma das letras (ver Figura 1B) (para uma revisão ver: Kandel et al., 2017; McCloskey & Rapp, 2017; S.
Roux et al., 2013). Na Figura 2 encontra-se representada a interligação entre os processos centrais e os
periféricos da escrita de uma palavra através de cópia.
3 O planejamento grafomotor da escrita não se encontra dependente de um órgão efetor em específico (e.g., mão direita) ou
de um conjunto de músculos. Deste modo, o planejamento grafomotor pode mediar a escrita de uma letra/palavra em diferentes
órgãos efetores (e.g., mão direita, mão esquerda, pé direito, pé esquerdo) (McCloskey & Rapp, 2017).
508
Octávio Moura
Figura 1A
Mecanismos cognitivos da ortografia (i.e., processos centrais da escrita; Figura 1A)
509
Compreendendo a Disgrafia
Figura 1B
Mecanismo da escrita à mão (i.e., processos periféricos; Figura 1B).
510
Octávio Moura
Figura 2
Processos centrais e processos periféricos durante a escrita de uma palavra através de cópia.
Figura adaptada de Kandel e colaboradores (2017, p. 224).
511
Compreendendo a Disgrafia
Estes dados podem explicar, pelo menos em parte, a elevada comorbilidade entre a dislexia e a disgrafia
(Arfé et al., 2020; Mayes et al., 2018).
Por seu lado, alguns estudos recentes têm constatado que, ao contrário do esperado, as
representações ortográficas das palavras podem ainda não estar totalmente concluídas quando a
criança inicia o movimento grafomotor da escrita (Kandel et al., 2013, 2017; S. Roux et al., 2013).
Esta situação é mais evidente nas crianças com dislexia e disgrafia do que nas crianças com
desenvolvimento típico. De modo similar, Roux (2013) observaram que os processos centrais ainda não
estão completamente finalizados no momento em que a criança inicia o movimento grafomotor, o que
pode afetar os processos periféricos. Estes resultados podem explicar as diversas correções de letras
que as crianças com dislexia fazem durante a escrita de textos e que afetam a sua legibilidade.
De um modo geral, os diversos estudos que analisaram o perfil cognitivo das crianças com
disgrafia ou com dificuldades na caligrafia (legibilidade e/ou rapidez) têm reportado fragilidades na
habilidade visuomotora, percepção visual, funções executivas (e.g., inibição, planejamento, flexibilidade
cognitiva e memória de trabalho), memória visuoespacial e verbal, velocidade de processamento,
atenção, entre outras (Berninger et al., 2015; Cordeiro et al., 2020; Döhla et al., 2018; Limpo et al., 2018;
Mayes et al., 2018; McCloskey & Rapp, 2017; Rapp et al., 2016). Este perfil cognitivo é algo distinto do
tipicamente encontrado nas crianças com dislexia relativamente às funções implicadas e à severidade do
comprometimento, uma vez que as habilidades de decodificação e de processamento lexical assumem
um papel central nesta perturbação da aprendizagem específica. Na dislexia as dificuldades mais
significativas ocorrem na consciência fonológica, na nomeação rápida e na memória de trabalho verbal
(frequentemente não exibem dificuldades visuopercetivas ou psicomotoras na ausência de comorbilidade
com outras perturbações), e os défcits são mais severos do que na disgrafia (Catts et al., 2017; Landerl
et al., 2013; Moura et al., 2018; Moura, Moreno, et al., 2015; Moura, Simões, et al., 2015).
Berninger e colaboradores (2015) verificaram que as crianças com disgrafia apresentam défcits
na memória de trabalho verbal (entre 4% a 92% das crianças consoante o estímulo verbal a memorizar)
e na atenção seletiva (19% das crianças). Contudo, quando foi contrastado o desempenho com as
crianças com perturbação da aprendizagem específica (dislexia ou défcit na expressão escrita), as crianças
com disgrafia apresentaram uma melhor pontuação nas diversas medidas cognitivas (e.g., memória de
trabalho, nomeação rápida, fluência leitora, precisão leitora e ortográfica). Mayes e colaboradores (2018)
identificaram fragilidades específicas na organização e no processamento visuoespacial em crianças
com disgrafia, para além de observarem que a capacidade intelectual foi um importante preditor das
512
Octávio Moura
513
Compreendendo a Disgrafia
escrita de algumas letras, entre outras (Castillo et al., 2010). Num outro estudo com seis crianças com
lesão cerebelar após neurocirurgia foram identificados sintomas de megalografia caracterizados por
letras grandes, altura exagerada das letras e um alinhamento irregular das palavras sobre a linha de base
(Frings et al., 2010). Diversos outros estudos com pacientes com lesão cerebral no córtex
pré-motor dorsal esquerdo (área de Exner) e no córtex parietal superior esquerdo têm documentado
alterações graves na caligrafia caracterizada por distorções na forma, traçado e ligação das letras, uma
incapacidade parcial para a escrita de letras e palavras, entre outras (Anderson et al., 1990; Magrassi et
al., 2010; Sakurai et al., 2007).
Comorbilidade
514
Octávio Moura
a capacidade motora (e.g., apanhar objetos, usar tesoura ou talheres, andar de bicicleta e praticar
desportos), descoordenação nos movimentos e inépcia na realização de atividades (e.g., deixar cair ou
colidir com objetos) (American Psychiatric Association, 2014; Prunty & Barnett, 2020).
A perturbação da aprendizagem específica com défcit na leitura (i.e., dislexia), na expressão
escrita e na matemática (i.e., discalculia) é possivelmente a comorbilidade mais frequente da disgrafia.
Um estudo recente investigou a prevalência da disgrafia em diversos grupos clínicos, sendo mais frequente
na discalculia (72.3%) e na dislexia (71.1%) do que nas restantes perturbações (PHDA com 56% e
perturbação do espectro do autismo com 55.8%) ou nas crianças com desenvolvimento típico (22.3%)
(Mayes et al., 2018). Outros estudos referem que 30% a 50% das crianças com dislexia apresentam
concomitantemente um diagnóstico de disgrafia (Arfé et al., 2020). De fato, as crianças com dislexia para
além dos défcits no reconhecimento preciso e fluente de palavras, na decodificação, na ortografia e no
processamento fonológico (i.e., consciência fonológica, nomeação rápida e memória verbal imediata)
(Catts et al., 2017; Landerl et al., 2013; Moura et al., 2018, 2020), com frequência evidenciam uma caligrafia
irregular que afeta significativamente a legibilidade dos seus escritos (Arfé et al., 2020; Berninger et al.,
2008; Sumner et al., 2014). Convém, no entanto, realçar que as alterações na caligrafia não são um dos
sintomas nucleares da dislexia, pelo que a existência de dificuldades cumulativas na precisão/fluência da
leitura, na precisão ortográfica e na caligrafia normalmente corresponde a um diagnóstico comórbido de
dislexia e disgrafia (American Psychiatric Association, 2014; Arfé et al., 2020; Moura et al., 2018).
Algumas hipóteses têm sido referidas na literatura para explicar as dificuldades na caligrafia das
crianças com dislexia. A hipótese que possivelmente reúne maior consenso é a existência de alterações
na área motora que podem estar presentes em algumas crianças com dislexia. Assim, o atraso no
desenvolvimento e/ou as dificuldades no controle psicomotor explicariam as alterações na caligrafia
exibidas por estas crianças (Arfé et al., 2020; Di Brina et al., 2018; Haslum & Miles, 2007). Outra hipótese
alternativa sugere que a lentidão na escrita das crianças disléxicas é uma consequência das dificuldades
linguísticas durante o processo de escrita. Deste modo, a rapidez de escrita não estaria associada
à lentidão ou à reduzida destreza psicomotora, mas sim às hesitações e às dificuldades na decodificação
e no acesso à representação ortográfica das palavras (Arfé et al., 2020; Sumner et al., 2013, 2014).
Nas crianças com PHDA as dificuldades na caligrafia são também bastante comuns. Numa
meta-análise de 44 estudos, Graham e colaboradores (2016) analisaram as características da escrita
de crianças com PHDA, do 1º ao 12º ano de escolaridade, e concluíram pela existência de défcits
significativos na caligrafia (magnitude de efeito = -0.62; i.e., 73% das crianças com PHDA obtiveram
um desempenho inferior ao das crianças com desenvolvimento típico) e na precisão ortográfica
(magnitude de efeito = -0.80; i.e., 79% das crianças com PHDA obtiveram um desempenho inferior ao
das crianças com desenvolvimento típico). De fato, são vários os estudos que documentam as fragilidades
515
Compreendendo a Disgrafia
das crianças com PHDA na qualidade da caligrafia (e.g., forma, tamanho, espaçamento e alinhamento),
na rapidez de escrita, na destreza psicomotora, uma acentuada pressão da mão sobre o lápis, entre
outras (Adijapha et al., 2007; Brossard-Racine et al., 2008, 2011; Graham et al., 2016; Langmaid et al.,
2014). As crianças com PHDA revelam défcits em várias funções cognitivas (e.g., flexibilidade, inibição,
planejamento, memória de trabalho verbal e visuoespacial, velocidade de processamento, atenção,
processamento fonológico) (Areces et al., 2018; Moura et al., 2017, 2019; Willcutt et al., 2005), as quais
também se encontram associadas aos processos de escrita (Döhla et al., 2018; Graham et al., 2016),
pelo que não é de surpreender o elevado número de crianças com diagnóstico comórbido de PHDA
e de disgrafia. Por exemplo, Mayes e colaboradores (2018, 2019) verificaram que a disgrafia pode estar
presente em mais de metade das crianças com PHDA, independentemente do tipo de apresentação:
apresentação combinada (55.5% a 60.5%) e apresentação predominantemente de desatenção (56.3% a
59.5%).
Dificuldades na caligrafia são também uma das características comumente observadas nas
crianças com perturbação do espectro do autismo. Estas alterações parecem estar relacionadas com as
dificuldades nas habilidades motoras (e.g., motricidade fina e grossa, marcha, equilíbrio e movimento)
tipicamente exibidas por estas crianças (Fuentes et al., 2009, 2010; Kushki et al., 2011; Mayes et al.,
2019). Outras características das crianças com perturbação do espectro do autismo que podem afetar a
qualidade da caligrafia são as dificuldades na percepção visual, na organização percetiva, na integração da
informação visomotora e na propriocepção (Dakin & Frith, 2005; Fuentes et al., 2009, 2010; Kushki et al.,
2011; Weimer et al., 2001). A disgrafia pode ocorrer em mais de metade das crianças com perturbação
do espectro do autismo: 55.8% (Mayes et al., 2018) e 56.6% (Mayes et al., 2019).
Tendo em conta estes dados tem sido sugerido que nas crianças com perturbação da
aprendizagem específica, PHDA, perturbação do espectro do autismo e problemas psicomotores, seja
realizada uma avaliação de diagnóstico da disgrafia dada a sua elevada ocorrência nestas perturbações
(Mayes et al., 2018). Esta avaliação permitirá identificar precocemente as dificuldades na caligrafia, facilita
a implementação de uma intervenção reeducativa e a aplicação de acomodações em contexto de sala
de aula.
A escrita à mão requer uma elevada coordenação, precisão e regulação dos movimentos do
órgão efetor (mão direita ou mão esquerda), algo que se encontra particularmente comprometida
nas crianças com disgrafia. Para além das dificuldades na caligrafia, estas crianças podem ainda
manifestar fragilidades nas restantes atividades que requerem controle psicomotor, como sejam
516
Octávio Moura
a pintura, desenho, recorte, recalque, contorno, habilidades motoras finas e grossas. Deste modo,
os alunos com disgrafia são consideravelmente mais lentos e imprecisos nestas atividades, o que
pode afetar o desempenho escolar, o interesse pela aprendizagem e o seu estado emocional.
Assim, torna-se importante identificar os sinais e os sintomas de disgrafia o mais precocemente possível
para que possa ser implementado um processo de intervenção e a aplicação de um conjunto de
acomodações e adequações curriculares em contexto de sala de aula.
Intervenção na Disgrafia
Durante os primeiros anos de escolaridade, com alguma frequência se observa, por parte de
professores, pais e restantes agentes educativos, uma tendência para desvalorizar as fragilidades que os
alunos apresentam na caligrafia em detrimento das dificuldades nos restantes domínios da aprendizagem:
leitura, escrita e cálculo mental. Por outro lado, alguns professores não conhecendo toda a complexidade
e multiplicidade de fatores envolvidos nos processos periféricos e centrais da escrita acabam por
aplicar o mesmo método de ensino de escrita a todos os alunos, sem ter em atenção as características
individuais ou o ritmo de aprendizagem específico de cada criança. Esta dinâmica acaba também por
se manter nas situações de alunos com disgrafia onde, por vezes, as estratégias de intervenção se
limitam a exercícios convencionais de caligrafia sem considerar os fatores que estarão na sua origem
(cf., Torres & Fernández, 2001).
Antes de analisarmos as atividades que podem ser adotadas para melhorar a qualidade da escrita
à mão é importante compreender as habilidades e as especificidades envolvidas nos dois tipos de caligrafia
que são utilizados nos primeiros anos de escolaridade (cursiva e manuscrita).Vários autores sugerem, nos
casos de crianças com disgrafia ou com problemas na motricidade fina, que a escrita manuscrita deverá
ser preferencialmente utilizada pois é mais fácil e exige movimentos mais simples, discretos e estáveis
(Graham, 2009; Hamstra-Bletz & Blöte, 1993; Schwellnus et al., 2012). A escrita cursiva envolve um
maior número de movimentos complexos e é mais exigente quanto ao controle e destreza psicomotora
(Arfé et al., 2020; Pagliarini et al., 2015). Muito embora a escrita cursiva permita uma maior legibilidade e
rapidez de escrita no início da aprendizagem, tem sido observado que quando a escrita manuscrita está
automatizada é possível obter uma rapidez equiparável (Graham, 1999; Graham, Weintraub, et al., 1998).
Por outro lado, a aprendizagem da escrita à mão deverá iniciar pelas letras maiúsculas uma vez que são
consideravelmente mais fáceis do que as minúsculas e pelas letras que podem ser reproduzidas por um
único traço/movimento pois requerem um menor controle visuomotor (Schwellnus et al., 2012).
Estes dados são particularmente relevantes uma vez que se encontra bem estabelecida
a relação entre a rapidez de escrita e a qualidade dos textos. Vários estudos demonstram que a
517
Compreendendo a Disgrafia
rapidez de escrita explica uma elevada percentagem da variância (normalmente acima dos 25%,
isoladamente ou em combinação com outras variáveis) da qualidade da escrita em crianças do ensino
básico (1º ao 9º ano de escolaridade) (para uma revisão ver: Alves et al., 2016; Limpo et al., 2017).
Deste modo, as crianças com disgrafia apresentam um risco aumentado de apresentarem dificuldades
de aprendizagem, uma vez que afeta a legibilidade, a rapidez e a qualidade dos textos escritos
(e.g., uma criança com uma escrita lenta não conseguirá acompanhar a velocidade com que a linguagem
oral é processada no seu pensamento), bem como um marcado desinteresse pelas atividades escolares.
Relativamente à intervenção nas dificuldades de caligrafia, uma meta-análise recente concluiu
que os alunos com e sem dificuldades na caligrafia, do ensino pré-escolar até ao 9º ano de escolaridade,
beneficiam com uma instrução explícita da escrita através de múltiplas abordagens e atividades (Santangelo
& Graham, 2016). Diversas atividades quanto à legibilidade da escrita (i.e., forma, tamanho, espaçamento,
alinhamento e traçado das letras) têm sido propostas por vários autores (Alves et al., 2018; Berninger
et al., 1997; Graham, 1999, 2009; Graham et al., 2013; Limpo et al., 2018):
• Ensinar a forma correta de segurar o lápis durante a escrita (i.e., lápis entre os dedos polegar e o
indicador, e pousado sobre o dedo do meio), bem como a postura correta de se sentar na cadeira
durante as atividades de escrita. Uma postura incorreta conduz a um elevado desconforto e
fadiga quando é necessário escrever durante longos períodos de tempo;
• É recomendado que na escrita cursiva a folha onde a criança destra terá que escrever esteja
colocada com uma inclinação de 45 graus no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Na escrita
manuscrita deverá estar colocada em frente à criança (sem inclinação) e com a parte esquerda
da folha alinhada ao centro do corpo. Na criança canhota deverá ser utilizado o procedimento
inverso.
• Utilizar pistas visuais para ajudar a escrever as letras do alfabeto. Por exemplo, utilizar um conjunto
de setas numeradas indicando a natureza, ordem e direção das linhas/traços de uma letra de
forma a que a criança identifique os movimentos motores que tem que realizar. Esta atividade
deverá ser complementada com uma tarefa de cópia (e.g., a criança decalca o traçado das setas
numeradas) e de memória. Por vezes pode ser necessária a assistência do professor colocando a
sua mão sobre a mão da criança;
• O professor deverá demonstrar visualmente, em um quadro, o movimento correto de cada uma
das letras do alfabeto para que depois a criança as possa imitar e reproduzir numa folha;
• Copiar a forma das letras, cobrir/decalcar o traçado das letras em diversos materiais e superfícies;
•
Descrever e comparar as linhas/segmentos que são semelhantes e diferentes entre uma
determinada letra e as restantes;
518
Octávio Moura
Importa referir que estas atividades não devem ser realizadas de forma massiva (e.g., trabalhar
a mesma letra repetidas vezes ao longo de toda a sessão) ou durante um longo período de tempo,
devendo as letras mais frequentes e simples serem introduzidas primeiro. Após uma determinada letra
519
Compreendendo a Disgrafia
ser introduzida a criança deverá a exercitar durante alguns minutos através de diversos exercícios e sobre
a supervisão do professor. Sempre que necessário, a letra poderá ser praticada nas sessões seguintes
(Graham, 1999, 2009). Muito embora existam diferentes metodologias relativamente à intervenção nos
problemas de escrita, elas partilham um conjunto de procedimentos estandardizados, nomeadamente
duas ou mais sessões por semana, 10 a 30 minutos por sessão (e.g., 50 a 100 minutos por semana) e
durante várias semanas (Alves et al., 2018; Graham, 2009). Berninger e colaboradores (1997) sugerem
duas sessões por semana, com uma duração de 20 minutos por sessão, onde a criança escreve cada
uma das letras do alfabeto através de uma atividade específica e depois redige um pequeno texto (em
cada sessão um tema diferente) de modo a aplicar as estratégias que anteriormente praticou. Graham e
colaboradores (2009; 2000) sugerem 27 sessões (três sessões por semana), divididas em nove unidades
(três sessões por unidade) e uma duração de 15 minutos por sessão. Em cada unidade deverão ser
introduzidas duas a três letras minúsculas que partilhem características comuns quanto à forma (e.g.,
unidade 1: <l>, <i> e <t>; unidade 5: <c>, <d> e <g>; ou unidade 7: <v>, <w> e <y>). As letras que são
facilmente confundidas não deverão ser incluídas na mesma unidade (e.g., <u> e <n>; <d> e <b>; <p> e
<q>). Por seu lado, Limpo e colaboradores (2018) sugerem uma unidade por semana, com 3 sessões de
20 minutos por unidade. Em cada unidade a criança escreve o alfabeto em letra minúscula e em seguida
faz uma cópia de palavras ou de frases.
Para além desta instrução explícita da escrita à mão, alguns autores sugerem que no caso das
crianças com disgrafia e/ou com défcits psicomotores poderá ser necessário complementar com uma
intervenção nas habilidades motoras, de modo a que a criança desenvolva um maior controle e destreza
psicomotora (Graham, 1999; Smits-Engelsman et al., 2001; Torres & Fernández, 2001). Por exemplo, uma
intervenção baseada no controle da força e no treino da motricidade fina e grossa (18 sessões durante 3
meses) produziu efeitos positivos na qualidade global da caligrafia em crianças com sintomas de disgrafia
(Smits-Engelsman et al., 2001). Contudo, a maioria das investigações tem demonstrado que uma
intervenção baseada unicamente nas habilidades motoras não parece ser útil na melhoria da caligrafia
(quanto à legibilidade e rapidez) (Santangelo & Graham, 2016). Também não foi observada uma melhoria
através da intervenção multissensorial (Zwicker & Hadwin, 2009).
520
Octávio Moura
• Permitir que o aluno dê respostas orais em vez de utilizar a escrita para demonstrar a compreensão
de conceitos;
• Nos testes de avaliação permitir que o aluno responda oralmente às questões (podendo ser
gravadas em um arquivo áudio para que o professor as possa classificar posteriormente) ou
que as escreva através do processador de texto do computador (apenas nas situações em que a
criança demonstre uma adequada capacidade de digitar no teclado). Outra possibilidade poderá
ser a transcrição das respostas do teste por parte do professor (i.e., o professor no final do
teste, e na presença do aluno, irá transcrever as respostas respeitando na íntegra o que o aluno
escreveu);
• Nos testes utilizar diferentes formatos de resposta (e.g., verdadeiro/falso, escolha múltipla,
preenchimento de lacunas e correspondência) de modo a evitar que o aluno tenha que escrever
respostas longas;
• Permitir um tempo suplementar (ou sem limite de tempo) para realizar os testes;
• Disponibilizar testes adaptados às dificuldades do aluno (e.g., adaptar as perguntas que exijam
respostas mais longas e reduzir o número de perguntas);
• Não penalizar pelos erros ortográficos que o aluno possa apresentar nos testes;
• Permitir pequenas pausas durante a realização de testes ou de atividades que envolvam um
grande controle psicomotor (e.g., escrever, pintar, desenhar, recortar, recalcar e contornar);
• Disponibilizar os conteúdos abordados verbalmente na sala de aula e/ou escritos no quadro em
diversos suportes (e.g., fotocópias, arquivo de áudio ou vídeo e recursos online) de modo a evitar
que o aluno os tenha de escrever ou copiar do quadro;
• Permitir que o aluno disponha de mais tempo para processar a informação, passar para o caderno
os conteúdos abordados e concretizar as diversas tarefas;
• Sempre que possível, utilizar um tamanho de letra com 12-14 pontos, uma fonte de texto que
permita maior legibilidade (e.g., Arial, Calibri, Helvetica, Tahoma, Times New Roman ou Verdana),
um espaçamento entre as linhas de 1.5 pontos (ou superior) e um maior espaçamento entre as
letras (e.g., 1.3 pontos) nas fichas ou nos testes de avaliação;4
•
Não penalizar a menor qualidade na apresentação dos cadernos (por vezes estes surgem
desorganizados, riscados, rasurados e com uma caligrafia ilegível);
• Adaptar as atividades que requeiram um elevado controle psicomotor (e.g., escrever, pintar,
desenhar, recortar, recalcar e contornar) às fragilidades do aluno;
• Manter a proximidade ao aluno e fornecer um feedback contínuo;
4 Alguns estudos têm demonstrado que este conjunto de fontes de texto e de espaçamento (entre as linhas e entre as letras)
permite uma maior legibilidade (British Dyslexia Association, 2018; Duranovic et al., 2018; Kuster et al., 2018).
521
Compreendendo a Disgrafia
• Utilizar diversos recursos tecnológicos (e.g., computador, tablet e quadros interativos) para uma
apresentação mais dinâmica dos conteúdos escolares;
• Ensinar métodos de estudo e como tirar apontamentos/notas durante as aulas.
Todas estas acomodações e adequações curriculares têm por objetivo ajustar as estratégias
de ensino-aprendizagem às dificuldades específicas dos alunos com disgrafia e, deste modo, minimizar
o impacto que estas causam na aprendizagem dos diversos conteúdos curriculares, no desempenho
escolar e no seu estado emocional.
Conclusões
522
Octávio Moura
Tendo em conta o espectro de fragilidades manifestado pelas crianças com disgrafia e o seu
impacto na aprendizagem torna-se essencial uma sinalização, avaliação e intervenção o mais precoce
possível. Neste sentido, uma instrução explícita da escrita através de diversas abordagens e atividades,
com uma periodicidade semanal (e.g., 2 a 3 sessões por semana, duração de 10 a 30 minutos por sessão
e em um total de 50 a 100 minutos por semana) e durante várias semanas tem evidenciado melhorias
significativas na qualidade da escrita à mão destas crianças (Alves et al., 2018; Graham, 2009; Graham et
al., 2013). Estas atividades podem ser complementadas com um conjunto de acomodações e adaptações
curriculares, em contexto de sala de aula, de modo a ajustar as estratégias de ensino-aprendizagem às
dificuldades na caligrafia destes alunos.
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Octávio Moura
Recursos Online
• Writing Wizard — https://lescapadou.com
É uma aplicação para dispositivos móveis (Android e iOS) em que a criança aprende a fazer a forma correta das letras
através de um conjunto de atividades interativas. Existem duas aplicações, uma para a escrita cursiva e uma outra
para a escrita manuscrita.
• ClassDojo — https://www.classdojo.com
Trata-se de mais uma aplicação para dispositivos móveis (Android e iOS). O ClassDojo permite a conexão e a
interação entre os professores, alunos e pais de forma a partilharem experiências de aprendizagem (e.g.,
atividades, exercícios e registos) através de diversos formatos (e.g., vídeos, fotografias e chat).
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