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PUC RJ

ESPECIALIZAÇÃO EM TRANSTORNOS ALIMENTARES

Disciplina 2: O Psiquismo nos TAs e Prática Supervisionada


Módulo 1: Assunto – Ego Corporal e Compulsões
Professora Sara Kislanov

Alunos: Rafael Cardoso de Albuquerque Ribeiro


Jean Phillipe Cintra Lafond

21 de outubro de 2022
Análise sobre o filme “Réquiem para um Sonho”, correlacionando-o com
a temática das aulas (Ego e Compulsões)
Este é um filme de 2000 e trata de um mergulho intenso em um cenário de
vazio existencial e vícios, em uma realidade bastante presente na época, e que
ainda perdura, talvez de forma mais cruel, nos dias de hoje, principalmente no
que tange ao uso de drogas ilícitas e medicamentos.
O filme conta a história de uma mãe, Sara, viúva, que mora sozinha com seu
filho, um jovem chamado Harry. Participam dessa história também como
protagonistas Marion, namorada de Harry, e Ty, seu amigo. Em linhas gerais, o
filme aborda a jornada destes personagens em meio a seus desejos, prazeres,
medos e ambições, que os levam (cada um de forma muito singular), a uma
corrosão de suas vidas funcionais em direção a lugares sombrios, cheios de
dor, sofrimento e marcas irreversíveis.
A maneira pela qual o diretor apresenta os “tempos” do filme, ou capítulos, é
através de estações do ano, iniciando no verão e terminando no inverno. É
possível perceber que cada estação traz consigo também a atmosfera, o clima
dos personagens. Passando do calor, esperança, luz, alegria e boa
expectativa, transmitida no verão e, gradualmente, chegando à escuridão,
angústia, dor, desespero e resignação demonstrada no “inverno de cada
personagem”.
Estes personagens possuem uma riqueza imensa, mas buscamos destacar
abaixo, os principais pontos da história de cada.
Tais personagens, possuem uma imensa riqueza de detalhes. Porém,
buscamos os principais pontos de cada um na história.
 Sara (mãe)

o Sara é uma mãe, que, após o falecimento de seu marido, tem


como foco principal de sua vida o filho. Diante de uma grande
ausência física e afetiva do filho, ela passa a maior parte de seu
tempo vendo televisão, especificamente um “game show”, que
assiste recorrentemente. Trata-se de um game show onde o
apresentador ensina sobre uma “fórmula mágica”, em 3 passos,
capaz de mudar a sua vida em 30 dias.
o Sua relação com o filho encontra-se abalada, já que o mesmo
demonstra comportamentos agressivos com ela, furtando
produtos de sua casa (como a tv) para comprar drogas.
o Sara, inclusive, demonstra medo dele, que só a “trata bem”
quando deseja algo dela.
o Ao receber uma ligação de um programa que assiste,
convidando-a como participante, sua vida se transforma. Em meio
à expectativa de sua participação a qualquer momento, Sara
busca um vestido vermelho em seu armário, utilizado num
momento muito feliz e orgulhoso de sua vida, na formatura de seu
filho, quando ainda eram uma família “completa”, ela o filho e o
marido.
o Sara inicia, assim, uma busca pelo emagrecimento, para que
volte a “caber” no vestido vermelho utilizado muitos anos atrás.
Começa por uma dieta muito restritiva, designada por ela mesma.
Rapidamente, Sara sente-se mal e, ao ouvir sobre uma amiga
que perdeu muitos quilos com o auxílio de um médico, marca
uma consulta.
o Sara então percebe que sua dieta não trará o efeito esperado no
curto espaço de tempo necessário, nesse momento sua amiga
sugere um médico “especialista” no assunto com base nas
informações de uma amiga que veio a perder muito peso com ele.
o Sem que tenha sido realizada uma avaliação detalhada, Sara sai
do médico, com um kit de pílulas para ajudar no emagrecimento.
São 3, uma para cada refeição do dia, cita ela, e uma 4ª. para
ajudar a dormir.
o Aos poucos, os efeitos do emagrecimento começam a aparecer,
mas não sozinhos. Inicialmente, Sara apresenta sudorese, maior
agitação, inquietação e vigor físico, passando muito tempo
arrumando e limpando a casa.
o Suas amigas percebem o emagrecimento que teve e começam a
parabenizá-la, dando a ela inclusive um “lugar de destaque” nas
cadeiras onde se sentam.
o Com o passar do tempo, a medida em que Sara não recebe um
retorno quanto a data de participação no show, ela passa a tomar
as pílulas mais frequentemente e indiscriminadamente. Ela já
“cabe” em seu vestido, e até “sobra” nele, porém, isso não parece
importar mais.
o Sara começa a apresentar, então, sinais cada vez mais intensos
de agitação, confusão mental, insônia e, por último, alucinações
visuais e auditivas.
o Por fim, Sara abresofre um surto psicótico e é internada em uma
instituição psiquiátrica, onde são impostos a ela tratamentos
severos e desumanizados.

 Harry (filho)

o Harry é um jovem que mora com a mãe e tem seu pai falecido.
o Desrespeita sua mãe para saciar seu vício em drogas, sendo por
vezes agressivo e, outras vezes, a roubando.
o Ao conversar com um amigo, ambos tem a ideia de ter o próprio
negócio, de venda de drogas. Apesar de realizar as vendas, em
nenhum momento, Harry deixa de utilizar as drogas (inclusive
injetáveis).
o Harry também tem uma namorada, da qual demonstra gostar e
com a qual compartilha o vício em drogas.
o Os negócios vão bem, até que, devido a ocorrências policiais, há
uma escassez de drogas disponíveis. Isso faz com que aquela
aparente estabilidade (como usuário e “negociante”) desapareça.
o Harry começa a apresentar sinais da abstinência das drogas –
agressividade, impulsividade, agitação. A abstinência também
afeta gravemente o seu relacionamento.
o Desesperado, Harry parte em busca de drogas em lugares mais
distantes, mas no meio tempo, está com uma ferida muito grave
no braço onde injetava as drogas.
o Por fim, Harry é preso e, devido a gravidade de seu ferimento,
tem seu braço amputado. Está sozinho no hospital da prisão, sem
seu amigo, sua mãe ou sua namorada.

 Marion (namorada)

o Marion é uma jovem, filha de pais com boa condição financeira,


que pagam seu apartamento e seu psiquiatra.
o Apesar disso, cita que não é isso que ela gostaria de receber
deles.
o Não se interessa por trabalho, apesar de ter talento como design
de moda, e passa todo o seu tempo com Harry, seu namorado.
o Compartilha seu vício em drogas com ele.
o Demonstra dar muito valor à opinião e ao afeto de Harry,
depositando nele suas expectativas e seu futuro.
o A medida em que as drogas começam a ficar escassas, por uma
ideia de Harry, se submete a fazer favores sexuais com um
conhecido em troca de dinheiro.
o Já com o relacionamento distante de Harry e sem acesso às
drogas, em uma atitude desesperada, Marion começa a se
prostituir em troca de drogas.
o Inicialmente, Marion sente-se mal, arrependida.
o Ela tenta se recuperar desta ação e pede ajuda a Harry, mas este
não consegue ajudá-la, pois está preso.
o Por fim, Marion acaba por sucumbir e volta a se prostituir, em
lugares ainda maiores e com mais pessoas, para que, assim,
consiga sustentar seu vício.

 Ty (amigo)

o Ty é amigo de Harry e seu parceiro na venda de drogas.


o Diferentemente de Harry, Ty parece ter seu vício em drogas mais
“controlado”, conseguindo sentir menos o efeito da abstinência de
drogas.
o Durante o filme, Ty foi preso numa negociação de traficantes,
mas solto posteriormente.
o Ty demonstra ter a pretensão de ser alguém na vida – algo que
se lembra de ter falado à mãe. Aparentemente sua mãe já
faleceu.
o Por fim, Ty é preso novamente e, constantemente, é maltratado
na prisão, demonstrando sentir-se muito sozinho.
o Sofre muito ao ver seu amigo (Harry) mal e precisando de ajuda
em todo o processo que culmina na amputação de seu braço.

Todas as histórias trazidas acima, apontam para um grau de sofrimento


muito grande dos personagens, que os levaram a um maior ou menor
grau de compulsão, seja por drogas ou remédios.

As compulsões, normalmente, estão atreladas a determinadas crises


existenciais. Na psicanálise, acredita-se que o sujeito fica sem
possibilidade de elaborar alguma situação, algum trauma e, diante dessa
impossibilidade de elaboração, pode ocorrer a compulsão.

São, vamos dizer assim, formas de simbolização daquilo que diz


respeito à relação de si com os outros. Tudo o que escapa a isso é o
que caracteriza-se como compulsão. A pessoa se vê obcecada por
aquele objeto de gozo e ela não sabe exatamente a razão disso. O
objeto de gozo em si não tem representações suficientes para que o
sujeito possa assimilar a importância disso para ele, ele simplesmente
se vê atraído como um ímã porque é uma forma dele preencher um
determinado vazio.

Nos personagens acima, podemos observar:

Sara – possivelmente não viveu o luto do marido e de uma fase onde


ainda tinha seu filho “debaixo de suas asas” e com um potencial futuro
brilhante pela frente. Sua vida estava vazia de possibilidade, esvaziada
de desejo, de sentido. A oportunidade de aparecer na TV a lançou de
volta para uma possibilidade de retomar a vida pregressa, porém, que
não era mais possível. Lançou-se então, a um projeto imediatista e de
expectativa irreal e a frustração daquela possibilidade se tornou algo
insuportável, fazendo um uso cada vez maior da medicação que,
destaca-se, foi mal prescrita para ela desde o início. O que mais deseja
é a atenção, o afeto e o carinho do filho mas, até o final, não recebe.

Harry – busca nas drogas uma forma de aplacar uma possível dor e
sofrimento não processado, não simbolizado. Apesar de sentir culpa, por
vezes (quanto à mãe, quanto à namorada), abre mão de seus valores e
princípios, em detrimento da obtenção da droga, sendo completamente
dominado regido por este desejo, a ponto de, em última instância, perder
o seu braço.
Marion – busca nas drogas e no relacionamento com Harry o
preenchimento de um vazio deixado talvez pela falta de afeto dos pais.
Busca em Harry talvez uma figura paterna, que a supra de amor e afeto.
A medida que sua relação com Harry começa a colapsar e, somado a
abstinência das drogas, mergulha ainda mais no profundo de seu vazio,
entregando tudo que tem, inclusive seu corpo, para suprir o vício nas
drogas que, também agem como anestésicos para a dor e o sofrimento
da vida.

Ty – talvez também não tenha vivido e processado corretamente um luto


pela sua mãe. E, em vida, busca constantemente cumprir a “promessa”
que fez a mãe, de que ele seria alguém um dia. Está constantemente
em busca do abraço e do colo da infância, que nunca voltará. Ao buscar
ser alguém, talvez de forma rápida, entra no universo das drogas. Como
usuário, também busca uma forma de anestesiar sua mente e seu corpo
com o uso das drogas.

Mais comentários sobre o filme

Aqui, apresentaremos algumas elementos que o diretor inseriu no filme


que nos darão base reflexiva para outras discussões.

Ao longo do filme é comum ouvirmos comerciais de tv que


passam quando a tv Sra Goldfarb está ligada. Nesse momento é comum
ouvirmos diretamente ou indiretamente os comerciais televisivos. O que
se destaca nesses comerciais é que todos possuem alguma relação
direta com comida.
Dessa maneira, sempre que a tv está ligada somos obrigados a
ouvir frases de impacto como “não coma açúcar, “não coma carne” ou
então “eu melhorei depois que parei de comer carne.”
Inclusive, o telefone da propaganda para o telespectador ligar para o
programa tem a palava “juice”, que em português traduziríamos como
suco, no entanto no inglês conforme o dicionário Collins poderia ser
traduzido como “the essence of anything” ou “a essência de qualquer
coisa.
Outossim, quando o autor quer mostrar que há algum consumo
de drogas, a câmera faz um close no objeto da droga em questão.
Dessa maneira, em alguns casos é fácil e perceptível essa percepção, já
em outros o autor faz o pensar sobre outros tipos de consumo de drogas
não “convencionais” como é o caso da televisão, onde a cena aparece
toda vez que a TV é ligada pela Sra Goldfarb. Assim o diretor dessa
forma faz uma crítica direta ao consumo excessivo de televisão,
mostrado ao público que o vício pode estar sob diversos aspectos e
camadas.
Outra cena o diretor mostra que esse consumo de drogas pode
acontecer em qualquer momento e de qualquer maneira sem que haja
um local específico e para isso, basta somente a necessidade do
usuário. Como é a cena onde Harry entra em um táxi, nitidamente
abalado, os closes surgem e logo em seguida Harry está agindo normal
novamente. Esta cena nos faz refletir sobre a banalização do consumo
perante o usuário.
Sobre Sra. Goldfarb é importante falar sobre o seu deslocamento
social e isso é mostrado acerca de seu comportamento perto de suas
amigas. Enquanto suas amigas estão todos os dias reunidos do lado de
fora sentadas nas cadeiras no banho de sol, ela se mantém restrita na
sua casa vendo televisão. Acerca desse comportamento o diretor não
nos deixa respostas claras sobre o assunto, portanto não sabemos a
origem real de seu deslocamento social.
Sobre isso, o diretor nos dá algumas pistas sobre o corpo da Sra
Goldfarb, pois quando o seu filho Harry a questiona sobre o uso
excessivo de remédios ela diz: “você viu onde estou me sentando?
Estou no melhor lugar agora. Todo mundo irá gostar de mim.”
A forma como a conjugação verbal (futuro do presente) está
posicionada na fala nos faz pensar sobre o julgamento que ela possui
sobre seu corpo perante as pessoas; Afinal, caso eu emagreça meus
amigos gostarão de mim. Porém, deve ser apontado que quando a Sra.
Goldfarb faz esse questionamento sobre ela, ela já possui um
emagrecimento considerável e nítido para o telespectador;
Outro recurso importante filmográfico que o diretor faz é aumentar
a velocidade de algumas cenas do filme, semelhante ao “fast farward”
dos antigos vídeos cassetes. Tais cenas, são importantes para
contextualizar uma perda da noção do tempo. Essa perda temporal vem
sempre acompanhada de um consumo de drogas, seja ela quais sejam.
Dessa maneira, o diretor faz com que tanto o telespectador quando os
personagens do filme se percam nas horas passadas.
Alias, acerca do tempo em diversos momento do filme perdoemos
a noção completa de quanto tempo realmente se passou. Certas cenas
apresentadas pelo diretor, parecem ser de algumas horas são na
verdade dias que se passaram. A única ferramenta que temos como
contador de tempo, são as estações do ano. Nela o diretor insere em um
contexto de quebra de movimento para que o telespectador para e reflita
e estabeleça um ponto crítico dizendo: “já passou tudo isso?”
Outro ponto interessante de comentar, quando Sra. Goldfarb já
muito emagrecida, sentada em seu sofá começa a delirar como se
estivesse dentro do programa televisivo sendo entrevistada. Dessa
maneira, podemos ver duas Goldfarb;
 uma sentada no sofá, completamente emagrecida e nitidamente
mais envelhecida por conta dos usos de medicamentos e uma dieta
forçada e uma alimentação precária;
 uma outra, dentro da televisão bonita, esbelta, magra, com cabelos
visivelmente bem feitos e sorridente;
Aqui, podemos associar alguns transtorno de imagem que
possivelmente possam estar instaurados na personagem. Pois, a
imagem refletida na TV seria a Goldfarb que ela imaginou que estaria no
palco em comparação com a real personagem está completamente
diferente. Encontrando-se enfraquecida e nitidamente afetada pelos
problemas do consumo de remédios e jejuns prolongados;
Momentos depois, podemos perceber que a casa da Sra.
Goldfarb torna-se um grande “backstage” de um palco e no ápice de
seus delírios Sra. Goldfarb vê sua alter ego mais bonita falando por
diversas vezes “alimente-me”. Tal alucinação, pode abrir margens
diversas interpretações, porém uma das colocamos aqui em questão é o
próprio “corpo interior” dela pedindo comida no sentido literal da palavra.
Outro pondo de reflexão sobre o final do filme é da cor branca
que o diretor faz uso. Ela, aparece no final do filme em momentos muito
rápidos, como flashes em todos os personagens. Ela aparece para o Ty
na prisão onde ele está mexendo um pure, logo em seguida aparece no
uso do lubrificante pela Marion, no protetor bucal do choque elétrico de
Goldfarb e nas luzes brancas do hospital onde harry estava fazendo a
cirurgia para remoção do braço necrosado;
O diretor finaliza com as pessoas que estão na festa vendo
Marion dizendo “smash potatoes”, prato o qual Ty está na prisão
fazendo. Dessa maneira, o Diretor insere uma referência clara que todos
os personagens estão ligados uns aos outros e independente do vício,
seus finais serão todos trágicos.

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