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Especialista em Neuropsicopedagogia e Desenvolvimento Humano pela UNIASSELVI/IERGS.
Licenciada em Letras e especialista em Literatura da Língua Portuguesa pela UFRGS.
**
2 Mestre em Psicologia da Educação. Psicopedagoga. Professora orientadora no curso de pós-
graduação em Neuropsicopedagogia e Desenvolvimento Humano pelo IERGS.
Ida Goldstein Chazan, Mariana Vega Marona • LEITURA: uma construção individual • 139
Introdução
Dificuldades de aprendizagem
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É fundamental lembrar a diferença entre dificuldades de aprendizagem -
termo genérico para nomear problemas capazes de alterar as possibilidades de
a criança aprender, independentemente de suas condições neurológicas para
tanto e relacionados a questões de ordem pedagógica, fatores emocionais, fami-
liares, sociais ou motivacionais – e transtornos de aprendizagem – dificuldades
que se devem a alterações no sistema nervoso central.
Os transtornos da aprendizagem compreendem uma inabilidade específica,
como de leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam resul-
tados substancialmente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimen-
to, escolaridade e capacidade intelectual, e sua prevalência varia de 2 a 10%,
dependendo do tipo de testagem utilizada. (ROTTA, 2006) Os problemas que
as crianças apresentam são mais persistentes e não evoluem, apesar de um
trabalho pedagógico individualizado, e às vezes diagnósticos provisórios são ne-
cessários até que se afastem todas as causas “naturais” (fatores não biológicos,
como oportunidade para aprender e qualidade do ensino) de dificuldades para a
aprendizagem. (MOOJEN, 2004)
No caso de Juliana3, mais adiante descrito, qualquer diagnóstico seria pro-
visório, dado o curto prazo para intervenção psicopedagógica e reavaliação.
Para iniciar o trabalho, consideramos se tratar de dificuldade de aprendizagem
de leitura e escrita.
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trabalho integrado com leitura e vocabulário em sala de aula resulta em ganho
gradual de conhecimento lexical, maior consciência dos conhecimentos
linguísticos e aprofundamento do nível de compreensão lexical, o que interfere
diretamente na própria compreensão leitora. (GABRIEL, 2011)
A ciência ainda tem mais estudos desenvolvidos acerca da leitura em nível
de reconhecimento da palavra do que em relação à compreensão de texto, finali-
dade última do processo, para a qual contribui a história do leitor. Conhecimen-
to gera conhecimento, leitura desenvolve a leitura.
Juliana foi privada do convívio com outras crianças até os quatro anos de
idade, quando ingressou na educação infantil, e cresceu num armazém de ci-
dade do interior cuidada por avós analfabetos até os oito anos porque seus
pais precisavam trabalhar. Lá esteve muito tempo isolada em uma sala, para se
proteger dos assaltos frequentes ao estabelecimento. Chegou à clínica de aten-
dimento encaminhada pela escola no final do período letivo do 3º ano do Ensino
Fundamental, por dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita e lentidão
na realização das tarefas escolares. Era seu primeiro ano na escola nova, que
começara a frequentar depois de ter se mudado com a família para Porto Alegre.
Durante a avaliação, especificamente em termos de linguagem verificou-se
que se encontrava no nível alfabético, com oscilações significativas no reconhe-
cimento e diferenciação de fonemas habituais, como as consoantes em final de
sílaba (lendo “acanchar’ no lugar de “aLcançar”, perguntando “como é ER?” em
“erguida” e lendo “erjuida”); erre fraco e forte (/r/ e /R/, respectivamente, como
em “/r/a/r/amente ou /R/a/R/amente”). Necessitou de tempo muito maior do
que a média para sua idade para realizar leitura de texto, usando com frequên-
cia o apoio do dedo para não se perder e fazendo ainda uma decodificação dos
símbolos gráficos. Como sua leitura ainda obedecia a via fonológica e era de
execução bastante lenta, ficou comprometida a compreensão do texto, que para
ela teve pouco significado. Na escrita, apresentou trocas e omissões importantes
quanto às regras ortográficas, mostrando não conhecer os dígrafos lh e ch, por
exemplo, nem os encontros vocálicos (“gelho” para joelho, “cugera” em vez de
sujeira, “sadade” para saudade, “relógo”, e não relógio). Seu vocabulário era
empobrecido (desconhecia, por exemplo, as palavras gorro, bispo e vagão, do
ditado balanceado), o que, aliado às informações colhidas na anamnese, permi-
tiu a hipótese de que a família ofereceu pouco estímulo ao desenvolvimento da
linguagem.
Além da família, a escola não parece ter proporcionado as condições ideais
para um ambiente favorável ao desenvolvimento de Juliana – o que, na realidade
da escola pública brasileira, não é surpreendente: os números da Avaliação Na-
cional de Alfabetização (ANA), trazidos acima, falam bem alto. Atestando que
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tratamento, devido à necessidade urgente de intervenção psicopedagógica. Por-
tanto, depois de um período de intervenção centrado na aprendizagem, será
essencial examinar a possibilidade de indicação de tratamento psicoterápico
concomitante, considerando-se a história de vida de Juliana.
Considerações Finais
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