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Disciplina: Democracia e Autoritarismo na América Latina

Discente: Luís Felipe Machado de Genaro


Roteiro do Seminário – Aula 3 – 17/03/2022

Referência: GARAÑO, Santiago. Soberanía, estado de excepción y seres


matables en el teatro de operaciones del Operativo Independencia (Tucumán,
Argentina, 1975-1977). Runa, 37.2, p. 5-24, 2016.

 Contexto de produção do texto na trajetória do autor

Santiago Garaño é antropólogo social e pesquisador ligado ao CONICET


(Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas). O seu artigo aceito
e publicado em 2016 é parte de sua pesquisa sobre temas relevantes para a
História do Tempo Presente na América Latina, precisamente a Argentina da
segunda metade do século XX, abordando temáticas como repressão social e
política, estado de exceção, Forças Armadas, etc.

 Problemáticas

A questão-problema do poder soberano do Estado, que decide quem vive e


quem morre em determinados e específicos contextos históricos. No caso de seu
texto sobre a violência e repressão estatal na região de Tucumán, na Argentina,
entre 1975 e 1977, levanta problemas como: de que forma o Estado argentino
antes do golpe de Estado e após a sua deflagração “resolveu” a questão da
subversão. E mais além, a relação entre os membros das Forças Armadas – a
alta patente e os soldados rasos.
A pesquisa de Garaño altera-se em 2008, quando descobre um grupo que exigia
“pensão de guerra” por ter combatido uma guerrilha rural na região de Tucumán.
É no monte tucumano – região de florestas e matas –, como centro de atividades
repressivas, que uma operação deflagrada pelas Forças Armadas dá início a
política institucional de desaparecimento forçado. Um “ensaio” do que estaria por
vir na Argentina.
As fontes que o autor utiliza são fontes memoriais locais, testemunhos de ex-
soldados tucumanos envolvidos na Operação Independência. Ele realizou
diversas viagens até a região para realizar o seu trabalho de campo, entre 2009
e 2011. Ao todo foram realizadas 19 entrevistas – ex-soldados, familiares e
populares da região tucumana.
Somos apresentados a seres considerados “matáveis”, inseridos na lógica da
“cultura do terror”. Ele relaciona as modalidades de repressão social e política
durante os anos 1970 e as possibilidades do exercício da violência do Estado.

 Ideias centrais

Apresentação de três estudos de caso, refletindo as problemáticas a partir de


autores que discutem o exercício da repressão estatal.
Apresentaremos as ideias centrais dos três casos específicos trabalhados pelo
antropólogo.
Em 09 de fevereiro de 1975 ocorre a destruição do Partido Revolucionário dos
Trabalhadores – Exército Revolucionário do Povo, ainda sob o governo de
Isabelita Perón. Durante esse período, há a construção de um imaginário de
espaço de subversão, onde a região de Tucumán seria a localidade da “batalha
decisiva”. É ali que se ensaia a modalidade de ação repressiva que se espraiaria
pela Argentina e outras ditaduras militares no Cone Sul: os desaparecimentos
forçados/envio de “subversivos” para centros clandestinos de detenção.
CASO I: “Me tratavam igual aos subversivos”.
Há a informação de que os nomes dos entrevistados foram modificados,
buscando o anonimato desses sujeitos.
A entrevista é realizada com Alberto, irmão de Fito, soldado que teve um
desentendimento com outro militar. Ali começaram os problemas. A história de
vida do soldado é construída antes e depois de seu serviço militar obrigatório –
fora violentado e abusado diversas vezes dentro das Forças Armadas. Fora
enviado para a Operação Independência, e não havia possibilidade de dizer
“não”, pois isso seria considerado deserção.
Somos apresentados ao universo do serviço militar obrigatório, espaço de
constrangimentos e provocações, privações e castigos. Uma violência
normalizada (a imposição do poder militar como absoluto e arbitrário).
Para essa estrutura jurídico-política estatal existem as vidas matáveis, seres
“insacrificáveis”, “exclusão incluída”, apartados da vida, mas apresados (o “homo
sacer” de Giorgio Agamben).
Nesse espaço, soldados considerados rebeldes e opositores políticos estavam
sujeitos ao poder soberano, expostos a violência estatal como vidas elimináveis
(suspensos de qualquer garantia legal).
Neste ínterim, há o temor e a obsessão das Forças de uma “infiltração
subversiva” dentro dos soldados rasos, um clima de suspeição generalizado.
“Todo soldado poderia ser um potencial infiltrado guerrilheiro”.
CASO II: “Os irmãos de um soldado desaparecido”.
Aqui somos apresentados ao caso de um soldado detido-desaparecido,
integrante de uma família extensa de Santa Lucía, no sul tucumano. Desde que
René se apresentou ao Exército, nada se soube sobre ele (e o Exército fala em
deserção).
Outras famílias e mães buscavam seus filhos soldados desaparecidos.
A pecha de que os tucumanos eram todos subversivos e tinham relações com
guerrilheiros era grande (os próprios populares reconheciam isso). Para eles, a
chegada do Exército na região foi “maléfica”, “viviam muito mal”. Aqui, o controle
a vigilância militares emergem com força. A sensação de suspeição era
generalizada e todos “viviam com medo”.
O sul tucumano é apresentado como espaço de morte, espaço militarizado, de
controle da população (“cultura de terror” de Michael Toussing, aquele medo
cotidiano que circula através de todo o tecido social).
A Operação Independência inaugura naquele território um estado de exceção.
Estavam suspensos as garantias constitucionais naquela região. Reinava o
terror.
O interessante era que: enquanto os sujeitos militares de maior patente caídos
em “combate” regressavam aos seus familiares, a maioria dos soldados rasos
não regressavam. Desapareciam.
Por fim, o “subversivo” é apresentado aqui como “detido” (Agamben), “nem
prisioneiro, nem acusado”).
CASO III: “A fundação dos quatro povos”.
A Operação é exitosa. Termina seis meses após o golpe militar, em 24 de
setembro de 1976. Há a entrega de medalhas e o espaço seria dividido em
quatro regiões nominadas por militares “caídos em batalha” – Berdina,
Maldonado, Cárceres, e Moya.
Para as Forças Armadas essas regiões estavam “protegidas” da subversão –
como um ato de dominação, conquista do Estado argentino (“ato de soberania”
apresentado por Achille Mbembe – o necropoder – baseado na produção do
terror e a instauração de um Estado de exceção, o mais brutal ato de soberania).
Finalmente, o exército “constrói” e define a memória oficial daquela região, o que
pode e o que não pode ser recordado. Constrói a imagem dos “traidores” da
pátria e daqueles sujeitos considerados “leais”. Os traidores, como sabemos,
estão despojados da “condição de ser humano” (Judith Butler) por parte da
estrutura jurídica-política do Estado.
A Operação Independência, em Tucumán, é um ensaio da destruição, se assim
possamos classifica-la. O Estado queria se firmar como disciplinador, total,
absoluto, criando uma cultura do terror e espaços institucionais de morte.
 Debates historiográficos

A discussão é orientada por alguns autores responsáveis pelo entendimento do


que seria um indivíduo matável em determinados contextos históricos e de que
forma estes sujeitos são tratados pelo Estado quando suspensos de qualquer
garantia constitucional nos chamados “estados de exceção”. São invocados
alguns pensadores relevantes no correr do texto, aprofundando as problemáticas
levantadas pelas fontes memoriais, como Agamben, Toussing, Mbembe e Butler,
apresentados acima nas Ideias Centrais.

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