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Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto
Professor Associado Unioeste-PR, Brasil
bernardosakamoto@yahoo.com.br
RESUMO
Com o objetivo de entender a origem mítica da exclusão social na América Latina abordamos
Facundo: civilización y barbarie (1845) de Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888),
político e educador argentino. Nesta obra observa-se a oposição dos conceitos civilização e
barbárie, que fundamentam as preferências ou discriminações entre as províncias argentinas.
O conceito de civilização tem uma conotação europeia, iluminista: a maturidade da
humanidade, a racionalidade, o rigor do método científico, a vida na cidade é o modelo da
sociabilidade. A barbárie é compreendida como o estado natural do homem, está situada entre
os homens do campo, rurais, com suas costumes grosseiras e rústicas; e eles, por ignorar a
civilização, não possuem desenvolvimento da racionalidade científica apresentando
“sentimentos morais menos cultivados”. Assim, esta obra de Sarmiento propõe que a
civilização deva suplantar à barbárie. Esta dicotomia antropológica, pessoas civilizadas e
homens bárbaros, influencia o imaginário latino-americano originando os preconceitos
culturais e as políticas de exclusão ou de extermínio. Portanto, a leitura de Facundo nos faz
refletir sobre os fundamentos míticos da exclusão social, ademais, mostra-se útil para os que
elaboram projetos consistentes sobre a inclusão educacional na América Latina. O contexto
histórico da elaboração do Facundo foi a época denominada A Confederação Argentina
(1835-1852) foi um dos períodos entre a libertação da Espanha, o Período da Independência, e
a formação da República Argentina; foi predominantemente liderada pelos “federalistas”. Os
projetos fundamentais para a República eram os: dos unitaristas e dos federalistas; os
primeiros representavam os interesses da centralização do governo desde a província de
Buenos Aires; os federalistas representavam os interesses das províncias pelos governos
autônomos. O trabalho está dividido em três partes: a primeira, Facundo e a mensagem latino-
americana, segunda, a originalidade dos caracteres argentinos como imaginário tipológico
argentino e, por último, a violência e terror nos “gaúchos maus” onde se descrevem as
atitudes de Facundo Quiroga.
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de entender a origem mítica da exclusão social em América Latina
apresentamos, para este trabalho, a obra Facundo: civilización y barbarie (1845) do político e
educador Domingo Faustino Sarmiento (1811-1874). Numa primeira leitura, este livro pode
ser compreendido como um escrito contra seu adversário político Juan Manuel Rosas, mas
Sarmiento propõe-se elaborar um documento das ciências sociais como os da História ou
Sociologia:
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À América do Sul em geral, e à República Argentina sobretudo, fez falta um
Tocqueville, que, munido do conhecimento das teorias sociais, como de barómetros,
octantes e bússolas o cientista viajante, viesse penetrar no interior de nossa vida
política como num campo vastíssimo e ainda não explorado nem descrito pela
ciência, e revelasse à Europa, à França, tão ávida de fases novas na vida das diversas
porções da humanidade, este novo modo de ser que não tem antecedentes bem
demarcados e conhecidos. (SARMIENTO, 1996, p. 48).
Nela observa-se a oposição dos conceitos civilização e barbárie, que fundamentam as
preferências ou discriminações entre as províncias argentinas. América é vista como uma terra
inexplorada ainda por desbravar, que contrasta com Europa.
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1. FACUNDO E A MENSAGEM LATINO-AMERICANA.
Sarmiento foi influenciado pelas ideias liberais e unitaristas da Geração do 37; como
político chegou a ser governador, senador e presidente da Nação Argentina entre 1868 e 1874;
como educador, escreveu obras sobre educação e contribuiu para o aperfeiçoamento das
escolas em Chile, ademais, em seu governo como Presidente promoveu a vinda de professores
americanos, de Boston, para a formação de professores e, construiu bibliotecas e escolas nas
principais cidades argentinas. Vejamos como Sarmiento descreve os personagens em seu
Facundo.
Sarmiento concebe Argentina a partir dos atos do caudilho Facundo Quiroga, que o
apresenta em seus atos e discursos como um personagem mítico mau, misantropo ou
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antropopofóbico bárbaro, que odeia a cultura da civilização. Facundo representa o
caudilhismo, que impera na barbárie, é o governo que privilegia os interesses privados sobre o
interesse público. Facundo é o personagem que resume a centralização do poder do Estado no
caudilho. A política bárbara é elitista, ela deve ser combatida pelos princípios da civilização
que visam o interesse geral através de um estado centralista. Sarmiento inicia a obra, na
introdução, lembrando a imagem de Facundo Quiroga:
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retrato pelas ruas num carro ao qual iam atrelados generais e senhoras, para criar
para si o prestígio que menosprezava. Mas Facundo é cruel só quando o sangue lhe
veio à cabeça e aos olhos, e vê tudo colorado. Seus cálculos frios se limitam a fuzilar
um homem, a açoitar um cidadão; Rosas não se enfurece nunca; calcula na quietude
e no recolhimento de seu gabinete, e dali saem as ordens aos seus sicários.
(SARMIENTO, 1996, p. 237-238).
A descrição de Sarmiento sobre seus inimigos políticos são observações, segundo
ele, da imparcialidade científica. O Facundo está dividido em 15 capítulos que se podem
aglutinar em três seções: os 04 primeiros capítulos tratam sobre a geografia, antropologia e a
história argentina; a segunda, em dez capítulos, sobre a vida de Facundo Quiroga; e, a
terceira, sobre o futuro político de Argentina,
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Buenos Aires está destinada a ser um dia a cidade mais gigantesca de ambas as
Américas. Sob um clima benigno, senhora da navegação de cem rios que correm a
seus pés, reclinada molemente sobre um imenso território e com treze províncias
interiores que não conhecem outra saída para seus produtos, seria já a Babilônia
americana se o espírito do pampa não tivesse soprado sobre ela e se não afogasse em
suas fontes o tributo de riqueza que os rios e as províncias têm de levar-lhe sempre.
Só ela, na vasta extensão argentina, está em contato com as nações europeias; só ela
explora as vantagens do comércio externo; só ela tem o poder e as rendas.
(SARMIENTO, 1996, p. 68)
O autor ressalta que Buenos Aires está mais próxima da Europa, isto favorece o
desenvolvimento econômico e cultural desta província. Diferentemente acontece com
Córdoba, que tinha uma universidade desde o século XVII, que foi a província principal da
cultura espanhola é descrita por Sarmiento assim:
[Córdoba] Esta cidade douta não teve até hoje teatro público, não conheceu a ópera,
ainda não tem jornais e a imprensa é uma indústria que não pode criar raízes aí. O
espírito de Córdoba até 1829 é monacal e escolástico, as conversas nas salas giram
sempre sobre as procissões e as festas dos santos, sobre exames universitários,
profissão de freiras e a graduação de doutor. (SARMIENTO, 1996, p. 163).
Segundo Sarmiento, Buenos Aires é a província que possui os atributos territoriais e
cosmopolitas para desenvolver a civilização argentina e, Córdoba é uma província que possui
precariedade geográfica que determina o “espírito do povo”: com vida e costumes limitados,
diálogos pontuais entre sua população, enfim, Córdoba é “uma cidade monacal e escolástica”,
uma cidade da idade das trevas desde a perspectiva iluminista. O autor reflete sobre até que
ponto pode essas condições podem influenciar no espírito de um povo, dado que os
moradores de Córdoba têm uma visão curta, seus olhos estão voltados a uma cidade que mais
parece um claustro fechado com freiras ou monges.
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famílias ricas a ler, o menor dos quais tinha vinte e dois anos”. (SARMIENTO, 1996, p. 77).
Na província de San Luis, na região de Cuyo da Argentina, os jovens de famílias poderosas e
ricas, com idade de mais de 20 anos eram analfabetos!: “Porque o saber é riqueza, e um povo
que vegeta na ignorância é pobre e bárbaro, como o são os da costa de África ou os selvagens
de nossos pampas”. (SARMIENTO, 1996, p. 322).
A barbárie, para Sarmiento, estaria representada pela população rural governada por
caudilhos, esta população deveria dar lugar à civilização, guiada por uma elite intelectual,
europeizada. Por isso, na sua proposta de governo, pretendia promover a imigração europeia e
estimular a educação. Sobre a vida nas cidades do interior, o autor comenta que existe
preguiça natural e limitados prazeres entre os habitantes bárbaros; as famílias são feudais,
isoladas. que não formam uma sociedade e impossibilita o governo: segurança pública e
justiça civil são quase inexistentes: “Desconheço se no mundo moderno apresenta-se um
gênero de associação tão monstruoso como este”. (SARMIENTO, 1965, p. 33).
Na maioria dos interiores das províncias apresenta-se uma vida social com
características de “barbárie”. A população argentina estava, na época de Sarmiento, composta
principalmente de imigrantes europeus, africanos e indígenas. Vejamos como descreve a
cultura da cidade e do meio rural:
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primeiras são limpas, bem cuidadas e decoradas dando a entender que pertencem a um povo
muito trabalhador e educado, que com seu esforço consegui progredir e ter uma vida
confortável; de outro lado, as casas de algumas vilas do interior apresentam falta de higiene e
suas populações não estão preocupadas em trabalhar nem em progredir, pois são habitadas por
negros, indígenas ou gaúchos.
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Depois do rastreador vem o vaqueano, personagem eminente e que tem em suas
mãos a sorte dos particulares e das províncias. O vaqueano é um gaúcho grave e
discreto, que conhece palmo a palmo vinte mil léguas quadradas de planícies, matas
e montanhas. É o topógrafo mais completo, é o único mapa que leva um general
para dirigir o movimento de sua campanha. O vaqueano vai sempre ao seu lado.
Modesto e reservado como uma cerca, está a par de todos os segredos da campanha.
A sorte do exército, o êxito de uma batalha, a conquista de uma província, tudo
depende dele” (SARMIENTO, 1996, p. 92-93
O gaúcho vaqueano determina a vida no campo por ser “o topógrafo mais completo”
e, contribui decisivamente nas vitórias do exército. Ele é descrito como o ser sobre-humano
que possui naturalmente o conhecimento da Engenharia Cartográfica e de Agrimensura, útil
para as estratégias militares, ele é mais um personagem mítico no mundo rural argentino: “É
exagerado? Nao! O general Rivera, da Banda Oriental, é un simple baqueano, que conhece
cada árvore que existe em toda a extensão da República do Uruguai” (SARMIENTO, 1965, p.
46).
c) O Gaúcho Mau. É o fora da lei que tem aversão aos povoados dos brancos, sem
moral e “sem ligações com os selvagens” por ser misantropo, mora na pampa isolado, se bem
seu nome é temido, ele não é odiado, é nomeado com respeito pois,
Este homem divorciado da sociedade, proscrito pelas leis, este selvagem de cor
branca no fundo não é um ser mais depravado que os habitantes dos povoados. O
ousado fora-da-lei que ataca uma patrulha inteira é inofensivo aos viajantes. O
Gaúcho Mau não é um bandido, não é um salteador; o ataque à vida não entra em
sua ideia, como o roubo não entrava na ideia do Charriador; rouba, é verdade, mas
esta é sua profissão, seu tráfico, sua ciência. Rouba cavalos. (SARMIENTO, 1996,
p. 96
O gaúcho mau conhece cada cavalo de mil fazendas, por exemplo, quando um
comprador lhe encomenda um equino com um estrela na paleta: este gaúcho percorre
mentalmente as mil fazendas das pampas, lembrando a marca, cor, as suas características
particulares de cada cavalo que existe no estado. “É surpreendente esta memória? Não!
Napoleão conhecia pelos seus nomes duzentos mil soldados, e lembrava ao vê-los todos os
fatos que a cada um deles se referiam” (SARMIENTO, 1965, p. 48).
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inútilmente sus caballos, porque el que monta el Gaucho Malo es un parejero pangaré tan
célebre como su amo” (SARMIENTO, 1965, p. 47).
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políticas federalistas impõem a ordem social utilizando o terrorismo. Vejamos brevemente os
atos do caudilho misantropo Facundo.
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Facundo não é cruel, não é sanguinário; é o bárbaro, somente, que não sabe conter
suas paixões e que, uma vez irritadas, não conhecem freio nem medida; é o terrorista
que à entrada de uma cidade fuzila um e açoita outro, mas com economia, muitas
vezes com discernimento; o fuzilado é um cego, um paralítico ou um sacristão.
(SARMIENTO, 1996, p. 236.
Facundo era denominado o “Tigre de los llanos” ou o “Enviado de Dios”; este
gaúcho apresentava um feroz rosto: “seus olhos pretos, cheios de fogo e sombreados por
povoadas sobrencelhas, produziam uma sensacao involuntária de terror em aqueles a quem
alguma vez chegaban a fixar-se, porque Facundo não miraba nunca de frente”
(SARMIENTO, 1965. p. 75-76).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Medusa, olhar que apunhala etc. A cólera o levava a matar, estilhaçar cabeças a pontapés,
arrancar as orelhas, abrir a cabeça de seu filho com um machadado etc. Estes atos cheios de
violência mostram a este gaúcho não unicamente como ignorante senão como homem não
civilizado e temido.
REFERÊNCIAS
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