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Livros Sapienciais 14

O Livro do Sirácida ou Eclesiástico

1. Questões introdutórias: TEXTO, LÍNGUA, CANONICIDADE


Este livro, que só aparece no cânon da LXX e da Igreja Católica, é
problemático. O Texto que se encontra em nossas bíblias é uma tradução a partir
da LXX, que a Igreja reconheceu como canônico. É importante sublinhar que o
Novo Testamento, em várias ocasiões (Mt, Lc, Tg e Hb), fez uso deste livro e que
ele foi importante na formação dos catecúmenos, o que ocasionou a sua
denominação de Ecclesiasticus.
Três manuscritos principais, que formam o chamado Textus Recptus
(Sinaíticus, Alexandrinus e Vaticanus), são os mais utilizados nas traduções. Isto
deve-se ao fato de que a obra, escrita em hebraico, não chegou até nós em língua
original, embora hoje se conheça e se utilize dois terços dessa obra. A
complexidade da transmissão do texto hebraico é uma prova de que a obra não era
considerada canônica em Israel e por alguns na Igreja. São Jerônimo, por exemplo,
não o traduziu, mas seguiu a tradução já existente.
Até o final do século XIX nada se sabia a respeito do original em hebraico.
Foi apartir de entao que ocorrevam várias descobertas de fragmentos hebraicos. As
principais são:
 1896 e 1931 = numa Guenizá do Cairo;
 1955 (2Q18) em Qumran;
 1964 (partes de 39,27-44,17) em Massada.
Estudos recentes demonstram que o texto hebraico possui um valor superior
em relação ao texto grego. Hoje, em hebraico, já se dispõe dos seguintes textos em
hebraico:
3,6–16,26; 18,32–19,2; 20,5-7.13; 25,7-8.13.17-24; 26,1-3.13-17; 30,11–38,27;
39,15–51,30
Quanto aos manuscritos gregos devem ser separados em dois grupos:
G I = é a forma mais breve e está testemunhado em caracter maiúsculo;
G II = o tradutor deste texto baseou-se em G I e na recensão hebraica usada
por ele; é a forma mais longa e em caracter minúsculo; é uma obra
posterior a 840 d.C.
A numeração maior em nossas Bíblias corresponde ao texto grego que possui
variantes, ao passo que a numeração menor vem do texto latino (cf. Bíblia de
Jerusalém Eclo 1,6, nota "h"). Em algumas traduções antigas e modernas, seis
capítulos encontram-se transpostos:

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Hebraico Grego
31 34
32 35
33 36
34 31
35 32
36 33
A Língua testemunhada neste livro é uma forma tardia do hebraico e se não
fosse colocada a questão do limite cronológico para a determinação do Cânon
Palestinense (posterior ao período profético) seria possível admitir que o
Eclesiástico fizesse parte dele, devido ao seu altíssimo nível teológico e ético.
Diga-se, outrossim, que o livro preenche os outros três requisitos: a) está em
conformidade com a Torah; b) escrito na Palestina; c) escrito em hebraico. O
único ponto pendente diz respeito à datação: posterior a Esdras.
1. Autor: é mais um pensador sensato que teólogo.
A obra contém poucos indícios ou dados sobre o seu autor, mas é o único
livro do Antigo Testamento do qual temos certeza da autoria. Vejamos alguns
argumentos internos:
Eclo 51,13-30 = afirma que o autor se orientou, ainda muito jovem, para a
sabedoria e que, na idade madura, abriu uma escola em Jerusalém
(v.23); "escola" aqui é uma expressão que aparece pela primeira vez
no Antigo Testamento. Assim, com Jesus Ben Sirac alcança-se um
exercício profissional do saber praticado numa escola. O v.30
apresenta uma assinatura, porém:
a) o texto grego traz somente: "Sabedoria de Jesus, filho de Sirac";
b) o texto hebraico coloca algumas informações adicionais: "Até aqui:
palavras de Simeão, filho de Jesus, chamado Ben Sirac." E apresenta
variantes no próprio texto: "Sabedoria de Simeão, filho de Jesus, filho de
Eleazar, filho de Sirac. Que o nome de YHWH seja bendito desde agora e
para sempre."
c) O texto em grego em Eclo 51,1 apresenta o seguinte título: oração de Jesus, filho
de Sirac.
O prólogo = chama o autor de "Jesus", que é o avô do tradutor para a língua grega.
Este neto continua sendo completamente desconhecido para os
estudiosos. Mas graças ao seu prólogo temos conhecimento:
→ Das razões que motivaram o neto a traduzir a obra do avô para os
judeus da diáspora de língua grega (Egito, talvez em Alexandria);
→ Das razões que teve o avô para compor sua obra.

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Eclo 50,27 = numa forma de conclusão, há uma explícita referência aos motivos
que levaram o autor a escrever. Observe-se a menção ao nome e ao
local de origem e de sua ação. O texto em hebraico traz uma variante:
cf. nota "f" da Bíblia de Jerusalém.
Personalidade e interesses particulares de Jesus Ben Sirac
Eclo 24,30-34 = note-se a mudança pronominal para a 1 a pessoa do singular. No
centro do livro está uma confissão de um autor privilegiado.
Eclo 38,24–39,11 = o ideal da vida para Jesus Ben Sirac é ser escriba e poder dedicar-
se ao seu trabalho em tempo pleno, sem preocupações e sem a
necessidade de outra ocupação. É um ideal mais helenístico que judaico,
mas ele se coloca no âmbito da ortodoxia hebraica. Em seu tempo, a
Sabedoria consistia em boa parte no estudo e comentário de textos
bíblicos, narrativos (haggadicos) e legais.
Eclo 1,22-30 = fala contra os elementos helenizantes em Jerusalém.
Eclo 30,18.20 = alude às atitudes que ridicularizam aqueles que pensam poder
obter benefícios pela idolatria.
Eclo 34,1-8 = A lei escrita é o meio real da revelação divina. É sábio quem se
mantém fiel a esta lei.
2. Datação
Existem duas passagens no livro que nos oferecem uma informação mais ou
menos exata quanto à data provável da composição do livro:
Eclo 50,1-24
A partir do capítulo 44, o autor faz uma série de panegíricos, onde elogia
vários personagens do passado de Israel e mostra como ele compreendia a história
do seu povo.
O último elogiado, longamente por sinal, foi Simão, filho de Onias, o
Sumo Sacerdote, apresentado como sendo um verdadeiro líder do povo.
Alguns elementos saltam aos olhos:
→ a vivacidade das imagens utilizadas sugere um tipo de conhecimento que
só uma testemunha ocular podia ter;
→ o conhecimento de sua morte, aludida no v.51b, leva a crer que este foi
pessoal.
Mas, quem é esse Simão?
Sabe-se que os Ptolomeus Lágidas detiveram o controle da Palestina até o
final do século III a.C. quando, em torno do ano 200 a.C. Antíoco III (287-223)
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apoderou-se deste território aproveitando-se da juventude e inesperiência de


Ptolomeu V (204-180; cf. Eclo 10,8), dando origem à hegemonia dos Seleucidas.
Flávio Josefo informa a existência de dois Sumos Sacerdotes com o mesmo
nome:
 Simão I, chamado o justo, que teria vivido em torno do ano 300 a.C.; há
quem duvide da sua existência histórica;
 Simão II (a BJ o cita de 220-195), filho de Onias, que foi Sumo
Sacerdote em torno do ano 200 a.C. O filho de Simão II, Onias III, foi
deposto por Antioco IV no início da perseguição e Menelau mandou
matá-lo (cf. 2Mc 4,30-38).
Eclo 50,2 = afirma que houve uma construção do "edifício duplo" e o "alto
contraforte". Não há outra fonte, senão Flávio Josefo que afirma que
Antioco III deu dinheiro para a manutenção do Templo, confirmando a
afirmação de Ben Sirac.
Portanto, Simão, o justo, era Sumo Sacerdote, e estava dentre os que
receberam Antioco III em Jerusalém no ano 198 a.C. Isto explica a política de
tolerância e a ajuda que Antioco III deu aos judeus para a restauração do Templo e
das muralhas sob a autoridade deste Sumo Sacerdote.
Dados contidos no prólogo: v.1-35.
O tradutor, neto do autor, diz que "No ano 38 do falecido rei Evergetes, fui ao
Egito, e sendo-lhe contemporâneo..." (v.27). Evergetes = benfeitor
Houve dois reis ptolomeus com tal apelativo:
Ptolomeu III Evergetes I (247-221 a.C. = 26 anos);
Ptolomeu VII Evergetes II (170-117 a.C. = 53 anos).
O segundo reinou mais tempo e se enquadra melhor na descrição do neto de
Jesus Ben Sirac, que teria chegado ao Egito pelo ano 132 a.C (170 menos 38 =
132).
Assim sendo, Jesus Ben Sirac teria desenvolvido seu trabalho nas primeiras
décadas do século II a.C. (195-175) em Jerusalém, período anterior à perseguição
de Antíoco IV Epifanes (175-163 a.C.) que não é mencionada no livro.
3. Conteúdo
O livro pode, sinteticamente, ser dividido em duas partes, embora os
estudiosos não estejam de acordo quando se trata de falar sobre uma possível
estrutura unitária do livro.
Eclo 1,1–43,33 = compreende máximas e reflexões sapienciais.

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Eclo 44,1–50,29 = é uma releitura do passado com louvor às principais


personagens da História de Israel. Eclo 51 é um hino de louvor que o
autor dirige a Deus por sua vida e atividade.
Atualmente, a tendência dos estudiosos deste livro fala que o mesmo passou
por várias edições sucessivas, isto é, um processo redacional, onde Jesus Ben Sirac
teria acrescentado complementos. Como o livro se encontra, a título didático,
poderia ser apresentado segundo o seguinte esquema:
Prólogo do tradutor
1a parte = Eclo 1–23, introduzida por um hino à Sabedoria: 1,1-21;
2a parte = Eclo 24,1–42,14, introduzida por um hino à Sabedoria: c.24;
3a parte = Eclo 42,15–50,29, introduzida por um hino a Deus: 42,15–43,33;
epílogo = Eclo 51
Eclesiástico e sua relação com o livro dos Provérbios
1)É mais erudito e amplo, pois Pr reflete uma cultura mais popular e do tipo
chão-chão.
2)É mais religioso, no sentido que aprofunda o sentido religioso da vida;
3) É mais didático e ordenado que o livro dos Provérbios, que está mais
cheio de repetições. Tiramos isso pelos títulos em grego de algumas partes:
23,7 = paideiva stovmato" = disciplina/educação "que sai da" boca;
paideiva, a", hv = substantivo derivado do verbo paideuvw: educação das crianças,
educação, formação, instrução, disciplina, correção.
stovma, matov", tov = substantivo: boca, instrumento da fala.
24,1 = ai[nesi" sofiva" = o louvor da sabedoria
ai[nesi", ew", hv = louvor, substantivo derivado do verbo aijnevw louvo, aprovo
sofiva, a", hv = substantivo: sabedoria, inteligência
30,1 = periv teknou``n = a respeito dos filhos
periv = preposição com o sentido de relação: a respeito de, no tocante a, no confronto de...
tevknon, ou, tov = substantivo: filho, filha, criança, prole...
30,14 = periv uJgiveia" = a respeito da saúde
uJgiveia, a", hJ = substantivo; saúde, sanidade.
Forma literária
Jesus Ben Sirac demonstra ser conhecedor das Sagradas Escrituras: Torah,
Profetas e outros Escritos; e delas tira os vários gêneros literários, sobretudo os da
sabedoria proverbial.
Poemas ou hinos amplos e solenes: 16,24-18,14; 39,12-35; 42,15-43,33;
Orações de petição: 23,1-6; 36,1-17;
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Provérbios numéricos: 25,7-10; 26,5;


Bem-aventuranças: 25,8.9; 26,1;
Narrações autobiográficas: 33,16-18; 51,13-30;
Listas sobre as criaturas: c.43;
Narrações didáticas: 44,1-15;

5. Temas dominantes no livro


Família: 9,1-9; 23,22-27; 25,17-20; 26,1-18;
Filhos: 3,1-18; 30,1-13;
Prudência diante dos bens materiais: 11,12-18; 13,1-8; 30,14-20;
Visão do universo: 42,15-43,33;
Saúde: 30,14-20; 38,1-12 (elogio aos médicos)
Anti-estrangeirismo: 36,1-17 = é a manifestação do nacionalismo judaico
que se acentua, devido às dominações estrangeiras que saturaram o israelita e o
fizeram insensível.

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