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POST 04 01 2022:

Meu nome é Joe – Ken Loach 1998

https://historiadoesporte.wordpress.com/2022/01/04/meu-nome-e-joe-ken-loach-1998/
Meu nome é Joe (Ken Loach, 1998)

Joe – É realmente importante. Podem nos tirar do


campeonato. É grave!

Sara (agente comunitária) – Isso não é grave!

Joe – Sim, isso é grave! Não leve para o lado pessoal,


mas sabia que o sol brilha para além do seu rabo? Eu sei
que é só futebol. Mas é importante para nós!

Ken Loach assinou a direção de mais de 50 títulos, entre


produções cinematográficas e para a TV. É um cineasta
reconhecido. Ganhou diversos prêmios, incluindo a Palma
de Ouro de Canes, em duas ocasiões (2006 e 2016) e um
Leão de Ouro por sua contribuição ao cinema, em 1994.
Nascido em 1936, o cineasta inglês conta 86 anos e
continua nos apresentando produções recentes e
impactantes, como os ótimos Você não estava
aqui (2019) e Eu, Daniel Blake (2016: estes dois
disponíveis para quem tem acesso ao Telecine), além de
clássicos como Terra e Liberdade (1995), Kes (1969) e
muitos outros (Ken Loach Biografia. Disponível
em: https://www.imdb.com/name/nm0516360/).
Meu nome é Joe (1998) é um belo filme de Loach, que
retoma temas e ambiências comuns do cineasta. Trata-se
de um lado menos explorado (cinematograficamente) do
Reino Unido: do drama e dificuldades estruturais da parte
menos favorecida da população. Joe Kavanagh,
interpretado por Peter Mullan (melhor ator em Canes por
conta dessa performance) é um alcoólatra que se
encontra sem beber há dez meses. Sem fonte de renda,
vive do seguro-desemprego. Ademais, treina um time de
futebol amador, e esse é o link com o tema do esporte.

Como de costume, o futebol, aqui, não é apenas um


jogo, mas um (raro) canal de confraternização e
ludicidade. O principal da película não é a relação com o
desporto, diga-se prontamente, mas sim as desventuras
e os enredamentos sucessivos e dilacerantes em
condições de desemprego, tráfico e consumo de drogas e
poucas alternativas. A história se passa em um bairro
pobre de Glasgow. Além de Joe e seus amigos, logo
passamos a contar com a presença de Sara Downie,
vivida por Louise Goodall, uma espécie de agente
comunitária. A sensação de que seu trabalho expressa
um constante enxugar de gelo é nítida e incômoda. De
qualquer forma, a personagem é descrita por Joe como
uma mulher que tem emprego e até um carro: alguém,
portanto, muito acima dos padrões do protagonista. Não
obstante, um romance acontece e constitui (a conturbada
relação de Joe e Sara) parte importante do
desenvolvimento narrativo.

Evidentemente as coisas não terminam bem. Conflitos


com a seguridade social, dificuldades comezinhas e o
envolvimento com o traficante/bandido local geram uma
espiral de inter-compometimentos que conduzem à
tragédia. É uma pancada, mas é ótimo cinema. Voltemos
ao futebol.

Não sendo um elemento fulcral, o futebol, mesmo assim,


ocupa um papel significativo na dura vida de Joe e seus
pupilos (como o trecho em epígrafe deixa explícito). O
time de Joe faz sua primeira aparição, logo no início da
película, em um uniforme da Alemanha, imundo, quase
irreconhecível. Na primeira partida enfrentam um
adversário, fora de casa, trajando vestimenta idêntica
(porém limpíssima). Como são visitantes, mesmo sob
protestos, têm que iniciar o jogo sem camisa. E começam
levando um gol. Devem ter sido derrotados, não temos
como saber. Aliás, nenhum resultado nos é dado a
conhecer: sabemos apenas que os jogos acontecem e são
“importantes”, como Joe deixou claro.

O esporte (futebol) funciona como claro contraponto.


Paralelamente ao afunilamento das tensões temos uma
sequência de pura molecagem. Sem o conhecimento de
Joe (que também faz as vezes de motorista de van), os
quase-atletas orientam um trajeto até a frente de uma
loja esportiva que está a receber mercadorias. Em uma
ação de incrível e coordenada maestria, conseguem furtar
algumas caixas (para inicial desespero de Joe). O
conteúdo desses packs nós vemos no plano seguinte:
tratava-se de uma equipagem completa com jogo de
camisas do Brasil de 1970. Em uma alegria de meninos,
vemos um “Pelé” branco e careca e um “Rivelino” que
entrega um aparelho dentário (?) ao treinador. Dada a
discrepância entre aquele escrete e os craques de 70,
alguém vaticina:

– Isso é um sacrilégio!

Pode ser, mas também é o segmento mais divertido e


jocoso dessa película. E é importante propor que, aqui, se
foge a qualquer princípio de verossimilhança. Em uma
obra cujo teor é fundamentalmente realista, roubar
camisas em uma loja esportiva da cidade, em plena luz
do dia, usando a própria van que era o meio de
deslocamento rotineiro da equipe e à vista dos
entregadores seria um convite ao duro enlace da Lei. Daí
o papel/função do futebol como contraponto. Nesse sub-
universo fílmico, não vale a mesma crueza da denúncia
social. Na parte cinematograficamente dedicada ao
futebol, à brincadeira, cabe uma outra lógica. E o jogo
entre a gravidade da situação social e a gravidade
(seriedade) da necessária e correlata brincadeira constitui
parte importante desse grande filme.

Um abraço, boas férias e um 2022 necessariamente


melhor do que isso que vimos passando.

Referências:

Ken Loach – biografia (1936, Inglaterra…). Disponível


em: https://www.imdb.com/name/nm0516360/bio?ref_=
nm_ov_bio_sm. Consultado em 03/01/2022.

KEN LOACH – Filmografia (55). Disponível em:


https://www.imdb.com/name/nm0516360/. Consultado
em 03/01/2022.

COUTO, José Geraldo. “Meu Nome É Joe”: Filme é drama


ético em terra devastada. Disponível
em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90
u1378.shtml?origin=folha. Consultado em 03/01/2022.

VALENTE, Eduardo. Meu Nome É Joe,


de Ken Loach. Disponível
em: http://www.contracampo.com.br/criticas/meunomee
joe.htm. Consultado em: 03/01/2022.

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