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A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE:

DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Haphiza Souza Rezende


Janderlyê de Assis Jordão
Juliane do Amaral Benedito
Larissa Cássia Afonso
Letícia Silva Sales

Resumo:
Nessa pesquisa buscamos discorrer acerca da Educação/escolarização de adultos em espaços
não formais, na perspectiva do direito fundamental, individual e social, garantido
constitucionalmente às pessoas que se encontram na condição de privação de liberdade.
Trata-se de pesquisa bibliográfica apoiada nos referenciais de estudos de pesquisadores como
Freire (1977, 1983), Gadotti (2003), Julião (2013), Ortega (2009), Rodrigues (2018),
Fonseca (2018), que nos auxiliam com aporte teórico para melhor compreensão da EJA em
espaços de privação de liberdade como determinam as leis vigentes em nosso país. A
população que geralmente ocupa estes espaços, se constitui de pessoas que tiveram direitos
sociais - como o acesso à educação de qualidade - negligenciados pelo poder público,
instituição responsável pelo dever de escolarizar todas as pessoas, em qualquer idade da vida,
como um direito constitucional. Abordamos também alguns pontos acerca das condições
educacionais para favorecer a convivência nestes espaços e a possibilidade de ressocialização.
Outro ponto abordado se trata da função dos profissionais da educação licenciados em
Pedagogia, para atuar junto às pessoas que se encontram na condição de restrição de
liberdade. Os conhecimentos teórico e prático, capazes de promover práticas pedagógicas
intencionais e desenvolver estratégias educacionais eficazes, com finalidades de humanização,
emancipação, promoção de autoconfiança e autoestima, construção de novos aprendizados
que possibilitem reintegração, também são contexto para estudos nesse artigo. Analisamos
também os espaços físicos, buscando compreender se apresentam ou não condições para a
efetivação de ações educativas. Além disso, discorremos sobre outros outros fatores que
caracterizam desrespeito aos direitos humanos, influenciam negativamente as ações
educativas e dificultam o desenvolvimento das pessoas e a possibilidade de reintegração e
convivência harmônica na sociedade. Uma vez que a educação objetiva a formação humana
dos educandos, os profissionais da educação que atuam nos espaços de privação de liberdade
devem promover práticas destinadas a favorecer a convivência, preparar para exercício da
cidadania, promover a inclusão e a capacidade de socialização. A alternativa para libertar o
homem de sua condição de opressão, está numa educação humanizadora e libertadora, que,
por meio da mediação dos profissionais da educação, seja capaz de apontar uma direção,
mostrar que existem outras culturas, promover a dialogicidade com outros homens e
mulheres, mediatizados pelo mundo, conforme nos aponta o referencial freireano. Desta
forma a educação cumprirá sua função social.

Palavras-chave: Humanização. Educação. Educação de Jovens e Adultos. Espaços de


Privação de Liberdade
Abstract:
In this research we seek to discuss the education/schooling of adults in non-formal spaces,
from the perspective of the fundamental, individual and social right, constitutionally
guaranteed to people who are deprived of liberty. This is a bibliographic research supported
by the references of studies by researchers such as Freire (1977, 1983), Gadotti (2003), Julião
(2013), Ortega (2009), Rodrigues (2018), Fonseca (2018), who help us with theoretical
contribution for a better understanding of EJA in spaces of deprivation of liberty as
determined by the laws in force in our country. The population that usually occupies these
spaces is made up of people who had social rights - such as access to quality education -
neglected by the government, an institution responsible for the duty to educate all people, at
any age of life, as a constitutional right. . We also address some points about the educational
conditions to favor coexistence in these spaces and the possibility of resocialization. Another
point addressed is the role of education professionals licensed in Pedagogy, to work with
people who are in a condition of restriction of freedom. Theoretical and practical knowledge,
capable of promoting intentional pedagogical practices and developing effective educational
strategies, with the purpose of humanization, emancipation, promotion of self-confidence and
self-esteem, construction of new learning that allows reintegration, are also the context for
studies in this article. We also analyzed the physical spaces, seeking to understand whether or
not they present conditions for carrying out educational actions. In addition, we discuss other
factors that characterize disrespect for human rights, negatively influence educational actions
and hinder people's development and the possibility of reintegration and harmonious
coexistence in society. Since education aims at the human formation of students, education
professionals who work in spaces of deprivation of liberty must promote practices aimed at
favoring coexistence, preparing for the exercise of citizenship, promoting inclusion and the
ability to socialize. The alternative to free man from his condition of oppression lies in a
humanizing and liberating education that, through the mediation of education professionals, is
able to point a direction, show that there are other cultures, promote dialogue with other men
and women, mediated by the world, as the Freirean reference points out. In this way education
will fulfill its social function.

Key words: Humanization. Education. Education of Young People and Adults. Spaces of
Deprivation of Liberty
1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1998 (BRASIL, 1988) garante, em seu artigo 205, a


educação como um direito de todos e dever do Estado e em seu artigo 208 o acesso à
educação inclusive para aqueles que não o tiveram na idade própria. Nesse sentido, todos os
indivíduos devem ter a possibilidade de se formarem e se desenvolverem através do contato
com a escolarização.
Assim sendo, esse direito também deve se fazer garantido nos espaços de privação de
liberdade. Enquanto em cumprimento da pena, as pessoas privadas de liberdade podem e
devem seguir se desenvolvendo, ampliando as possibilidades educativas, ainda dentro de tais
espaços. No entanto, não devem ser ignorados fatores históricos e sociais relacionados à
existência dos espaços de privação de liberdade e às questões que justificam a chamada
delinquência¹.
Nesse sentido, o estudo aqui realizado se justifica pela necessidade de se refletir sobre
o padrão de qualidade educacional nos espaços de privação de liberdade, buscando garantir
que o direito à educação seja efetivado durante o cumprimento de pena. Além disso, a
educação nos espaços de privação de liberdade apresenta algumas particularidades, tanto em
relação às instalações e estruturas físicas, quanto para, à luz de Freire (1977), cumprir seu
papel de humanizar e libertar, ainda que entre as grades dos presídios, possibilitando a
continuidade do desenvolvimento humano das pessoas privadas de liberdade.
Ao pensar a educação nos espaços de privação de liberdade, pode-se ofertar, segundo
a Lei de Execução Penal de 1984 (BRASIL, 1984), em seu Art. 18-A, através do ensino
médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio,
sendo o ensino supletivo oferecido através da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além
disso, a EJA também segue o que é definido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu capítulo II (BRASIL, 1996), onde a educação é
destinada àqueles que não tiveram acesso aos estudos na idade própria.
            A oferta educacional no ambiente de privação de liberdade busca criar condições que
tornem mais positiva a vivência nesses espaços, sendo um dos pontos essenciais, por ter como
finalidade a humanização do homem, emancipando-o para exercer seus direitos e deveres com
cidadania (ORTEGA; SANTIAGO, 2009). A atuação do pedagogo, portanto, deve visar uma
formação educacional humana, capaz de transformar a realidade dos sujeitos privados de
liberdade.
Nesse caminho, a formação dos pedagogos necessita, assim como faz com as demais
áreas de atuação da Pedagogia, oferecer possibilidades para que os formandos e formandas
conheçam a realidade educacional nos espaços de privação de liberdade. Ao se formarem,
espera-se que estejam preparados para atuar nesses espaços, oferecendo as melhores práticas
possíveis para os educandos, dadas as condições físicas encontradas.
Nos espaços de privação de liberdade, a atuação dos pedagogos também deve
compreender as necessidades sociais e culturais, que são parte da natureza humana. Por essa
razão, a educação, em uma modalidade direcionada aos jovens e adultos deve se preocupar
com os objetivos de preparar os indivíduos para assumirem papéis sociais na vida coletiva,
realizando o uso adequado e responsável dos conhecimentos (RODRIGUES, 2001).
Para a elaboração desse artigo, foram feitas pesquisas bibliográficas nos sites Scielo² e
Google Acadêmico³. Buscamos selecionar estudos que, a partir da leitura do resumo ou
introdução, tivessem mais a acrescentar a essa pesquisa. Pesquisando pelas palavras-chave
“educação” e “prisão”, encontramos o trabalho de Rodrigues (2018). Pesquisando por
“Educação de Jovens e Adultos” e “escolas no sistema prisional” encontramos, Julião (2015)
e Fonseca e Viana (2018). Por fim, buscando por “Trabalho docente nas prisões”, foi possível
encontrar o estudo de Tessuto (2017).
Além dos artigos encontrados em pesquisas mais específicas, também utilizamos o
apoio de documentos oficiais como a Constituição Federal (BRASIL, 1988) e a Lei de
Execução Penal (BRASIL, 1984); do site Politize; e de autores como Freire (1977, 1983,
2016), Ortega e Santiago (2009), Gadotti (2003) e Bisinoto (2015).
Nesse sentido, esse artigo visa analisar a atuação do profissional da Pedagogia
enquanto ator das práticas educativas em turmas de EJA em contextos de privação da
liberdade, compreendendo quais são os principais desafios encontrados nesses espaços e as
possibilidades de atuação dadas as especificidades desses espaços.
Mediante pesquisa bibliográfica, o artigo se divide em três tópicos. O primeiro
abordará as contribuições e as possibilidades do profissional pedagogo em espaços de
privação de liberdade. Em seguida, trataremos de questões em relação ao funcionamento e às
condições físicas que influenciam a ação educativa nesses ambientes de privação de liberdade.
Por fim, falaremos da atuação docente em turmas da EJA, que pode ser mediadora de uma
educação mais humanizadora em tais contextos.
1. Contribuições de pedagogos para espaços de privação de liberdade

A lei de execução penal estabelece que a assistência ao detento é um dever do estado,


tendo como objetivo principal prevenir a criminalidade e a ressocialização do condenado,
estabelecendo assim, entre outras, a assistência à educação, a qual é regulamentada do seu
Artigo 17 ao 21-A (BRASIL, 1984).
Ressalta-se que o direito à educação também está previsto na Declaração dos Direitos
Humanos, que se encontra presente no art. 26, como descrito por Isabela Souza, no site
Politize,
A educação é um direito humano que deve ser garantido a todos. É isso que
diz o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Segundo esse documento, toda pessoa tem direito à instrução gratuita nos
graus elementar e fundamental, orientada para o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e para o fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e das liberdades fundamentais. (ISABELA, 2017).

A educação também é reconhecida pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), como


um direito de todos. Assim sendo, também no espaço de privação de liberdade esse direito
deve ser respeitado e garantido, sendo necessário formar profissionais pedagogos para
atuarem nesses espaços, garantindo que saibam como agir diante das adversidades que podem
ser encontradas.
Para Fonseca e Viana (2018), os cursos de formação devem abordar estratégias sobre
como tornar a educação possível no ambiente escola-prisão. Além disso, as autoras afirmam
que essa formação é essencial para convocar novos profissionais da educação a exercerem a
docência nesses espaços, dado que poucos ao se formaram optam por atuarem nos ambientes
de privação de liberdade.
A Educação, conforme Ortega e Santiago (2009), tem por finalidade humanizar e
emancipar o homem, tornando-o apto para exercer seus direitos e deveres com cidadania. O
processo de humanizar está relacionado às relações e ações coletivas, visto que, somente em
contato com o outro e com o mundo é possível nos desenvolvermos enquanto seres plurais e
sociais que somos. Como afirma Freire (1967, p.70),
A distância social existente e característica das relações humanas no grande domínio
não permite a dialogação. O clima desta, pelo contrário, é o das áreas abertas.
Aquele em que o homem desenvolve o sentido de sua participação na vida comum.
A dialogação implica na responsabilidade social e política do homem. Implica num
mínimo de consciência transitiva, que não se desenvolve nas condições oferecidas
pelo grande domínio. (FREIRE, 1967, p.70)
Nesse sentido, as relações sociais somente se efetivam, enquanto balizadoras da
construção de uma consciência social e política, quando os seres das relações são colocados
em uma posição social próxima, sem que haja um distanciamento tão grande que gere a ideia
de um domínio. A função do pedagogo, nesse sentido, é produzir, em conjunto com seus
pares, saberes coletivos que são construídos e reconstruídos continuamente. (ORTEGA;
SANTIAGO, 2009)
Dentro dos espaços de privação de liberdade, é possível relacionar a ação pedagógica
com o que se espera da Pedagogia Social, que se relaciona à quatro elementos da natureza
humana:
1. O aprendizado de uma observação precisa e do pensar claro;
2. Desenvolvimento da capacidade de aprender a perceber a realidade dos processos
que cuidam da construção e da regeneração;
3. Percepção da realidade social através das relações humanas;
4. Aprender a perceber a nós mesmos como ser, para que possamos também
observar organismos sociais em sua essência. (BOS, 1986 apud ORTEGA;
SANTIAGO, 2009, p. 33)
Nesse sentido, o que se espera das práticas educativas nesses espaços é a busca por um
desenvolvimento relacionado às relações humanas e à percepção de si e do outro. Trata-se,
portanto, de uma ideia de construção social através do contato com o outro e com o mundo.
Para Fonseca e Viana (2018), a educação em espaços de privação de liberdade não se
trata apenas de um direito, mas de um processo que se inicia no sistema prisional podendo
favorecer a reintegração dos indivíduos à sociedade por meio da condução de melhores
perspectivas de futuro, diminuição da ociosidade no ambiente prisional e obtenção de
conhecimentos, valores e atitudes. Nesse sentido, a educação tem como função reabilitar as
pessoas em privação de liberdade para o convívio social. (TESSUTO, 2017)
A modalidade educacional mais utilizada nos espaços de privação de liberdade é a
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para Vidolin (2017 apud FONSECA; VIANA, 2018),
essa modalidade se ajusta facilmente à realidade do sistema penitenciário devido às
características das pessoas nos espaços de privação de liberdade serem parecidas às dos
alunos do sistema regular de ensino. No entanto, a autora afirma que a EJA desenvolvida nos
espaços de privação de liberdade não é a mesma do ensino regular, visto que busca resultados
diferentes, isso porque existem especificidades que influenciam as ações educativas.
Para Fonseca e Viana (2018), a especificidade da educação nos espaços de privação de
liberdade está relacionada à sua amplitude quando relacionada à educação formal,
considerando que deve, ao mesmo tempo, garantir a educação como direito e, a partir dela,
oportunizar que se desenvolvam de forma conectada à realidade social, além de, a partir dessa
conscientização, buscar novos caminhos para a vida.
Ao pensar na atuação do profissional da pedagogia nesses espaços, Tessuto (2017)
afirma que o docente deve compreender as necessidades dos indivíduos, que buscam, para
além da formação escolar, um refúgio das celas e da violência vivenciada no cárcere, sendo a
oportunidade para a construção de novos aprendizados que possibilitem sua reintegração à
sociedade.
Para que estejam preparados para atuar nesses espaços, a autora afirma que é essencial
que a formação inicial busque incluir novos valores e saberes relacionados à realidade dos
espaços de privação de liberdade, auxiliando na reflexão de sua prática pedagógica e de sua
relevância social no espaços de privação de liberdade (TESSUTO, 2017). Nesse sentido, a
formação de professores deve se atentar à necessidade de abordar aspectos relacionados às
especificidades do contexto penitenciário.
A autora ainda afirma que o trabalho do pedagogo deve estar relacionado ao tempo e
ao espaço prisional e compreender que a escola é um espaço de construção de conhecimentos
através de atividades reflexivas. O docente, nesse caso, atuará como mediador entre o
educando e os saberes, permitindo que ele assimile seus conhecimentos como recursos para
transformar sua realidade (TESSUTO, 2017).
Para que isso seja possível, é preciso que os professores façam uma distinção entre
disciplina e opressão (TESSUTO, 2017), não levando para as salas de aula as mesmas atitudes
opressivas e repressivas que os educandos sofrem no cotidiano do contexto de privação de
liberdade. Nesse sentido, junto com os próprios educandos, os pedagogos são protagonistas
das práticas educativas, conduzindo o percurso dos processos formativos (TESSUTO, 2017),
de modo a garantir qualidade na prática educativa e, principalmente, a efetividade da ação
educativa enquanto garantidora de ganhos sociais e culturais dentro dos espaços de privação
de liberdade.
Nesse sentido, o profissional da pedagogia possui papel central na elaboração de
práticas educativas alternativas nos espaços de privação de liberdade, servindo como
construtor dos melhores caminhos para a ação docente e buscando estratégias efetivas dentro
das limitações encontradas nas salas de aula. No entanto, isso somente será possível caso ele
conheça a realidade em que está inserido, as particularidades e as necessidades dos
educandos, e saiba como utilizar esses aspectos como sementes para o crescimento de novas
práticas.
Sendo assim, o Pedagogo deve estar atento ao planejar e executar suas atividades, para
que, assim, ocorra uma aprendizagem que valorize os conhecimentos que os detentos já
possuem e garanta a possibilidade de construir novos conhecimentos.

2. Estrutura física de penitenciárias: questões para a ação educativa

Uma questão essencial para a ação educativa em espaços de privação de liberdade diz
respeito aos espaços físicos para receberem as ações. Assim como ocorre nas escolas
regulares, o bom funcionamento da escola nesses espaços depende de uma estrutura física que
dê condições para a efetivação das ações educativas.
Os problemas relacionados às condições precárias na estrutura física dos espaços de
privação de liberdade, segundo Rodrigues (2018) não se resumem àqueles destinados às
práticas educativas, mas se estendem por todo o ambiente prisional. Nesse sentido,
encontramos segregação e superlotação, por exemplo, que conduzem a comportamentos
violentos, dando ênfase em ações de segurança de controle e ignorando as questões sociais
necessárias durante o cumprimento da pena. (RODRIGUES, 2018)
Segundo Cordeiro (2010 apud RODRIGUES, 2018), devido à superlotação muitos
presos dormem no chão de suas celas, no banheiro ou próximo ao esgoto. Em casos mais
graves de superlotação, muitos presos acabam dormindo amarrados às grades das celas, por
exemplo. Essa situação, mesmo que não esteja diretamente ligada aos espaços educativos,
influencia diretamente as ações educativas, visto que a educação é feita pelos sujeitos
educadores e educandos, possuindo os dois importância central da ação docente.
Cabe destacar que a maior responsabilidade sobre o despreparo do espaços físicos de
instituições de privação de liberdade recai sobre o fato de que grande parte desses espaços não
foram concebidos como espaços prisionais, mas adaptados para exercer essa função, não
atendendo às demandas existentes (RODRIGUES, 2018)
O fato acima citado é também o principal responsável pela falta de espaços adequados
para a ação docente, sendo necessário usar ambientes improvisados como salas de aula.
Segundo Rodrigues (2018), apenas 58% de todas as instituições prisionais do país possuem
salas de aula, havendo 2.565 salas de aula com capacidade total para atender 35.570 pessoas
em cada turno, o que corresponde a cerca de 5% do total da população em privação de
liberdade. Além das salas de aula propriamente dita, há, em alguns casos, a presença de
bibliotecas e salas de informática, o que totaliza o atendimento de 12% da população.
(RODRIGUES, 2018)
Além disso, mesmo quando ofertados, os espaços destinados às ações educativas nos
ambientes de privação de liberdade se apresentam, por exemplo, em salas de aula sem
iluminação ou ventilação, com infiltrações, fios elétricos soltos, divisão por grades entre
educandos e educadores, falta de acabamento - como pisos e pinturas na parede - etc.
(RODRIGUES, 2018). Esses aspectos demonstram a falta de preparo desses espaços para
atenderem às demandas necessárias à prática educativa.
Outro ponto a ser destacado, nesse caso, se trata da significação da educação enquanto
prática. Há, nos espaços de privação de liberdade, um ideal definido, uma ideia de controle
que não corrobora com a compreensão de educação. Essa, portanto, representando uma
instituição contraditória, como é, adentra o espaço prisional com seus significados contrários
à ideia de controle latente nesses espaços (RODRIGUES, 2018). Talvez seja essa uma das
principais razões da falta de investimento na educação nesses espaços: ela busca romper com
a ideia de controle e oferecer novas perspectivas às pessoas privadas de liberdade.
Dadas essas dificuldades, cabe ao pedagogo ser criativo e perspicaz, buscando adequar
o conteúdo programático à dos espaços de privação de liberdade (JULIÃO, 2013). Essa
necessidade se deve à falta de compreensão das especificidades desses espaços, sendo
possível, inclusive, perceber que, mesmo tendo adultos como público alvo, as aulas aparentam
destinadas a um público infanto-juvenil. (JULIÃO, 2013)
Nesse sentido, a educação em espaços de privação de liberdade não ocorre de forma
contextualizada e significativa, visto que não considera a realidade do público ao qual se
destina. Isso se deve, segundo Julião (2015), à ausência de diretrizes nacionais que valorizem
o papel da educação como proposta política para espaços de privação de liberdade.
Essa falta de contextualização com a realidade dos educandos e das educandas reflete
diretamente na qualidade do ensino e no interesse dos e das estudantes. Esse ponto é abordado
por Freire em alguns de seus estudos e demonstra a necessidade de se considerar os sujeitos
educandos como centrais nas práticas educativas, como abordaremos no tópico que se segue.
3. EJA e educação humanizadora

Nos presídios a escolarização não é obrigatória, este fator influencia a relação dos
sujeitos com a aprendizagem. Muitas vezes, as pessoas adultas em condição de privação de
liberdade não encontram vagas para ter acesso ao ambiente escolarizado. Além disso, as
situações de convivência e socialização com os demais, é requisito para que a inserção da
pessoa no ambiente escolarizado seja permitida. Esta situação caracteriza omissão do poder
público, instituição responsável pelo dever de educar as pessoas que se encontram na
condição de privação de liberdade, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº
9394/1996 (BRASIL, 1996), dispõe acerca de direitos estabelecidos pela Constituição Federal
de 1988 em seu artigo 208, inciso l, que determina que toda a população brasileira tem direito
ao ensino fundamental obrigatório e gratuito. E a Lei de Execução Penal - Lei nº 7210/1984
(BRASIL, 1984), prevê a educação escolar para as pessoas adultas que se encontram na
condição de restrição de liberdade, em seu artigo 18, determinando o ensino fundamental
obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa.
Embora existam várias normativas internacionais, como a Declaração de Hamburgo
(UNESCO, 1999), documento onde concordam os signatários sobre a educação de adultos,
que apenas o desenvolvimento centrado no ser humano, baseado no respeito integral aos
direitos humanos, levarão a um desenvolvimento justo. Entretanto, no tocante às pessoas
adultas em condição de privação de liberdade, os direitos constitucionais são negados pelo
poder público e acordos previstos na Declaração de Hamburgo e na Declaração Universal dos
Direitos Humanos são desrespeitados.
Para além, promover o ato pedagógico como prática social é oportunidade para a
pessoa na condição de restrição de liberdade, ressocializar-se. Indo além da questão da
ressocialização, no entanto, Julião (2015, p.130) afirma que “o papel do sistema de privação
de liberdade é de socioeducar”, sendo a socioeducação “uma educação fortemente social,
pautada na afirmação e efetivação dos direitos humanos, com compromisso com a
emancipação e autonomia de cada sujeito em sua relação com a sociedade.” (BISINOTO et
al., 2015, p. )
Entendendo a educação como processo de humanização, é preciso promover práticas
pedagógicas intencionais, que contemplem o desenvolvimento da autonomia e autoconfiança
do sujeito, para que ele seja capaz de desenvolver ações para melhorar sua realidade, ações
que possam beneficiar outras pessoas da sociedade e desta forma a educação cumprir seu
papel social. É preciso refletir, para adotar práticas pedagógicas proporcionais à formação
desses sujeitos, pois educar envolve dialogicidade, pressupõe tomar posição, apontar uma
direção, comprometer-se com o processo de transformação do outro. É preciso priorizar as
relações humanas nestes espaços e promover o acolhimento.
Segundo Freire, (1983b, p. 104), Educar é uma relação interativa entre pessoas, isto é,
sujeito-sujeito na perspectiva de “ler” e transformar realidades, isto é, relação sujeito-mundo.
É preciso otimizar a relação de interação entre os educandos que se encontram na condição de
restrição de liberdade, otimizar o convívio com os demais na mesma condição e promover a
empatia, porque desta forma, a pessoa desenvolverá a capacidade de se colocar no lugar do
outro, conviver com as diferenças e aceitar opiniões divergentes da sua. É nesse processo que
as pessoas aprendem e se desenvolvem, porque convivem. “Ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo”. (FREIRE, 1983a, p. 79).
Conforme o que é acordado na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de
Adultos, ela busca colocar o ser humano na centralidade dos processos, e ousamos mais, das
interações e ações, para desta forma, o processo educacional ter como finalidade a formação
integral dos diferentes sujeitos. As ações intencionais dos educadores e educadoras da EJA
precisam estar voltadas a transformar o homem em humano. Além do mais, para cumprir sua
tarefa humanizadora, o ambiente alfabetizador precisa mostrar aos educandos e educandas
que existem outras culturas além da sua. (GADOTTI, 2000). Para transformar o homem em
humano e social e desenvolver uma prática pedagógica humanizadora, é preciso ter em mente
e nos reconhecer como seres inacabados.
À Luz de Freire (1977) a solução para libertar o homem de sua condição de opressão,
está numa educação humanizadora e libertadora, capaz de apontar uma direção, mostrar que
existem outras culturas, promover a dialogicidade com outros homens e mulheres,
mediatizados pelo mundo.
A educação humanizadora desenvolvida na modalidade EJA, em um ambiente
alfabetizador voltado às pessoas na condição de restrição de liberdade, perpassa pelo
desenvolvimento do processo de libertação de consciência com a intenção de reinserir as
pessoas na sociedade. “A libertação autêntica, que é humanização em processo, não é uma
coisa que se deposita nos homens (...), é práxis, que implica a ação e reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo”. (FREIRE, 2016, p.93). Somente homens e mulheres
pensantes que constroem conhecimento, que os tornem capazes de se posicionar, questionar,
opinar e agir como sujeitos sociais, políticos e culturais, são capazes de melhorar suas vidas,
de outros e reconstruir suas histórias. Quando as pessoas têm contato com a educação numa
perspectiva humanizadora, tendem a desenvolver relações mais saudáveis, apoiadas no
diálogo e em valores humanos, melhorando o convívio social.

Considerações Finais

Dado os objetivos da pesquisa, foi possível explorar os diversos aspectos em torno da


educação em espaços de privação de liberdade, bem como compreender o papel da educação e
a importância do pedagogo nesses espaços, mesmo diante das diversas dificuldades
encontradas.
Diante dos temas abordados, compreende-se que a educação possui papel central no
processo de ressocialização de pessoas privadas de liberdade. No entanto, algumas
dificuldades, como o despreparo dos espaços físicos e a violência, dificultam o trabalho
educativo e, consequentemente, os processos de recuperação dos sujeitos apenados.
Cabe ressaltar que mesmo diante dessas dificuldades, é essencial que o profissional da
pedagogia conheça a realidade do espaço em que está inserido e seja capaz de pensar
estratégias que melhor direcionem a ação docente, permitindo uma educação que seja capaz
de gerar reflexão sobre a realidade e transformar as perspectivas de futuro após o
cumprimento da pena, sendo uma das funções centrais dos espaços de privação de liberdade.
O uso de Paulo Freire nesse estudo foi essencial para compreender aspectos
importantes sobre uma educação que seja humanizadora. Nesse sentido, não cabe apenas a
prática educativa por si só, ela deve compreender a realidade, as características e as
necessidades do público a que se destina, sendo capaz de oferecer possibilidades suficientes
para gerar mudanças no presente e no futuro daquele que com ela tiver contato.
Cabe ressaltar que as características apontadas nos estudos de Freire somente são
possíveis através de práticas que sejam, antes de tudo, sociais e culturais, que busquem
aproximar o docente dos educandos e educandas e esses entre si e com sua própria realidade.
Desse modo, a educação poderá se concretizar enquanto a prática social e cultural que é e
oportunizar aos privados de liberdade refletirem sobre sua realidade e buscar transformá-la
através da mudança em suas próprias práticas.
Referências

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