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DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Resumo:
Nessa pesquisa buscamos discorrer acerca da Educação/escolarização de adultos em espaços
não formais, na perspectiva do direito fundamental, individual e social, garantido
constitucionalmente às pessoas que se encontram na condição de privação de liberdade.
Trata-se de pesquisa bibliográfica apoiada nos referenciais de estudos de pesquisadores como
Freire (1977, 1983), Gadotti (2003), Julião (2013), Ortega (2009), Rodrigues (2018),
Fonseca (2018), que nos auxiliam com aporte teórico para melhor compreensão da EJA em
espaços de privação de liberdade como determinam as leis vigentes em nosso país. A
população que geralmente ocupa estes espaços, se constitui de pessoas que tiveram direitos
sociais - como o acesso à educação de qualidade - negligenciados pelo poder público,
instituição responsável pelo dever de escolarizar todas as pessoas, em qualquer idade da vida,
como um direito constitucional. Abordamos também alguns pontos acerca das condições
educacionais para favorecer a convivência nestes espaços e a possibilidade de ressocialização.
Outro ponto abordado se trata da função dos profissionais da educação licenciados em
Pedagogia, para atuar junto às pessoas que se encontram na condição de restrição de
liberdade. Os conhecimentos teórico e prático, capazes de promover práticas pedagógicas
intencionais e desenvolver estratégias educacionais eficazes, com finalidades de humanização,
emancipação, promoção de autoconfiança e autoestima, construção de novos aprendizados
que possibilitem reintegração, também são contexto para estudos nesse artigo. Analisamos
também os espaços físicos, buscando compreender se apresentam ou não condições para a
efetivação de ações educativas. Além disso, discorremos sobre outros outros fatores que
caracterizam desrespeito aos direitos humanos, influenciam negativamente as ações
educativas e dificultam o desenvolvimento das pessoas e a possibilidade de reintegração e
convivência harmônica na sociedade. Uma vez que a educação objetiva a formação humana
dos educandos, os profissionais da educação que atuam nos espaços de privação de liberdade
devem promover práticas destinadas a favorecer a convivência, preparar para exercício da
cidadania, promover a inclusão e a capacidade de socialização. A alternativa para libertar o
homem de sua condição de opressão, está numa educação humanizadora e libertadora, que,
por meio da mediação dos profissionais da educação, seja capaz de apontar uma direção,
mostrar que existem outras culturas, promover a dialogicidade com outros homens e
mulheres, mediatizados pelo mundo, conforme nos aponta o referencial freireano. Desta
forma a educação cumprirá sua função social.
Key words: Humanization. Education. Education of Young People and Adults. Spaces of
Deprivation of Liberty
1. INTRODUÇÃO
Uma questão essencial para a ação educativa em espaços de privação de liberdade diz
respeito aos espaços físicos para receberem as ações. Assim como ocorre nas escolas
regulares, o bom funcionamento da escola nesses espaços depende de uma estrutura física que
dê condições para a efetivação das ações educativas.
Os problemas relacionados às condições precárias na estrutura física dos espaços de
privação de liberdade, segundo Rodrigues (2018) não se resumem àqueles destinados às
práticas educativas, mas se estendem por todo o ambiente prisional. Nesse sentido,
encontramos segregação e superlotação, por exemplo, que conduzem a comportamentos
violentos, dando ênfase em ações de segurança de controle e ignorando as questões sociais
necessárias durante o cumprimento da pena. (RODRIGUES, 2018)
Segundo Cordeiro (2010 apud RODRIGUES, 2018), devido à superlotação muitos
presos dormem no chão de suas celas, no banheiro ou próximo ao esgoto. Em casos mais
graves de superlotação, muitos presos acabam dormindo amarrados às grades das celas, por
exemplo. Essa situação, mesmo que não esteja diretamente ligada aos espaços educativos,
influencia diretamente as ações educativas, visto que a educação é feita pelos sujeitos
educadores e educandos, possuindo os dois importância central da ação docente.
Cabe destacar que a maior responsabilidade sobre o despreparo do espaços físicos de
instituições de privação de liberdade recai sobre o fato de que grande parte desses espaços não
foram concebidos como espaços prisionais, mas adaptados para exercer essa função, não
atendendo às demandas existentes (RODRIGUES, 2018)
O fato acima citado é também o principal responsável pela falta de espaços adequados
para a ação docente, sendo necessário usar ambientes improvisados como salas de aula.
Segundo Rodrigues (2018), apenas 58% de todas as instituições prisionais do país possuem
salas de aula, havendo 2.565 salas de aula com capacidade total para atender 35.570 pessoas
em cada turno, o que corresponde a cerca de 5% do total da população em privação de
liberdade. Além das salas de aula propriamente dita, há, em alguns casos, a presença de
bibliotecas e salas de informática, o que totaliza o atendimento de 12% da população.
(RODRIGUES, 2018)
Além disso, mesmo quando ofertados, os espaços destinados às ações educativas nos
ambientes de privação de liberdade se apresentam, por exemplo, em salas de aula sem
iluminação ou ventilação, com infiltrações, fios elétricos soltos, divisão por grades entre
educandos e educadores, falta de acabamento - como pisos e pinturas na parede - etc.
(RODRIGUES, 2018). Esses aspectos demonstram a falta de preparo desses espaços para
atenderem às demandas necessárias à prática educativa.
Outro ponto a ser destacado, nesse caso, se trata da significação da educação enquanto
prática. Há, nos espaços de privação de liberdade, um ideal definido, uma ideia de controle
que não corrobora com a compreensão de educação. Essa, portanto, representando uma
instituição contraditória, como é, adentra o espaço prisional com seus significados contrários
à ideia de controle latente nesses espaços (RODRIGUES, 2018). Talvez seja essa uma das
principais razões da falta de investimento na educação nesses espaços: ela busca romper com
a ideia de controle e oferecer novas perspectivas às pessoas privadas de liberdade.
Dadas essas dificuldades, cabe ao pedagogo ser criativo e perspicaz, buscando adequar
o conteúdo programático à dos espaços de privação de liberdade (JULIÃO, 2013). Essa
necessidade se deve à falta de compreensão das especificidades desses espaços, sendo
possível, inclusive, perceber que, mesmo tendo adultos como público alvo, as aulas aparentam
destinadas a um público infanto-juvenil. (JULIÃO, 2013)
Nesse sentido, a educação em espaços de privação de liberdade não ocorre de forma
contextualizada e significativa, visto que não considera a realidade do público ao qual se
destina. Isso se deve, segundo Julião (2015), à ausência de diretrizes nacionais que valorizem
o papel da educação como proposta política para espaços de privação de liberdade.
Essa falta de contextualização com a realidade dos educandos e das educandas reflete
diretamente na qualidade do ensino e no interesse dos e das estudantes. Esse ponto é abordado
por Freire em alguns de seus estudos e demonstra a necessidade de se considerar os sujeitos
educandos como centrais nas práticas educativas, como abordaremos no tópico que se segue.
3. EJA e educação humanizadora
Nos presídios a escolarização não é obrigatória, este fator influencia a relação dos
sujeitos com a aprendizagem. Muitas vezes, as pessoas adultas em condição de privação de
liberdade não encontram vagas para ter acesso ao ambiente escolarizado. Além disso, as
situações de convivência e socialização com os demais, é requisito para que a inserção da
pessoa no ambiente escolarizado seja permitida. Esta situação caracteriza omissão do poder
público, instituição responsável pelo dever de educar as pessoas que se encontram na
condição de privação de liberdade, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº
9394/1996 (BRASIL, 1996), dispõe acerca de direitos estabelecidos pela Constituição Federal
de 1988 em seu artigo 208, inciso l, que determina que toda a população brasileira tem direito
ao ensino fundamental obrigatório e gratuito. E a Lei de Execução Penal - Lei nº 7210/1984
(BRASIL, 1984), prevê a educação escolar para as pessoas adultas que se encontram na
condição de restrição de liberdade, em seu artigo 18, determinando o ensino fundamental
obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa.
Embora existam várias normativas internacionais, como a Declaração de Hamburgo
(UNESCO, 1999), documento onde concordam os signatários sobre a educação de adultos,
que apenas o desenvolvimento centrado no ser humano, baseado no respeito integral aos
direitos humanos, levarão a um desenvolvimento justo. Entretanto, no tocante às pessoas
adultas em condição de privação de liberdade, os direitos constitucionais são negados pelo
poder público e acordos previstos na Declaração de Hamburgo e na Declaração Universal dos
Direitos Humanos são desrespeitados.
Para além, promover o ato pedagógico como prática social é oportunidade para a
pessoa na condição de restrição de liberdade, ressocializar-se. Indo além da questão da
ressocialização, no entanto, Julião (2015, p.130) afirma que “o papel do sistema de privação
de liberdade é de socioeducar”, sendo a socioeducação “uma educação fortemente social,
pautada na afirmação e efetivação dos direitos humanos, com compromisso com a
emancipação e autonomia de cada sujeito em sua relação com a sociedade.” (BISINOTO et
al., 2015, p. )
Entendendo a educação como processo de humanização, é preciso promover práticas
pedagógicas intencionais, que contemplem o desenvolvimento da autonomia e autoconfiança
do sujeito, para que ele seja capaz de desenvolver ações para melhorar sua realidade, ações
que possam beneficiar outras pessoas da sociedade e desta forma a educação cumprir seu
papel social. É preciso refletir, para adotar práticas pedagógicas proporcionais à formação
desses sujeitos, pois educar envolve dialogicidade, pressupõe tomar posição, apontar uma
direção, comprometer-se com o processo de transformação do outro. É preciso priorizar as
relações humanas nestes espaços e promover o acolhimento.
Segundo Freire, (1983b, p. 104), Educar é uma relação interativa entre pessoas, isto é,
sujeito-sujeito na perspectiva de “ler” e transformar realidades, isto é, relação sujeito-mundo.
É preciso otimizar a relação de interação entre os educandos que se encontram na condição de
restrição de liberdade, otimizar o convívio com os demais na mesma condição e promover a
empatia, porque desta forma, a pessoa desenvolverá a capacidade de se colocar no lugar do
outro, conviver com as diferenças e aceitar opiniões divergentes da sua. É nesse processo que
as pessoas aprendem e se desenvolvem, porque convivem. “Ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo”. (FREIRE, 1983a, p. 79).
Conforme o que é acordado na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de
Adultos, ela busca colocar o ser humano na centralidade dos processos, e ousamos mais, das
interações e ações, para desta forma, o processo educacional ter como finalidade a formação
integral dos diferentes sujeitos. As ações intencionais dos educadores e educadoras da EJA
precisam estar voltadas a transformar o homem em humano. Além do mais, para cumprir sua
tarefa humanizadora, o ambiente alfabetizador precisa mostrar aos educandos e educandas
que existem outras culturas além da sua. (GADOTTI, 2000). Para transformar o homem em
humano e social e desenvolver uma prática pedagógica humanizadora, é preciso ter em mente
e nos reconhecer como seres inacabados.
À Luz de Freire (1977) a solução para libertar o homem de sua condição de opressão,
está numa educação humanizadora e libertadora, capaz de apontar uma direção, mostrar que
existem outras culturas, promover a dialogicidade com outros homens e mulheres,
mediatizados pelo mundo.
A educação humanizadora desenvolvida na modalidade EJA, em um ambiente
alfabetizador voltado às pessoas na condição de restrição de liberdade, perpassa pelo
desenvolvimento do processo de libertação de consciência com a intenção de reinserir as
pessoas na sociedade. “A libertação autêntica, que é humanização em processo, não é uma
coisa que se deposita nos homens (...), é práxis, que implica a ação e reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo”. (FREIRE, 2016, p.93). Somente homens e mulheres
pensantes que constroem conhecimento, que os tornem capazes de se posicionar, questionar,
opinar e agir como sujeitos sociais, políticos e culturais, são capazes de melhorar suas vidas,
de outros e reconstruir suas histórias. Quando as pessoas têm contato com a educação numa
perspectiva humanizadora, tendem a desenvolver relações mais saudáveis, apoiadas no
diálogo e em valores humanos, melhorando o convívio social.
Considerações Finais
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 01 mar.
2022.
FREIRE, P. Educação como prática da Liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983b.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983a
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 62 ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2016.