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ADMINISTRAÇÃO

DO CAPITAL DE
GIRO

Leuter Duarte Cardoso Junior


Gestão do capital de giro:
modelo de Fleuriet
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Apresentar a origem do modelo de Fleuriet.


 Conceituar contas cíclicas e erráticas.
 Contextualizar a ocorrência de necessidade líquida de capital de giro.

Introdução
O capital de giro (CDG) é um dos elementos que influenciam as decisões
estratégicas de uma organização e é alvo de muito estudos acadêmicos.
O mundo está globalizado há décadas, e a competividade empresarial
é o resultado desse fenômeno. Por essa razão, há uma preocupação
por parte dos acadêmicos e gestores em aplicar análises e modelos
sofisticados na área financeira.
Assim, neste capítulo, você vai estudar o modelo tradicional de
análise financeira, muito comum na literatura. Na sequência, você vai
compreender o modelo de Fleuriet, que tem uma perspectiva distinta
da tradicional, propondo uma análise dinâmica, que considera os ciclos
operacional e financeiro da empresa. Por fim, você vai aprender sobre os
contextos em que ocorre a necessidade líquida de CDG.

1 Modelo tradicional versus modelo de Fleuriet


No modelo tradicional de análise econômico-financeira, a análise está con-
centrada nos índices decorrentes das demonstrações financeiras. Assim, haverá
uma relação lógica entre as contas financeiras e contábeis, com o propósito de
apresentar a condição financeira da organização. Para o modelo tradicional, é
importante destacar o conceito de capital de giro líquido (CGL).
2 Gestão do capital de giro: modelo de Fleuriet

O CGL é resultado da diferença entre as contas patrimoniais de curto


prazo. Assim, o resultado será a diferença entre as contas presentes no ativo
circulante e as dívidas presentes no passivo circulante. Com esse conceito, é
possível analisar a liquidez da empresa para o curto prazo.
Nesse contexto, pode-se diferenciar o CDG e o CGL. O CDG corresponde
aos recursos do ativo circulante, enquanto o CGL será a diferença entre o
ativo circulante e o passivo circulante. Essa conceituação é fundamental para
compreender as bases do modelo tradicional e depois distingui-lo do modelo
de Fleuriet.
Com a noção clara do CDG, é possível avançar o estudo dos aspectos de
liquidez da empresa. Ao considerar as contas circulantes do balanço patrimo-
nial, conseguimos medir a liquidez por meio dos seguintes índices:

 Liquidez corrente = (Ativo circulante) / (Passivo circulante)


 Liquidez seca = (Ativo circulante – Estoques) / (Passivo circulante)
 Liquidez imediata = (Disponível) / (Passivo circulante)

Esses índices demonstram a capacidade do ativo circulante para honrar


com as dívidas do passivo circulante. Quanto maior for o índice, melhor
será a situação de liquidez da empresa para honrar as obrigações do passivo
circulante. Por essa razão, uma empresa solvente, normalmente, terá bons
índices de liquidez.
Embora o modelo tradicional seja utilizado em larga escala e por diversos
estudiosos e profissionais da área financeira, ele sofre algumas críticas de
ordem metodológica. Para Fleuriet, Kehdy e Blanc (2003), as contas patrimo-
niais no modelo tradicional são classificadas de forma inadequada. O correto
seria uma classificação considerando os ciclos que ocorrem nas operações
da organização. Dessa forma, a análise financeira ocorreria por meio de um
modelo dinâmico.
É desse entendimento que partem os estudos de Michel Fleuriet, que resul-
taram no modelo de Fleuriet. Este tem como propósito realizar uma análise
financeira não estática. No modelo de Fleuriet, as contas do balanço patrimonial
são reclassificadas em função da análise, que é voltada aos ciclos decorrentes
das operações que ocorrem dentro de uma organização.
Conforme os estudos de Theiss Júnior e Wilhelm (2000), o modelo de
Fleuriet fornece medidas mais apuradas para a sensibilidade da empresa sobre
as variações financeiras. Dentro dessa perspectiva, é proposto no modelo
analisar os ciclos da empresa, para obter uma visão mais exata do desempenho
operacional, econômico e financeiro ao longo do tempo.
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2 Contas patrimoniais no modelo dinâmico de


Fleuriet
Nas análises financeiras tradicionais, as contas são classificadas em circulantes
e não circulantes. No modelo dinâmico, as contas passam a ganhar um novo
caráter e, por isso, elas serão classificadas em operacionais (cíclicas), financeiras
(erráticas) e não circulantes (não cíclicas). No Quadro 1, observa-se a nova
classificação das contas patrimoniais conforme a metodologia de Fleuriet.

Quadro 1. Balanço patrimonial na perspectiva de Fleuriet

Ativo Passivo

Ativo circulante Passivo circulante

- Contas erráticas: - Contas erráticas:

Caixa Empréstimos e financiamentos

Bancos Debêntures

Aplicações financeiras Dividendos a pagar

- Contas cíclicas: - Contas cíclicas:

Clientes Fornecedores

Estoques Obrigações tributárias

Ativo não circulante Passivo não circulante

- Contas não cíclicas - Contas não cíclicas

Realizável a longo prazo Exigível a longo prazo

Investimentos

Imobilizado Patrimônio líquido (não cíclico)

Fonte: Adaptado de Rocha, Klann e Hein (2010).

As contas erráticas no ativo circulante são aquelas que envolvem o lado


financeiro da empresa, como: caixa, bancos, aplicações financeiras, entre
outras. Estas estarão vinculadas às atividades financeiras da organização no
curto prazo. No ativo circulante, haverá também as contas cíclicas, ligadas
às atividades operacionais, como as contas clientes, estoques, entre outras.
Por fim, há o ativo não circulante, considerado como não cíclico. As contas
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que normalmente o compõem são: realizável a longo prazo, investimentos,


imobilizado e intangível.
No lado do passivo, haverá as contas classificadas como erráticas, cíclicas e
não cíclicas. As contas do passivo circulante ligadas a dívidas e compromissos
com as instituições financeiras e outros credores financeiros no curto prazo
serão classificadas como erráticas. Por exemplo, as contas empréstimos, finan-
ciamento, debêntures e dividendos a pagar serão consideradas como erráticas.
As obrigações do passivo circulante decorrentes das atividades operacionais
serão classificadas como cíclicas. Nesse sentido, as contas fornecedor e salários
a pagar serão entendidas como cíclicas no passivo circulante. Estas existem
em função das operações e atividades afins da organização.
O passivo não circulante e o patrimônio líquido serão classificados como
não cíclicos. Essas contas têm uma rotatividade baixa ou até mesmo são per-
manentes na empresa. Por esse motivo, serão consideradas como não cíclicas
na análise financeira dinâmica do modelo.

No modelo tradicional, considera-se apenas as contas circulante e não circulante. Já


no modelo dinâmico, as contas são desmembradas em operacional, financeira e não
circulante. Trata-se de uma nova forma de interpretar a dinâmica do ciclo operacional
das organizações.

Segundo Vieira (2008), a nova classificação das contas patrimoniais con-


sidera os ciclos financeiro e econômico de uma organização. Esses ciclos são
dinâmicos — por exemplo, uma mudança nas políticas de estocagem ou nas
contas a pagar ou receber vai acarretar novos ciclos dentro da empresa. Na
Figura 1, pode-se analisar os respectivos ciclos.
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Figura 1. Ciclo financeiro e ciclo econômico.


Fonte: Vieira (2008, p. 75).

Conforme apresentado na Figura 1, o ciclo econômico corresponde ao


período que a mercadoria permanece estocada até ser vendida. Já o ciclo
financeiro será o intervalo de tempo entre o pagamento dos fornecedores e o
recebimento das vendas. Esses ciclos representam as atividades operacionais
(ciclo operacional) da empresa com seus stakeholders.
Com o entendimento conceitual das contas patrimoniais e dos ciclos fi-
nanceiro e econômico no modelo de Fleuriet, pode-se avançar para a análise
dos indicadores econômicos e financeiros do modelo de Fleuriet. Estes são
um meio de evidenciar a situação financeira de uma organização.

Indicadores econômicos e financeiros do modelo de


Fleuriet
Os principais indicadores econômicos e financeiros do modelo de Fleuriet
são: CDG, necessidade de capital de giro (NCG) e saldo da tesouraria (ST).
Cada um desses indicadores vai revelar a situação de liquidez da empresa
no curto e no longo prazo. Para uma compreensão clara desses indicadores,
vamos analisá-los em princípio de forma isolada.
A NCG será a diferença entre o ativo circulante cíclico (operacional) e o
passivo circulante cíclico (operacional). Assim, a equação 1 representa a NCG:

NCG = Ativo circulante operacional – Passivo circulante operacional (1)

O resultado será entendido da seguinte forma:

a) um resultado positivo indica que as saídas de caixa ocorrem antes das


entradas, e, por esse motivo, será necessário financiar o CDG por meio
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da contratação de empréstimos ou financiamento (capital de terceiros)


ou com recursos próprios da empresa;
b) se o resultado for negativo, significa que o fluxo de caixa operacional
é positivo, ou seja, as entradas de caixa ocorrem antes das saídas. Esse
é um cenário favorável, e não haverá necessidade para captação de
empréstimos e financiamentos ou injeção de recursos por parte dos
sócios ou acionistas.

Para Assaf Neto (2014), o resultado desse indicador será a quantidade


de recursos necessários para financiar o ciclo das principais operações em-
presariais, isto é, os ciclos de comercialização, compras e estocagem. Para
Matarazzo (2003, p. 338), “[...] a necessidade de capital de giro é a chave para
a administração financeira de uma empresa”.
O CDG é entendido como os recursos permanentes da organização neces-
sários para cobrir as NCGs. O CDG é obtido pela subtração das fontes de longo
prazo (passivo não circulante e patrimônio líquido) pelas aplicações de longo
prazo (ativo não circulante). A equação 2 é utilizada para o cálculo do CDG.

CDG = (Passivo não cíclico + Patrimônio líquido) – (Ativo não cíclico) (2)

Os resultados serão interpretados da seguinte forma:

a) quando o resultado é positivo, entende-se que há fontes de longo prazo


(passivo não circulante e patrimônio líquido) para cobrir as NCGs;
b) quando o resultado é negativo, não há fontes de longo prazo suficientes
para financiar as NCGs. Nessa condição, a empresa deverá buscar
alternativas na sua estrutura financeira.

O ST é a diferença entre o CDG e a NCG. Esse resultado será obtido pela


subtração do ativo circulante errático pelo valor do passivo circulante errático.
Esse saldo será calculado por meio da equação 3.

ST = Ativo circulante financeiro – Passivo circulante financeiro (3)

A interpretação desse resultado é descrita a seguir.

a) Quando o ST tem um resultado negativo, a empresa vai utilizar as


fontes de curto prazo (empréstimos e financiamento) para cobrir a sua
NCG; assim, haverá uma quantidade maior do capital de terceiros na
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empresa. Uma consequência dessa situação é o aumento das despesas


onerosas (financeiras).
b) Quanto maior o resultado, melhor será a situação da empresa, pois haverá
uma menor dependência do capital de terceiros, e isso vai resultar em
despesas onerosas menores e endividamento reduzido. Nessa situação,
a empresa tem recursos de curto prazo suficientes para financiar as
suas operações.

Segundo Viera (2008, p. 86), “[…] quando os recursos de longo prazo originários do
capital de giro não são suficientes para satisfazer à demanda operacional de recursos
representada pela necessidade de capital de giro, a empresa precisa utilizar fonte de
curto prazo, com o objetivo de complementar o financiamento das suas atividades”.
O ST poderá ser utilizado como complemento.

3 Administração financeira do capital de giro


líquido
Com as análises e estudos verificados até este momento, pode-se perceber a
importância da liquidez dentro das empresas. Sendo assim, uma análise mais
crítica sobre o CDG é necessária, uma vez que ele está intimamente ligado ao
grau de liquidez e solvência de uma organização.
Para Vieira (2008), o CGL é uma medida da folga financeira da empresa
para honrar as obrigações computadas no passivo circulante. Sob o aspecto
da liquidez, entende-se que, quanto maior for o CGL, melhor será a situação
financeira da empresa no curto prazo.
O CGL será o resultado da diferença entre as contas do ativo circulante e
do passivo circulante. A equação 4 representa o CGL.

CGL = Ativo circulante – Passivo circulante (4)

O resultado dessa equação poderá ser positivo, negativo ou nulo. Cada


resultado vai indicar a situação financeira da empresa. Nas Figuras 2, 3 e 4
são apresentadas as três situações possíveis. Na situação apresentada na Figura
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2, o CGL é nulo, assim, os bens e direitos do ativo circulante são iguais às


obrigações do passivo circulante.

Figura 2. Capital de giro líquido nulo.


Fonte: Adaptada de Assaf Neto e Silva (2002).

Na Figura 3, pode-se observar uma situação financeira favorável, na qual


o CGL é positivo.

Figura 3. Capital de giro líquido positivo.


Fonte: Adaptada de Assaf Neto e Silva (2002).

O resultado positivo indica que o CDG é próprio, e, por essa razão, o ativo
circulante é superior às obrigações existentes no passivo circulante para o
mesmo período. Essa é uma situação financeira favorável e representa uma
boa capacidade para o financiamento das dívidas com capital próprio.
Quando o resultado é negativo, conforme mostra a Figura 4, o CGL no curto
prazo é financiado pelo capital de terceiros (empréstimos e financiamentos),
e o ativo circulante é inferior às obrigações presentes no passivo circulante.
Essa é uma situação de alerta: o endividamento cresceu e as despesas também,
assim, a solvência poderá ficar comprometida no longo prazo.
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Figura 4. Capital de giro líquido negativo.


Fonte: Adaptada de Assaf Neto e Silva (2002).

O CDG na análise financeira poderá ser classificado como fixo ou variável. Segundo
Assaf Neto e Silva (2002), o CDG fixo será a quantidade necessária para manter o ativo
circulante e garantir as operações da organização. O CDG variável corresponde aos
recursos extraordinários para atender às necessidades sazonais, como antecipação das
compras de insumo, maiores volumes de vendas em alguns períodos ou contingências
não previstas.

Conforme Matarazzo (2003, p. 337), a NCG “[...] é não só um conceito


fundamental para a análise da empresa do ponto de vista financeiro, ou seja,
análise de caixa, mas também de estratégias de financiamento, crescimento e
lucratividade”. Sob esse contexto, entende-se que o CDG é um dos elementos
que vão delinear o planejamento estratégico e operacional das organizações.
Uma administração eficaz do CGL vai garantir uma solidez financeira, bem
como resultados prósperos ao longo do tempo. Por conta disso, dimensionar
e avaliar corretamente as fontes de financiamento será estratégico e vital.
Para Matarazzo (2003), existem diferentes fontes de financiamento, como:

 capital circulante próprio;


 empréstimos e financiamentos bancários de longo prazo;
 empréstimos bancários de curto prazo;
 duplicatas descontadas.
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Estas são as principais formas para financiar as NCGs, e cada uma delas
tem suas peculiaridades para prazos, despesas e volumes. O uso dessas fontes
deverá contribuir para ganhos positivos nos ciclos econômico e financeiro.
Assim, a empresa terá condições suficientes para manter uma boa saúde
financeira no curto e no longo prazo.
A gestão do CDG é uma tarefa estratégica e que merece uma atenção ímpar,
para proporcionar resultados econômicos e financeiros positivos, bem como
criar valor para os negócios da empresa no curto e no longo prazo. Logo, a
compreensão do modelo dinâmico de Fleuriet e as ferramentas para análise
das necessidades líquidas do CDG ganham maior relevância.

ASSAF NETO, A. Finanças corporativas e valor. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
ASSAF NETO, A.; SILVA, C. A. T. Administração do capital de giro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
FLEURIET, M.; KEHDY, R.; BLANC, G. O modelo Fleuriet: a dinâmica financeira das empresas
brasileiras. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
MATARAZZO, D. C. Análise financeira de balanços: abordagem básica e gerencial. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
ROCHA, I.; KLANN, R. C.; HEIN, N. Utilização do modelo Fleuriet na análise da gestão do
capital de giro de empresas brasileiras do setor de siderurgia. In: CONGRESSO BRASI-
LEIRO DE CUSTOS, 17., 2010, Belo Horizonte. Anais eletrônicos [...]. Disponível em: https://
anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/download/835/835. Acesso em: 26 abr. 2020.
THEISS JÚNIOR, F.C.; WILHELM, P.P.H. Análise do capital de giro: modelo Fleuriet versus
modelo tradicional. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ADMINISTRAÇÃO, 24., 2000, Florianópolis. Anais […]. Florianópolis: ENANPAD, 2000.
VIEIRA, M. V. Administração estratégica de capital de giro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

Leitura recomendada
MARQUES, J. A. V. C.; BRAGA, R. Análise dinâmica do capital de giro: o modelo Fleuriet.
Revista de Administração de Empresas, v. 35, nº. 3, p. 49–63, mai./jun. 1995. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rae/v35n3/a07v35n3.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020.
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