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Morte Encefálica e

Doação de Órgãos
Bárbara Rezende @psi.barbararezende
Conceito - Qual é o seu?
Morte - “Observar a morte em paz de um ser humano nos faz lembrar uma estrela cadente.
É uma entre milhões de luzes do céu imenso, que cintila ainda por um breve momento
para desaparecer para sempre” (E. K-R)

Morte Encefálica - “Definição legal de morte. Conceituada como a interrupção


completa e irreversível de todas as funções cerebrais, mesmo na presença de atividade
cardíaca ou reflexos primitivos. Isto significa que, como resultado de severa agressão ou
ferimento grave no cérebro, o sangue que vem do corpo e supre o cérebro é bloqueado
e o cérebro morre.” (BVS.GOV, 2008)

Doação de Órgãos - “Procedimento cirúrgico que consiste na transferência de um


órgão (coração, pulmão, rim pâncreas, fígado) ou tecido (medula óssea, ossos, córneas) de
um indivíduo para o outro, a fim de compensar ou substituir uma função perdida.”
(ABTO)

Portaria n 2.600 de 21 de outubro de 2009 – Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes


Principais Diagnósticos Associados
> Morte Súbita x Orgânica

- Politraumatizados com TCE (Ex: acidente automobilístico,


atropelamento, violência física);
- Anóxia Cerebral (afogamentos, pós-parada cardiorrespiratória);
- Intoxicação Exógena;
- AVE – AVC : Acidente Vascular Cerebral – (AVCH /AVCI);
- Tumores Cerebrais Primários;
Nível de Consciência
1. É possível que nosso ente querido esteja somente em coma?
“Não. O paciente em coma está médica e legalmente vivo e pode respirar quando o
ventilador é removido e/ou ter atividade cerebral e fluxo sanguíneo no cérebro. Seu ente
querido não está em coma.” (BVS.GOV, 2008)

1. Não há drogas que podem parar o trabalho do cérebro dando um falso


diagnóstico?
“Certos remédios podem mascarar a função cerebral, como relaxantes musculares e
sedativos. Quando os exames são terminados, seu ente querido pode receber uma dose
menor dessas drogas em seu corpo. O médico pode, então, medir mais acuradamente a
atividade cerebral. Geralmente, outros exames são feitos para confirmar a morte encefálica
quando estas drogas são usadas.” (BVS.GOV, 2008)

1. Morte Encefálica
Aspectos Neurológicos
● Impossibilidade de transplante cerebral;
● Diagnósticos sem perspectivas neuro-cirúrgicas;
● Procedimentos de neuroproteção:

A “neuro proteção pode ser definida como uma intervenção, não


necessariamente farmacológica, para interferir diretamente nos
mecanismos intracelulares da cascata isquêmica, visando o resgate da
área de penumbra - definida como área de hipoperfusão, ainda viável,
circunjacente ao infarto (área de necrose)”.

● Medidas neuroprotetivas mais utilizadas.


Protocolo de ME
Protocolo de ME
● Para atestar a morte encefálica, o paciente deve ser submetido a um exame clínico
(realizado por dois médicos diferentes, com um intervalo mínimo de uma hora), um
teste de apneia e exames complementares (angiografia cerebral,
eletroencefalograma, doppler transcraniano e cintilografia). O Conselho destaca que
o laudo deve ser assinado por um profissional com experiência comprovada e
capacitação.

● Após o período de tratamento, por um mínimo de seis horas, e confirmação da


morte, o paciente não poderá permanecer no hospital com os aparelhos ligados.
Caso a doação de órgãos não seja possível – por decisão familiar ou circunstâncias da
morte – os aparelhos deverão ser desligados.
Protocolo de ME
● A morte encefálica poderá ser atestada por mais especialistas, além do
neurologista, das seguintes áreas: medicina intensiva adulta ou pediátrica,
neurologia adulta ou pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência.
O profissional deve ter, no mínimo, um ano de experiência no atendimento
a pacientes em coma, além de ter realizado curso de capacitação ou
acompanhado/realizado, pelo menos, 10 determinações de morte
encefálica.
Protocolo de ME
1º) Exclusão de condições clínicas que possam causar interferência no exame clínico

2º) Avaliar os critérios para abertura do protocolo de ME

3º) Primeiro Exame Clínico Neurológico

Etapas:

1. Confirmar o coma (Escala de Coma de Glasgow = 3),

com exame bilateral

2. Examinar reflexos do Tronco Encefálico

4º) Segundo Exame Neurológico

5º) Exame Complementar Confirmatório

6º) Conclusão
Legenda:

1 - Reflexo córneo-palpebral;

2- Reflexo vestíbulo coclear;

3 - Exames neurológicos clínicos.


Dificuldades simbólicas na assimilação da ME
Morte Cardíaca x Morte Encefálica:

● Dificuldade de compreensão dos clínicos e das famílias da morte em um indivíduo cujos sinais
vitais (batimentos cardíacos, calor da circulação e movimento dos pulmões) são mantidos por
tecnologia de suporte vital.
● Fantasias relacionadas:
“Como meu familiar está morto se o coração continua batendo?”
“Só há a morte quando o coração para de bater” -> romantização da morte cardíaca
● Dificuldade em compreender a ausência da vida que aparenta existir com as máquinas ligadas
Dificuldades simbólicas na assimilação da ME
Mecânica da morte - 3 mecanismos fisiológicos básicos:

● Parada cardíaca primária, resultando em parada circulatória

● Parada respiratória primária, que causa uma parada cardíaca secundária através da hipoxemia

● Parada cerebral primária, que através da interrupção do controle das vias aéreas e impulso
respiratório, causa uma parada respiratória secundária e então uma parada cardíaca
Dificuldades simbólicas na assimilação da ME
Implicações:

● Isso dificulta a captação de órgãos, porque considera-se a identificação da morte com a


morte clínica quando há parada cardiorrespiratória e o coração deixa de manter os
outros órgãos em boas condições.
Acompanhamento psicológico familiares de paciente em
protocolo de ME
Objeção de Consciência
O que é?

Representa o direito de um profissional de se recusar a realizar um procedimento, mesmo


este sendo aceito pelo paciente ou até mesmo legalizado.

Onde se fundamenta?

A objeção de consciência está fundamentada no princípio de justiça da Bioética, o qual diz


que é preciso respeitar com imparcialidade o direito de cada um, ou seja, não seria ética uma
decisão que levasse um dos personagens envolvidos (profissional ou paciente) a se
prejudicar.
Objeção de Consciência
Objeção de consciência na morte encefálica:

O médico tem o direito de não “acreditar” na morte encefálica, ou seja, ele pode ter valores,
crenças e motivos pessoais que são contrários aos conceitos científicos da morte encefálica.

Portanto, ele possui o direito de se recusar a realizar o desligamento das máquinas do


paciente caso não se sinta apto (física, emocional ou espiritualmente) para tal.

Entretanto, é necessário acionar outro profissional para realizar o procedimento.


Doação de órgãos
Quando é o momento para falar sobre?

- A família está vivenciando um momento de perda, luto, que pode vir


relacionado com incompreensão, raiva...
- Abordagem respeitosa e cautelosa

Quem deve falar sobre isso?

- A equipe que prestou a assistência ao sujeito não deve ser a mesma que
vai levar o assunto de doação à família.
Doação de órgãos
No Brasil, a doação de órgãos só será feita após a autorização familiar.

Os órgãos doados vão para pacientes que necessitam de um transplante e estão aguardando em lista única,
definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado e controlada pelo Sistema
Nacional de Transplantes (SNT).

O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) é responsável pelo controle e monitoramento do processo


doação de órgãos e tecidos e transplantes realizados no país, com o objetivo de desenvolver o processo de
captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retiradas do corpo humano para fins terapêuticos.

A atuação do SNT tem-se concentrado, sobretudo, na redução do tempo de espera dos pacientes na lista de
transplantes e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes que hoje aguardam pelo procedimento.
Doação de órgãos
● 1 - O primeiro é o doador vivo. Pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação, desde que não prejudique a sua
própria saúde. O doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Pela lei,
parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, só com autorização judicial.

● 2 - O segundo tipo é o doador falecido. São pacientes com morte encefálica, geralmente vítimas de catástrofes cerebrais,
como traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral).

Órgão Tempo de isquemia

Coração 04 horas

Pulmão 04 a 06 horas

Rim 48 horas

Fígado 12 horas

Pâncreas 12 horas
Entrevista Familiar
- Trazer esse assunto após o óbito constatado.

- Juntar-se com a família (membros mais próximos) em um lugar


reservado, tranquilo, sem a possibilidade de interferências.

- Saber da vontade do paciente em vida; saber valores culturais, religiosos,


sociais envolvidos.

- Respeito à decisão dos familiares.


Fatores Essenciais para a Autorização da Família
- Tratamento durante o cuidado do paciente ainda vivo e o tratamento pós
morte: Como foi a assistência? Como a equipe lida com essa família?

- Abordagem na entrevista familiar: lugar calmo, reservado, onde todos


possam estar em círculo, participando da decisão.

- Apresentar a possibilidade de doação, não como convencimento

- Preparação do corpo - equipe assume o compromisso de deixar o corpo


com boa aparência para realização do velório
Equipe de CIHDOTTS
CIHDOTTS - Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos regulamentada pelo
Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017 conforme Portaria de Consolidação nº 5 de
28/09/2017.

- Equipe responsável por detectar os possíveis doadores dentro do


hospital;
- Criar rotinas para oferecer aos familiares de pacientes falecidos no
hospital a possibilidade da doação de córneas e outros tecidos;
- Articular-se com a Central de Transplante do estado para organizar o
processo de doação e captação de órgãos e tecidos;
- Educação continuada dos funcionários da instituição sobre a temática.

(BRASIL, 2017)
Equipe de CIHDOTTS
- Foram criadas em vista das longas filas de espera - política criada para a
melhoria do quadro de doação de órgãos.

- É obrigatória em todo hospital com mais de 80 leitos. É a equipe


multiprofissional responsável por fazer a abordagem com a família de
convite à doação de órgãos, após confirmada a ME.

- Não existe uma legislação que obrigue a presença de um psicólogo nessa


equipe.
(BRASIL, 2017)
Reflexões envolvendo a família...

“Deixar de investir na possibilidade de que o sujeito volte a viver. Dado que o possível doador ainda
apresenta batimentos cardíacos e respira com a manutenção de equipamentos que viabilizam esse
estado, a permissão para a retirada dos órgãos pode ser encarada como uma sentença de morte
emitida pelos pais a seu próprio filho. Os familiares costumam mostrar, em geral, medo de que a
pessoa ainda esteja viva, sentindo-se responsável pelo desligamento dos aparelhos” (Sadala, 2001).
Níveis de Atuação Dentro da Doação
Extirpação ou remoção do órgão: É necessário verificar legalmente se houve a morte encefálica para
garantir o bom funcionamento dos outros órgãos - toda a equipe deve estar mobilizada
> Envolvimento de membros da família do possível doador com a equipe médica;

Transplante: todo o processo envolvido no transplante (exames, cuidados anteriores, mudança de


estilo de vida etc);

Cuidado pós-transplante: quando o transplante já aconteceu e o receptor recebe acompanhamento


médico e psicológico - está mais sensibilizado, pois lhe foi garantida uma nova oportunidade de vida
e se faz necessário a reorganização desse lugar no mundo;

Nível Zero: nível de conscientização da população com ações de educação em saúde.

(MARTINS; VALENTE; CALAIS, 2016)


Espera Pelo Transplante
Fatores que influenciam no tempo de espera na fila por um
transplante:

● Falhas na notificação e identificação do paciente


● Falhas na manutenção clínica do potencial doador
● Dificuldade de reconhecimento da ME
● Esclarecimento precário aos familiares sobre o diagnóstico de ME
● Má condução da entrevista familiar
● Local inadequado para a entrevista
● Identificação da morte com a morte clínica (parada cardiorrespiratória)
● Desejo de manutenção da integralidade do corpo
● Desconhecimento da vontade do potencial doador
Avaliação psicológica nos diversos contextos para
transplante de órgãos
● Aspectos gerais da avaliação psicológica;

● Particularidades de cada especialidade;

● Readaptação e conflitos de identidade.


Sentimentos Relacionados Pré-Transplante
Negação da doença e da necessidade de tratamento;

Angústia pela espera da ligação;

Ansiedade;

Culpabilização (corpo doente, responsabilidade pela doença);

Alívio e motivação quando acha um doador;

(TAVARES, 2004)
Sentimentos Relacionados Pós-Transplante
Euforia, bem-estar e alívio pelo novo órgão;

Depressão (medicamentos como corticoides);

Sintomas delirantes (fatores cirúrgicos, metabólicos, farmacológicos);

Ansiedade (problemas médicos, pós-operatório, rejeição?);

Idealização do doador;

Reabilitação social, ida para casa...

(TAVARES, 2004)
CAMPANHA DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Intra – hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes.
Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017 que regulamenta Portaria de Consolidação nº 5 de 28/09/2017.
Dispõe sobre as atribuições da CIHDOTT. Brasília: 2017. Disponível em: <https://saude.to.gov.br/atencao-a-
saude/atencao-a-saude/central-de-transplantes/cihdott/>. Acesso em: 15 set. 2019.

FREITAS, Gabriel R. de et al . Neuroproteção no acidente vascular celebral: opinião nacional. Arq. Neuro-
Psiquiatr., São Paulo , v. 63, n. 3b, p. 889-891, Sept. 2005 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2005000500035&lng=en&nrm=iso>.
access on 27 Sept. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2005000500035.

https://pebmed.com.br/cfm-altera-criterios-para-diagnostico-da-morte-encefalica-veja-o-que-muda/

https://pebmed.com.br/protocolo-de-morte-encefalica/

LAZZARETTI, Claire Terezinha. TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS: AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. Psicologia


Argumento, [S.l.], v. 24, n. 45, p. 35-41, nov. 2017. ISSN 1980-5942. Disponível em:
<https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20019>. Acesso em: 28 set. 2020.
Referências
MARTINS, Elizielly de Oliveira; VALENTE, Hugo Silva; CALAIS, Lara Brum de. As possibilidades de intervenção
do psicólogo em favor dos procedimentos de doação de órgãos e transplantes: um relato de experiência.
Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 11, n. 2, p. 464-472, 2016.

Sadala, M. L. A. (2001). A experiência de doar órgãos na visão de familiares de doadores. Jornal Brasileiro de
Nefrologia, 23 (3), 143-51.

TAVARES, Edite. A vida depois da vida: reabilitação psicológica e social na transplantação de órgãos. Análise
Psicológica, v. 22, n. 4, p. 765-777, 2004.

RODRIGUES, C., Stychnicki, A. S., Boccalon, B., & Cezar, G. S. (2013). Morte encefália, uma certeza? O conceito
de “morte cerebral” como critério de morte. Revista Bioethikos–Centro Universitário São Camilo, 7(3), 271-281.

Morato, E. G. (2009). Morte encefálica: conceitos essenciais, diagnóstico e atualização. Rev Med Minas Gerais,
19(3), 227-236.

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