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Morte Cerebral/Encefálica

A morte encefálica, também conhecida como morte cerebral, é um tópico de grande


confusão, devido aos critérios que devem ser seguidos estritamente.

Esse diagnóstico tem grandes impactos na família do paciente, mas ultrapassa esta
esfera, e pode impactar outros pacientes que estão precisando de transplantes de
órgãos. Isso porque, pacientes em morte encefálica são elegíveis para doação de
órgãos.

A morte encefálica é determinada por critérios neurológicos. Ela ocorre quando há


ausência de função do cérebro e tronco encefálico, de caráter irreversível. É um estado
legalmente reconhecido como definidor de morte pela Constituição Brasileira, desde
1992. 

E, de fato, a morte neurológica se seguirá da falência dos demais sistemas orgânicos,


até culminar com a parada cardiorrespiratória, fazendo parte de um fluxo que não é
possível de ser revertido e inexorável. 

O sistema nervoso central cumpre um papel essencial à integração e coordenação do


funcionamento dos demais órgãos e sistemas, desse modo sua falência irreversível é
incompatível com a vida.

Quais são os critérios de morte encefálica no Brasil?

A temperatura e a pressão arterial devem ser levadas em consideração para


estabelecer a morte encefálica. A morte cerebral deve ser avaliada em todos os
indivíduos suspeitos. Situações que indicam suspeita são: coma não reativo e ausência
de reflexos de tronco. 

A família deve ser avisada desta possibilidade desde o início da desconfiança e o


Centro Estadual de Transplantes deve ser notificado. 

Para determinar este diagnóstico, são necessários alguns pré-requisitos, sendo eles:

 Estabelecer lesão encefálica de causa irreversível, conhecida e capaz de causar


morte cerebral;

 Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico, como a


intoxicação exógena ou efeito de psicotrópicos; 

 Tratamento e observação em hospital por ao menos 6 horas. Nos casos de


lesão hipóxico-isquêmica, deve-se esperar 24 horas;

 Temperatura >35 ºC e Pressão Arterial sistólica (PAS) > 100 mmHg ou Pressão
arterial média (PAM) > 65 mmHg (em maiores de 16 anos).
Após isso, deve ser confirmada a morte neurológica da seguinte forma:

 2 exames clínicos realizados por dois médicos diferentes (e não participantes


das equipes de captação de órgãos e transplante), com intervalo de ao menos 1
hora

 Realização do Teste de Apneia

 Confirmação com Exame Complementar

Após isso, o diagnóstico pode ser confirmado, com assinatura da declaração de óbito,
comunicação aos familiares e avaliação da possibilidade de doação de órgãos. 

Segundo a legislação brasileira atual, os profissionais que podem realizar os exames


clínicos são: neurologistas, emergencistas, neurocirurgiões, intensivistas e intensivistas
pediátricos. Mas na ausência de um desses profissionais, um médico capacitado pode
realizar esses exames. 

Como é o protocolo de morte encefálica?

Estabelecimento de lesão encefálica com causa conhecida e irreversível

Os exames de neuroimagem são utilizados para identificar a causa da lesão no SNC.


Deve-se estabelecer o estado de coma, com irresponsabilidade a qualquer estimulação
e ausência de respostas motoras, que não decorrentes de reflexos espinhais. 
Após isso, deve-se estabelecer a causa da lesão no Sistema Nervoso Central, seja por
parâmetros clínicos, seja por exames de neuroimagem (por exemplo, evidência de
hemorragia subaracnóidea extensa na Tomografia Computadorizada de Crânio).‍
Exclusão de causas tratáveis
Causas que podem simular a morte encefálica são diversas, mas entre elas estão as
seguintes: 

 Síndrome do Encarceramento (Locked-in): causada pelo AVC isquêmico da


ponte (pela oclusão da artéria basilar). Ocorre lesão de todo o trato piramidal,
que se concentra em uma região pequena na ponte, de modo que o paciente
perde toda a capacidade de se mover e de reagir a estímulos. Contudo,
mantém as aferências sensoriais, o movimento de piscamento, e o movimento
vertical do olhar;

 Hipotermia: principalmente temperaturas menores do que 32°C;


 Paralisia muscular: tanto por doenças neuromusculares graves e avançadas,
como uma Síndrome de Guillain-Barré grave, como por medicações
bloqueadoras neuromusculares (rocurônio, cisatracúrio, succinilcolina);

 Intoxicação por drogas: como no coma induzido por barbitúricos, mas também


benzodiazepínicos, neurolépticos e opióides.

Tratamento e observação em ambiente hospitalar por ao menos 6 horas

Exceções a esta regra são as encefalopatias de etiologia hipóxico-isquêmica, que


demandam observação por ao menos por 24 horas. 

Além disso, em crianças, a morte cerebral só pode ser diagnosticada após 7 dias de
vida:

 Crianças menores de dois meses precisam de um tempo de observação de 24


horas;

 Crianças entre 2 meses e 2 anos incompletos precisam de um tempo de 12


horas.

Temperatura >35°C e PAS >100 mmHg ou PAM > 65 mmHg em maiores de 16 anos

A pressão arterial mínima também varia de acordo com a faixa etária:

 >16 anos: PAS > 100 mmHg ou PAM > 65 mmHg


 7-16 anos: PAS >90 mmHg ou PAM > 65 mmHg
 2-7anos: PAS >85 mmHg ou PAM> 62 mmHg
 5 meses-2 anos: PAS > 80 mmHg ou PAM > 60 mmHg
 Até 5 meses: PAS > 60 mmHg ou PAM > 46mmHg

Exame clínico 

Passado o tempo de espera, pode-se proceder ao exame clínico da morte cerebral.


Ele deve ser realizado por dois médicos diferentes, de equipes independentes não
relacionadas a captação e transplante de órgãos, e com um intervalo mínimo de 1
hora. 

O principal objetivo do exame é obter resposta dos reflexos do tronco encefálico, que
são formas de demonstrar a integridade dessa estrutura que mantém funções vitais.

Os reflexos observados são os seguintes: o reflexo fotomotor, córneo-palpebral,


reflexo de tosse e os reflexos vestíbulo-oculares.
Reflexo Fotomotor

Busca observar a integridade das vias mesencefálicas do controle de abertura pupilar.


Para o reflexo ser considerado ausente, as pupilas devem estar mediofixas e não
reagentes à luz.

Reflexo Córneo-palpebral

Este reflexo é provocado ao estimular o limbo da córnea (o limite entre a córnea e a


conjuntiva) levemente com um pedaço de algodão fino. 

De forma fisiológica, isso provocaria um estímulo que iria percorrer o nervo trigêmeo
(V par craniano) até o tronco encefálico, onde haveria integração do estímulo e envio
da resposta através do nervo facial (VII par craniano) que provocaria um piscamento
reflexo. 

Para ser considerado ausente, a estimulação corneana não deve provocar piscamento


ou nenhuma outra resposta motora reflexa.
Reflexos Vestíbulo-oculares

Podem ser evocados de duas formas, através da Manobra dos Olhos de Boneca
(Reflexo Óculo-Cefálico) ou através da Prova Calórica (Reflexo Vestíbulo-Ocular). 

Ambos os reflexos testam a via de integração entre estímulos vestibulares (pelo nervo
vestibulococlear – VIII par craniano) e o movimento ocular extrínseco.

Este último movimento se dá pelos nervos oculomotor, troclear e abducente e o


fascículo longitudinal medial, uma via que integra os núcleos desses nervos e permite
o olhar conjugado dos dois olhos. 

Na Manobra dos Olhos de Boneca, a cabeça do paciente é virada para os dois lados, e
se espera que os olhos mantenham o foco na frente, compensando o movimento da
cabeça. 

Na lesão de tronco e na morte encefálica, isso não acontece, e os olhos seguem o
movimento da cabeça, sem ter um movimento compensatório (assim como acontece
quando viramos a cabeça de uma boneca de um lado para o outro).

Na Prova Calórica, uma seringa injeta água fria em um dos ouvidos. Isso provoca um
estímulo térmico, e em pessoas despertas, ocorre um nistagmo ocular.

Em pacientes comatosos, os dois olhos se desviam em direção ao ouvido estimulado.


Mas na morte encefálica, não há nenhum movimento ocular, e os olhos permanecem
parados.

Reflexo da Tosse

Este reflexo busca analisar pares cranianos mais baixos, como o nervo glossofaríngeo
(IX) e o nervo vago (X) e a integridade do bulbo. 
Ele é evocado estimulando a carina da traquéia com um cateter de sucção, passando
por dentro do tubo orotraqueal ou traqueal. 

Em indivíduos saudáveis, isso iria evocar um reflexo de tosse, mediado pelo nervo
vago, mas na morte encefálica, esse reflexo não ocorre.
Para ser considerado morte neurológica, todos esses reflexos precisam estar ausentes,
e essa informação deve ser confirmada em um segundo exame clínico realizado ao
menos uma hora depois por outro profissional.

Teste de Apneia

O teste de Apneia almeja testar a sensibilidade do centro respiratório no bulbo a reagir


ao aumento da concentração de CO2. 

Antigamente esse procedimento poderia provocar lesões isquêmicas, mas hoje em dia
ele foi revisado e é feito de forma mais cuidadosa.

Inclusive, antes do teste, os pacientes devem receber oxigênio a 100% por 10 minutos.
Vale salientar que, só pode ser realizado em indivíduos com Pressão Sistólica >100
mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg. Além disso, deve seguir uma ordem estrita:

1. Obtenção de gasometria arterial basal (idealmente com PaO2>200 mmHg e


PaCO2 entre 35-45 mmHg)
2. Oxigenação com O2 a 100% por 10 minutos
3. Desconectar paciente do ventilador
4. Inserir um cateter de O2 pelo tubo traqueal com fluxo de 6L/min
5. Observar paciente por 8-10 min ou até PaCO2>55 mmHg para detectar
qualquer movimento respiratório
6. Encerrar exame coletando uma nova gasometria, que deve evidenciar
PaCO2>55 mmHg ou aumento de 20mmHg do basal

Para mais, o teste deve ser interrompido imediatamente no caso de evidências de


movimentos respiratórios, arritmias, hipotensão ou hipóxia com SatO2 <85%. 

Nos casos de interrupção por causa diferente da presença de movimentos


respiratórios, o teste deve ser repetido posteriormente. ‍

Exames Complementares

Segundo a legislação brasileira, basta um exame complementar para corroborar o


diagnóstico de morte encefálica. Os exames que podem ser utilizados são os seguintes:

 Eletroencefalograma: Demonstração de ausência completa de atividade


elétrica, inclusive a estímulos auditivos, visuais e dolorosos vigorosos

 SPECT: Demonstração de ausência de perfusão cerebral


 Doppler Transcraniano: Fluxo arterial reverberante, ou pequenos picos arteriais
na diástole precoce

 Angiografia: Ausência de fluxo nas artérias intracranianas

 AngioTC: Ausência de fluxo distal nas artérias cerebrais médias

Vale lembrar que em nenhuma situação o exame complementar substitui os exames


clínicos, devendo apenas ser utilizado para corroborar seus achados.

Doação de Órgãos

A doação de órgãos e tecidos consiste na oferta, sem nenhum tipo de lucro, de alguma


parte do corpo com o objetivo de ajudar outra pessoa que sofre com determinado
problema de saúde e necessita de um transplante. A doação de órgãos pode ocorrer
tanto em vida quanto após a morte de um indivíduo, a depender do órgão que será
doado. O rim, por exemplo, é um órgão que pode ser doado em vida, enquanto
o coração é um órgão que pode ser doado apenas após a morte do doador.

A doação de órgãos e sua importância

A doação de órgãos é uma forma de ajudar outras pessoas que estão sofrendo com
problemas de saúde que apresentam como solução o transplante. Na insuficiência
renal crônica avançada, por exemplo, o transplante renal é uma alternativa para
garantir-se a melhora na qualidade de vida do indivíduo e até mesmo sua
sobrevivência. Sendo assim, a doação de órgãos é uma forma de salvar vidas e,
portanto, um ato de amor ao próximo.

Quais órgãos podem ser doados e em quanto tempo

Ao falar-se de doação de órgãos, muitas pessoas lembram-se apenas da doação de


órgãos como coração e rins, entretanto, muitos outros órgãos e tecidos podem ser
doados. Além dos órgãos citados, são estruturas que podem ser
doadas: pâncreas, pulmão, fígado, medula óssea, ossos, córnea, intestino, vasos
sanguíneos e tendões. Percebe-se, portanto, que um único doador pode salvar
diversas vidas. O prazo entre a retirada do órgão do doador e o seu implante no
receptor é chamado de tempo de isquemia. Os tempos máximos de isquemia
normalmente aceitos para o transplante de diversos órgãos são mostrados a seguir:

 Coração: 4 horas
 Fígado: 12 horas
 Pâncreas: 20 horas
 Pulmão: 6 horas
 Rim: 48 horas

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