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OPINIÃO

(Re)Pensar a responsabilidade social das


organizações
Para que se possa alavancar os seus efeitos ao nível macro e se crie um círculo virtuoso entre
competitividade económica, coesão social e preservação ambiental, importa (re)pensar a
forma como a responsabilidade social das organizações tem sido exercida. Esta alteração
contempla, pelo menos, três dimensões essenciais.

Maria João Santos


4 de Outubro de 2021, 19:00

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Apesar do contributo que a responsabilidade social (https://www.publico.pt


/responsabilidade-social) das organizações (RSO) pode trazer para se alcançar maiores
níveis de sustentabilidade global, a realidade é que os seus efeitos se têm evidenciado
bastante limitados e os resultados obtidos são manifestamente insuficientes. Perante este
contexto, importa refletir sobre as limitações existentes e sobre como potenciar as
iniciativas de RSO.

Independentemente dos diferentes entendimentos acerca do modo como as


organizações devem exercer a sua responsabilidade social (RS), o facto é que atualmente
esta tem sido frequentemente orientada para a resolução de problemas pontuais e não
de problemas estruturantes. Além disso, tem sido reduzida a um nível micro de atuação.
Parte-se do pressuposto que o somatório das ações individuais, que cada organização
desenvolve em termos de RS, se faz sentir automaticamente ao nível macro, o que não
acontece. Acresce ainda que a RSO tem sido frequentemente considerada como um meio
para obter vantagens competitivas (ganhos de imagem e reputação, aumentar os níveis
de motivação e de retenção de talentos, minimizar o risco, maior eco-eficiência, etc.).
Parte-se frequentemente do pressuposto que as empresas “fazem o bem” enquanto
simultaneamente beneficiam o seu próprio negócio. A lógica argumentativa incluída na
expressão win-win traduz bem esta perspectiva.

No entanto, esta estratégia de atuação tem reduzido as ações de RS a iniciativas


voluntárias, fragmentadas, com baixo nível de comprometimento e com resultados
muito limitados, embora, mesmo assim, tenha permitido obter alguns benefícios em
termos da sustentabilidade global. O facto de as políticas e práticas de RSO possuírem
um carácter individualizado (resultante da estratégia que cada organização toma) limita
a sua capacidade de ação e os seus efeitos reformadores globais.

Para que se possa alavancar os seus efeitos ao nível macro e se crie um círculo virtuoso
entre competitividade económica, coesão social e preservação ambiental, importa
(re)pensar a forma como a RSO tem sido exercida. Esta alteração contempla, pelo
menos, três dimensões essenciais.

GOUMBIK/PIXABAY

Muito se tem progredido no domínio duma governação


próxima dos cidadãos e da comunidade local. Contudo,
está ainda por aprofundar a concepção de planos
estratégicos e planos de integrados de intervenção à
escala territorial
Uma primeira dimensão integra a necessidade de se encarar a RSO numa lógica de longo
prazo. Significa atuar, não em função de problemas conjunturais, mas de gerir
estrategicamente a sustentabilidade como estímulo para a inovação de produtos e
serviços mais sustentáveis. Iniciativas inovadoras de empresas de referência mundial têm
demonstrado que atuar de forma pró-ativa e numa lógica de longo prazo na gestão da
sustentabilidade conduz a fortes níveis de inovação e gera, simultaneamente, mudanças
com grande impacto na sociedade. Nesta perspectiva, o que está em discussão não é
submeter as ações de RS aos desígnios da estratégia de negócio e de mercado. O que está
em discussão é uma mudança mais profunda: a de alinhar a estratégia empresarial com a
procura de maiores níveis de sustentabilidade global. Condição essencial para se
promover um ciclo virtuoso entre competitividade e sustentabilidade integrada.

Uma segunda dimensão pressupõe também uma mudança de paradigma e a alteração


na forma como consideramos a atividade empresarial. Importa deixar de pensar a
atividade empresarial numa lógica estritamente economicista, centrada exclusivamente
na criação de valor financeiro, para passar a incorporar também a criação de valor
social. Quando se refere que falta clareza para se olhar para a sustentabilidade de uma
forma estratégica, acrescenta-se também que falta capacidade para olhar para a empresa
numa perspectiva mais ampla, que incorpore a responsabilidade na criação de valor
social.

Por último, é relevante estabelecer a articulação da RSO ao nível territorial, tendo como
foco os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). É justamente dentro de uma
proposição mais ampla (meso e macro), em que distintos atores sociais se aliam, com
vista à construção de um modelo de desenvolvimento pautado pela sustentabilidade,
que se pode alavancar os impactos da RSO. Sobre este tópico importa fazer algumas
reflexões adicionais.

Quando se refere a necessidade de repensar a RSO ao nível territorial, significa a


necessidade de articulação entre o nível empresarial e as organizações da sociedade civil
(governos, universidades, ONG, entre outras instituições) onde cada qual, na sua esfera
de atuação e com as suas competências específicas, possam colaborar e desenvolver
ações que tenham como foco o cumprimento dos ODS ao nível do território. A formação
de agrupamentos multistakeholders pode ampliar e alavancar as práticas de RS ao nível
dos territórios e das regiões.

Experiências bem sucedidas em territórios inovadores mostram que existem formas


alternativas de promoção do desenvolvimento sustentável desencadeadas e geridas a
partir de cada espaço/território. A cooperação entre os membros de um território
orientada para a sustentabilidade permite alcançar melhorias que cada actor
isoladamente teria dificuldade em efetivar. O desafio passa por alavancar e perspetivar as
práticas de RS ao nível dos territórios e regiões conduzindo, por esta via, a patamares
mais significativos de desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, os territórios apresentam-se como atores estratégicos fundamentais.


Dada a sua especificidade, estão em melhores condições para intervir, pois têm um
quadro institucional que lhes permite estabelecer interfaces inovadores com
organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos, podendo articular os vários
interesses em presença a favor de um desenvolvimento mais harmonioso.

No entanto, subsistem várias dificuldades. Muito se tem progredido no domínio duma


governação próxima dos cidadãos e da comunidade local. Contudo, está ainda por
aprofundar a concepção de planos estratégicos e planos de integrados de intervenção à
escala territorial focados na promoção dos ODS. Escassos têm sido os territórios que
adoptam abordagens de tipo triple bottom line para potenciar a sustentabilidade de
forma integrada.

Outra fragilidade prende-se com a definição rígida de pelouros, a reduzida comunicação


e flexibilidade organizacional, associada a lógicas de poder cristalizadas, as quais
constituem um forte entrave à definição de estratégias integradas de sustentabilidade.
Acresce que as lógicas territoriais têm centros de racionalidade próprias, cruzam
diversas regiões estabelecendo-se pelo território de forma difusa, não se compadecendo,
por isso, com áreas de intervenção delimitadas administrativamente. Requer portanto
que se pense a RS e os ODS no contexto de quadros de governação que integrem
diferentes municípios, actores económicos e sociedade civil.

Em síntese, parte-se do pressuposto que uma intervenção mais ampla da RSO orientada
para os ODS ao nível territorial pode ser uma das vias para se obter maiores níveis de
sustentabilidade, na ótica do triple bottom line. No entanto, esta via, teoricamente
discutida, não é isenta de dificuldades. Apesar dos territórios surgirem como actores
susceptíveis de liderar este processo, deparam-se com múltiplas dificuldades e barreiras
que, sucintamente e de forma exploratória, foram elencadas. Importa portanto
aprofundar este debate e refletir sobre a importância da consolidação das redes
multistakeholders de base territorial como forma de optimizar práticas de RSO voltadas
para o desenvolvimento das regiões, numa perspectiva integrada e sustentável.

Maria João Santos, Doutorada em Sociologia Económica e das Organizações, é actualmente


Professora Associada no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
(ISEG-ULisboa) e Investigadora Integrada do Centro de Investigação em Sociologia
Económica e das Organizações (SOCIUS-ISEG/ULisboa)

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico 

Um ano a celebrar os 30 anos do SOCIUS/ISEG no PÚBLICO


O Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
da Universidade de Lisboa é a mais antiga escola de
economia e gestão do país. Para além da
antiguidade, distingue-se de outras instituições de
ensino superior portuguesas nesta área pela
pluralidade científica e liberdade intelectual que o
caracterizam desde sempre. Não é casual que
o ISEG tenha estado no centro de muitas das movimentações políticas que atravessaram
Portugal ao longo das décadas, que tenha sido o berço de algumas das maiores inovações nas
ciências sociais portuguesas e que esteja bem preparado para compreender os complexos
desafios que se colocam às economias e sociedades do futuro.

Numa escola como o ISEG, onde sempre houve espaço para a afirmação de visões distintas e
vozes menos ortodoxas, é com enorme prazer que celebraremos este ano o trigésimo
aniversário da criação do SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das
Organizações – e do programa de Doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações
(PDSEO), do qual é unidade de acolhimento. Nestes dois projectos converge a mesma vontade
de cultivar aquilo a que Albert Hirschman chamava apropriadamente “the art of trespassing”.
Derrubar fronteiras rígidas entre áreas de conhecimento, incentivar a colaboração entre nativos
de várias ciências e cruzar a Atenas do Oikos (família e casa, mas também a base da ecologia e
da economia) com a Roma do Socius (ligação, associação e sociedade), foram sempre a bússola
que orientou a caminhada de dezenas de colaboradores que, em esforços individuais ou
colectivamente solidários, se integraram em programas de investigação e em esforços de
docência.

Como forma de comemorar os 30 anos da sua existência, o SOCIUS associou-se ao PÚBLICO


para, ao longo de 2021, ir apresentando algumas das pesquisas em que tem estado envolvido.
Uma vez por mês, durante o ano, investigadores e investigadoras do SOCIUS sintetizarão os
resultados do seu trabalho, de modo a serem conhecidos do grande público. Estas pesquisas
revelam ainda outras marcas distintivas do ISEG, que o SOCIUS partilha desde a sua origem: o
entendimento da economia e da gestão como realidades complexas, a atenção aos problemas
contemporâneos, a reflexão orientada para a acção, a abertura a novas maneiras de pensar e
compreender o mundo.

João Peixoto, presidente do SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das


Organizações
Rafael Marques, presidente da Comissão de Comemoração dos 30 Anos do SOCIUS/PDSEO

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