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ESCOLA SECUNDÁRIA DE MANUEL DA FONSECA

QUESTÃO – AULA - PORTUGUÊS 12.º ANO


Novembro
Domínio: EDUCAÇÃO LITERÁRIA (Cânticos do Realismo: Cesário Verde) 2022

C/ CENÁRIOS DE RESPOSTA

Lê atentamente o texto seguinte.

CRISTALIZAÇÕES

Faz f rio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,


Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros, Bom tempo. Os rapagões, morosos, duros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros, [baços,
Calçam de lado a lado a longa rua. Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos; cruzam-se estilhaços.
Como as elevações secaram do relento, Pesam enormemente os grossos maços 1,
E o descoberto Sol abafa e cria! Com que outros batem a calçada f eita.
A f rialdade exige o movimento;
E as poças de água, como um chão vidrento, A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
Ref letem a molhada casaria. Que espessos f orros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas 2, os coletes;
[…] E eles descalçam com os picaretes,
Que f erem lume sobre pederneiras 3.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!
Tomam por outra parte os viandantes; E nesse rude mês, que não consente as f lores,
E o f erro e a pedra - que união sonora! - Fundeiam, como a esquadra 4 em f ria paz,
Retinem alto pelo espaço fora, As árvores despidas. Sóbrias cores!
Com choques rijos, ásperos, cantantes. Mastros, enxárcias 5, vergas 6! Valadores 7
Atiram terra com as largas pás.

Cesário Verde

1- instrumento semelhante a um martelo; 2- casaco; 3- pedra de grande dureza; 4- conjunto de


navios de guerra; 5- cabos fixos que prendem os mastros dos navios; 6- pau no mastro do navio,
onde se amarra a vela; 7- homens que abrem valas, na terra.

1
Apresenta, de forma clara, fundamentada e bem estruturada, as tuas respostas aos itens.

1. O poeta refere, no poema, diversos tipos sociais.


Identifica e caracteriza o tipo social que é alvo da sua atenção no excerto apresentado.
Confirma as tuas afirmações com elementos textuais pertinentes.

2. Mostra que, na última estrofe, está presente a deambulação psicológica, por parte do eu
poético.

3. Demonstra que a deambulação do sujeito poético pelo espaço é suportada por impressões ou
sensações de diferentes tipos.

CENÁRIOS DE RESPOSTA:
1. No excerto apresentado, o sujeito poético tem como alvo da sua atenção os calceteiros (v. 3),
os quais são apresentados em plena laboração, no momento em que, “de cócoras” (v. 3),
“calçam” (v. 5) a toda a largura “uma longa rua” (v. 5). O sujeito descreve -os diretamente,
como “terrosos e grosseiros” (v .4), “rapagões morosos, duros, baços” (v. 16), de “barba
agreste” (v. 21); mas também indiretamente, através do trabalho que vão desenvolvendo
“com lentidão” (v. 4), por ser pesado, duro e muito custoso. Com efeito, trata-se de um
trabalho em que a “coluna nunca se endireita” (v. 17), se “Partem penedos” (v. 18) com “grossos
maços” (v. 19) que “pesam enormemente” (v. 19) e em que “Valadores / Atiram terra com as
largas pás” (vv. 29-30), sendo, portanto, uma atividade fisicamente muito exigente e
desgastante, levada a cabo em condições atmosféricas muito difíceis, em pleno inverno, com
baixas temperaturas (“Faz frio”, v. 1) e “as poças de água” (v. 9) se transformaram em “chão
vidrento” (v. 9), devido à geada da noite.

2. Na última estrofe transcrita, o eu poético evolui da sua deambulação física pelo espaço da
cidade para a deambulação psicológica, ao transfigurar as “árvores despidas” (v. 28) em
elementos náuticos (“Mastros, enxárcias, vergas”, v. 29), passando, assim, do real objetivo –
as árvores sem folhagem - para um real imaginário – os navios de guerra (“a esquadra”, v. 27)
com as suas vergas e mastros.
O recurso ao verbo fundear (“Fundeiam”, v. 27), que corresponde a um termo próprio da
linguagem náutica, contribui igualmente para sugerir o processo de transfiguração da
realidade em imaginação. Deste modo, as árvores são percecionadas pela imaginação do eu
poético como navios alinhados ancorados no rio (que não existem, mas que o poeta imagina
existirem).

3. A descrição / representação da cidade e do seu quotidiano é feita através da expressão da


perceção sensorial do poeta observador. Com efeito, abundam, no poema, marcas dessa
perceção sensorial, de matriz impressionista. Predominam, como frequentemente acontece
na poesia de Cesário, as

- sensações visuais: “uma imensa claridade” (v.2); “poças de água” (v. 9); “cruzam-se
estilhaços” (v. 18); “grossos maços” (v. 19); “árvores despidas” (v. 28); “Sóbrias cores!” (v. 28);

2
- sensações auditivas: “Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!” (v. 11); “o ferro e a
pedra/Retinem alto” (vv. 13-14); “choques cantantes” (v. 15); “Partem penedos” (v. 18);
“batem a calçada” (v. 20);

- sensações táteis: “Faz frio” (v. 1); “terrosos” (v. 4); “o sol abafa” (v. 7); “a molhada casaria”
(v. 10); “Pesam enormemente” (v. 19); “espessos forros” (v. 22) ;

- sensações olfativas: “[…] as flores” (v. 26);

- sensações gustativas: talvez a referência à “água” (v. 9) possa configurar uma sensação gusta-
tiva, embora não seja tão óbvia como as restantes e possa não gerar consenso.

Numa marca estilística bastante comum em Cesário Verde, registam-se, no poema, bastantes
exemplos de sinestesia, através da qual o poeta sugere simultaneamente duas ou mais
sensações ou impressões. São disso exemplo as expressões: “Calçam de lado a lado a longa
rua.” (v. 5) auditiva + visual; “Refletem a molhada casaria” (v. 10): visual + tátil; “batem a
calçada” (v. 20) : auditiva + visual; “choques rijos, ásperos, cantantes”: visual + tátil + auditiva.

NOTA: Os textos de resposta que aqui se apresentam, para além de corresponderem a


sugestões / cenários / possibilidades de abordagem das questões colocadas relativamente a
um texto em concreto, pretendem também constituir “recursos” através dos quais possam ser
consolidadas competências de escrita, de interpretação de questões de interpretação / análise
de textos literários, de estruturação correta e organizada de ideias, aquisição de vocabulário
específico das temáticas abordadas e eventualmente outras.

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