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Métodos de Exame e Análise Avançados (2016-2017)

4 Introdução

Identificação e caracterização das técnicas

Técnica e tecnologia

 Técnica  Outras vezes, vai-se buscar uma palavra francesa (galicismo) ou inglesa (anglicismo)
 Conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência porque soa mais fino (embora exista em português castiço a palavra exacta). Um
caso relevante é o uso (e abuso) da palavra ‘tecnologia’ (do inglês, technology),
 Tecnologia quando existe a portuguesíssima ‘técnica’. A minha alma mater chama-se Instituto
Superior Técnico, e não Instituto Superior de Tecnologia. A razão é simples: os
 Tratado ou dissertação sobre uma arte, exposição das regras de uma arte - formado a partir políticos e os cientistas e técnicos portugueses do princípio do século XX (quando o
do radical tekhno- (de tékhné = arte, artesanato, indústria, ciência) e do radical -logía (de
lógos = linguagem, proposição)
IST foi criado) falavam e escreviam melhor na nossa língua do que os actuais. As
‘novas tecnologias’, que enchem a boca dos políticos, são, de facto, novas técnicas.
 Teoria geral e/ou estudo sistemático sobre técnicas, processos, métodos, meios e
instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da actividade humana

Jorge Calado, Limites da Ciência,


Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, p. 27

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As diversas técnicas

 Técnicas usadas na transformação das  Técnicas usadas na execução das obras


matérias-primas nos materiais utilizados  Técnicas “científicas” e técnicas artísticas
 Técnicas “científicas”  Técnicas de pintura
 Obtenção dos metais, a partir dos minérios,  Técnicas cerâmicas
através das técnicas metalúrgicas
 …
 Obtenção da matéria-prima a usar no fabrico de
vidros
 Obtenção de pigmentos
 …

 Técnicas usadas no trabalho dos materiais


 Técnicas “científicas”
 Obtenção de um objecto de metal, a partir do
metal, através de trabalho mecânico, vazamento
num molde, etc.
 Fabrico de vidros a usar num vitral
 Preparação de uma tinta a partir dos pigmento e
do aglutinante
 …

Estratégias usadas para a identificação e caracterização das técnicas

 Exame físico
 Detecção de marcas e estruturas características das técnicas
• Macroscópicas
• Microscópicas

 Análise química
 Detecção de marcadores químicos
Estratégias • Substâncias que constituem indicadores de determinadas técnicas

 Métodos analíticos
 Não há métodos específicos para a identificação e caracterização das técnicas
 No entanto, a informação proporcionada pelos diversos métodos de exame e análise pode
ser interpretada de forma a evidenciar o uso de determinadas técnicas
 Geralmente é necessário usar a informação obtida através de vários métodos (sobretudo
métodos que proporcionam informação complementar)

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Requisitos prévios

 Conhecimento pormenorizado das técnicas expectáveis

 Conhecimento dos materiais envolvidos e dos processos em que participam

 Para obras antigas, é indispensável um conhecimento pormenorizado dos tratados


técnicos da época

 Alguns problemas associados ao uso dos tratados


 Modificação das designações
 Modificação dos conceitos
 Reduzida clareza de alguns
 Erros dos tratados

Alguns exemplos simples

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Detecção de marcas e estruturas macroscópicas

 Frequentemente corresponde à primeira abordagem


 Geralmente envolve os métodos mais acessíveis e de interpretação mais simples

 Métodos de exame frequentemente usados


 Observação à radiação visível (por vezes em condições controladas de iluminação)
• Marcas existentes à superfície
 Fotografia e reflectografia de infravermelho
• Sobretudo útil para marcas não superficiais (desenho subjacente)
 Radiografia
• Sobretudo útil para marcas não superficiais

Radiação visível

Suportes do
núcleo Reflectografia de infravermelho

Pia baptismal, em latão, c. 1520

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Radiografia

 De uma forma geral, a não detecção de marcas correspondentes a uma determinada


técnica não implica que a mesma não foi usada

 Significativa apenas que não foram detectadas marcas dessa técnica


Com roda

À mão

Xerorradiografia

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Detecção de marcas e estruturas microscópicas

 Métodos de exame frequentemente usados


 Microscopia óptica
• Vantagens:
• Cor
• Acessibilidade
• Possibilidade de estudo não invasivo

 Microscopia electrónica de varrimento (SEM)


• Vantagens:
• Ampliação
• Profundidade de campo

Microscopia óptica

Detecção de marcadores químicos

 Em princípio, qualquer método de análise química pode ser usado  Moeda romana de prata dourada, séc. I a.C.
 As vantagens de cada um dos métodos depende da situação concreta, nomeadamente do
marcador que se pretende detectar
 Tipo de marcador (substância elementar ou composta; inorgânica ou orgânica)
 Concentração do marcador (constituinte minoritário ou constituinte maioritário)
 Tipo de informação necessária (qualitativa ou quantitativa)

Presença de Hg: douragem por amálgama

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Reconstituição

 Análises por XRF  A identificação das técnicas usadas numa obra é feita através de experiências em
 Cu: 66 % que se tenta reproduzir o que está em causa
 Zn: 33 %  Consideram-se as várias hipóteses técnicas relevantes
 Matérias-primas e materiais
 Tratamento dos materiais

Processo 1  Procedimentos de execução


Cobre + Minério de zinco
 Fazem-se reconstituições seguindo essas hipóteses

 Comparam-se os resultados obtidos (usando métodos físicos ou químicos) com o


que se verifica na obra em estudo
Processo 2
Latão antigo
 A reconstituição que mais se aproxima do que se verifica na obra em estudo deve
corresponder à técnica utilizada

Processo 3
Cobre + Zinco
O único processo que permite
concentração de zinco superior a 28 %

Caso 1
Como foi realizada a camada de velatura observada numa pintura?

Helena Pinheiro de Melo, Jana Sanyova, António João Cruz, "An unusual glazing technique on a
Portuguese panel painting from the second half of the 16th century: materials, technique and
reconstructions", in Janet Bridgland (ed.), Preprints of the ICOM-CC 16th Triennial Conference, ICOM,
Lisbon, 2011, paper 0105.

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1. Vermelhão + Laca vermelha + Amarelo de chumbo e
estanho + negro de carvão
2. Velatura de laca vermelha

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Caso 2
A forma de aparelhar uma escultura

 Tinta magra (Filipe Nunes) obtida por adição de terebentina

 Tinta rígida (Armenini) obtida por adição de verniz de óleo, com a vantagem de
preservar o brilho e a saturação
Carolina Barata, António João Cruz, Marta Ferro, “The visible image is not always correct: the
 Tinta viscosa (De Mayerne), obtida através de elevada concentração de pigmento, differentiation of layers by optical microscopy in samples’ cross sections”, e_conservation, 7, 2008,
com adição de vidro moído ou cré – ainda melhores resultados pp. 21-25

 São Francisco Xavier

 Último quartel do século XVII

 Museu de Santa Maria de Lamas

 Camada de preparação formada por


um só estrato
 Mas os tratados recomendavam
vários estratos

 Isolamento da camada de
preparação com uma camada de
cola que impregnou a parte superior
da camada de preparação (zona
acastanhada)

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Visível Ca S

Argilas Gesso + branco de chumbo

 Camada de preparação constituída, pelo menos, por dois estratos (com composição
diferente)

Pb Al Si  Não foi detectada qualquer camada de isolamento da camada de preparação

Fundamentos da determinação através


da análise mineralógica

 A cozedura de uma peça cerâmica provoca


alterações da composição mineralógica e
provoca a ocorrência de reacções irreversíveis

 A identificação dos minerais presentes, tendo


em conta o domínio de estabilidade térmica de
cada um, permite estimar as temperaturas
Caso 3 atingidas ou as temperaturas não atingidas
Determinação da temperatura de cozedura de uma peça cerâmica  A identificação de minerais formados durante a
cozedura implica que foi atingida uma temperatura
superior à temperatura a partir da qual se formam
 A identificação de minerais que já estavam
presentes nas matérias-primas implica que não foi
atingida a temperatura a partir da qual se
transformam

Guitian Rivera, F.; Vázquez Varela, J. M., "Sobre la tecnología de la ceramica castreña: Determinación
de la temperatura de cocción", Arqueologia, 4, 1981, pp. 89-93

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Fundamentos da determinação através
Estudo
da análise térmica

 A cozedura de uma peça cerâmica provoca  Peça cerâmica castreja (castro de Vixil, Galiza)
alterações da composição mineralógica e
provoca a ocorrência de reacções irreversíveis  Métodos utilizados:
 Difractometria de raios X (XRD)
 Durante a análise uma amostra é submetida a
aquecimento  Análise térmica diferencial (DTA)
 Análise dilatométrica
 As transformações irreversíveis que ocorrem  Microscopia electrónica de varrimento (SEM)
durante a análise ocorrem a temperatura
superior à temperatura de cozedura

Difractometria de raios X

 Identificação das fases  Minerais identificados:


cristalinas  Quartzo (estável até 1200 ºC)
 Mica (estável até 1100 ºC)

 Minerais não detectados:


 Caulinite (estável até 550 ºC)

 Conclusão:
 Cozedura a temperatura superior a 550 ºC, mas inferior a 1100 ºC

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Análise térmica

 Conjunto de métodos de análise em que a caracterização e identificação dos  Se o material analisado não se alterar por aquecimento, o gráfico obtido apresenta
materiais se baseia no seu comportamento térmico uma linha horizontal

 A amostra é aquecida em condições controladas e é continuamente medida uma  As alterações em relação à linha horizontal resultam dos processos químicos ou
propriedade da mesma físicos apresentados pela amostra devido ao aquecimento

 O resultado é uma representação dessa propriedade em função da temperatura  Cada substância tem um comportamento térmico característico, pelo que a análise
térmica pode ser usada para a determinação da composição de um material
 Principais métodos:
 Análise termogravimétrica (TG)
TG: Análise termogravimétrica
• Massa DTG: Curva diferencial
 Análise térmica diferencial (DTA)
• Diferença de temperatura em relação a um material de referência
 Análise dilatométrica (TDA)
• Dimensão
 Calorimetria diferencial de varrimento (DSC)
• Calor necessário para manter a temperatura da amostra igual à temperatura do material de
referência

Análise termogravimétrica Análise térmica diferencial

 É medida a massa durante o aquecimento  Procedimento:


 Aquecimento simultâneo da
 Alterações da massa correspondem a processo químicos ou físicos amostra (C) e de um material
 Diminuição de massa de referência termicamente
estável (R)
• Evaporação
• Reacções de decomposição com libertação de substâncias gasosas ou na forma de vapor  Determinação da diferença
de temperatura
 Aumento de massa
• Reacções com a atmosfera  Registo da diferença de
temperatura em função da
 Cada substância tem um comportamento térmico característico, pelo que a análise temperatura do material de
referência
térmica pode ser usada para a determinação da composição de um material

 A análise térmica é especialmente adequada à determinação da temperatura de


CaC2O4∙H2O → CaC2O4 + H2O CaCO3 → CaO + CO2
cozedura de uma peça cerâmica

CaC2O4 → CaCO3 + CO

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 Fundamento e interpretação:  Resultados obtidos:
 As transformações químicas e físicas que ocorrem na amostra durante o aquecimento levam
a que a temperatura da amostra seja diferente da temperatura do material de referência
1. Perda de água
 As transformações exotérmicas provocam o aumento da temperatura da amostra em
relação ao material de referência 2. Combustão da matéria
orgânica
• Grande parte das reacções químicas, nomeadamente as reacções de combustão
3. Inversão do quartzo
• Cristalização
(quartzo   quartzo )
 As transformações endotérmicas provocam a diminuição da temperatura da amostra em 4. Fusão (vitrificação)
relação ao material de referência
5. Decomposição da caulinite
• Algumas reacções químicas, como as de decomposição (formação de metacaulinite)
• Evaporação Ausente
• Fusão 6. Recristalização de
aluminossilicatos
Ausente

Transformações exotérmicas

Transformações endotérmicas

Análise dilatométrica

 Conclusão:  Procedimento:
 Cozedura a temperatura superior a 950 ºC, mas inferior a 1000 ºC  Aquecimento da amostra
 Medida da variação das dimensões da amostra (em relação ao material de referência)

 Fundamento e interpretação:
 Variações bruscas das dimensões traduzem a ocorrência de transformações químicas ou
físicas
 Variações irreversíveis das dimensões traduzem a ocorrência de transformações químicas

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 Resultados:
 Contracção
irreversível a partir de
950 º C

 Conclusão:
 Cozedura a
temperatura inferior a
950 ºC

Microscopia electrónica de varrimento

 Identificação das fases  Observações


 Existência de estruturas
vítreas
 Ausência de cristais de
mulite (que se formam a
partir de 1150 ºC)

 Conclusão Amostra

 Cozedura a temperatura
inferior a 1150 ºC

1000 X

Mulite (amostra de referência)

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Conclusão Limitações da conclusão

 A cozedura da cerâmica ocorreu a cerca de 950 ºC  Não considera a adição de fundentes


 Os fundentes permitem a ocorrência das transformações a temperaturas mais baixas

 Não considera o tempo de cozedura


 Podem ter sido atingidas temperaturas mais elevadas, mas durante um tempo insuficiente
Método Temperatura º C para que as transformações ocorram de forma significativa

> 550
DRX
< 1100

> 950
DTA
< 1000

Dilatometria < 950

SEM < 1150

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